A Universidade de São Paulo (USP) viu uma escalada na tensão entre reitoria e movimento estudantil nas duas últimas semanas, após alunos de várias unidades aprovarem uma paralisação contra o déficit de professores na instituição. Estudantes da Faculdade de Medicina, menos frequentes em mobilizações do tipo, incluíram na pauta de reivindicações a demanda por mais funcionários e leitos no Hospital Universitário (HU), unidade de saúde de referência na zona oeste paulistana.
A pauta central da greve é a falta de professores – a USP perdeu 800 docentes desde 2014 e não fez reposições, causando neste ano até o cancelamento de disciplinas obrigatórias de algumas graduações.
A reitoria já havia autorizado 879 contratações docentes, mas nesta quarta-feira, 4, foram anunciadas mais 148 vagas. Segundo o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, são vagas para docentes efetivos que estavam previstas para o ano que vem e foram adiantadas. O anúncio foi feito em reunião com os representantes dos estudantes grevistas.
Além da reivindicação maior de falta de professores, o alunos de algumas faculdades agregaram à pauta demandas específicas.
O Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, que representa o corpo discente da faculdade, diz que “o HU passa por um processo de desmantelamento” e que “é essencial a contratação de pelo menos mais 110 funcionários para tornar a situação do HU minimamente adequada ao seu papel no ensino e na assistência”.
Os alunos também pedem reposição rápida do quadro de professores dos cursos de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, que são os com maior déficit na unidade.
O Hospital Universitário perdeu 500 funcionários em 10 anos e reduziu a sua capacidade de atendimento, além de passar a funcionar de maneira regulada, por meio de encaminhamento de pacientes de pronto-socorro pré-hospitalares e Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da região, além dos via Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (CROSS) – antes, qualquer pessoa que chegava à unidade era atendida.
Segundo a reitoria da USP e a superintendência do HU, já foram disponibilizadas 120 vagas para novos funcionários do hospital, mas elas ainda estão em fase de contratação. “Já foram realizados os processos seletivos para o preenchimento das vagas para enfermeiros(as) e médicos(as) ortopedistas e psiquiatras, que se configuravam como demandas emergenciais do Hospital”, afirma a reitoria.
A USP diz ainda que, com as novas vagas e a atual quantidade de leitos, o hospital já cumpre o seu papel de funcionar como plataforma de ensino e pesquisa – o que seria a responsabilidade da universidade. Em entrevista ao Estadão, o superintendente do hospital, José Pinhata, disse que, pelo porte da unidade de saúde e segundo as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), é normal que ela funcione de maneira regulada.
Mudanças no HU na última década
Entre 2013 e este ano, o HU viu sua quantidade de leitos ativos reduzir de 233 para 130, segundo dados do Anuário Estatístico da USP e informações da superintendência do hospital. O total de internações, por sua vez, caiu para menos da metade até o ano passado. E o total de funcionários foi de 1.853 para 1.393 (haverá mais 120 após as vagas recém liberadas pela reitoria serem preenchidas).
O motivo são as inúmeras crises financeiras da universidade, que fizeram com que houvesse um projeto de demissão espontânea – tanto no hospital, quanto nas faculdades e institutos –, sem reposições futuras de vagas para estes postos e para aqueles que saíram por aposentadoria até então.
Em meio a este cenário, hoje, o hospital – único adulto voltado para casos de média complexidade na zona oeste da capital – atende cerca de cinco mil pacientes por mês, ante 17 mil em 2013. Mas essa baixa não se dá não só pela baixa de funcionários e leitos. Ela aconteceu e agora deve se estabilizar, principalmente, pela reformulação no modelo de atendimento, afirma a superintendência.
Há 10 anos, 90% dos quadros atendidos na unidade era de atenção primária, segundo Pinhata. Esses pacientes deixaram de ser atendidos no hospital e passaram a ser atendidos pela rede municipal, que formalmente tem essa obrigação. A unidade passou a receber, então, somente pacientes de média complexidade, mediante encaminhamento feito por unidades da atenção primária e CROSS.
“Nós só tínhamos essa porta totalmente aberta no Pronto Socorro antes pela relação próxima que temos com o bairro há tantos anos, mas isso não é comum em hospitais do nosso porte”, diz Pinhata. O atual modelo de atendimento do HU segue as diretrizes do próprio SUS, que visa otimizar os recursos e esforços de atendimento, direcionando os pacientes ao local cuja infraestrutura atende às suas necessidades.
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Questionado pelo Estadão sobre se a atual capacidade de atendimento do hospital atende à demanda da zona oeste, o superintendente do HU afirmou que a o número de novas contratações disponibilizadas pela reitoria é suficiente para suprir a atual demanda do hospital.
Para Pinhata e para a reitoria da USP, a quantidade de leitos que existem hoje no HU também é suficiente para “cumprir sua missão institucional dentro da Universidade, que é de ensino e de pesquisa”. Afinal, “a responsabilidade de garantir o atendimento de saúde à população é das secretarias de saúde”, afirma o superintendente.
“Sendo uma plataforma de ensino e pesquisa, não há planos de ampliar o número de leitos, pois o Hospital não tem a função de abarcar todos os atendimentos da zona oeste expandida”, diz a reitoria da USP.
Procurada pelo Estadão, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) disse que neste ano, já repassou R$ 269 milhões para a universidade. O valor a ser destinado pela pasta para a USP até o fim do ano deve ser de R$ 553 milhões. A USP, porém, diz não reconhecer esse montante divulgado pela secretaria. Segundo dados do Anuário Estatístico da USP, a universidade disponibilizou ao HU, em 2022, R$ 327 milhões.
A SES afirma ainda que o hospital atende aos adultos em quadros de média complexidade na região oeste, enquanto o Hospital Infantil Darcy Vargas recebe as crianças em estado de urgência e casos que necessitam de assistência em oncologia, hematologia, insuficiência renal, cirurgia neonatal, imunodeficiência e diabetes.
A pasta não respondeu, no entanto, se considera a quantidade de leitos suficiente para a região e se há planos de expansão de investimento no hospital por parte do Estado, ou de criação de um nova unidade na zona oeste.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) disse que, para ajudar a suprir a demanda da região oeste, a prefeitura deve entregar mais duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs): a Rio Pequeno, nos próximos meses, e a UPA Lapa, em 2024.
A prefeitura diz ainda que a região conta hoje com dois Pronto-socorros Municipais (PSMs), o João Catarin Mezzono, na Lapa, e Caetano Virgílio Neto, no Butantã. Além disso, a Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Sorocabana também conta com atendimento 24h para demandas de urgência e emergência.
A pasta municipal diz também que:
- “A região oeste conta com 29 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), cinco AMA/UBS Integradas, dois Centros de Saúde Escola (ambos funcionam como UBS) e uma AMA 12h”;
- “Todo equipamento pré-hospitalar possui hospital de referência na região e, dependendo da necessidade, o caso pode ser regulado para outros hospitais da cidade”;
- “A rede municipal de saúde possui 270 leitos de longa permanência nos Hospitais Municipais (HMs) Guarapiranga e São Luiz Gonzaga, e o atendimento varia conforme a necessidade e seguindo a prioridade clínica do caso”.