Idade é só um número: saiba o que de fato acelera o envelhecimento – e como atrasar o processo


Pesquisadores defendem que a idade é um conceito relativo e explicam por que cada pessoa envelhece de um jeito diferente

Por André Bernardo

Ruth Mezeck tinha 63 anos quando resolveu fazer um curso de clown (“palhaço”, em inglês), em 1998. Alguns amigos torceram o nariz: “Palhaço não dá dinheiro!” e “Comédia não ganha prêmio!” foram as críticas que ela mais ouviu. Mas Ruth não queria aprender a arte de fazer os outros rirem para ficar rica ou colecionar troféus. Aposentada da Fundação Nacional de Artes (Funarte), queria apenas se reciclar como atriz. O curso, porém, superou as expectativas. Inspirada na personagem Winnie, da peça Dias Felizes (1961), do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), Ruth Mezeck criou a palhaça Sassah. Hoje, a “clowntadora” de histórias, como ela própria se autointitula, é a palhaça mais velha em atividade no Brasil. “Tenho 88 anos. Mas, quando pinto o rosto e visto a fantasia de Sassah, passo a ter 25. Quem leva a vida com bom humor vive mais e melhor”, filosofa.

Idade é mesmo um conceito relativo. Não por acaso, os médicos costumam distinguir a idade cronológica da biológica. A cronológica, explicam, é a idade do nosso RG e a biológica, do nosso corpo. Uma nem sempre é compatível com a outra.

Em sua tese de doutorado, Novas Formas de Mensurar e Analisar o Envelhecimento Populacional no Brasil do Século XXI, Anderson Gonçalves, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, criou um novo conceito: idade relativa. “O resultado mais interessante da minha pesquisa é a diferença na velocidade em que os brasileiros envelhecem. Pessoas que nasceram no mesmo ano têm características distintas, e essas diferenças têm relação direta com o nível de escolaridade, renda ou domicílio”.

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Médicos costumam distinguir a idade das pessoas de duas formas: tem a cronológica, que é a idade do nosso RG, e a biológica, a do nosso corpo.  Foto: Hyejin Kang/Adobe Stock

Complicado? Nem tanto! Brasileiros do sexo masculino com 55 anos cronológicos podem ter características de 50,1 anos ou de 60,7 anos relativos. A diferença de idade pode chegar a dez anos e depende do nível de escolaridade. “Em média, quem estudou até quatro anos, tem idade cronológica de 55, mas sua idade relativa é de 60,7 anos. Ou seja, têm características de pessoas mais envelhecidas do que a média da população brasileira com a mesma idade cronológica”, conta o professor. “Por outro lado, aqueles que têm nove anos ou mais de estudo, ao completarem 55 anos cronológicos, têm uma idade relativa de 50,1 anos. Isto é, têm características de pessoas relativamente mais jovens do que os brasileiros com a mesma idade cronológica”, acrescenta.

O exemplo acima se baseia no quesito escolaridade. Resumindo: quem estuda mais tende a ter, segundo a tese de Gonçalves, um envelhecimento mais lento do que o da média da população. Em compensação, quem estuda menos costuma ter um processo mais rápido de envelhecimento.

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Mas há outros fatores em jogo, como a renda e o domicílio. “Um homem com 60 anos cronológicos que vive na Região Norte do Brasil têm idade relativa de 67,1 anos, ou seja, características de uma pessoa 7,1 anos mais velha do que a média da população brasileira. Enquanto isso, um homem com 60 anos cronológicos que reside na Região Sul tem, em média, 57,5 anos relativos”, dá outro exemplo.

Ruth Mezeck tem 88 anos, mas, quando se transforma na palhaça Sassah, diz que passa a ter 25. Foto: Felipe Domingues

Mas, para que serve, afinal, o cálculo da idade relativa?

