A obesidade é uma condição de risco que vem avançando de forma acelerada, e caracteriza-se pelo excesso de gordura corporal, que leva ao aumento das chances de desenvolvimento de diversas doenças, tais como diabetes e problemas cardiovasculares. Diferente do que muitos pensam, as causas da obesidade ainda não são bem compreendidas pela ciência. Obviamente, o ganho de peso ocorre, em última análise, quando o volume de energia consumida supera o de energia gasta, criando um estado de superávit energético.
Trocando em miúdos, o ganho de peso e a obesidade requerem, por força das leis da física, que se coma mais do que se gaste. Isso, no entanto, apenas enuncia uma condição física que deve obrigatoriamente ser atendida para que o ganho de peso ocorra, e não fornece qualquer explicação biológica, psicológica ou social para o fato de as pessoas estarem comendo cada vez mais e gastando cada vez menos. Ainda assim, o entendimento predominante dentre leigos e profissionais é o de que a obesidade é causada unicamente pelo desequilíbrio entre consumo e gasto energéticos.
Na esteira dessa visão extremamente simplista, surgem propostas igualmente simples (e equivocadas) de resolução do problema: bastaria, segundo essa ótica, comer menos e se exercitar mais. E se isso não funcionar, a culpa recai automaticamente sobre o próprio paciente, afinal, ele não teria tido força de vontade ou amor próprio suficientes para fazer algo tão fácil como treinar e comer menos. Ao se isentar de qualquer responsabilidade sobre o paciente, o profissional de saúde, além de não ajudá-lo a melhorar sua saúde, acaba reforçando estigmas negativos para as pessoas com obesidade.
O problema do discurso “coma menos, exercite-se mais” é que ele claramente não funciona, já que vem sendo usado há décadas e, mesmo assim, o problema só se agrava. Portanto, precisamos mudar nossa forma de ver, entender e de tratar a obesidade se quisermos, de fato, melhorar a saúde das pessoas com essa condição.
Ainda sob a mesma ótica míope de obesidade, o exercício físico tem sido rebaixado ao papel de mero queimador de calorias, como se seu principal benefício para pessoas com obesidade fosse auxiliá-las a atingir um déficit calórico. Acontece que o exercício físico, por incrível que pareça, é pouquíssimo eficiente em produzir déficits calóricos importantes e, portanto, contribui muito pouco para a perda de peso.
Existem diversas razões para a baixa eficiência do exercício. Uma delas é que gastar muitas calorias com atividade física demanda muito esforço, o que é especialmente difícil para pessoas com baixo condicionamento físico ou com pouco tempo, estrutura ou organização para praticar exercícios.
Para se ter uma ideia, para queimar cerca de 450 calorias, é necessário correr aproximadamente 8 quilômetros – o que, convenhamos, não é tarefa simples. A mesma quantidade de calorias pode ser facilmente ingerida em 2 ou 3 pedaços de pizza. Outra importante razão para o efeito discreto do treinamento na redução do peso é o aumento da fome que muitas pessoas sentem depois que fazem exercício.
Além disso, um efeito do exercício frequentemente ignorado é a redução compensatória do gasto energético basal, que é a quantidade de energia que nosso corpo gasta para manter as funções vitais. Como decorrência desse efeito, estima-se que cerca de 30% das calorias gastas durante o exercício sejam compensadas (ou “retornem” ao corpo) pela redução do gasto calórico basal. Em pessoas com mais gordura corporal, esse valor pode chegar a 50%! Ou seja, até metade das calorias gastas são compensadas via redução do metabolismo basal. E nosso corpo ainda encontra outras formas de compensar o gasto energético do exercício.
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Os ajustes que o treinamento físico causa no metabolismo energético são tão importantes que um estudo mostrou que um programa de exercícios com gasto semanal de 1.500 calorias (equivalente a cinco sessões semanais de cerca de 30 minutos de corrida) resulta em um gasto, de fato, de apenas 500 calorias semanais, se descontadas as calorias que deixam de ser gastas por esse efeito compensatório.
A perda de peso tem um efeito semelhante. Ao emagrecer, a pessoa perde tecido metabolicamente ativo, reduzindo o gasto energético proporcional, e tem ainda uma redução adicional no gasto energético, além do que seria causado apenas pela perda de tecido metabolicamente ativo, um fenômeno conhecido como adaptação metabólica.
Essa redução do gasto energético é uma das razões por trás da dificuldade das pessoas de continuar perdendo peso após um certo ponto (o chamado efeito platô), e também da facilidade de reganho de peso após um programa de emagrecimento.
Curiosamente, as pessoas também costumam acreditar que o exercício ajuda a frear essa redução do metabolismo, já que o treinamento (em especial a musculação) preserva ou até aumenta a massa muscular – um tecido de elevada atividade metabólica. Contudo, não é isso que os estudos mostram, já que perdas importantes de peso são acompanhadas de redução do metabolismo mesmo quando há preservação da massa muscular.
Mas o fato do exercício não ser lá muito bom em reduzir o peso não quer dizer, de forma alguma, que ele não seja uma boa ferramenta de manejo da obesidade. Muito pelo contrário! O treinamento é importante porque preserva a massa muscular, normalmente perdida em grandes quantidades quando há perda de peso significativa. Ao fazer exercícios, uma pessoa que perde peso tende a perder preferencialmente um tipo bem específico de gordura – a gordura visceral.
Essa gordura se localiza em regiões profundas da cavidade abdominal, e é a principal responsável pelos problemas que a obesidade pode trazer à saúde cardíaca e metabólica. O treinamento também melhora a aptidão física aeróbia, um dos principais fatores que reduzem o risco de doenças e de mortalidade associado à obesidade. Também há melhoras na ação do hormônio insulina, efeito que se contrapõe ao diabetes causado pela obesidade. Além disso, as pessoas que são mais ativas têm menores chances de reganho do peso perdido.
Em qualquer cenário, com ou sem perda de peso, o exercício físico regular reduz o risco das complicações da obesidade, melhora o estado de saúde e a qualidade de vida da pessoa com a condição. Aprender a valorizar esses ganhos e manter a constância na prática de exercícios vai trazer mais benefícios para os pacientes do que a mera - e imprecisa - contagem de calorias. Os benefícios do exercício são tantos que não podem ser medidos em uma balança.