Exercício, ciência e treinamento

Opinião|Dor significa que o exercício foi bom? Afinal, como saber se o treino está fazendo efeito?


Por muito tempo, o desconforto muscular após uma sessão de exercício foi considerado um sinal de ganho na hipertrofia, mas essa ideia caiu por terra

Por Guilherme Artioli

A cultura do “no pain, no gain” (“sem dor, sem ganhos”, em tradução livre) é inquestionavelmente forte no universo fitness, sobretudo quando falamos de treinamento de força e musculação. Impulsionada por influenciadores sem formação e, pasmem, por muitos profissionais da área, a ideia de que treino bom é aquele que causa dor parece servir como uma luva entre aqueles que não conseguem dissociar a prática de exercícios da ideia do desprazer. Como se fazer exercício fosse uma concessão, ou uma conta a ser paga (e o seu, já está pago?), e não um momento de diversão e autocuidado.

Do ponto de vista científico, sabemos, hoje, que essa ideia é essencialmente errada, e que utilizar a dor como parâmetro para saber se o treino fez efeito pode até ser contraproducente. No entanto, em passado não muito distante, uma hipótese razoavelmente bem aceita entre os acadêmicos dizia que o crescimento muscular ocorreria em resposta ao dano muscular provocado pelo treino. Permitam-me explicar.

A dor não deve ser usada como parâmetro para avaliar a efetividade do treino. Foto: SHOTPRIME STUDIO/Adobe Stock
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Quando fazemos musculação, ocorre uma tensão mecânica nas fibras musculares que trabalham para ajudar no levantamento do peso. Com essa tensão, alguns filamentos de proteínas podem se romper, causando lesões microscópicas na estrutura interna do músculo, ao que nos referimos como dano muscular. Se a tensão for alta (leia-se: se levantar muito peso) e prolongada o suficiente (isto é, se o número de séries e repetições for elevado), essas microlesões provavelmente irão acontecer de forma extensiva.

Em resposta a isso, há a ativação de um processo inflamatório local, que resulta em dor – normalmente, ela se manifesta entre 24 e 48 horas após a sessão de treino, e depois desaparece. É a famosa dor muscular de início tardio, algo que certamente o leitor que treina musculação já sentiu em algum momento de sua vida.

Além do inconveniente e do incômodo da dor, o dano muscular traz consigo inchaço local e leva à perda temporária de força e de mobilidade. Quem nunca sentiu dificuldade para subir e descer escadas ou levantar da cama após uma sessão intensa de musculação? Esses são os sinais mais comuns de que houve dano muscular extensivo.

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Esses sintomas também revelam que nossa capacidade de treinar ou de desempenhar bem nos dias seguintes estará reduzida – por isso, é sempre bom refletir sobre o quão pesado iremos treinar antes de eventos que exigem 100% de nossa capacidade física.

Apesar da dor muscular pós-treino estar fundamentalmente ligada à destruição de estruturas musculares, por muito tempo se acreditou que os músculos cresciam justamente enquanto se recuperavam do dano causado pelo treino. Logo, a presença do dano seria, segundo essa hipótese, um requisito obrigatório para a hipertrofia muscular. Seguindo essa lógica, há alguns anos alguns cientistas poderiam até concordar com a máxima do “no pain, no gain”.

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Porém, aos pesquisadores mais atentos, essa hipótese sempre gerou desconfiança. Afinal de contas, não é difícil perceber que o dano muscular se faz presente quase que exclusivamente após um treino não rotineiro. Em outras palavras, se você nunca treinou musculação e está começando, é provável que tenha dano e que experimente dor muscular de início tardio. Mas, se persistir por mais algumas sessões, perceberá que o dano e a dor deixarão de existir, mesmo após realizar o mesmo treino – ou quem sabe até um treino mais pesado. Esse fenômeno se chama efeito de carga repetida e mostra que existem mecanismos que protegem os músculos contra danos conforme a pessoa se habitua àquele treino.

Sabendo que o efeito da carga repetida ocorre após algumas poucas sessões de treino, como conciliá-lo com o fato de que a hipertrofia começa a se manifestar justamente quando esse processo está a todo vapor? Como sustentar a ideia de que o dano muscular leva à hipertrofia quando a própria hipertrofia acontece quando não há mais dano?

