Diante de um estoque com mais de 64 mil doses de vacina contra HPV prestes a perder a validade, o Ministério da Saúde decidiu afrouxar as regras e permitir que homens e mulheres de até 26 anos recebam o imunizante. A estratégia, temporária, foi anunciada pela pasta sob a justificativa de evitar o desperdício. Nem bem entrou em vigor, a tática já é alvo de severas críticas de especialistas.
“É uma improvisação. Não há nada que mostre que uma medida como essa trará um impacto em termos de saúde pública”, afirma o infectologista Arthur Timerman. Atualmente, o público-alvo da vacina contra HPV é composto por meninos entre 11 e 15 anos incompletos e por meninas com idade entre 9 e 15 anos incompletos. Desde que o imunizante foi incorporado no Sistema Único de Saúde, a ênfase foi garantir que crianças e adolescentes fossem imunizados antes de o início da vida sexual. Esse cuidado, diziam autoridades públicas, traria a garantia de que a criança não teria tido contato ainda com o vírus e, assim, a vacina teria como exercer seu papel protetor.
“O que dizer de pessoas que certamente já começaram a vida sexual? A vacina não será eficaz”, afirmou Timerman. Em outras palavras, o desperdício também estará presente, mas de uma forma mascarada. Para o infectologista, o que deveria ser feito, diante da proximidade do vencimento de vacinas em estoque, seria reforçar o apelo para que jovens fossem aos postos de saúde.
O diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rodrigo Lima, também disse discordar da estratégia. “Fica evidente que não há um critério de saúde pública”, disse. “É uma declaração de insucesso”, concordou o pesquisador da Fiocruz, Cláudio Maierovitch.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, tem uma avaliação diferente. Ele acredita que a medida pode, sim, trazer benefícios. A vacina de HPV distribuída pelo SUS protege contra 4 sorotipos de vírus: 6, 11, 16 e 18. “Dificilmente a população tem contato com quatro. Há sempre a chance de ele se proteger contra um dos subtipos”, disse. Kfouri citou ainda estudos feitos na Austrália, com população adulta, indicando uma proteção não apenas contra o câncer, mas contra verrugas genitais.
Em entrevista ao Estado, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, admitiu que essa não é a estratégia ideal. “Mas há uma decisão de que não vamos prorrogar campanhas. Terminado o prazo, a vacina será ofertada para todos que tiverem interesse”, disse.
Barros aposta que nas próximas campanhas, com a adesão maior de escolas para vacinação de estudantes contra HPV, os indicadores poderão ser melhores. Essa, no entanto, já era a esperança no início desta campanha do HPV. Os resultados foram muito abaixo do esperado. A vacinação de meninos, para se ter uma ideia, não chegou nem mesmo aos 25% do que era esperado. De janeiro a junho, 853.920 mil adolescentes de 12 a 13 anos se vacinaram com a primeira dose da vacina de HPV, o que corresponde a 23,6% dos 3,61 milhões de meninos nessa faixa etária que devem se imunizar.
Além de não ter um impacto em termos de saúde pública, a medida anunciada pelo governo poderá trazer também um aumento de custos. A vacinação da população de até 26 anos é aberta apenas para cidades que tenham estoques com vencimento até setembro. As pessoas atendidas, no entanto, terão direito a completar o esquema, com mais duas doses do imunizante, com intervalo de dois e seis meses. O governo pagou por cada dose da vacina R$ 43. Se as 64 mil vacinas forem dadas para pessoas fora do público-alvo, isso significaria que R$ 5 milhões precisariam ser desembolsados para arcar com o esquema de imunização de pessoas incluídas nessa solução de última hora.