Exercício, ciência e treinamento

Opinião|Tênis de corrida: esqueça tudo o que te disseram sobre a escolha do modelo ideal


Definir qual é o calçado certo para essa atividade é muito mais simples do que costumam dizer por aí

Por Guilherme Artioli

O leitor que já considerou começar a correr, ainda que de forma amadora e despretensiosa, já deve ter ouvido que precisa ter cuidado ao escolher seu tênis se não quiser sofrer lesões. Afinal, o impacto da corrida poderia ser prejudicial ao sistema musculoesquelético. Deve também ter ouvido histórias sobre tênis específicos para cada um, e até vendedores dizendo se seu (pronado ou supinado) precisa desse ou daquele modelo.

Não raro, essas histórias vêm com ares de ameaça, e são acompanhadas de anedotas que reforçam um sentimento de medo aos que ousam correr sem o tal “tênis certo”, uma entidade mal definida e misteriosa, como é todo ser mítico ao qual devemos temer.

Claro, há uma indústria que se alimenta disso – e que lucra a partir do nosso medo. De antemão, quero já tranquilizar o leitor: não temos, hoje, evidências científicas que sustentem tais alegações, muito menos que justifiquem o clima de temor que se cria ao redor dos tênis de corrida e o risco de lesões.

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Para pessoas normais, a escolha do tênis de corrida não é tão complexa como se imagina.  Foto: peopleimages.com/Adobe Stock

Tênis, impacto e lesões

Ao contrário do que se diz, o impacto da corrida não nos deveria causar grandes preocupações, já que as forças geradas durante a atividade são baixas (alto em torno de 1,5 a 3 vezes o peso corporal, a depender da velocidade). Além disso, a maior parte do amortecimento desse impacto é realizada pelos músculos, e não pelos calçados. Logo, investir em músculos saudáveis e em aperfeiçoar a técnica de corrida parecem ser melhores negócios.

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No que concerne o uso de tênis específicos para a prevenção de lesões, os poucos e limitados estudos mostram que a escolha de modelos visando à prevenção de lesões ou a prescrição de tênis com base nas características do pé das pessoas não reduzem as chances de lesões nos membros inferiores. O fato de que modelos específicos não previnam lesões não implica, no entanto, que os tênis não cumpram nenhuma função. Cumprem, sim: a principal delas é proteger os pés do corredor contra danos físicos que ele pode encontrar em seu percurso.

Isso também não significa que alguns tênis não sejam pouco apropriados para corrida. Alguns estudos mostram que aqueles com o calcanhar muito alto e inclinado (como se tivesse uma espécie de salto alto) fazem com que o corredor altere seu movimento durante a corrida. Nesses casos, a fase de aterrisagem passa a ser feita com o calcanhar tocando o solo, o que leva a um aumento do ângulo de flexão do pé. É como se as pisadas fossem feitas com os dedos muito apontados para cima. O problema é que os músculos da canela, responsáveis por levantar os dedos do pé, podem ficar sobrecarregados ao longo do tempo, levando a dores crônicas e inflamação, as famosas canelites.

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Alguns tênis podem melhorar o desempenho

Ainda que haja pouca justificativa para fazer investimentos altos em tênis com a intenção de evitar lesões, a coisa muda de figura para os corredores mais sérios, digamos assim, que estão em busca de melhores resultados. Pode ser difícil imaginar que um tênis possa fazer um corredor ser mais rápido, mas eu explico.

Um dos mais importantes determinantes do desempenho em corridas de média e longa duração é a chamada economia de corrida. Esse parâmetro representa a quantidade de energia que o corredor gasta em certa velocidade. Gastar menos energia para correr permite que o atleta atinja e consiga manter velocidades mais altas durante a atividade. Dentre algumas variáveis que contribuem para que um corredor seja econômico, chamo aqui a atenção para duas delas: o peso das extremidades dos membros inferiores e a restituição de energia.

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Já reparou que maratonistas de elite têm, quase unanimemente, canelas bastante finas? Isso ilustra a importância de se ter extremidades leves nos membros inferiores. Durante a corrida, as pernas fazem um movimento de pêndulo, e quanto mais pesada for sua extremidade, mais energia é necessária para freá-lo. Ao calçar um tênis pesado, o corredor acrescenta peso justamente a essas extremidades, tornando o “pêndulo” mais difícil ainda de ser freado. O maior esforço muscular de frear o pêndulo das pernas pode também reduzir a eficiência dos músculos ao longo da prova, levando os atletas a diminuírem seus ritmos nos trechos finais.

