BRASÍLIA/ SÃO PAULO - O governo federal enviou ao Congresso Nacional proposta que prevê medidas sanitárias para enfrentar a "emergência de saúde" decorrente da epidemia de coronavírus. O texto prevê regras para o isolamento, a quarentena e a realização compulsória de exames em pacientes suspeitos de estarem infectados com o vírus no Brasil.
Pelo projeto, o governo poderá determinar a "restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País por rodovias, portos ou aeroportos". As medidas só podem ser ordenadas com base em "evidências científicas" e devem ser limitadas "no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à prevenção da saúde pública", diz o texto.
A expectativa é que o projeto seja votado ainda nesta terça-feira, 4, pela Câmara. A intenção do governo é adotar a nova legislação junto aos brasileiros que serão resgatados da cidade de Wuhan, na China, epicentro da epidemia do coronavírus.
Segundo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o governo estima em 40 o número de brasileiros na cidade chinesa que tem interesse em retornar ao Brasil. No total, são cerca de 55 brasileiros vivendo na região.
A falta de uma legislação específica sobre quarentena poderia dar margem para que as pessoas trazidas de volta ao Brasil se recusem a ficar isoladas.
O governo ainda não definiu o local que os brasileiros ficarão isolados. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, instalações nas cidades de Anápolis (GO), Florianópolis (SC) e uma no Nordeste estão sendo avaliadas.
A proposta enviada ao Congresso delega ao Ministério da Saúde a definição das condições e os prazos para o isolamento e a quarentena. Nesta segunda-feira, 3, Mandetta afirmou que o prazo da quarentena seria de 18 dias. Especialistas em saúde pública, no entanto, contestam a eficácia das medidas.
Ainda de acordo com o texto do projeto enviado pelo governo, as medidas previstas poderão ser adotadas enquanto vigorar a situação de "emergência de saúde", determinada nesta segunda-feira, 3, pelo Ministério da Saúde. Elas valem não apenas para os brasileiros que retornarão da China, mas para todos que apresentem sintomas de infecção pelo vírus, desde que comprovada a contaminação.
"As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública", diz o texto da proposta enviada ao Congresso.
O texto também prevê a dispensa de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de produtos, desde que haja autorização de autoridade sanitária estrangeira. Como mostrou o Estado mais cedo, o governo tenta tornar esta regra permanente para a compra de medicamentos de fora do País para o Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo especialistas consultados pelo Estado, a medida em casos de emergência pública já é regulamentada e pode ser útil caso surja uma vacina contra a doença.
Na justificativa, Mandetta afirma que "o anteprojeto de lei visa adequar a legislação interna, coordenando as ações e os serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) em todas as esferas federativas para permitir uma atuação eficiente e eficaz" do Estado.
Pelo projeto, os cidadãos brasileiros ficam obrigados a comunicar as autoridades no caso de sintomas da infecção pelo vírus, de contato com pacientes contaminados ou se estiveram em áreas consideradas de contaminação. A proposta também dispensa temporariamente a necessidade de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento do coronavírus.
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de encaminhar o assunto por meio de um projeto, e não mais por medida provisória, como inicialmente previsto, atende a uma recomendação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)
Inicialmente, o governo pretendia editar uma medida provisória, que tem vigência imediata, mas precisaria ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. Nesta segunda-feira, 3, Maia ponderou que a MP não poderia ser votada assim que chegasse ao Congresso, pois primeiro precisa passar por uma comissão especial. "Se o governo está com pressa e precisa votar amanhã (nesta terça) seria melhor encaminhar um projeto de lei (PL)", disse Maia. Um projeto de lei pode ter um ritual mais simples e ir direto ao plenário, pulando a etapa da comissão, a partir de um pedido de urgência para sua tramitação.
Emergência
Na mesma edição do Diário Oficial em que comunica o envio do projeto ao Congresso, Mandetta publicou a portaria que formaliza "emergência em saúde pública" no País por causa novo coronavírus. O anúncio foi feito nesta segunda-feira, 3, pelo ministro, mesmo sem caso de infecção confirmado no Brasil. Com isso, foi elevando o grau de risco no Brasil ao nível 3, o mais alto na escala. Na China, onde o novo vírus foi registrado pela primeira vez em dezembro, o surto já causou 426 mortes e mais de 20 mil casos. Ao menos 24 países já reportaram infectados.
Segundo o governo, o estado de emergência foi antecipado para dar mais "agilidade administrativa" ao poder público para compras de equipamentos de segurança, como máscaras e luvas para agentes de saúde, assim como para a operação de retirada de brasileiros na região de Wuhan, na China.
Brasileiros em Wuhan
O advogado Antônio Rodrigo Machado, representante da da comissão de brasileiros de Wuhan, afirmou que o grupo foi avisado de que deve estar pronto para o embarque de volta ao Brasil na sexta-feira, 7. “Ainda assim, não significa que o voo de volta acontecerá na própria sexta. Eles precisam estar prontos no dia 7, mas o embarque pode demorar mais um ou dois dias por questões burocráticas chinesas”, afirmou o advogado.
Da lista inicial de 32 brasileiros, 29 devem retornar ao Brasil. Os outros três ou já conseguiram sair do País, via delegação portuguesa, ou preferiram ficar na cidade por motivos particulares. De acordo com Machado, o governo ainda não teria informado oficialmente o local e as condições de infraestrutura da quarentena imposta aos brasileiros.
Na segunda-feira, 3, alguns familiares demostraram desconforto em relação à necessidade de quarentena. O servidor público aposentado José Neves de Siqueira Junior, 58 anos, pai de Vitor de Siqueira, de 28 anos, brasileiro que está na cidade de Wuhan, mostrou descontentamento e revolta: “Nossos filhos estão voltando na condição de pestilentos e obrigados a se retirar para um lugar distante, longe dos familiares”, diz ele.
A questão da quarentena chegou a causar polêmica entre os familiares, mas, segundo Machado, está pacificada. “Entendemos que a segurança do povo brasileiro é prioridade e agradecemos ao governo. Mas, é verdade, existem discordâncias em relação ao tempo da quarentena. Muitos pais entendem que 14 dias seriam o suficiente (o governo quer uma quarentena de 18 dias)", diz.
Para embarcarem no voo de repatriação, os brasileiros precisam assinar um documento em que o governo lista 13 pontos. O texto informa que o cidadão ficará confinado em um quarto individual e que deverá permitir aferição de dados vitais três vezes ao dia. Indivíduos da mesma família podem ficar em quartos compartilhados, se houver disponibilidade.
Além disso, o documento deixa claro que não haverá direito a visitas no período de quarentena. Também não haverá viagem de retorno à China paga pelo governo brasileiro.
Além disso, o texto diz que, se na chegada de Wuhan, a equipe médica responsável identificar qualquer sintoma sugestivo de infecção por coronavírus em algum dos brasileiros, essa pessoa não será repatriada.