Atualizado às 21h56
RECIFE - O Ministério da Saúde declarou emergência sanitária nacional, por causa de um surto em Pernambuco de nascimento de bebês com microcefalia, má-formação que causa sérias deficiências de desenvolvimento. Até o momento, foram notificados 141 casos em 55 cidades. A maioria foi registrada a partir de outubro e uma das suspeitas é de ligação com o zika vírus.
O número é 15 vezes superior à média do período 2010-2014: 9 casos por ano. Há ainda notificações em Rio Grande do Norte e Paraíba, mas em menores proporções. “Não há registro de uma situação como essa na história recente”, diz o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do ministério, Cláudio Maierovitch.
É a primeira vez que o País decreta emergência sanitária, desde que se definiram regras para o uso desse mecanismo, em 2011. Ela permite que governo dispense licitação para compras e contratações, além de facilitar a criação de grupos de investigação. “A situação exige toda nossa capacidade de resposta e o ministério não poupará esforços”, justificou o ministro da Saúde, Marcelo Castro. Além de trabalhar com Estados e municípios, o governo deve ter a colaboração de institutos de pesquisas internacionais, como o Centro de Controle de Doenças (CDC), dos EUA, e o Instituto Pasteur, da França.
Bebês com microcefalia nascem com perímetro cefálico menor do que a média. O problema pode ser provocado por uma série de fatores, desde desnutrição da mãe e abuso de drogas, até infecções durante a gestação, como rubéola, toxoplasmose e citomegalovírus. Uma das hipóteses avaliadas pela equipe que investiga o surto é a contaminação da mãe pelo zika. Transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo mosquito que provoca a dengue, o vírus causa uma reação que até agora era dada como de pouca importância nos adultos: febre baixa, coceiras, manchas vermelhas pelo corpo. A doença chegou ao Brasil neste ano e atingiu principalmente Estados do Nordeste.
O aumento de casos de bebês com microcefalia coincide com o período em que gestantes poderiam ter tido contato com o vírus. No início do ano, Pernambuco enfrentou uma epidemia de dengue e zika. Foram 113.328 infecções no Estado, cinco vezes mais do que havia ocorrido em 2014. “É uma das causas que serão investigadas”, contou o professor da Universidade Federal de Pernambuco e colaborador da Fiocruz Carlos Brito.
O Ministério da Saúde considera grandes as chances de que o expressivo aumento de nascimento de bebês com microcefalia esteja relacionado com uma doença infecciosa, transmitida por vetores (mosquitos). São duas as razões para isso: o aparecimento súbito (identificado a partir de agosto) de pacientes e o fato de os casos estarem espalhados por várias regiões de Pernambuco. O caso foi já foi levado à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
Há duas semanas, um grupo da Vigilância do Ministério da Saúde está no Estado. Mães e bebês estão sendo submetidos a exames específicos. “O problema é que um eventual contato do bebê com algum vírus ocorre ainda durante a gestação. O resultado negativo para a pesquisa do vírus não necessariamente quer dizer que bebê e mãe não foram contaminados. São necessários testes sorológicos”, avalia Brito.
No Rio Grande do Norte, até o início da semana, haviam sido identificados 10 bebês com microcefalia. Há ainda outras 11 gestantes com bebês que já tiveram o diagnóstico da má-formação. “Das gestantes analisadas, 70% apresentaram relatos de manchas pelo corpo e coceiras durante os primeiros meses da gestação”, disse o pesquisador Kleber Luz, da Fiocruz. “É preciso deixar claro que outras hipóteses têm de ser avaliadas. Estamos sendo muito cautelosos, mas não podemos descartar nenhuma hipótese.”
Qualquer que seja a causa, o impacto para a saúde pública e para as famílias é grande. “Crianças que nascem com microcefalia têm de ser acompanhadas regularmente. Vão precisar de fisioterapia e terapia ocupacional”, explica a neurologista infantil Adélia Henrique Souza, uma das primeiras a identificar o aumento do número de casos em Pernambuco.
referenceSem saber o que fazer. Maria Eduarda Silva, de 16 anos e o namorado José Augusto Santos, de 19, não sabiam ao certo como seria a vida depois de deixar o hospital com o bebê Arthur, de 20 dias, na terça. Eles chegaram ao hospital para o parto no dia 24 e somente depois da cesárea foram informados do problema. “Deu uma revolta, um desespero. Na hora, pensei que nasceria muito estranho. Mas ele está bem”, disse o pai.
“Minha gravidez foi bem, não tive nada. Só dengue, que o médico descobriu logo no quarto mês”, disse Maria Eduarda. “Meus testes todos deram certinho. Mas Deus ajuda. Vou criá-lo com amor e tenho certeza de que ele vai ficar bonzinho”, completou.
Diagnóstico. O diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, avalia que a maior dificuldade é estabelecer causa e consequência, sobretudo pela falta de ferramentas de diagnóstico. “A causa da má-formação aconteceu há pelo menos seis meses. Esse período pode fazer com que boa parte dos detalhes seja esquecida”, afirma.
Exames existentes, por exemplo, para identificação de infecções provocadas por vírus transmitidos por insetos geralmente são pouco específicos: funcionam no período da contaminação. Quanto mais longe o período, mais difícil identificar o agente.
Diante dessas dificuldades, o governo aposta em duas alternativas, de onde a solução pode ser encontrada. De um lado, aumentou o ritmo para que um teste específico para o zika seja desenvolvido. Uma equipe da Fiocruz de Pernambuco trabalha no projeto e a expectativa é de que, até o fim do mês, a forma “artesanal” já poderá ser testada. O Ministério também entrará em contato com CDC, Pasteur e outros institutos de pesquisa em busca de alternativas.
Carlos Brito, da Federal de Pernambuco, acha difícil que o aumento de casos de microcefalia seja provocado, por exemplo, por dengue. “Temos epidemia de dengue no Brasil desde 1986 e nunca um fato como esse foi registrado.”