Mais Médicos terá desafio de fixar profissionais e versão só de especialistas, diz ministra da Saúde


Em entrevista exclusiva ao ‘Estadão’, Nísia Trindade afirmou ainda que ministério deverá lançar em abril novo formato do programa Farmácia Popular

Por Fabiana Cambricoli
Atualização:
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comNísia TrindadeMinistra da Saúde

Com o anúncio do novo formato do programa Mais Médicos nesta segunda-feira, 20, o Ministério da Saúde quer investir em estratégias para fixar os novos profissionais em áreas remotas ou periféricas, e prepara programa similar com foco em médicos especialistas, afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, ela reconheceu que, passados dez anos do lançamento da primeira versão do Mais Médicos, hoje a maior dificuldade do programa é reter os profissionais e disse que a pasta apostará em oferta de especializações, bônus e apoio de grandes centros de excelência aos participantes por meio da telemedicina.

Disse ainda que deverá ser lançado, ainda no primeiro semestre deste ano, um programa para ampliar o acesso a médicos especialistas com foco na formação de jovens médicos e uso da telessaúde.

continua após a publicidade

Ainda sobre o Mais Médicos, a ministra afirmou que a pasta cumprirá a decisão judicial de reincorporar cerca de 2,7 mil médicos cubanos ao programa Mais Médicos que continuaram morando no Brasil após o fim do acordo do governo brasileiro com Cuba, e que obtiveram sentença favorável à reinclusão no programa.

Nísia contou ainda que o governo lançará em abril o novo formato do programa Farmácia Popular, com maior foco na oferta dos medicamentos por meio de pagamento direto pelo governo federal. A ministra falou ainda sobre os próximos passos das ações para aumento das coberturas vacinais e redução de filas no SUS. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Passados quase três meses deste início de gestão, gostaria que você fizesse um balanço das ações anunciadas até agora e elencasse quais são as próximas ações prioritárias do ministério.

continua após a publicidade

Completamos 80 dias e estamos no processo de cumprir as metas dos cem dias, que foram definidas tanto no programa do presidente Lula e do vice-presidente Alckmin como também fruto do diagnóstico da equipe de transição da qual participei, então nos concentramos em medidas como a questão da vacinação, criando um movimento nacional pela vacinação; toda a questão do represamento de cirurgias e exames, que nós estabelecemos um plano para redução dessas filas trabalhando com Estados e municípios. E já estávamos com a perspectiva de reorientar a saúde indígena e, no meio desse processo, tivemos uma crise já anunciada no território Yanomami, que tomou contornos muito dramáticos e que estamos enfrentando até agora. Então, é iniciar uma gestão de retomada de programas e, hoje (segunda-feira, 20), com esse anúncio do Mais Médicos, acho que foi mais um feito importantíssimo desse início de gestão. A próxima ação já prevista com antecedência é a retomada da Farmácia Popular.

Quando deve ser anunciado o novo formato da Farmácia Popular e quais devem ser as novidades do programa?

Ainda estamos em elaboração, com uma avaliação em curso, mas nossa meta é fazer um anúncio até 10 de abril dentro dessa mesma filosofia: retomada com aprendizados, e agora queremos fortalecer o componente de pagamento próprio, de responsabilidade direta do Ministério da Saúde. A gente tem o programa Aqui Tem Farmácia Popular (com drogarias conveniadas) e tem o provimento próprio, então nós estamos olhando de uma forma muito especial para isso que é responsabilidade direta do SUS.

continua após a publicidade

Sobre o anúncio feito do Mais Médicos, como vai funcionar esse componente da especialização e outras medidas para fixação de profissionais?

Tem as medidas de incentivo para fixação com os bônus (por tempo de permanência), que é um ponto importante. O que nós vimos é que nós não tínhamos outras possibilidades de formação além da especialização específica em Medicina de Família e Comunidade. Agora, nós podemos ampliar esse leque de especialização porque, na atenção primária, outros especialistas são importantes, como Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, então há uma ampliação nessa compreensão da especialização.

Outro ponto é o mestrado profissional, como o em Medicina da Família e Comunidade ou em Atenção Primária à Saúde. Além disso, os médicos participantes do programa poderão ter uma pontuação adicional de 10% na seleção de programas de residência. Temos, depois de um longo tempo sem um edital mais robusto de residência, a oferta de cerca de 800 vagas de residência médica. Isso porque, na pesquisa que foi feita no Ministério da Saúde avaliando o programa Mais Médicos ao longo desses dez anos, o que se vê é que uma das principais razões de não fixação é o médico querer ter alternativas para sua qualificação, para sua formação.

continua após a publicidade

Houve uma grande mudança na categoria médica do ponto de vista do número de profissionais formados. O Mais Médicos já previa aumento de vagas em cursos de Medicina, principalmente no interior, considerando este um fator a permitir maior fixação. Houve um aumento muito maior do que o previsto de vagas de Medicina: se previa 11 mil vagas e esse aumento foi na faixa de 30 mil. Temos muito mais médicos formados, mas continuamos com problema de distribuição desses médicos, com grandes vazios assistenciais em áreas remotas e periféricas. Hoje se calcula um índice de 2,6 médicos por mil habitantes, mas isso é a média. Há locais onde é 1 médico por 100 mil habitantes. É com essa realidade tão desigual que o Mais Médicos precisa atuar.

