SÃO PAULO - O uso diário de medicamentos para bloquear a contaminação pelo vírus HIV, causador da aids, vai ser autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a partir desta semana. Em 180 dias, a estratégia conhecida como Profilaxia Pré-Exposição (Prep) deve estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas que fazem parte de grupos considerados de maior risco de infecção. Sete mil homens que fazem sexo com outros homens, transgêneros e profissionais do sexo, que não fazem uso regular de preservativo, serão os alvos iniciais. Eles integram parte de grupos em que a prevalência de HIV pode chegar a 10% ou 15%, índices de 20 a 30 vezes maiores que os da população geral (que é de cerca de 0,5%).
O remédio utilizado é uma combinação de dois antivirais, que inibem uma etapa inicial do ciclo de vida do HIV, impedindo que o vírus se replique e invada as células humanas. Nos diversos estudos realizados no mundo todo, a estratégia se mostrou altamente eficaz. Quem usa o método sem falhar praticamente não corre risco de se contaminar!
No início de sua aplicação, a Prep causou controvérsias, uma vez que a técnica consiste em fornecer um remédio como estratégia de prevenção (o que eventualmente poderia causar resistência do vírus e efeitos colaterais).
Do ponto de vista prático, o que se viu foi que os efeitos indesejáveis, em geral, eram transitórios e contornáveis. A adesão e a eficácia foram elevadas e não houve uma diminuição do uso de camisinha pelos participantes. Como conclusão, os benefícios ultrapassaram os eventuais problemas.
Os especialistas insistem que a Prep é uma camada adicional de proteção, que deve ser utilizada em combinação com outras estratégias, como o reforço ao uso de camisinha, testagens regulares e orientação para menor exposição a risco no sexo. Importante lembrar que a técnica só previne a infecção pelo HIV e não impede as demais doenças transmitidas pelo sexo (DSTs).
A técnica não é indicada para pessoas que fazem parte de grupos de menor risco para HIV, que eventualmente fazem sexo sem camisinha. Nesses casos, avaliados individualmente, outras estratégias, como a Profilaxia Pós-Exposição (uso de um remédio por um mês após a falha de proteção) seria uma das alternativas.
Ainda na área de medicamentos para prevenção da infecção pelo HIV, uma série de trabalhos estudam a viabilidade de usar outro antiviral, na forma injetável, como estratégia para alcançar maior adesão. Uma aplicação a cada dois ou três meses bloquearia o risco de contaminação pelo vírus.
Adolescentes. Em julho, também deve ter início no País um estudo para avaliar a viabilidade e eficácia da Prep em adolescentes de 15 a 18 anos, que costumam se expor a risco no sexo e fazem parte de grupos de alta prevalência do HIV, como garotos homo e bissexuais e garotas transexuais, populações que hoje preocupam as autoridades de saúde. A pesquisa ocorrerá em São Paulo, Salvador e Belo Horizonte com cerca de 2 mil jovens. Ela vai checar pontos como adesão ao tratamento e efeitos colaterais. As informações foram divulgadas pelo Estado na semana passada.
Outro ponto central na prevenção e na saúde dos adolescentes desses grupos é entender por que eles costumam se expor mais a risco no sexo. Uma das questões é, sem dúvida, o estigma e os preconceitos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero, que seguem fortes na sociedade, a despeito de alguns avanços mais recentes.
Para reduzir esses riscos, seria importante repensar os projetos de educação sexual que existem hoje nas escolas. O bullying precisaria ser “desmontado”, com estratégias mais estruturadas de intervenção. Os pais teriam de ser alvo, também, dessa discussão, já que eles são essenciais no suporte e apoio a filhos e filhas que estejam enfrentando questões com sua sexualidade.
Despedida. Aproveito a última coluna do mês para me despedir dos leitores que me acompanharam desde o início das colunas aqui no Estado. Nesses últimos quatro anos, espero ter conseguido discutir temas importantes de saúde e comportamento, bem como trazer as pesquisas mais recentes feitas nessas áreas. Foi uma oportunidade única e um privilégio especial poder compartilhar esse trabalho com vocês. Muito obrigado