O Crossfit é uma modalidade de treinamento relativamente nova, que tem ganhado bastante popularidade no Brasil nos últimos 10 anos. Criado em 2000 pelo ex-ginasta e técnico de ginástica estadunidense Greg Glassman, o Crossfit é um sistema cuja base é o treinamento intervalado de alta intensidade, e que combina exercícios de diferentes modalidades, em especial do levantamento de peso olímpico, do basismo (levantamento terra e agachamento são exemplos), da ginástica, do kettlebell e exercícios de endurance, tais como corrida e remo.
Os treinos são organizados em “metas para o dia”, os famosos WODs (do inglês Workout Of the Day), e normalmente são realizados em intensidade próxima da máxima. As sessões são, portanto, bastante extenuantes.
A crescente popularidade do Crossfit não é injustificada, já que seu formato tem algumas vantagens sobre modos mais convencionais de treinamento, tais como musculação e corrida. Os principais objetivos são melhorar a aptidão física aeróbia (isto é, o condicionamento cardiorrespiratório, popularmente conhecido como “fôlego”), aumentar a força e o tamanho dos músculos, além de aprimorar a resistência ou endurance muscular – objetivos esses que a musculação e o treinamento aeróbio, isoladamente, não conseguem atingir.
Ao formatar exercícios de força e ginásticos de alta intensidade em um modelo de treinamento intervalado, o Crossfit resulta, no fim das contas, em benefícios ao organismo que se assemelham aos já bem documentados ganhos da musculação mais tradicional somados às igualmente bem documentadas vantagens do HIIT (sigla para High-Intensity Interval Training).
Benefícios para além do físico
Para além de seus efeitos fisiológicos positivos, o Crossfit também apresenta algumas características que podem melhorar aspectos comportamentais relacionados à prática de exercícios. Sabe-se, por exemplo, que alguns dos fatores que fazem as pessoas desistirem dos exercícios incluem falta de motivação, ausência de desafios, baixa percepção de autoeficácia, não sentir prazer pela atividade e ausência de interações sociais relevantes durante a prática.
Na percepção de muitos, a natureza dinâmica do Crossfit se opõe à monotonia da musculação e das corridas de longa duração. Seu formato de treino em circuito – os blocos curtos de exercícios de alta intensidade – e a ideia de quebrar recordes pessoais e de se desafiar para completar o WOD são características que podem contribuir para que os praticantes se sintam motivados a não só a continuar na prática como também a progredir ao longo do tempo.
O Crossfit também se destaca pela excelente capacidade de formação de grupos de amizades, pois reúne pessoas com idades semelhantes e interesses parecidos, que facilmente se socializam e criam um sentimento de pertencimento a um grupo.
Corroborando essa ideia, um estudo demonstrou que praticantes de Crossfit apresentaram maior capital social e maior sentimento de pertencimento a uma comunidade do que membros de academias tradicionais. Outro estudo mostrou que, em um grupo de iniciantes, os praticantes de Crossfit apreciavam mais os treinos do que os que faziam o tradicional treinamento aeróbio contínuo, prolongado e de intensidade moderada.
Apesar disso, as taxas de desistência do Crossfit são relativamente altas, e não muito diferentes daquelas que se costuma observar em outras modalidades de treinamento. Em outras palavras, parece que nem todo mundo gosta ou consegue fazer treinos intensos e extenuantes e que, talvez, o Crossfit não seja para todos.
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Mas e as lesões?
À medida que o Crossfit se tornou mais popular, ele também ganhou um estigma de causador de lesões. Essa má fama deixa muitas pessoas reticentes quando consideram experimentar a modalidade e, frequentemente, até faz profissionais da saúde desencorajarem sua prática. Mas, até que ponto essa fama é justificada?
De fato, algumas características típicas do Crossfit, quando combinadas, podem aumentar as chances de lesões no aparelho locomotor. O risco aumenta ao se exigir a execução de exercícios complexos, que demandam coordenação e alta proficiência técnica, em alta velocidade e/ou com altas cargas, quando as pessoas já estão cansadas – lembremos que a fadiga e a exaustão pioram a qualidade técnica e o controle de nossos movimentos.
Além disso, a prática comum nos boxes de prescrever a mesma sessão de treino para todas as pessoas, independentemente de seus níveis de aptidão física e suas histórias pregressas, também acaba facilitando a ocorrência de lesões. Isso poderia ser facilmente minimizado com ajustes individualizados nos exercícios, redução na carga ou com mudanças no WOD. Embora os bons profissionais tenham o costume de tomar esses cuidados, nem sempre vemos isso nos boxes.
Em razão dessas características, as taxas de lesão do Crossfit são, de fato, ligeiramente superiores às observadas entre praticantes de musculação tradicional, como mostram alguns estudos. Isso, no entanto, não quer dizer que a prática do Crossfit seja temerária, ou que a modalidade seja extraordinariamente perigosa, conforme sua má fama pode sugerir.
Na verdade, uma vez que o Crossfit incorpora movimentos de esportes como a ginástica e o levantamento de peso olímpico, faz mais sentido comparar suas taxas de lesão com as registradas nessas outras modalidades. E os estudos têm, de fato, mostrado muita similaridade nas taxas de lesões no Crossfit em comparação com ginástica, levantamento de peso, futebol, e rúgbi, para dar alguns exemplos.
Os estudos têm também revelado fatores que podem predispor a lesões, conhecimento esse que pode (e deve!) ser utilizado para prevenção e redução dos riscos. Sabe-se, por exemplo, que a maior parte das lesões acometem os ombros, os joelhos e a coluna, e que são mais comuns no sexo masculino, em iniciantes e entre pessoas que treinam com menos supervisão profissional.
O caso do sexo masculino ser mais suscetível a lesões é curioso, pois parece estar associado ao uso pouco consciente de altas cargas e a uma maior resistência para aceitar supervisão profissional. Logo, parece imperativo que os boxes se organizem para oferecer mais supervisão, aplicação mais cuidadosa das cargas, além de mais individualização e adaptações para iniciantes e pessoas com menos aptidão física.
Se bem feito, parece claro que o Crossfit pode, sim, ser uma excelente forma de se exercitar, e que deve ser considerada como mais uma entre tantas outras boas opções de exercício.