Em 2016, um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) jogou uma pá de cal sobre essa hipótese ao mostrar que, quando há dor e dano muscular, a produção de proteínas no músculo é direcionada primariamente para o reparo da estrutura que foi destruída no treino, ao invés de ser utilizada para construir mais músculo.

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Por outro lado, quando a pessoa se habitua ao treino e não tem mais dor e dano, a produção de proteínas é dirigida para a construção de novas estruturas musculares, permitindo, assim, que o músculo cresça.

Portanto, a melhor evidência que temos hoje indica que o dano muscular não apenas é desnecessário para o crescimento muscular, como também pode atrapalhar a hipertrofia. Se antigamente era aceitável usar a dor muscular como um parâmetro para saber se o treino havia sido bom, atualmente sabemos que o “no pain, no gain” não faz nenhum sentido.

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Como saber se o treino realmente fez efeito?

No dia a dia, não é possível ter a certeza de que uma única sessão de treino funcionou ou não – na verdade, é muito provável que todas as sessões funcionem para alguma coisa, e levem a algum tipo de resposta positiva. Sempre faz mais sentido olhar para os resultados em médio e longo prazo.

Se o objetivo é aumentar a força, por exemplo, você começará a perceber que consegue levantar cada vez mais pesos logo nas primeiras semanas.

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Já a hipertrofia muscular pode demorar um pouco mais para ser notada – para a maioria das pessoas, após três ou quatro meses de treinamento regular já dá para começar a perceber que os músculos estão ficando maiores e mais definidos. Se isso acontecer, esteja assegurado de que o programa de treinamento está funcionando como esperado. Caso contrário, reveja como o treino está sendo realizado ou avalie (com ajuda de profissionais) se outros fatores, como alimentação e descanso, estão adequados.

Curiosamente, as evidências mais recentes têm indicado que a musculação é efetiva mesmo em “doses” muito baixas, sendo que quatro séries por semana (por grupo muscular) já resulta em ganhos observáveis de hipertrofia – o mesmo ocorre com apenas uma série por semana para força muscular. Isso está em franca oposição à ideia do “no pain, no gain”.

Cá para nós? O melhor parâmetro para saber se seu treino está surtindo efeito é fazê-lo. Se você treina sempre, com consistência, fique tranquilo: seu treino funciona.

A cultura do “no pain, no gain” (“sem dor, sem ganhos”, em tradução livre) é inquestionavelmente forte no universo fitness, sobretudo quando falamos de treinamento de força e musculação. Impulsionada por influenciadores sem formação e, pasmem, por muitos profissionais da área, a ideia de que treino bom é aquele que causa dor parece servir como uma luva entre aqueles que não conseguem dissociar a prática de exercícios da ideia do desprazer. Como se fazer exercício fosse uma concessão, ou uma conta a ser paga (e o seu, já está pago?), e não um momento de diversão e autocuidado.

Do ponto de vista científico, sabemos, hoje, que essa ideia é essencialmente errada, e que utilizar a dor como parâmetro para saber se o treino fez efeito pode até ser contraproducente. No entanto, em passado não muito distante, uma hipótese razoavelmente bem aceita entre os acadêmicos dizia que o crescimento muscular ocorreria em resposta ao dano muscular provocado pelo treino. Permitam-me explicar.

A dor não deve ser usada como parâmetro para avaliar a efetividade do treino. Foto: SHOTPRIME STUDIO/Adobe Stock

Quando fazemos musculação, ocorre uma tensão mecânica nas fibras musculares que trabalham para ajudar no levantamento do peso. Com essa tensão, alguns filamentos de proteínas podem se romper, causando lesões microscópicas na estrutura interna do músculo, ao que nos referimos como dano muscular. Se a tensão for alta (leia-se: se levantar muito peso) e prolongada o suficiente (isto é, se o número de séries e repetições for elevado), essas microlesões provavelmente irão acontecer de forma extensiva.

Em resposta a isso, há a ativação de um processo inflamatório local, que resulta em dor – normalmente, ela se manifesta entre 24 e 48 horas após a sessão de treino, e depois desaparece. É a famosa dor muscular de início tardio, algo que certamente o leitor que treina musculação já sentiu em algum momento de sua vida.