A ministra reconheceu que, passados dez anos do lançamento da primeira versão do Mais Médicos, hoje a maior dificuldade do programa é reter os profissionais Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

No lançamento do Mais Médicos, em 2013, havia dois pilares fundamentais: o provimento emergencial e a formação de mais médicos para que esse provimento não fosse mais necessário no futuro, mas essa melhor distribuição não aconteceu. Como corrigir essa falha e garantir a fixação desses médicos?

continua após a publicidade

Não vou encarar como um erro porque foi um programa muito corajoso, necessário e bem-sucedido. Houve redução de mortalidade infantil, melhoria de outros indicadores de saúde, cuidado à hipertensão e a diabetes naqueles territórios mais vulneráveis. Foi um programa de provimento emergencial, mas não só isso, foi um programa que colocou em pauta parâmetros para abertura de cursos de Medicina.

Agora, o que nós estamos discutindo é como fixar e como conseguir que mais médicos brasileiros possam se fixar. Apareceu essa questão de (o participante) ter um interesse em ter essa formação que os qualifique mais do ponto de vista da carreira. Outra questão que não estava prevista e que agora está prevista são as licenças maternidade e paternidade.

Agora, o que nós estamos discutindo é como fixar e como conseguir que mais médicos brasileiros possam se fixar

Nísia Trindade

continua após a publicidade

Por fim, ligada a essa questão da formação, sabe-se por vários estudos que é importante que o médico sinta-se apoiado por uma rede de referência e contra referência, ou seja, a possibilidade de discutir as suas condutas terapêuticas, a possibilidade de ter elos com centros de maior excelência do País e isso também está na proposta, com proposta já de uso de telessaúde e telemedicina.

Então nós temos recursos importantes para melhorar essas condições do médico. Ao mesmo tempo, nós estamos fazendo um credenciamento de equipes de saúde da família, que não estavam recebendo suporte do governo federal. Hoje temos 3,8 mil equipes (do programa Saúde da Família) que aguardavam por esse credenciamento. Onde essa estratégia de saúde da família estiver mais avançada, tenho certeza que o médico terá melhores condições porque ele precisa de estrutura e de equipe para trabalhar. A visão tem que ser integrada.

Existe espaço no governo para discutir a ideia de estágio ou período de trabalho obrigatório no SUS aos egressos de Medicina, principalmente de faculdades públicas?

Essas propostas são levantadas por muitos representantes de sociedades médicas, há muitas divergências em relação a elas, mas existem experiências de países que fazem isso, como a Colômbia. Essa agenda vai ser discutida na comissão criada hoje (segunda-feira, 20) junto com o Ministério da Educação (MEC) e em diálogo com as sociedades médica. Ainda que o programa (Mais Médicos) tenha sido objeto de muitas críticas, estaremos dialogando e ouvindo propostas de várias sociedades médicas para aperfeiçoar esse caminho.

Já tem algumas sinalizações que eu gostaria de colocar, por exemplo, as vagas abertas agora de residência: há uma priorização para as áreas mais descobertas de médicos nas vagas custeadas pelo Ministério da Saúde, como nas regiões Norte e Nordeste. Outras medida é ter, na própria graduação, maior conhecimento dessa realidade tão desigual do Brasil. Isso tudo está na nossa pauta. De imediato, temos essas vagas de residência com essa orientação.

Em relação aos 2,7 mil médicos cubanos que tiveram decisão judicial favorável para serem incorporados ao programa Mais Médicos, há uma definição sobre o que será feito?

Até o momento, é uma decisão judicial, cabe a nós cumprir e é o que faremos.

A ministra Nísia e o presidente Lula participaram do anúncio do programa nesta segunda-feira, 20, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas eles já foram reincorporados?

Ainda está em processo, mas o Ministério da Saúde vai seguir a decisão judicial. Importante dizer o papel que os médicos cubanos tiveram na Atenção Primária. É uma área avançada em Cuba, eles contribuíram e é importante fazer esse reconhecimento.

Importante dizer o papel que os médicos cubanos tiveram na Atenção Primária. É uma área avançada em Cuba, eles contribuíram e é importante fazer esse reconhecimento.

Nísia Trindade

Outro grande gargalo é a consulta com médicos especialistas. O que a nova gestão pretende fazer com relação ao provimento de médicos especialistas?

Estamos com um programa ainda em elaboração de jovens especialistas justamente para essa formação para média e alta complexidade, além da atenção primária à saúde. Além disso, passados os cem primeiros dias, queremos avançar em políticas estruturais para o SUS e uma delas é a política de alta e média complexidade. E isso requer essa formação adequada, a educação permanente, a atualização, o uso adequado da telemedicina.