Portanto, o peso dos tênis é uma característica importante a ser levada em conta sobretudo quando o foco é desempenho.

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Ao pisar no chão durante a corrida, parte da energia das pernas é perdida na forma de calor. Os músculos possuem estruturas que permitem reaproveitar parte dessa energia — e os atletas que fazem isso melhor são mais econômicos. Alguns calçados especiais foram desenvolvidos para restituir parte dessa energia: são os chamados super-shoes. Eles são feitos com alta quantidade de espuma na sola, e há uma placa de fibra de carbono dando sustentação e preservando a estrutura dessa espuma. Os materiais utilizados têm propriedades especiais: alta complacência (deformam-se sob pressão, acumulando energia) e alta resiliência (retornam ao formato inicial, aproveitando melhor a energia acumulada).

Estudos têm mostrado que o uso dos super-shoes por atletas reduz o custo energético da corrida e melhora o desempenho. Os dados são consistentes, tendo sido replicados na literatura, e as vantagens chegam a algo próximo de 4%. Parece pouco para o corredor amador, e realmente é. Mas, para o maratonista de elite, pode ser o auxílio que falta para que uma maratona seja concluída abaixo de duas horas. Para nós, reles mortais, basta escolher um tênis que alie conforto e preço. Se pudermos evitar tênis pesados e com calcanhar alto, melhor ainda.

O leitor que já considerou começar a correr, ainda que de forma amadora e despretensiosa, já deve ter ouvido que precisa ter cuidado ao escolher seu tênis se não quiser sofrer lesões. Afinal, o impacto da corrida poderia ser prejudicial ao sistema musculoesquelético. Deve também ter ouvido histórias sobre tênis específicos para cada um, e até vendedores dizendo se seu (pronado ou supinado) precisa desse ou daquele modelo.

Não raro, essas histórias vêm com ares de ameaça, e são acompanhadas de anedotas que reforçam um sentimento de medo aos que ousam correr sem o tal “tênis certo”, uma entidade mal definida e misteriosa, como é todo ser mítico ao qual devemos temer.

Claro, há uma indústria que se alimenta disso – e que lucra a partir do nosso medo. De antemão, quero já tranquilizar o leitor: não temos, hoje, evidências científicas que sustentem tais alegações, muito menos que justifiquem o clima de temor que se cria ao redor dos tênis de corrida e o risco de lesões.

Para pessoas normais, a escolha do tênis de corrida não é tão complexa como se imagina.  Foto: peopleimages.com/Adobe Stock

Tênis, impacto e lesões

Ao contrário do que se diz, o impacto da corrida não nos deveria causar grandes preocupações, já que as forças geradas durante a atividade são baixas (alto em torno de 1,5 a 3 vezes o peso corporal, a depender da velocidade). Além disso, a maior parte do amortecimento desse impacto é realizada pelos músculos, e não pelos calçados. Logo, investir em músculos saudáveis e em aperfeiçoar a técnica de corrida parecem ser melhores negócios.

No que concerne o uso de tênis específicos para a prevenção de lesões, os poucos e limitados estudos mostram que a escolha de modelos visando à prevenção de lesões ou a prescrição de tênis com base nas características do pé das pessoas não reduzem as chances de lesões nos membros inferiores. O fato de que modelos específicos não previnam lesões não implica, no entanto, que os tênis não cumpram nenhuma função. Cumprem, sim: a principal delas é proteger os pés do corredor contra danos físicos que ele pode encontrar em seu percurso.

Isso também não significa que alguns tênis não sejam pouco apropriados para corrida. Alguns estudos mostram que aqueles com o calcanhar muito alto e inclinado (como se tivesse uma espécie de salto alto) fazem com que o corredor altere seu movimento durante a corrida. Nesses casos, a fase de aterrisagem passa a ser feita com o calcanhar tocando o solo, o que leva a um aumento do ângulo de flexão do pé. É como se as pisadas fossem feitas com os dedos muito apontados para cima. O problema é que os músculos da canela, responsáveis por levantar os dedos do pé, podem ficar sobrecarregados ao longo do tempo, levando a dores crônicas e inflamação, as famosas canelites.

Alguns tênis podem melhorar o desempenho

Ainda que haja pouca justificativa para fazer investimentos altos em tênis com a intenção de evitar lesões, a coisa muda de figura para os corredores mais sérios, digamos assim, que estão em busca de melhores resultados. Pode ser difícil imaginar que um tênis possa fazer um corredor ser mais rápido, mas eu explico.