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Do ponto de vista individual, pouco ou quase nada. A idade relativa de um indivíduo pode ser calculada por meio de um modelo matemático que combina pelo menos quatro variáveis:

  • Idade cronológica;
  • Uma medida de distinção do subgrupo populacional (renda, escolaridade ou domicílio);
  • Uma medida que represente uma característica biológica de envelhecimento;
  • Sexo.

No caso da “característica biológica de envelhecimento”, o indicador usado na tese de Gonçalves foi a força da preensão manual. Mas, do ponto de vista social, o cálculo da idade relativa serve para muita coisa. “É útil para identificar, por exemplo, os subgrupos populacionais que mais precisam de atenção em políticas públicas”, pondera o professor da Unicamp.

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Hábitos saudáveis x políticas públicas

Um estudo do neurocientista argentino Agustín Ibáñez confirma a tese de que a desigualdade pode acelerar o envelhecimento. “O conceito de idade relativa não é puramente biológico. É social também”, frisa o médico.

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Diretor do Instituto Latino-Americano de Saúde do Cérebro, da Universidade Adolfo Ibañez, no Chile, ele admite que hábitos saudáveis, como praticar exercícios, comer bem e evitar substâncias nocivas, a exemplo de tabaco e álcool, ajudam a retardar o envelhecimento. Mas, pondera: são apenas uma parte da solução. A outra parte, tão importante quanto, é criar políticas públicas para melhorar as condições de vida da população mais carente. “Qual é o pior acelerador de envelhecimento? A pobreza!”, dispara. “Sem dinheiro, o indivíduo tem acesso limitado à saúde, não se alimenta tão bem quanto deveria e, ainda, sofre os malefícios do estresse crônico”.

No Brasil, a geriatra Alessandra Tieppo, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), assina embaixo. Se tivesse que colocar, em um prato da balança, os fatores que dependem de um estilo de vida saudável e, no outro, os que dependem de políticas públicas, Tieppo garante que os dois teriam pesos iguais. “O envelhecimento é um processo heterogêneo. O que isso quer dizer? Que cada um de nós envelhece de uma maneira diferente. E a maneira como envelhecemos depende, em boa parte, do estilo de vida que levamos”, afirma a médica.

Em outras palavras: não dá para esperar, sentado ou de braços cruzados, que o governo faça a parte dele. Precisamos começar, hoje mesmo, a fazer a nossa.

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Fatores sociais, como a poluição, e hábitos nocivos, como o tabagismo, são apenas dois dos “aceleradores” de envelhecimento. O neurologista Wyllians Borelli, coordenador de pesquisa do Centro de Memória do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, cita um terceiro: doenças crônicas não controladas, como a hipertensão e o diabetes. “Ainda não inventaram uma pílula mágica que pare o processo de envelhecimento ou, quem sabe, recupere um cérebro envelhecido. O único ‘remédio’ que temos à nossa disposição, pelo menos por enquanto, é a prevenção. Como frear o envelhecimento? É basicamente fazer tudo ao contrário. Se sabemos que, por exemplo, o sedentarismo é um vilão importante, precisamos começar a praticar exercícios regularmente”.

Qual é o seu propósito de vida?

No ranking dos maiores “aceleradores” de envelhecimento, Cristina Cristovão Ribeiro, doutora em gerontologia pela Unicamp, aponta o tabagismo como o primeiro colocado. Seu impacto, classifica, é “extremamente alto”. “Está associado a uma série de doenças graves e é responsável por mais de oito milhões de mortes por ano no mundo”, adverte.

Em segundo lugar, vem a obesidade, com risco muito alto, e, empatados na terceira colocação, o sedentarismo e o álcool, com risco alto. O impacto do estresse e da poluição em nossa saúde pode oscilar de moderado a alto. “Envelhecer é um processo inevitável. Ou seja, não há como evitar. Envelhecemos desde o dia em que nascemos. O que podemos fazer é envelhecer bem”, pondera a fisioterapeuta.