Além do inconveniente e do incômodo da dor, o dano muscular traz consigo inchaço local e leva à perda temporária de força e de mobilidade. Quem nunca sentiu dificuldade para subir e descer escadas ou levantar da cama após uma sessão intensa de musculação? Esses são os sinais mais comuns de que houve dano muscular extensivo.

Esses sintomas também revelam que nossa capacidade de treinar ou de desempenhar bem nos dias seguintes estará reduzida – por isso, é sempre bom refletir sobre o quão pesado iremos treinar antes de eventos que exigem 100% de nossa capacidade física.

Apesar da dor muscular pós-treino estar fundamentalmente ligada à destruição de estruturas musculares, por muito tempo se acreditou que os músculos cresciam justamente enquanto se recuperavam do dano causado pelo treino. Logo, a presença do dano seria, segundo essa hipótese, um requisito obrigatório para a hipertrofia muscular. Seguindo essa lógica, há alguns anos alguns cientistas poderiam até concordar com a máxima do “no pain, no gain”.

Porém, aos pesquisadores mais atentos, essa hipótese sempre gerou desconfiança. Afinal de contas, não é difícil perceber que o dano muscular se faz presente quase que exclusivamente após um treino não rotineiro. Em outras palavras, se você nunca treinou musculação e está começando, é provável que tenha dano e que experimente dor muscular de início tardio. Mas, se persistir por mais algumas sessões, perceberá que o dano e a dor deixarão de existir, mesmo após realizar o mesmo treino – ou quem sabe até um treino mais pesado. Esse fenômeno se chama efeito de carga repetida e mostra que existem mecanismos que protegem os músculos contra danos conforme a pessoa se habitua àquele treino.

Sabendo que o efeito da carga repetida ocorre após algumas poucas sessões de treino, como conciliá-lo com o fato de que a hipertrofia começa a se manifestar justamente quando esse processo está a todo vapor? Como sustentar a ideia de que o dano muscular leva à hipertrofia quando a própria hipertrofia acontece quando não há mais dano?

Em 2016, um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) jogou uma pá de cal sobre essa hipótese ao mostrar que, quando há dor e dano muscular, a produção de proteínas no músculo é direcionada primariamente para o reparo da estrutura que foi destruída no treino, ao invés de ser utilizada para construir mais músculo.

Por outro lado, quando a pessoa se habitua ao treino e não tem mais dor e dano, a produção de proteínas é dirigida para a construção de novas estruturas musculares, permitindo, assim, que o músculo cresça.

Portanto, a melhor evidência que temos hoje indica que o dano muscular não apenas é desnecessário para o crescimento muscular, como também pode atrapalhar a hipertrofia. Se antigamente era aceitável usar a dor muscular como um parâmetro para saber se o treino havia sido bom, atualmente sabemos que o “no pain, no gain” não faz nenhum sentido.

Como saber se o treino realmente fez efeito?

No dia a dia, não é possível ter a certeza de que uma única sessão de treino funcionou ou não – na verdade, é muito provável que todas as sessões funcionem para alguma coisa, e levem a algum tipo de resposta positiva. Sempre faz mais sentido olhar para os resultados em médio e longo prazo.

Se o objetivo é aumentar a força, por exemplo, você começará a perceber que consegue levantar cada vez mais pesos logo nas primeiras semanas.

Já a hipertrofia muscular pode demorar um pouco mais para ser notada – para a maioria das pessoas, após três ou quatro meses de treinamento regular já dá para começar a perceber que os músculos estão ficando maiores e mais definidos. Se isso acontecer, esteja assegurado de que o programa de treinamento está funcionando como esperado. Caso contrário, reveja como o treino está sendo realizado ou avalie (com ajuda de profissionais) se outros fatores, como alimentação e descanso, estão adequados.

Curiosamente, as evidências mais recentes têm indicado que a musculação é efetiva mesmo em “doses” muito baixas, sendo que quatro séries por semana (por grupo muscular) já resulta em ganhos observáveis de hipertrofia – o mesmo ocorre com apenas uma série por semana para força muscular. Isso está em franca oposição à ideia do “no pain, no gain”.

