Causador da gripe aviária (influenza aviária), o vírus H5N1 foi identificado no Brasil pela primeira vez em maio deste ano. Até esta sexta-feira, 2, 19 casos de aves infectadas pela doença foram confirmadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A pasta chegou a declarar emergência zoosanitária no País por 180 dias e restringir eventos de criação de aves para evitar que a doença se espalhe na produção comercial e atinja a saúde das pessoas.
Não há registros de contaminações em humanos em território nacional até o momento. Mas, embora a transmissão do H5N1 para pessoas seja difícil de acontecer, especialistas ouvidos pelo Estadão explicam que esse risco pode aumentar à medida que cresce a quantidade de animais doentes e, consequentemente, a possibilidade de mutação do vírus.
A médica infectologista Nancy Bellei, docente e chefe do laboratório de pesquisa sobre vírus respiratórios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que as aves são naturalmente reservatórios para o vírus influenza, mas que alguns tipos, como H5N, têm maior propensão a se tornarem altamente patogênico para esses animais, que passam a carregar a influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP).
Por que o Brasil vive um surto de gripe aviária?
De acordo com a especialista, que também é consultora científica sobre influenza do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), o atual surto que acomete o Brasil e a América do Sul - locais onde a gripe aviária não tinha sido detectada antes - está relacionada justamente ao desenvolvimento de uma versão mais patogênica do influenza em aves migratórias, que se deslocam entre os países em busca de melhores condições para viver.
“Esse vírus altamente patogênico já foi detectado há várias décadas em outros continentes, como na África e na Ásia, e agora está chegando na América do Sul”, diz.
“O vírus H5N1 é mais comum em aves domésticas, como galinhas, gansos, marrecos e alguns tipos de pato, mas algumas aves migratórias que fazem o circuito pelo mundo, buscando um clima melhor, também começaram a ser infectadas. E quando estão contaminadas, sobrevivem, no máximo, até 48 horas”, afirma Nancy.
Ela explica que a transmissão para as pessoas é mais rara porque os humanos, diferente das aves, não carregam os receptores para o vírus que transmite a gripe aviária. O que não significa, porém, que a população humana não esteja livre de contrair a doença. De acordo com Nancy Bellei, os riscos das pessoas de se contaminarem com o H5N1 vai depender da capacidade do vírus sofrer mutações que o tornem adaptado à espécie humana.
Como a doença é transmitida?
A transmissão é feita por meio do contato com secreções, sangue, fezes e até com o tecido da ave infectada. A docente da Unifesp explica que, pelo histórico de contaminação em humanos, as pessoas tendem a se infectar quando manipulam diretamente o animal com vírus para prepará-lo para consumo próprio. Contudo, Nancy pontua que a transmissão também pode ser feita por meio de partículas de aerossóis, que saem das fezes das aves doentes e fazem a contaminação pelo ar.
Sintomas em humanos
Os sintomas da gripe aviária em humanos começam de forma parecida com uma influenza clássica, com febre alta, dores musculares, dor na lombar, dores de cabeça, náusea e fadiga, além de sintomas respiratórios, como tosse e expectoração.
Porém, segundo a médica, esse quadro pode evoluir com muita gravidade e o paciente apresentar dificuldades respiratórias e até hemorragia pulmonar. Há casos também em que a pessoa pode ser assintomática e não apresentar nenhum sinal de que está adoecido.
Índice de letalidade de 50%
De acordo com infectologista, cerca de 900 pessoas no mundo foram diagnosticados com gripe aviária desde 2003 - o número pode ser maior por conta dos assintomáticos -, e a letalidade atingiu 50% dos casos. “Não há outro vírus com uma taxa de letalidade tão alta assim”, afirmou.
O que fazer se está com suspeita?
Se uma pessoa for exposta a aves suspeitas ou confirmadas com H5N1, ela deve ser monitorada pelo serviço de saúde local, e ficar isolada por 10 dias, tempo de incubação do vírus (período em que os sintomas se manifestam).
Se o paciente apresentar sintomas, é necessário coletar secreções de região da nasofaringe - como feito na covid-19 com o swab - e permanecer isolada até os sintomas desaparecerem.
Nancy Bellei explica que, mesmo sem haver o registro de contaminação de humano para humano até hoje, o isolamento é feito para evitar o risco de mutação do vírus.
Tratamento para doença
O tratamento de um paciente com gripe aviária é feita com remédios antivirais, que já mostraram ser eficazes. Caso o quadro clínico se agrave, a pessoa deve ir para um hospital e receber outros cuidados para além da droga antiviral, segundo a infectologista. Ainda de acordo com a professora da Unifesp, vários países, como Estados Unidos, Reino Unido, Índia, Japão e China, estão trabalhando para desenvolver uma vacina que possa proteger as pessoas contra o vírus H5N1.
O consumo de aves é seguro?
Sim. Segundo a OMS, o Brasil continua com o status livre da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) por não haver registro de contaminação na produção comercial. E a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) afirma que registro de novos casos não devem gerar impactos nas exportações brasileiras.
Mesmo assim, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) declarou em 22 de maio estado de emergência zoossanitária em todo o Brasil por 180 dias. Na época, o Brasil registrava só oito casos. A medida foi tomada depois que o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de São Paulo (LFDA-SP) confirmar que mais três aves silvestres haviam sido testadas positivas para influenza aviária (H5N1), de alta patogenicidade (IAAP), no estado de Espírito Santo.
De acordo com o Mapa, a declaração de emergência zoossanitária foi feita para evitar que a doença chegue na produção de aves de subsistência e comercial e também para preservar a fauna e a saúde das pessoas. Além disso, o texto também ampliou, por tempo indeterminado, a suspensão de eventos que promovem aglomerações e a criação de aves, como exposições, torneios e feiras.
Fernanda Maris, professora do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Braz Cubas, explica que os casos confirmados aconteceram em aves silvestres, e não em granjas onde são tratados os frangos para consumo. “Mesmo assim, é importante que se faça o manuseio e o cozimento dessa carne de forma adequada para eliminar qualquer tipo de risco”, diz a docente.