Quem vê o jornalista Luiz Carlos Franco, 64 anos, em uma quadra de tênis, munido de raquete e muita competitividade, não imagina que, debaixo do uniforme de atleta, bate um coração que já parou de funcionar. Das quatro vezes em que enfartou, sobraram duas grandes cicatrizes - uma no braço direito e outra rasgando o peito de cima a baixo -, que relembram diariamente o assessor de imprensa santista sobre a óbvia fragilidade da vida, mas, principalmente, sobre o valor que tem a verdadeira superação.
O primeiro episódio aconteceu quando Franco tinha apenas 37 anos. Em um almoço de negócios, sentiu-se mal, pediu licença e, sozinho, dirigiu o carro da churrascaria até o hospital, onde recebeu o diagnóstico após um exame de sangue. Internado, passou por um cateterismo, quando um tubo extenso e flexível é inserido em um vaso sanguíneo do braço, da coxa ou do pescoço para corrigir problemas na parte vascular próxima ao coração. Por conta de um erro médico, teve oclusão da artéria e derrame, e, por dias, correu o risco de ter o braço direito amputado.
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"É preciso amansar o espírito", diz empresáriode 64 anos
Após a alta, sabia que seria preciso rever o arriscado estilo de vida que levava à época. Depois de anos trabalhando em redações de jornais, havia se tornado um empresário no comando de uma agência com 20 funcionários e uma extensa cartela de clientes, que incluía, por exemplo, a companhia aérea TAM. O estresse do dia a dia se agravaria imensamente dali a sete anos, quando uma aeronave despencaria sobre um bairro residencial próximo ao aeroporto, matando seus 96 ocupantes e outras nove pessoas em solo.
"Era difícil evitar o estresse daquela rotina", admite. "Fora isso, não praticava quase nenhuma atividade física, bebia um pouco e fumava dois maços e meio de cigarro por dia". Esta, sem dúvida, seria a parte mais difícil de se modificar, relembra Franco, que conta que, por mais que tenha adotado a prática do tênis, inclusive para ajudar na recuperação do braço danificado no cateterismo, enfrentou grandes dificuldades para largar o vício em nicotina.
Os velhos hábitos, cobraram, então, o seu preço novamente. Aos 47 anos, o jornalista passava o Carnaval de 2001 sozinho em seu sítio, no interior de São Paulo. Enquanto preparava um churrasco, sentiu algo como uma dor de estômago, e deu uns goles na cerveja para tentar resolver o problema. Como a sensação não passava, entrou na piscina, com a ideia de se refrescar, e foi quando sentiu um mal estar violento.
"Tive uma passagem de corrente de alta voltagem no braço esquerdo, e a sensação de uma facada nas costas, do mesmo lado. Apressei-me a sair da piscina, com medo de desmaiar e morrer afogado. Juntei forças para subir as escadas do sobrado e ligar para minha mulher, em São Paulo, para que ela pedisse ajuda a um amigo médico que morava em uma cidade próxima ao sítio."
Franco ensinou o caseiro a dirigir seu carro automático, e pediu que o levasse com urgência a um hospital. "Rezei para não desmaiar até chegarmos ao ponto de encontro com o médico, e de lá seguimos para a Santa Casa. Diagnosticaram infarto, e me medicaram. Meu cardiologista na época me mandou vir para São Paulo, no Hospital do Coração. Lá, fui operado e recebi quatro pontes, três safenas e uma mamária".
Da uma semana de internação, o jornalista relata que a parte mais complicada foi a volta da operação. "Na cirurgia em si não se sente nada, mas o retorno é como uma ressurreição. Quando tiram o dreno, parece que você está se salvando de um afogamento", compara. "É preciso reaprender a respirar, porque serram o osso esterno e os pulmões são afetados. A perna que cede a safena também padece, e é necessário reaprender a andar sem arrastá-la. A parte emocional é a pior, porque, se a pessoa não for forte, vira depressiva".
Abandonar o conforto químico e comportamental que o cigarro trazia também não foi nada fácil. Tanto que, até parar completamente de fumar, Franco precisou ainda de quase um ano, período em que participou, inclusive, de um curso oferecido pelo próprio hospital em que fora operado. “As duas primeiras semanas são terríveis. Dá vontade de acender os dedos”.
Com uma rotina mais equilibrada incluindo atividades físicas, alimentação equilibrada completamente sem frituras nem gorduras em geral, bem como oexercício diário de evitar ao máximo situações de estresse, tudo parecia sob controle, e o fantasma dos ataques do coração dava sinais de ter sumido para sempre.
Ainda assim, dez anos depois, aos 57 anos, Franco sofreria outro infarto, e novamente mais um aos 59, passando pela mesma situação pela quarta vez na vida. “Eu estava fazendo tudo 100%, mas o problema é que o meu organismo tem vocação para reter as placas de gordura nas artérias”, avalia.
Hoje, tomando três medicamentos de uso contínuo, o jornalista monitora a saúde com check-ups frequentes, e capricha nos exercícios para desenvolver vascularização colateral - ou seja, veias de baixo calibre que compensam aquelas por onde já não circula mais o sangue devido às obstruções. Pratica musculação três vezes por semana, natação, e ainda joga tênis com os amigos e família todos os finais de semana.
"A atividade física é muito importante para a circulação coronariana. A gente preconiza a todo paciente ou que pode vir a ser paciente um dia. Todo cidadão, independente de ser cardiopata ou não. Quem não é precisa evitar ser. Um paciente que teve quatro infartos tem que fazer uma atividade física regular mas também junto com a medicação, dieta, segurar carne vermelha, controlar diabete, sempre com acompanhamento de um especialista", indica o cardiologista Marco Aurélio Guardia.
“Aprendi com tudo isso que somos falíveis, que é preciso amansar o espírito e tratar melhor as pessoas”, diz Franco, que é pai de uma filha de 36 anos, também jornalista, e avô de um menino de oito anos de idade.
“Uma das partes mais difíceis é que, por mais que se tenha o apoio da família, esse é um processo solitário, de se superar a cada dia, literalmente um passo por vez, um crescimento diário”, explica ele, que conta nunca ter tido medo de morrer ao longo desse processo. Segundo o jornalista, em uma de suas entradas em um hospital, deu de cara com um quadro com uma imagem de Jesus, e pediu, em oração, que tivesse tempo de deixar tudo em ordem para deus dependentes.
“Eu, por mim, estava pronto, mas sou abençoado. Acho, inclusive, que no céu, por minha causa, ainda hoje há uma fila de anjos da guarda pleiteando demissão ao Poderoso”, diverte-se, completando, ainda, com uma sugestão. “Infartei aos 37, 47, 57 e 59, está aí uma sugestão para se jogar na Lotofácil.”