Cá para nós? O melhor parâmetro para saber se seu treino está surtindo efeito é fazê-lo. Se você treina sempre, com consistência, fique tranquilo: seu treino funciona.

A cultura do “no pain, no gain” (“sem dor, sem ganhos”, em tradução livre) é inquestionavelmente forte no universo fitness, sobretudo quando falamos de treinamento de força e musculação. Impulsionada por influenciadores sem formação e, pasmem, por muitos profissionais da área, a ideia de que treino bom é aquele que causa dor parece servir como uma luva entre aqueles que não conseguem dissociar a prática de exercícios da ideia do desprazer. Como se fazer exercício fosse uma concessão, ou uma conta a ser paga (e o seu, já está pago?), e não um momento de diversão e autocuidado.

Do ponto de vista científico, sabemos, hoje, que essa ideia é essencialmente errada, e que utilizar a dor como parâmetro para saber se o treino fez efeito pode até ser contraproducente. No entanto, em passado não muito distante, uma hipótese razoavelmente bem aceita entre os acadêmicos dizia que o crescimento muscular ocorreria em resposta ao dano muscular provocado pelo treino. Permitam-me explicar.

A dor não deve ser usada como parâmetro para avaliar a efetividade do treino. Foto: SHOTPRIME STUDIO/Adobe Stock

Quando fazemos musculação, ocorre uma tensão mecânica nas fibras musculares que trabalham para ajudar no levantamento do peso. Com essa tensão, alguns filamentos de proteínas podem se romper, causando lesões microscópicas na estrutura interna do músculo, ao que nos referimos como dano muscular. Se a tensão for alta (leia-se: se levantar muito peso) e prolongada o suficiente (isto é, se o número de séries e repetições for elevado), essas microlesões provavelmente irão acontecer de forma extensiva.

Em resposta a isso, há a ativação de um processo inflamatório local, que resulta em dor – normalmente, ela se manifesta entre 24 e 48 horas após a sessão de treino, e depois desaparece. É a famosa dor muscular de início tardio, algo que certamente o leitor que treina musculação já sentiu em algum momento de sua vida.

Além do inconveniente e do incômodo da dor, o dano muscular traz consigo inchaço local e leva à perda temporária de força e de mobilidade. Quem nunca sentiu dificuldade para subir e descer escadas ou levantar da cama após uma sessão intensa de musculação? Esses são os sinais mais comuns de que houve dano muscular extensivo.

Esses sintomas também revelam que nossa capacidade de treinar ou de desempenhar bem nos dias seguintes estará reduzida – por isso, é sempre bom refletir sobre o quão pesado iremos treinar antes de eventos que exigem 100% de nossa capacidade física.

Apesar da dor muscular pós-treino estar fundamentalmente ligada à destruição de estruturas musculares, por muito tempo se acreditou que os músculos cresciam justamente enquanto se recuperavam do dano causado pelo treino. Logo, a presença do dano seria, segundo essa hipótese, um requisito obrigatório para a hipertrofia muscular. Seguindo essa lógica, há alguns anos alguns cientistas poderiam até concordar com a máxima do “no pain, no gain”.

Porém, aos pesquisadores mais atentos, essa hipótese sempre gerou desconfiança. Afinal de contas, não é difícil perceber que o dano muscular se faz presente quase que exclusivamente após um treino não rotineiro. Em outras palavras, se você nunca treinou musculação e está começando, é provável que tenha dano e que experimente dor muscular de início tardio. Mas, se persistir por mais algumas sessões, perceberá que o dano e a dor deixarão de existir, mesmo após realizar o mesmo treino – ou quem sabe até um treino mais pesado. Esse fenômeno se chama efeito de carga repetida e mostra que existem mecanismos que protegem os músculos contra danos conforme a pessoa se habitua àquele treino.

Sabendo que o efeito da carga repetida ocorre após algumas poucas sessões de treino, como conciliá-lo com o fato de que a hipertrofia começa a se manifestar justamente quando esse processo está a todo vapor? Como sustentar a ideia de que o dano muscular leva à hipertrofia quando a própria hipertrofia acontece quando não há mais dano?

Em 2016, um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) jogou uma pá de cal sobre essa hipótese ao mostrar que, quando há dor e dano muscular, a produção de proteínas no músculo é direcionada primariamente para o reparo da estrutura que foi destruída no treino, ao invés de ser utilizada para construir mais músculo.