Organizadora do livro Propósito de Vida da Pessoa Idosa (Grupo Summus, 2024), Cristina explica que o conceito de envelhecimento ativo e saudável passa pela ideia de ter um objetivo na vida. O dicionário lista incontáveis sinônimos: motivação, finalidade, intuito... Os japoneses chegaram a criar uma palavra nova para designar “razão de viver”: ikigai. “Ter um propósito na vida é como ter ‘um brilho diferente no olhar’. É ter um objetivo a alcançar e uma meta a cumprir. O que motiva você a viver? É o seu propósito na vida! Entre outros benefícios, melhora a cognição, aumenta a autoestima e previne demências. Se o cérebro envelhece mais rápido que o esperado, o corpo todo sofre por efeito cascata”, alerta a autora.

E qual seria o propósito de vida de Ruth Mezeck, o alter-ego da palhaça Sassah? “É rir e fazer os outros rirem”, não hesita em responder. “A primeira coisa que eu faço ao acordar é agradecer por estar viva. A segunda é cuidar bem do meu corpo”, ensina. “Coloco tudo o que encontro na geladeira no liquidificador e bato: laranja, cenoura, beterraba... Todo dia, invento uma receita diferente”, solta uma risada.

Ruth é autora do monólogo A Mulher Aquela, que reflete sobre velhice, etarismo e longevidade. Previsto para ser exibido em março, ficou em cartaz até agosto no Novo Cine Teatro Joia, em Copacabana. Em breve, reestreia em outro teatro no Rio de Janeiro. “Não vou me aposentar nunca dos palcos. Se depender de mim, vou interpretar a Sassah até os 100 anos”, orgulha-se.

Ruth Mezeck tinha 63 anos quando resolveu fazer um curso de clown (“palhaço”, em inglês), em 1998. Alguns amigos torceram o nariz: “Palhaço não dá dinheiro!” e “Comédia não ganha prêmio!” foram as críticas que ela mais ouviu. Mas Ruth não queria aprender a arte de fazer os outros rirem para ficar rica ou colecionar troféus. Aposentada da Fundação Nacional de Artes (Funarte), queria apenas se reciclar como atriz. O curso, porém, superou as expectativas. Inspirada na personagem Winnie, da peça Dias Felizes (1961), do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), Ruth Mezeck criou a palhaça Sassah. Hoje, a “clowntadora” de histórias, como ela própria se autointitula, é a palhaça mais velha em atividade no Brasil. “Tenho 88 anos. Mas, quando pinto o rosto e visto a fantasia de Sassah, passo a ter 25. Quem leva a vida com bom humor vive mais e melhor”, filosofa.

Idade é mesmo um conceito relativo. Não por acaso, os médicos costumam distinguir a idade cronológica da biológica. A cronológica, explicam, é a idade do nosso RG e a biológica, do nosso corpo. Uma nem sempre é compatível com a outra.

Em sua tese de doutorado, Novas Formas de Mensurar e Analisar o Envelhecimento Populacional no Brasil do Século XXI, Anderson Gonçalves, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, criou um novo conceito: idade relativa. “O resultado mais interessante da minha pesquisa é a diferença na velocidade em que os brasileiros envelhecem. Pessoas que nasceram no mesmo ano têm características distintas, e essas diferenças têm relação direta com o nível de escolaridade, renda ou domicílio”.

Médicos costumam distinguir a idade das pessoas de duas formas: tem a cronológica, que é a idade do nosso RG, e a biológica, a do nosso corpo.  Foto: Hyejin Kang/Adobe Stock

Complicado? Nem tanto! Brasileiros do sexo masculino com 55 anos cronológicos podem ter características de 50,1 anos ou de 60,7 anos relativos. A diferença de idade pode chegar a dez anos e depende do nível de escolaridade. “Em média, quem estudou até quatro anos, tem idade cronológica de 55, mas sua idade relativa é de 60,7 anos. Ou seja, têm características de pessoas mais envelhecidas do que a média da população brasileira com a mesma idade cronológica”, conta o professor. “Por outro lado, aqueles que têm nove anos ou mais de estudo, ao completarem 55 anos cronológicos, têm uma idade relativa de 50,1 anos. Isto é, têm características de pessoas relativamente mais jovens do que os brasileiros com a mesma idade cronológica”, acrescenta.