No caso desse programa de jovens especialistas, como vai funcionar e quando será lançado?

Ele está em elaboração. Vai ser anunciado já depois dos cem dias porque nosso foco agora é concluir o que nos comprometemos, mas com certeza será neste semestre.

E vai ser uma lógica parecida à do Mais Médicos, com provimento em locais de maior necessidade e subsídio federal?

Isso sim, mas com uso racional e adequado de telemedicina como suporte às ações principalmente dos territórios mais distantes e aqueles com mais dificuldade, às vezes até nas periferias das grandes cidades. Então são medidas que seguem a visão da integralidade em saúde, isso é o mais importante. ‘Saúde para Todos’ é o lema da Constituição de 1988, mas queremos que essa saúde seja de maior qualidade para todos. O SUS avançou muito, mas temos que avançar ainda mais nesse aspecto.

Faz pouco menos de um mês que o ministério lançou o movimento pela vacinação. Como avalia a adesão e o que a gestão pretende fazer para enfrentar outros problemas relacionados à queda de cobertura vacinal, como falta de vacinas e horários dos postos de saúde?

Até semana passada, tínhamos 3 milhões de pessoas vacinadas com a vacina bivalente contra a covid-19, isso em três semanas. Claro que em momentos de auge de epidemia, esse número é maior porque tem a questão da percepção do risco e da gravidade. Temos que separar as vacinas porque a vacina da covid-19 foi alvo maior de fake news, de ações criminosas mesmo nas redes. Mas como estamos em um movimento pela vacinação, estamos vendo em muitos Estados e cidades estratégias muito bonitas, como dar ingressos de zoológico, uma série de medidas das secretarias de cultura, queremos estimular isso. Vou colocar essa questão diretamente para os prefeitos e pedir a eles também criatividade nessas ações.

Mas, de fato, é preciso que haja um horário mais largo para que as pessoas possam se vacinar, locais de vacinação que facilitem a vida das pessoas, busca ativa através dos agentes comunitários de saúde, então são essas as ações propostas para todo o Brasil. Em relação às vacinas para as outras doenças, vamos trabalhar mais fortemente a partir de maio porque tivemos que recompor os estoques dessas vacinas. Uma das ações será a vacinação nas escolas.

O ministério tem alguma meta para a cobertura vacinal dessas vacinas em 2023?

A nossa meta é atingir cobertura de 90%. Essa é a meta que garante, de fato, a segurança. Sem essa cobertura, você não tem a proteção necessária para ficarmos livres de vírus que já haviam parado de circular, como o da pólio.

Quanto ao programa de redução de filas de cirurgias que prevê repasse de R$ 600 milhões do ministério para os Estados, eles deveriam já ter apresentado seus planos estaduais. O que já foi entregue e quais são os procedimentos que serão priorizados?

Temos planos apresentados por parte dos Estados e o que nós vemos como um ponto maior de atenção, até por ser uma área onde se tem pressa mesmo, é na questão do câncer, toda a questão oncológica. Mas isso é bem variável, não temos ainda os dados sistematizados, até porque está em curso. Estamos em uma fase de depurar esses planos, mas muitas ações já começaram.

Falando em câncer, ainda vemos uma diferença grande entre os medicamentos oferecidos nos planos de saúde e no SUS. Como pretende lidar com esse problema?

O ponto mais importante é o incentivo ao processo de inovação nas universidades, e instituições de pesquisa nacional, com parcerias públicas ou público-privadas. Tem terapias novas, como de células CAR-T, que estão sendo desenvolvidas em alguns dos nossos institutos de pesquisa e universidades. Alguns tratamentos serão insustentáveis realmente, não para o Brasil, para qualquer país. Então, sem ações desse tipo, será impossível enfrentá-las.

Além disso, temos uma comissão de incorporação de tecnologias no SUS, que também foi alvo de muitas polêmicas, inclusive com relação a pareceres sobre o uso de hidroxicloroquina, e agora estamos retomando esse trabalho com força e base científica. E temos que rever também toda a questão de preços e acordos com laboratórios.

Mas a questão do câncer também precisa se relacionar à prevenção, e uma das ações que eu vou agora para Recife essa semana com o presidente Lula está ligada à prevenção do câncer de colo uterino, um rastreamento com nova tecnologia que está sendo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) através de RT-PCR (exame que permite a detecção do vírus HPV) e toda uma linha de cuidado a partir desse rastreamento. Na política, vai ter o RT-PCR, reforço à vacinação de HPV e, uma vez identificado o câncer de colo interino, atuar o mais rápido possível. Então, é uma política integrada.

Sobre o financiamento do sistema público, existe uma previsão de atualizar os valores da Tabela SUS?