Por outro lado, quando a pessoa se habitua ao treino e não tem mais dor e dano, a produção de proteínas é dirigida para a construção de novas estruturas musculares, permitindo, assim, que o músculo cresça.

Portanto, a melhor evidência que temos hoje indica que o dano muscular não apenas é desnecessário para o crescimento muscular, como também pode atrapalhar a hipertrofia. Se antigamente era aceitável usar a dor muscular como um parâmetro para saber se o treino havia sido bom, atualmente sabemos que o “no pain, no gain” não faz nenhum sentido.

Como saber se o treino realmente fez efeito?

No dia a dia, não é possível ter a certeza de que uma única sessão de treino funcionou ou não – na verdade, é muito provável que todas as sessões funcionem para alguma coisa, e levem a algum tipo de resposta positiva. Sempre faz mais sentido olhar para os resultados em médio e longo prazo.

Se o objetivo é aumentar a força, por exemplo, você começará a perceber que consegue levantar cada vez mais pesos logo nas primeiras semanas.

Já a hipertrofia muscular pode demorar um pouco mais para ser notada – para a maioria das pessoas, após três ou quatro meses de treinamento regular já dá para começar a perceber que os músculos estão ficando maiores e mais definidos. Se isso acontecer, esteja assegurado de que o programa de treinamento está funcionando como esperado. Caso contrário, reveja como o treino está sendo realizado ou avalie (com ajuda de profissionais) se outros fatores, como alimentação e descanso, estão adequados.

Curiosamente, as evidências mais recentes têm indicado que a musculação é efetiva mesmo em “doses” muito baixas, sendo que quatro séries por semana (por grupo muscular) já resulta em ganhos observáveis de hipertrofia – o mesmo ocorre com apenas uma série por semana para força muscular. Isso está em franca oposição à ideia do “no pain, no gain”.

Cá para nós? O melhor parâmetro para saber se seu treino está surtindo efeito é fazê-lo. Se você treina sempre, com consistência, fique tranquilo: seu treino funciona.

A cultura do “no pain, no gain” (“sem dor, sem ganhos”, em tradução livre) é inquestionavelmente forte no universo fitness, sobretudo quando falamos de treinamento de força e musculação. Impulsionada por influenciadores sem formação e, pasmem, por muitos profissionais da área, a ideia de que treino bom é aquele que causa dor parece servir como uma luva entre aqueles que não conseguem dissociar a prática de exercícios da ideia do desprazer. Como se fazer exercício fosse uma concessão, ou uma conta a ser paga (e o seu, já está pago?), e não um momento de diversão e autocuidado.

Do ponto de vista científico, sabemos, hoje, que essa ideia é essencialmente errada, e que utilizar a dor como parâmetro para saber se o treino fez efeito pode até ser contraproducente. No entanto, em passado não muito distante, uma hipótese razoavelmente bem aceita entre os acadêmicos dizia que o crescimento muscular ocorreria em resposta ao dano muscular provocado pelo treino. Permitam-me explicar.

A dor não deve ser usada como parâmetro para avaliar a efetividade do treino. Foto: SHOTPRIME STUDIO/Adobe Stock

Quando fazemos musculação, ocorre uma tensão mecânica nas fibras musculares que trabalham para ajudar no levantamento do peso. Com essa tensão, alguns filamentos de proteínas podem se romper, causando lesões microscópicas na estrutura interna do músculo, ao que nos referimos como dano muscular. Se a tensão for alta (leia-se: se levantar muito peso) e prolongada o suficiente (isto é, se o número de séries e repetições for elevado), essas microlesões provavelmente irão acontecer de forma extensiva.

Em resposta a isso, há a ativação de um processo inflamatório local, que resulta em dor – normalmente, ela se manifesta entre 24 e 48 horas após a sessão de treino, e depois desaparece. É a famosa dor muscular de início tardio, algo que certamente o leitor que treina musculação já sentiu em algum momento de sua vida.

Além do inconveniente e do incômodo da dor, o dano muscular traz consigo inchaço local e leva à perda temporária de força e de mobilidade. Quem nunca sentiu dificuldade para subir e descer escadas ou levantar da cama após uma sessão intensa de musculação? Esses são os sinais mais comuns de que houve dano muscular extensivo.