Um dos mais importantes determinantes do desempenho em corridas de média e longa duração é a chamada economia de corrida. Esse parâmetro representa a quantidade de energia que o corredor gasta em certa velocidade. Gastar menos energia para correr permite que o atleta atinja e consiga manter velocidades mais altas durante a atividade. Dentre algumas variáveis que contribuem para que um corredor seja econômico, chamo aqui a atenção para duas delas: o peso das extremidades dos membros inferiores e a restituição de energia.

Já reparou que maratonistas de elite têm, quase unanimemente, canelas bastante finas? Isso ilustra a importância de se ter extremidades leves nos membros inferiores. Durante a corrida, as pernas fazem um movimento de pêndulo, e quanto mais pesada for sua extremidade, mais energia é necessária para freá-lo. Ao calçar um tênis pesado, o corredor acrescenta peso justamente a essas extremidades, tornando o “pêndulo” mais difícil ainda de ser freado. O maior esforço muscular de frear o pêndulo das pernas pode também reduzir a eficiência dos músculos ao longo da prova, levando os atletas a diminuírem seus ritmos nos trechos finais.

Portanto, o peso dos tênis é uma característica importante a ser levada em conta sobretudo quando o foco é desempenho.

Ao pisar no chão durante a corrida, parte da energia das pernas é perdida na forma de calor. Os músculos possuem estruturas que permitem reaproveitar parte dessa energia — e os atletas que fazem isso melhor são mais econômicos. Alguns calçados especiais foram desenvolvidos para restituir parte dessa energia: são os chamados super-shoes. Eles são feitos com alta quantidade de espuma na sola, e há uma placa de fibra de carbono dando sustentação e preservando a estrutura dessa espuma. Os materiais utilizados têm propriedades especiais: alta complacência (deformam-se sob pressão, acumulando energia) e alta resiliência (retornam ao formato inicial, aproveitando melhor a energia acumulada).

Estudos têm mostrado que o uso dos super-shoes por atletas reduz o custo energético da corrida e melhora o desempenho. Os dados são consistentes, tendo sido replicados na literatura, e as vantagens chegam a algo próximo de 4%. Parece pouco para o corredor amador, e realmente é. Mas, para o maratonista de elite, pode ser o auxílio que falta para que uma maratona seja concluída abaixo de duas horas. Para nós, reles mortais, basta escolher um tênis que alie conforto e preço. Se pudermos evitar tênis pesados e com calcanhar alto, melhor ainda.

O leitor que já considerou começar a correr, ainda que de forma amadora e despretensiosa, já deve ter ouvido que precisa ter cuidado ao escolher seu tênis se não quiser sofrer lesões. Afinal, o impacto da corrida poderia ser prejudicial ao sistema musculoesquelético. Deve também ter ouvido histórias sobre tênis específicos para cada um, e até vendedores dizendo se seu (pronado ou supinado) precisa desse ou daquele modelo.

Não raro, essas histórias vêm com ares de ameaça, e são acompanhadas de anedotas que reforçam um sentimento de medo aos que ousam correr sem o tal “tênis certo”, uma entidade mal definida e misteriosa, como é todo ser mítico ao qual devemos temer.

Claro, há uma indústria que se alimenta disso – e que lucra a partir do nosso medo. De antemão, quero já tranquilizar o leitor: não temos, hoje, evidências científicas que sustentem tais alegações, muito menos que justifiquem o clima de temor que se cria ao redor dos tênis de corrida e o risco de lesões.

Para pessoas normais, a escolha do tênis de corrida não é tão complexa como se imagina.  Foto: peopleimages.com/Adobe Stock

Tênis, impacto e lesões

Ao contrário do que se diz, o impacto da corrida não nos deveria causar grandes preocupações, já que as forças geradas durante a atividade são baixas (alto em torno de 1,5 a 3 vezes o peso corporal, a depender da velocidade). Além disso, a maior parte do amortecimento desse impacto é realizada pelos músculos, e não pelos calçados. Logo, investir em músculos saudáveis e em aperfeiçoar a técnica de corrida parecem ser melhores negócios.

No que concerne o uso de tênis específicos para a prevenção de lesões, os poucos e limitados estudos mostram que a escolha de modelos visando à prevenção de lesões ou a prescrição de tênis com base nas características do pé das pessoas não reduzem as chances de lesões nos membros inferiores. O fato de que modelos específicos não previnam lesões não implica, no entanto, que os tênis não cumpram nenhuma função. Cumprem, sim: a principal delas é proteger os pés do corredor contra danos físicos que ele pode encontrar em seu percurso.