Isso está na nossa pauta, mas não teremos uma resposta imediata, vamos trabalhar nesse sentido. A própria questão do programa de redução de filas já não se fixa na tabela SUS, com a possibilidade de ter duas vezes a tabela e uma equação de recursos que já leva em conta essa defasagem (pelo programa, os Estados estão autorizados a pagar duas vezes o valor da tabela SUS para hospitais conveniados que fizerem procedimentos pelo SUS). A tabela não deve ser o nosso único foco, essa é a visão, mas nós vamos ainda estar trabalhando para apresentar primeiro na própria equipe de governo uma proposta, depois pactuar com Estados e municípios, porque essas grandes mudanças na saúde não são feitas exclusivamente pelo Ministério da Saúde, elas têm que necessariamente passar por essa relação tripartite, então por isso a gente não antecipa nada que não tenha sido pactuado.

Com o anúncio do novo formato do programa Mais Médicos nesta segunda-feira, 20, o Ministério da Saúde quer investir em estratégias para fixar os novos profissionais em áreas remotas ou periféricas, e prepara programa similar com foco em médicos especialistas, afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, ela reconheceu que, passados dez anos do lançamento da primeira versão do Mais Médicos, hoje a maior dificuldade do programa é reter os profissionais e disse que a pasta apostará em oferta de especializações, bônus e apoio de grandes centros de excelência aos participantes por meio da telemedicina.

Disse ainda que deverá ser lançado, ainda no primeiro semestre deste ano, um programa para ampliar o acesso a médicos especialistas com foco na formação de jovens médicos e uso da telessaúde.

Ainda sobre o Mais Médicos, a ministra afirmou que a pasta cumprirá a decisão judicial de reincorporar cerca de 2,7 mil médicos cubanos ao programa Mais Médicos que continuaram morando no Brasil após o fim do acordo do governo brasileiro com Cuba, e que obtiveram sentença favorável à reinclusão no programa.

Nísia contou ainda que o governo lançará em abril o novo formato do programa Farmácia Popular, com maior foco na oferta dos medicamentos por meio de pagamento direto pelo governo federal. A ministra falou ainda sobre os próximos passos das ações para aumento das coberturas vacinais e redução de filas no SUS. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Passados quase três meses deste início de gestão, gostaria que você fizesse um balanço das ações anunciadas até agora e elencasse quais são as próximas ações prioritárias do ministério.

Completamos 80 dias e estamos no processo de cumprir as metas dos cem dias, que foram definidas tanto no programa do presidente Lula e do vice-presidente Alckmin como também fruto do diagnóstico da equipe de transição da qual participei, então nos concentramos em medidas como a questão da vacinação, criando um movimento nacional pela vacinação; toda a questão do represamento de cirurgias e exames, que nós estabelecemos um plano para redução dessas filas trabalhando com Estados e municípios. E já estávamos com a perspectiva de reorientar a saúde indígena e, no meio desse processo, tivemos uma crise já anunciada no território Yanomami, que tomou contornos muito dramáticos e que estamos enfrentando até agora. Então, é iniciar uma gestão de retomada de programas e, hoje (segunda-feira, 20), com esse anúncio do Mais Médicos, acho que foi mais um feito importantíssimo desse início de gestão. A próxima ação já prevista com antecedência é a retomada da Farmácia Popular.

Quando deve ser anunciado o novo formato da Farmácia Popular e quais devem ser as novidades do programa?

Ainda estamos em elaboração, com uma avaliação em curso, mas nossa meta é fazer um anúncio até 10 de abril dentro dessa mesma filosofia: retomada com aprendizados, e agora queremos fortalecer o componente de pagamento próprio, de responsabilidade direta do Ministério da Saúde. A gente tem o programa Aqui Tem Farmácia Popular (com drogarias conveniadas) e tem o provimento próprio, então nós estamos olhando de uma forma muito especial para isso que é responsabilidade direta do SUS.

Sobre o anúncio feito do Mais Médicos, como vai funcionar esse componente da especialização e outras medidas para fixação de profissionais?

Tem as medidas de incentivo para fixação com os bônus (por tempo de permanência), que é um ponto importante. O que nós vimos é que nós não tínhamos outras possibilidades de formação além da especialização específica em Medicina de Família e Comunidade. Agora, nós podemos ampliar esse leque de especialização porque, na atenção primária, outros especialistas são importantes, como Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, então há uma ampliação nessa compreensão da especialização.

Outro ponto é o mestrado profissional, como o em Medicina da Família e Comunidade ou em Atenção Primária à Saúde. Além disso, os médicos participantes do programa poderão ter uma pontuação adicional de 10% na seleção de programas de residência. Temos, depois de um longo tempo sem um edital mais robusto de residência, a oferta de cerca de 800 vagas de residência médica. Isso porque, na pesquisa que foi feita no Ministério da Saúde avaliando o programa Mais Médicos ao longo desses dez anos, o que se vê é que uma das principais razões de não fixação é o médico querer ter alternativas para sua qualificação, para sua formação.