Esses sintomas também revelam que nossa capacidade de treinar ou de desempenhar bem nos dias seguintes estará reduzida – por isso, é sempre bom refletir sobre o quão pesado iremos treinar antes de eventos que exigem 100% de nossa capacidade física.

Apesar da dor muscular pós-treino estar fundamentalmente ligada à destruição de estruturas musculares, por muito tempo se acreditou que os músculos cresciam justamente enquanto se recuperavam do dano causado pelo treino. Logo, a presença do dano seria, segundo essa hipótese, um requisito obrigatório para a hipertrofia muscular. Seguindo essa lógica, há alguns anos alguns cientistas poderiam até concordar com a máxima do “no pain, no gain”.

Porém, aos pesquisadores mais atentos, essa hipótese sempre gerou desconfiança. Afinal de contas, não é difícil perceber que o dano muscular se faz presente quase que exclusivamente após um treino não rotineiro. Em outras palavras, se você nunca treinou musculação e está começando, é provável que tenha dano e que experimente dor muscular de início tardio. Mas, se persistir por mais algumas sessões, perceberá que o dano e a dor deixarão de existir, mesmo após realizar o mesmo treino – ou quem sabe até um treino mais pesado. Esse fenômeno se chama efeito de carga repetida e mostra que existem mecanismos que protegem os músculos contra danos conforme a pessoa se habitua àquele treino.

Sabendo que o efeito da carga repetida ocorre após algumas poucas sessões de treino, como conciliá-lo com o fato de que a hipertrofia começa a se manifestar justamente quando esse processo está a todo vapor? Como sustentar a ideia de que o dano muscular leva à hipertrofia quando a própria hipertrofia acontece quando não há mais dano?

Em 2016, um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) jogou uma pá de cal sobre essa hipótese ao mostrar que, quando há dor e dano muscular, a produção de proteínas no músculo é direcionada primariamente para o reparo da estrutura que foi destruída no treino, ao invés de ser utilizada para construir mais músculo.

Por outro lado, quando a pessoa se habitua ao treino e não tem mais dor e dano, a produção de proteínas é dirigida para a construção de novas estruturas musculares, permitindo, assim, que o músculo cresça.

Portanto, a melhor evidência que temos hoje indica que o dano muscular não apenas é desnecessário para o crescimento muscular, como também pode atrapalhar a hipertrofia. Se antigamente era aceitável usar a dor muscular como um parâmetro para saber se o treino havia sido bom, atualmente sabemos que o “no pain, no gain” não faz nenhum sentido.

Como saber se o treino realmente fez efeito?

No dia a dia, não é possível ter a certeza de que uma única sessão de treino funcionou ou não – na verdade, é muito provável que todas as sessões funcionem para alguma coisa, e levem a algum tipo de resposta positiva. Sempre faz mais sentido olhar para os resultados em médio e longo prazo.

Se o objetivo é aumentar a força, por exemplo, você começará a perceber que consegue levantar cada vez mais pesos logo nas primeiras semanas.

Já a hipertrofia muscular pode demorar um pouco mais para ser notada – para a maioria das pessoas, após três ou quatro meses de treinamento regular já dá para começar a perceber que os músculos estão ficando maiores e mais definidos. Se isso acontecer, esteja assegurado de que o programa de treinamento está funcionando como esperado. Caso contrário, reveja como o treino está sendo realizado ou avalie (com ajuda de profissionais) se outros fatores, como alimentação e descanso, estão adequados.

Curiosamente, as evidências mais recentes têm indicado que a musculação é efetiva mesmo em “doses” muito baixas, sendo que quatro séries por semana (por grupo muscular) já resulta em ganhos observáveis de hipertrofia – o mesmo ocorre com apenas uma série por semana para força muscular. Isso está em franca oposição à ideia do “no pain, no gain”.

Cá para nós? O melhor parâmetro para saber se seu treino está surtindo efeito é fazê-lo. Se você treina sempre, com consistência, fique tranquilo: seu treino funciona.

Opinião por Guilherme Artioli

Bacharel, mestre e doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Faculdade de Medicina da USP e professor do Instituto de Ciência Biomédicas da USP.

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