O exemplo acima se baseia no quesito escolaridade. Resumindo: quem estuda mais tende a ter, segundo a tese de Gonçalves, um envelhecimento mais lento do que o da média da população. Em compensação, quem estuda menos costuma ter um processo mais rápido de envelhecimento.

Mas há outros fatores em jogo, como a renda e o domicílio. “Um homem com 60 anos cronológicos que vive na Região Norte do Brasil têm idade relativa de 67,1 anos, ou seja, características de uma pessoa 7,1 anos mais velha do que a média da população brasileira. Enquanto isso, um homem com 60 anos cronológicos que reside na Região Sul tem, em média, 57,5 anos relativos”, dá outro exemplo.

Ruth Mezeck tem 88 anos, mas, quando se transforma na palhaça Sassah, diz que passa a ter 25. Foto: Felipe Domingues

Mas, para que serve, afinal, o cálculo da idade relativa?

Do ponto de vista individual, pouco ou quase nada. A idade relativa de um indivíduo pode ser calculada por meio de um modelo matemático que combina pelo menos quatro variáveis:

  • Idade cronológica;
  • Uma medida de distinção do subgrupo populacional (renda, escolaridade ou domicílio);
  • Uma medida que represente uma característica biológica de envelhecimento;
  • Sexo.

No caso da “característica biológica de envelhecimento”, o indicador usado na tese de Gonçalves foi a força da preensão manual. Mas, do ponto de vista social, o cálculo da idade relativa serve para muita coisa. “É útil para identificar, por exemplo, os subgrupos populacionais que mais precisam de atenção em políticas públicas”, pondera o professor da Unicamp.

Hábitos saudáveis x políticas públicas

Um estudo do neurocientista argentino Agustín Ibáñez confirma a tese de que a desigualdade pode acelerar o envelhecimento. “O conceito de idade relativa não é puramente biológico. É social também”, frisa o médico.

Diretor do Instituto Latino-Americano de Saúde do Cérebro, da Universidade Adolfo Ibañez, no Chile, ele admite que hábitos saudáveis, como praticar exercícios, comer bem e evitar substâncias nocivas, a exemplo de tabaco e álcool, ajudam a retardar o envelhecimento. Mas, pondera: são apenas uma parte da solução. A outra parte, tão importante quanto, é criar políticas públicas para melhorar as condições de vida da população mais carente. “Qual é o pior acelerador de envelhecimento? A pobreza!”, dispara. “Sem dinheiro, o indivíduo tem acesso limitado à saúde, não se alimenta tão bem quanto deveria e, ainda, sofre os malefícios do estresse crônico”.

No Brasil, a geriatra Alessandra Tieppo, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), assina embaixo. Se tivesse que colocar, em um prato da balança, os fatores que dependem de um estilo de vida saudável e, no outro, os que dependem de políticas públicas, Tieppo garante que os dois teriam pesos iguais. “O envelhecimento é um processo heterogêneo. O que isso quer dizer? Que cada um de nós envelhece de uma maneira diferente. E a maneira como envelhecemos depende, em boa parte, do estilo de vida que levamos”, afirma a médica.

Em outras palavras: não dá para esperar, sentado ou de braços cruzados, que o governo faça a parte dele. Precisamos começar, hoje mesmo, a fazer a nossa.

Fatores sociais, como a poluição, e hábitos nocivos, como o tabagismo, são apenas dois dos “aceleradores” de envelhecimento. O neurologista Wyllians Borelli, coordenador de pesquisa do Centro de Memória do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, cita um terceiro: doenças crônicas não controladas, como a hipertensão e o diabetes. “Ainda não inventaram uma pílula mágica que pare o processo de envelhecimento ou, quem sabe, recupere um cérebro envelhecido. O único ‘remédio’ que temos à nossa disposição, pelo menos por enquanto, é a prevenção. Como frear o envelhecimento? É basicamente fazer tudo ao contrário. Se sabemos que, por exemplo, o sedentarismo é um vilão importante, precisamos começar a praticar exercícios regularmente”.