Houve uma grande mudança na categoria médica do ponto de vista do número de profissionais formados. O Mais Médicos já previa aumento de vagas em cursos de Medicina, principalmente no interior, considerando este um fator a permitir maior fixação. Houve um aumento muito maior do que o previsto de vagas de Medicina: se previa 11 mil vagas e esse aumento foi na faixa de 30 mil. Temos muito mais médicos formados, mas continuamos com problema de distribuição desses médicos, com grandes vazios assistenciais em áreas remotas e periféricas. Hoje se calcula um índice de 2,6 médicos por mil habitantes, mas isso é a média. Há locais onde é 1 médico por 100 mil habitantes. É com essa realidade tão desigual que o Mais Médicos precisa atuar.

A ministra reconheceu que, passados dez anos do lançamento da primeira versão do Mais Médicos, hoje a maior dificuldade do programa é reter os profissionais Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

No lançamento do Mais Médicos, em 2013, havia dois pilares fundamentais: o provimento emergencial e a formação de mais médicos para que esse provimento não fosse mais necessário no futuro, mas essa melhor distribuição não aconteceu. Como corrigir essa falha e garantir a fixação desses médicos?

Não vou encarar como um erro porque foi um programa muito corajoso, necessário e bem-sucedido. Houve redução de mortalidade infantil, melhoria de outros indicadores de saúde, cuidado à hipertensão e a diabetes naqueles territórios mais vulneráveis. Foi um programa de provimento emergencial, mas não só isso, foi um programa que colocou em pauta parâmetros para abertura de cursos de Medicina.

Agora, o que nós estamos discutindo é como fixar e como conseguir que mais médicos brasileiros possam se fixar. Apareceu essa questão de (o participante) ter um interesse em ter essa formação que os qualifique mais do ponto de vista da carreira. Outra questão que não estava prevista e que agora está prevista são as licenças maternidade e paternidade.

Agora, o que nós estamos discutindo é como fixar e como conseguir que mais médicos brasileiros possam se fixar

Nísia Trindade

Por fim, ligada a essa questão da formação, sabe-se por vários estudos que é importante que o médico sinta-se apoiado por uma rede de referência e contra referência, ou seja, a possibilidade de discutir as suas condutas terapêuticas, a possibilidade de ter elos com centros de maior excelência do País e isso também está na proposta, com proposta já de uso de telessaúde e telemedicina.

Então nós temos recursos importantes para melhorar essas condições do médico. Ao mesmo tempo, nós estamos fazendo um credenciamento de equipes de saúde da família, que não estavam recebendo suporte do governo federal. Hoje temos 3,8 mil equipes (do programa Saúde da Família) que aguardavam por esse credenciamento. Onde essa estratégia de saúde da família estiver mais avançada, tenho certeza que o médico terá melhores condições porque ele precisa de estrutura e de equipe para trabalhar. A visão tem que ser integrada.

Existe espaço no governo para discutir a ideia de estágio ou período de trabalho obrigatório no SUS aos egressos de Medicina, principalmente de faculdades públicas?

Essas propostas são levantadas por muitos representantes de sociedades médicas, há muitas divergências em relação a elas, mas existem experiências de países que fazem isso, como a Colômbia. Essa agenda vai ser discutida na comissão criada hoje (segunda-feira, 20) junto com o Ministério da Educação (MEC) e em diálogo com as sociedades médica. Ainda que o programa (Mais Médicos) tenha sido objeto de muitas críticas, estaremos dialogando e ouvindo propostas de várias sociedades médicas para aperfeiçoar esse caminho.

Já tem algumas sinalizações que eu gostaria de colocar, por exemplo, as vagas abertas agora de residência: há uma priorização para as áreas mais descobertas de médicos nas vagas custeadas pelo Ministério da Saúde, como nas regiões Norte e Nordeste. Outras medida é ter, na própria graduação, maior conhecimento dessa realidade tão desigual do Brasil. Isso tudo está na nossa pauta. De imediato, temos essas vagas de residência com essa orientação.

Em relação aos 2,7 mil médicos cubanos que tiveram decisão judicial favorável para serem incorporados ao programa Mais Médicos, há uma definição sobre o que será feito?

Até o momento, é uma decisão judicial, cabe a nós cumprir e é o que faremos.

A ministra Nísia e o presidente Lula participaram do anúncio do programa nesta segunda-feira, 20, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas eles já foram reincorporados?

Ainda está em processo, mas o Ministério da Saúde vai seguir a decisão judicial. Importante dizer o papel que os médicos cubanos tiveram na Atenção Primária. É uma área avançada em Cuba, eles contribuíram e é importante fazer esse reconhecimento.

Importante dizer o papel que os médicos cubanos tiveram na Atenção Primária. É uma área avançada em Cuba, eles contribuíram e é importante fazer esse reconhecimento.

Nísia Trindade

Outro grande gargalo é a consulta com médicos especialistas. O que a nova gestão pretende fazer com relação ao provimento de médicos especialistas?

Estamos com um programa ainda em elaboração de jovens especialistas justamente para essa formação para média e alta complexidade, além da atenção primária à saúde. Além disso, passados os cem primeiros dias, queremos avançar em políticas estruturais para o SUS e uma delas é a política de alta e média complexidade. E isso requer essa formação adequada, a educação permanente, a atualização, o uso adequado da telemedicina.