Isso também não significa que alguns tênis não sejam pouco apropriados para corrida. Alguns estudos mostram que aqueles com o calcanhar muito alto e inclinado (como se tivesse uma espécie de salto alto) fazem com que o corredor altere seu movimento durante a corrida. Nesses casos, a fase de aterrisagem passa a ser feita com o calcanhar tocando o solo, o que leva a um aumento do ângulo de flexão do pé. É como se as pisadas fossem feitas com os dedos muito apontados para cima. O problema é que os músculos da canela, responsáveis por levantar os dedos do pé, podem ficar sobrecarregados ao longo do tempo, levando a dores crônicas e inflamação, as famosas canelites.

Alguns tênis podem melhorar o desempenho

Ainda que haja pouca justificativa para fazer investimentos altos em tênis com a intenção de evitar lesões, a coisa muda de figura para os corredores mais sérios, digamos assim, que estão em busca de melhores resultados. Pode ser difícil imaginar que um tênis possa fazer um corredor ser mais rápido, mas eu explico.

Um dos mais importantes determinantes do desempenho em corridas de média e longa duração é a chamada economia de corrida. Esse parâmetro representa a quantidade de energia que o corredor gasta em certa velocidade. Gastar menos energia para correr permite que o atleta atinja e consiga manter velocidades mais altas durante a atividade. Dentre algumas variáveis que contribuem para que um corredor seja econômico, chamo aqui a atenção para duas delas: o peso das extremidades dos membros inferiores e a restituição de energia.

Já reparou que maratonistas de elite têm, quase unanimemente, canelas bastante finas? Isso ilustra a importância de se ter extremidades leves nos membros inferiores. Durante a corrida, as pernas fazem um movimento de pêndulo, e quanto mais pesada for sua extremidade, mais energia é necessária para freá-lo. Ao calçar um tênis pesado, o corredor acrescenta peso justamente a essas extremidades, tornando o “pêndulo” mais difícil ainda de ser freado. O maior esforço muscular de frear o pêndulo das pernas pode também reduzir a eficiência dos músculos ao longo da prova, levando os atletas a diminuírem seus ritmos nos trechos finais.

Portanto, o peso dos tênis é uma característica importante a ser levada em conta sobretudo quando o foco é desempenho.

Ao pisar no chão durante a corrida, parte da energia das pernas é perdida na forma de calor. Os músculos possuem estruturas que permitem reaproveitar parte dessa energia — e os atletas que fazem isso melhor são mais econômicos. Alguns calçados especiais foram desenvolvidos para restituir parte dessa energia: são os chamados super-shoes. Eles são feitos com alta quantidade de espuma na sola, e há uma placa de fibra de carbono dando sustentação e preservando a estrutura dessa espuma. Os materiais utilizados têm propriedades especiais: alta complacência (deformam-se sob pressão, acumulando energia) e alta resiliência (retornam ao formato inicial, aproveitando melhor a energia acumulada).

Estudos têm mostrado que o uso dos super-shoes por atletas reduz o custo energético da corrida e melhora o desempenho. Os dados são consistentes, tendo sido replicados na literatura, e as vantagens chegam a algo próximo de 4%. Parece pouco para o corredor amador, e realmente é. Mas, para o maratonista de elite, pode ser o auxílio que falta para que uma maratona seja concluída abaixo de duas horas. Para nós, reles mortais, basta escolher um tênis que alie conforto e preço. Se pudermos evitar tênis pesados e com calcanhar alto, melhor ainda.

O leitor que já considerou começar a correr, ainda que de forma amadora e despretensiosa, já deve ter ouvido que precisa ter cuidado ao escolher seu tênis se não quiser sofrer lesões. Afinal, o impacto da corrida poderia ser prejudicial ao sistema musculoesquelético. Deve também ter ouvido histórias sobre tênis específicos para cada um, e até vendedores dizendo se seu (pronado ou supinado) precisa desse ou daquele modelo.

Não raro, essas histórias vêm com ares de ameaça, e são acompanhadas de anedotas que reforçam um sentimento de medo aos que ousam correr sem o tal “tênis certo”, uma entidade mal definida e misteriosa, como é todo ser mítico ao qual devemos temer.

Claro, há uma indústria que se alimenta disso – e que lucra a partir do nosso medo. De antemão, quero já tranquilizar o leitor: não temos, hoje, evidências científicas que sustentem tais alegações, muito menos que justifiquem o clima de temor que se cria ao redor dos tênis de corrida e o risco de lesões.