Qual é o seu propósito de vida?

No ranking dos maiores “aceleradores” de envelhecimento, Cristina Cristovão Ribeiro, doutora em gerontologia pela Unicamp, aponta o tabagismo como o primeiro colocado. Seu impacto, classifica, é “extremamente alto”. “Está associado a uma série de doenças graves e é responsável por mais de oito milhões de mortes por ano no mundo”, adverte.

Em segundo lugar, vem a obesidade, com risco muito alto, e, empatados na terceira colocação, o sedentarismo e o álcool, com risco alto. O impacto do estresse e da poluição em nossa saúde pode oscilar de moderado a alto. “Envelhecer é um processo inevitável. Ou seja, não há como evitar. Envelhecemos desde o dia em que nascemos. O que podemos fazer é envelhecer bem”, pondera a fisioterapeuta.

Organizadora do livro Propósito de Vida da Pessoa Idosa (Grupo Summus, 2024), Cristina explica que o conceito de envelhecimento ativo e saudável passa pela ideia de ter um objetivo na vida. O dicionário lista incontáveis sinônimos: motivação, finalidade, intuito... Os japoneses chegaram a criar uma palavra nova para designar “razão de viver”: ikigai. “Ter um propósito na vida é como ter ‘um brilho diferente no olhar’. É ter um objetivo a alcançar e uma meta a cumprir. O que motiva você a viver? É o seu propósito na vida! Entre outros benefícios, melhora a cognição, aumenta a autoestima e previne demências. Se o cérebro envelhece mais rápido que o esperado, o corpo todo sofre por efeito cascata”, alerta a autora.

E qual seria o propósito de vida de Ruth Mezeck, o alter-ego da palhaça Sassah? “É rir e fazer os outros rirem”, não hesita em responder. “A primeira coisa que eu faço ao acordar é agradecer por estar viva. A segunda é cuidar bem do meu corpo”, ensina. “Coloco tudo o que encontro na geladeira no liquidificador e bato: laranja, cenoura, beterraba... Todo dia, invento uma receita diferente”, solta uma risada.

Ruth é autora do monólogo A Mulher Aquela, que reflete sobre velhice, etarismo e longevidade. Previsto para ser exibido em março, ficou em cartaz até agosto no Novo Cine Teatro Joia, em Copacabana. Em breve, reestreia em outro teatro no Rio de Janeiro. “Não vou me aposentar nunca dos palcos. Se depender de mim, vou interpretar a Sassah até os 100 anos”, orgulha-se.

Ruth Mezeck tinha 63 anos quando resolveu fazer um curso de clown (“palhaço”, em inglês), em 1998. Alguns amigos torceram o nariz: “Palhaço não dá dinheiro!” e “Comédia não ganha prêmio!” foram as críticas que ela mais ouviu. Mas Ruth não queria aprender a arte de fazer os outros rirem para ficar rica ou colecionar troféus. Aposentada da Fundação Nacional de Artes (Funarte), queria apenas se reciclar como atriz. O curso, porém, superou as expectativas. Inspirada na personagem Winnie, da peça Dias Felizes (1961), do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), Ruth Mezeck criou a palhaça Sassah. Hoje, a “clowntadora” de histórias, como ela própria se autointitula, é a palhaça mais velha em atividade no Brasil. “Tenho 88 anos. Mas, quando pinto o rosto e visto a fantasia de Sassah, passo a ter 25. Quem leva a vida com bom humor vive mais e melhor”, filosofa.

Idade é mesmo um conceito relativo. Não por acaso, os médicos costumam distinguir a idade cronológica da biológica. A cronológica, explicam, é a idade do nosso RG e a biológica, do nosso corpo. Uma nem sempre é compatível com a outra.