No caso desse programa de jovens especialistas, como vai funcionar e quando será lançado?

Ele está em elaboração. Vai ser anunciado já depois dos cem dias porque nosso foco agora é concluir o que nos comprometemos, mas com certeza será neste semestre.

E vai ser uma lógica parecida à do Mais Médicos, com provimento em locais de maior necessidade e subsídio federal?

Isso sim, mas com uso racional e adequado de telemedicina como suporte às ações principalmente dos territórios mais distantes e aqueles com mais dificuldade, às vezes até nas periferias das grandes cidades. Então são medidas que seguem a visão da integralidade em saúde, isso é o mais importante. ‘Saúde para Todos’ é o lema da Constituição de 1988, mas queremos que essa saúde seja de maior qualidade para todos. O SUS avançou muito, mas temos que avançar ainda mais nesse aspecto.

Faz pouco menos de um mês que o ministério lançou o movimento pela vacinação. Como avalia a adesão e o que a gestão pretende fazer para enfrentar outros problemas relacionados à queda de cobertura vacinal, como falta de vacinas e horários dos postos de saúde?

Até semana passada, tínhamos 3 milhões de pessoas vacinadas com a vacina bivalente contra a covid-19, isso em três semanas. Claro que em momentos de auge de epidemia, esse número é maior porque tem a questão da percepção do risco e da gravidade. Temos que separar as vacinas porque a vacina da covid-19 foi alvo maior de fake news, de ações criminosas mesmo nas redes. Mas como estamos em um movimento pela vacinação, estamos vendo em muitos Estados e cidades estratégias muito bonitas, como dar ingressos de zoológico, uma série de medidas das secretarias de cultura, queremos estimular isso. Vou colocar essa questão diretamente para os prefeitos e pedir a eles também criatividade nessas ações.

Mas, de fato, é preciso que haja um horário mais largo para que as pessoas possam se vacinar, locais de vacinação que facilitem a vida das pessoas, busca ativa através dos agentes comunitários de saúde, então são essas as ações propostas para todo o Brasil. Em relação às vacinas para as outras doenças, vamos trabalhar mais fortemente a partir de maio porque tivemos que recompor os estoques dessas vacinas. Uma das ações será a vacinação nas escolas.

O ministério tem alguma meta para a cobertura vacinal dessas vacinas em 2023?

A nossa meta é atingir cobertura de 90%. Essa é a meta que garante, de fato, a segurança. Sem essa cobertura, você não tem a proteção necessária para ficarmos livres de vírus que já haviam parado de circular, como o da pólio.

Quanto ao programa de redução de filas de cirurgias que prevê repasse de R$ 600 milhões do ministério para os Estados, eles deveriam já ter apresentado seus planos estaduais. O que já foi entregue e quais são os procedimentos que serão priorizados?

Temos planos apresentados por parte dos Estados e o que nós vemos como um ponto maior de atenção, até por ser uma área onde se tem pressa mesmo, é na questão do câncer, toda a questão oncológica. Mas isso é bem variável, não temos ainda os dados sistematizados, até porque está em curso. Estamos em uma fase de depurar esses planos, mas muitas ações já começaram.

Falando em câncer, ainda vemos uma diferença grande entre os medicamentos oferecidos nos planos de saúde e no SUS. Como pretende lidar com esse problema?

O ponto mais importante é o incentivo ao processo de inovação nas universidades, e instituições de pesquisa nacional, com parcerias públicas ou público-privadas. Tem terapias novas, como de células CAR-T, que estão sendo desenvolvidas em alguns dos nossos institutos de pesquisa e universidades. Alguns tratamentos serão insustentáveis realmente, não para o Brasil, para qualquer país. Então, sem ações desse tipo, será impossível enfrentá-las.

Além disso, temos uma comissão de incorporação de tecnologias no SUS, que também foi alvo de muitas polêmicas, inclusive com relação a pareceres sobre o uso de hidroxicloroquina, e agora estamos retomando esse trabalho com força e base científica. E temos que rever também toda a questão de preços e acordos com laboratórios.

Mas a questão do câncer também precisa se relacionar à prevenção, e uma das ações que eu vou agora para Recife essa semana com o presidente Lula está ligada à prevenção do câncer de colo uterino, um rastreamento com nova tecnologia que está sendo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) através de RT-PCR (exame que permite a detecção do vírus HPV) e toda uma linha de cuidado a partir desse rastreamento. Na política, vai ter o RT-PCR, reforço à vacinação de HPV e, uma vez identificado o câncer de colo interino, atuar o mais rápido possível. Então, é uma política integrada.

Sobre o financiamento do sistema público, existe uma previsão de atualizar os valores da Tabela SUS?