Para pessoas normais, a escolha do tênis de corrida não é tão complexa como se imagina.  Foto: peopleimages.com/Adobe Stock

Tênis, impacto e lesões

Ao contrário do que se diz, o impacto da corrida não nos deveria causar grandes preocupações, já que as forças geradas durante a atividade são baixas (alto em torno de 1,5 a 3 vezes o peso corporal, a depender da velocidade). Além disso, a maior parte do amortecimento desse impacto é realizada pelos músculos, e não pelos calçados. Logo, investir em músculos saudáveis e em aperfeiçoar a técnica de corrida parecem ser melhores negócios.

No que concerne o uso de tênis específicos para a prevenção de lesões, os poucos e limitados estudos mostram que a escolha de modelos visando à prevenção de lesões ou a prescrição de tênis com base nas características do pé das pessoas não reduzem as chances de lesões nos membros inferiores. O fato de que modelos específicos não previnam lesões não implica, no entanto, que os tênis não cumpram nenhuma função. Cumprem, sim: a principal delas é proteger os pés do corredor contra danos físicos que ele pode encontrar em seu percurso.

Isso também não significa que alguns tênis não sejam pouco apropriados para corrida. Alguns estudos mostram que aqueles com o calcanhar muito alto e inclinado (como se tivesse uma espécie de salto alto) fazem com que o corredor altere seu movimento durante a corrida. Nesses casos, a fase de aterrisagem passa a ser feita com o calcanhar tocando o solo, o que leva a um aumento do ângulo de flexão do pé. É como se as pisadas fossem feitas com os dedos muito apontados para cima. O problema é que os músculos da canela, responsáveis por levantar os dedos do pé, podem ficar sobrecarregados ao longo do tempo, levando a dores crônicas e inflamação, as famosas canelites.

Alguns tênis podem melhorar o desempenho

Ainda que haja pouca justificativa para fazer investimentos altos em tênis com a intenção de evitar lesões, a coisa muda de figura para os corredores mais sérios, digamos assim, que estão em busca de melhores resultados. Pode ser difícil imaginar que um tênis possa fazer um corredor ser mais rápido, mas eu explico.

Um dos mais importantes determinantes do desempenho em corridas de média e longa duração é a chamada economia de corrida. Esse parâmetro representa a quantidade de energia que o corredor gasta em certa velocidade. Gastar menos energia para correr permite que o atleta atinja e consiga manter velocidades mais altas durante a atividade. Dentre algumas variáveis que contribuem para que um corredor seja econômico, chamo aqui a atenção para duas delas: o peso das extremidades dos membros inferiores e a restituição de energia.

Já reparou que maratonistas de elite têm, quase unanimemente, canelas bastante finas? Isso ilustra a importância de se ter extremidades leves nos membros inferiores. Durante a corrida, as pernas fazem um movimento de pêndulo, e quanto mais pesada for sua extremidade, mais energia é necessária para freá-lo. Ao calçar um tênis pesado, o corredor acrescenta peso justamente a essas extremidades, tornando o “pêndulo” mais difícil ainda de ser freado. O maior esforço muscular de frear o pêndulo das pernas pode também reduzir a eficiência dos músculos ao longo da prova, levando os atletas a diminuírem seus ritmos nos trechos finais.

Portanto, o peso dos tênis é uma característica importante a ser levada em conta sobretudo quando o foco é desempenho.

Ao pisar no chão durante a corrida, parte da energia das pernas é perdida na forma de calor. Os músculos possuem estruturas que permitem reaproveitar parte dessa energia — e os atletas que fazem isso melhor são mais econômicos. Alguns calçados especiais foram desenvolvidos para restituir parte dessa energia: são os chamados super-shoes. Eles são feitos com alta quantidade de espuma na sola, e há uma placa de fibra de carbono dando sustentação e preservando a estrutura dessa espuma. Os materiais utilizados têm propriedades especiais: alta complacência (deformam-se sob pressão, acumulando energia) e alta resiliência (retornam ao formato inicial, aproveitando melhor a energia acumulada).

Estudos têm mostrado que o uso dos super-shoes por atletas reduz o custo energético da corrida e melhora o desempenho. Os dados são consistentes, tendo sido replicados na literatura, e as vantagens chegam a algo próximo de 4%. Parece pouco para o corredor amador, e realmente é. Mas, para o maratonista de elite, pode ser o auxílio que falta para que uma maratona seja concluída abaixo de duas horas. Para nós, reles mortais, basta escolher um tênis que alie conforto e preço. Se pudermos evitar tênis pesados e com calcanhar alto, melhor ainda.

Opinião por Guilherme Artioli

Bacharel, mestre e doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Faculdade de Medicina da USP e professor do Instituto de Ciência Biomédicas da USP.

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