Em sua tese de doutorado, Novas Formas de Mensurar e Analisar o Envelhecimento Populacional no Brasil do Século XXI, Anderson Gonçalves, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, criou um novo conceito: idade relativa. “O resultado mais interessante da minha pesquisa é a diferença na velocidade em que os brasileiros envelhecem. Pessoas que nasceram no mesmo ano têm características distintas, e essas diferenças têm relação direta com o nível de escolaridade, renda ou domicílio”.

Médicos costumam distinguir a idade das pessoas de duas formas: tem a cronológica, que é a idade do nosso RG, e a biológica, a do nosso corpo.  Foto: Hyejin Kang/Adobe Stock

Complicado? Nem tanto! Brasileiros do sexo masculino com 55 anos cronológicos podem ter características de 50,1 anos ou de 60,7 anos relativos. A diferença de idade pode chegar a dez anos e depende do nível de escolaridade. “Em média, quem estudou até quatro anos, tem idade cronológica de 55, mas sua idade relativa é de 60,7 anos. Ou seja, têm características de pessoas mais envelhecidas do que a média da população brasileira com a mesma idade cronológica”, conta o professor. “Por outro lado, aqueles que têm nove anos ou mais de estudo, ao completarem 55 anos cronológicos, têm uma idade relativa de 50,1 anos. Isto é, têm características de pessoas relativamente mais jovens do que os brasileiros com a mesma idade cronológica”, acrescenta.

O exemplo acima se baseia no quesito escolaridade. Resumindo: quem estuda mais tende a ter, segundo a tese de Gonçalves, um envelhecimento mais lento do que o da média da população. Em compensação, quem estuda menos costuma ter um processo mais rápido de envelhecimento.

Mas há outros fatores em jogo, como a renda e o domicílio. “Um homem com 60 anos cronológicos que vive na Região Norte do Brasil têm idade relativa de 67,1 anos, ou seja, características de uma pessoa 7,1 anos mais velha do que a média da população brasileira. Enquanto isso, um homem com 60 anos cronológicos que reside na Região Sul tem, em média, 57,5 anos relativos”, dá outro exemplo.

Ruth Mezeck tem 88 anos, mas, quando se transforma na palhaça Sassah, diz que passa a ter 25. Foto: Felipe Domingues

Mas, para que serve, afinal, o cálculo da idade relativa?

Do ponto de vista individual, pouco ou quase nada. A idade relativa de um indivíduo pode ser calculada por meio de um modelo matemático que combina pelo menos quatro variáveis:

  • Idade cronológica;
  • Uma medida de distinção do subgrupo populacional (renda, escolaridade ou domicílio);
  • Uma medida que represente uma característica biológica de envelhecimento;
  • Sexo.

No caso da “característica biológica de envelhecimento”, o indicador usado na tese de Gonçalves foi a força da preensão manual. Mas, do ponto de vista social, o cálculo da idade relativa serve para muita coisa. “É útil para identificar, por exemplo, os subgrupos populacionais que mais precisam de atenção em políticas públicas”, pondera o professor da Unicamp.

Hábitos saudáveis x políticas públicas

Um estudo do neurocientista argentino Agustín Ibáñez confirma a tese de que a desigualdade pode acelerar o envelhecimento. “O conceito de idade relativa não é puramente biológico. É social também”, frisa o médico.

Diretor do Instituto Latino-Americano de Saúde do Cérebro, da Universidade Adolfo Ibañez, no Chile, ele admite que hábitos saudáveis, como praticar exercícios, comer bem e evitar substâncias nocivas, a exemplo de tabaco e álcool, ajudam a retardar o envelhecimento. Mas, pondera: são apenas uma parte da solução. A outra parte, tão importante quanto, é criar políticas públicas para melhorar as condições de vida da população mais carente. “Qual é o pior acelerador de envelhecimento? A pobreza!”, dispara. “Sem dinheiro, o indivíduo tem acesso limitado à saúde, não se alimenta tão bem quanto deveria e, ainda, sofre os malefícios do estresse crônico”.