Isso está na nossa pauta, mas não teremos uma resposta imediata, vamos trabalhar nesse sentido. A própria questão do programa de redução de filas já não se fixa na tabela SUS, com a possibilidade de ter duas vezes a tabela e uma equação de recursos que já leva em conta essa defasagem (pelo programa, os Estados estão autorizados a pagar duas vezes o valor da tabela SUS para hospitais conveniados que fizerem procedimentos pelo SUS). A tabela não deve ser o nosso único foco, essa é a visão, mas nós vamos ainda estar trabalhando para apresentar primeiro na própria equipe de governo uma proposta, depois pactuar com Estados e municípios, porque essas grandes mudanças na saúde não são feitas exclusivamente pelo Ministério da Saúde, elas têm que necessariamente passar por essa relação tripartite, então por isso a gente não antecipa nada que não tenha sido pactuado.

Com o anúncio do novo formato do programa Mais Médicos nesta segunda-feira, 20, o Ministério da Saúde quer investir em estratégias para fixar os novos profissionais em áreas remotas ou periféricas, e prepara programa similar com foco em médicos especialistas, afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, ela reconheceu que, passados dez anos do lançamento da primeira versão do Mais Médicos, hoje a maior dificuldade do programa é reter os profissionais e disse que a pasta apostará em oferta de especializações, bônus e apoio de grandes centros de excelência aos participantes por meio da telemedicina.

Disse ainda que deverá ser lançado, ainda no primeiro semestre deste ano, um programa para ampliar o acesso a médicos especialistas com foco na formação de jovens médicos e uso da telessaúde.

Ainda sobre o Mais Médicos, a ministra afirmou que a pasta cumprirá a decisão judicial de reincorporar cerca de 2,7 mil médicos cubanos ao programa Mais Médicos que continuaram morando no Brasil após o fim do acordo do governo brasileiro com Cuba, e que obtiveram sentença favorável à reinclusão no programa.

Nísia contou ainda que o governo lançará em abril o novo formato do programa Farmácia Popular, com maior foco na oferta dos medicamentos por meio de pagamento direto pelo governo federal. A ministra falou ainda sobre os próximos passos das ações para aumento das coberturas vacinais e redução de filas no SUS. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Passados quase três meses deste início de gestão, gostaria que você fizesse um balanço das ações anunciadas até agora e elencasse quais são as próximas ações prioritárias do ministério.

Completamos 80 dias e estamos no processo de cumprir as metas dos cem dias, que foram definidas tanto no programa do presidente Lula e do vice-presidente Alckmin como também fruto do diagnóstico da equipe de transição da qual participei, então nos concentramos em medidas como a questão da vacinação, criando um movimento nacional pela vacinação; toda a questão do represamento de cirurgias e exames, que nós estabelecemos um plano para redução dessas filas trabalhando com Estados e municípios. E já estávamos com a perspectiva de reorientar a saúde indígena e, no meio desse processo, tivemos uma crise já anunciada no território Yanomami, que tomou contornos muito dramáticos e que estamos enfrentando até agora. Então, é iniciar uma gestão de retomada de programas e, hoje (segunda-feira, 20), com esse anúncio do Mais Médicos, acho que foi mais um feito importantíssimo desse início de gestão. A próxima ação já prevista com antecedência é a retomada da Farmácia Popular.

Quando deve ser anunciado o novo formato da Farmácia Popular e quais devem ser as novidades do programa?

Ainda estamos em elaboração, com uma avaliação em curso, mas nossa meta é fazer um anúncio até 10 de abril dentro dessa mesma filosofia: retomada com aprendizados, e agora queremos fortalecer o componente de pagamento próprio, de responsabilidade direta do Ministério da Saúde. A gente tem o programa Aqui Tem Farmácia Popular (com drogarias conveniadas) e tem o provimento próprio, então nós estamos olhando de uma forma muito especial para isso que é responsabilidade direta do SUS.

Sobre o anúncio feito do Mais Médicos, como vai funcionar esse componente da especialização e outras medidas para fixação de profissionais?

Tem as medidas de incentivo para fixação com os bônus (por tempo de permanência), que é um ponto importante. O que nós vimos é que nós não tínhamos outras possibilidades de formação além da especialização específica em Medicina de Família e Comunidade. Agora, nós podemos ampliar esse leque de especialização porque, na atenção primária, outros especialistas são importantes, como Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, então há uma ampliação nessa compreensão da especialização.

Outro ponto é o mestrado profissional, como o em Medicina da Família e Comunidade ou em Atenção Primária à Saúde. Além disso, os médicos participantes do programa poderão ter uma pontuação adicional de 10% na seleção de programas de residência. Temos, depois de um longo tempo sem um edital mais robusto de residência, a oferta de cerca de 800 vagas de residência médica. Isso porque, na pesquisa que foi feita no Ministério da Saúde avaliando o programa Mais Médicos ao longo desses dez anos, o que se vê é que uma das principais razões de não fixação é o médico querer ter alternativas para sua qualificação, para sua formação.