No Brasil, a geriatra Alessandra Tieppo, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), assina embaixo. Se tivesse que colocar, em um prato da balança, os fatores que dependem de um estilo de vida saudável e, no outro, os que dependem de políticas públicas, Tieppo garante que os dois teriam pesos iguais. “O envelhecimento é um processo heterogêneo. O que isso quer dizer? Que cada um de nós envelhece de uma maneira diferente. E a maneira como envelhecemos depende, em boa parte, do estilo de vida que levamos”, afirma a médica.

Em outras palavras: não dá para esperar, sentado ou de braços cruzados, que o governo faça a parte dele. Precisamos começar, hoje mesmo, a fazer a nossa.

Fatores sociais, como a poluição, e hábitos nocivos, como o tabagismo, são apenas dois dos “aceleradores” de envelhecimento. O neurologista Wyllians Borelli, coordenador de pesquisa do Centro de Memória do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, cita um terceiro: doenças crônicas não controladas, como a hipertensão e o diabetes. “Ainda não inventaram uma pílula mágica que pare o processo de envelhecimento ou, quem sabe, recupere um cérebro envelhecido. O único ‘remédio’ que temos à nossa disposição, pelo menos por enquanto, é a prevenção. Como frear o envelhecimento? É basicamente fazer tudo ao contrário. Se sabemos que, por exemplo, o sedentarismo é um vilão importante, precisamos começar a praticar exercícios regularmente”.

Qual é o seu propósito de vida?

No ranking dos maiores “aceleradores” de envelhecimento, Cristina Cristovão Ribeiro, doutora em gerontologia pela Unicamp, aponta o tabagismo como o primeiro colocado. Seu impacto, classifica, é “extremamente alto”. “Está associado a uma série de doenças graves e é responsável por mais de oito milhões de mortes por ano no mundo”, adverte.

Em segundo lugar, vem a obesidade, com risco muito alto, e, empatados na terceira colocação, o sedentarismo e o álcool, com risco alto. O impacto do estresse e da poluição em nossa saúde pode oscilar de moderado a alto. “Envelhecer é um processo inevitável. Ou seja, não há como evitar. Envelhecemos desde o dia em que nascemos. O que podemos fazer é envelhecer bem”, pondera a fisioterapeuta.

Organizadora do livro Propósito de Vida da Pessoa Idosa (Grupo Summus, 2024), Cristina explica que o conceito de envelhecimento ativo e saudável passa pela ideia de ter um objetivo na vida. O dicionário lista incontáveis sinônimos: motivação, finalidade, intuito... Os japoneses chegaram a criar uma palavra nova para designar “razão de viver”: ikigai. “Ter um propósito na vida é como ter ‘um brilho diferente no olhar’. É ter um objetivo a alcançar e uma meta a cumprir. O que motiva você a viver? É o seu propósito na vida! Entre outros benefícios, melhora a cognição, aumenta a autoestima e previne demências. Se o cérebro envelhece mais rápido que o esperado, o corpo todo sofre por efeito cascata”, alerta a autora.

E qual seria o propósito de vida de Ruth Mezeck, o alter-ego da palhaça Sassah? “É rir e fazer os outros rirem”, não hesita em responder. “A primeira coisa que eu faço ao acordar é agradecer por estar viva. A segunda é cuidar bem do meu corpo”, ensina. “Coloco tudo o que encontro na geladeira no liquidificador e bato: laranja, cenoura, beterraba... Todo dia, invento uma receita diferente”, solta uma risada.

Ruth é autora do monólogo A Mulher Aquela, que reflete sobre velhice, etarismo e longevidade. Previsto para ser exibido em março, ficou em cartaz até agosto no Novo Cine Teatro Joia, em Copacabana. Em breve, reestreia em outro teatro no Rio de Janeiro. “Não vou me aposentar nunca dos palcos. Se depender de mim, vou interpretar a Sassah até os 100 anos”, orgulha-se.

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