Houve uma grande mudança na categoria médica do ponto de vista do número de profissionais formados. O Mais Médicos já previa aumento de vagas em cursos de Medicina, principalmente no interior, considerando este um fator a permitir maior fixação. Houve um aumento muito maior do que o previsto de vagas de Medicina: se previa 11 mil vagas e esse aumento foi na faixa de 30 mil. Temos muito mais médicos formados, mas continuamos com problema de distribuição desses médicos, com grandes vazios assistenciais em áreas remotas e periféricas. Hoje se calcula um índice de 2,6 médicos por mil habitantes, mas isso é a média. Há locais onde é 1 médico por 100 mil habitantes. É com essa realidade tão desigual que o Mais Médicos precisa atuar.

A ministra reconheceu que, passados dez anos do lançamento da primeira versão do Mais Médicos, hoje a maior dificuldade do programa é reter os profissionais Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

No lançamento do Mais Médicos, em 2013, havia dois pilares fundamentais: o provimento emergencial e a formação de mais médicos para que esse provimento não fosse mais necessário no futuro, mas essa melhor distribuição não aconteceu. Como corrigir essa falha e garantir a fixação desses médicos?

Não vou encarar como um erro porque foi um programa muito corajoso, necessário e bem-sucedido. Houve redução de mortalidade infantil, melhoria de outros indicadores de saúde, cuidado à hipertensão e a diabetes naqueles territórios mais vulneráveis. Foi um programa de provimento emergencial, mas não só isso, foi um programa que colocou em pauta parâmetros para abertura de cursos de Medicina.

Agora, o que nós estamos discutindo é como fixar e como conseguir que mais médicos brasileiros possam se fixar. Apareceu essa questão de (o participante) ter um interesse em ter essa formação que os qualifique mais do ponto de vista da carreira. Outra questão que não estava prevista e que agora está prevista são as licenças maternidade e paternidade.

Agora, o que nós estamos discutindo é como fixar e como conseguir que mais médicos brasileiros possam se fixar

Nísia Trindade

Por fim, ligada a essa questão da formação, sabe-se por vários estudos que é importante que o médico sinta-se apoiado por uma rede de referência e contra referência, ou seja, a possibilidade de discutir as suas condutas terapêuticas, a possibilidade de ter elos com centros de maior excelência do País e isso também está na proposta, com proposta já de uso de telessaúde e telemedicina.

Então nós temos recursos importantes para melhorar essas condições do médico. Ao mesmo tempo, nós estamos fazendo um credenciamento de equipes de saúde da família, que não estavam recebendo suporte do governo federal. Hoje temos 3,8 mil equipes (do programa Saúde da Família) que aguardavam por esse credenciamento. Onde essa estratégia de saúde da família estiver mais avançada, tenho certeza que o médico terá melhores condições porque ele precisa de estrutura e de equipe para trabalhar. A visão tem que ser integrada.

Existe espaço no governo para discutir a ideia de estágio ou período de trabalho obrigatório no SUS aos egressos de Medicina, principalmente de faculdades públicas?

Essas propostas são levantadas por muitos representantes de sociedades médicas, há muitas divergências em relação a elas, mas existem experiências de países que fazem isso, como a Colômbia. Essa agenda vai ser discutida na comissão criada hoje (segunda-feira, 20) junto com o Ministério da Educação (MEC) e em diálogo com as sociedades médica. Ainda que o programa (Mais Médicos) tenha sido objeto de muitas críticas, estaremos dialogando e ouvindo propostas de várias sociedades médicas para aperfeiçoar esse caminho.

Já tem algumas sinalizações que eu gostaria de colocar, por exemplo, as vagas abertas agora de residência: há uma priorização para as áreas mais descobertas de médicos nas vagas custeadas pelo Ministério da Saúde, como nas regiões Norte e Nordeste. Outras medida é ter, na própria graduação, maior conhecimento dessa realidade tão desigual do Brasil. Isso tudo está na nossa pauta. De imediato, temos essas vagas de residência com essa orientação.

Em relação aos 2,7 mil médicos cubanos que tiveram decisão judicial favorável para serem incorporados ao programa Mais Médicos, há uma definição sobre o que será feito?

Até o momento, é uma decisão judicial, cabe a nós cumprir e é o que faremos.

A ministra Nísia e o presidente Lula participaram do anúncio do programa nesta segunda-feira, 20, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas eles já foram reincorporados?

Ainda está em processo, mas o Ministério da Saúde vai seguir a decisão judicial. Importante dizer o papel que os médicos cubanos tiveram na Atenção Primária. É uma área avançada em Cuba, eles contribuíram e é importante fazer esse reconhecimento.

Importante dizer o papel que os médicos cubanos tiveram na Atenção Primária. É uma área avançada em Cuba, eles contribuíram e é importante fazer esse reconhecimento.

Nísia Trindade

Outro grande gargalo é a consulta com médicos especialistas. O que a nova gestão pretende fazer com relação ao provimento de médicos especialistas?

Estamos com um programa ainda em elaboração de jovens especialistas justamente para essa formação para média e alta complexidade, além da atenção primária à saúde. Além disso, passados os cem primeiros dias, queremos avançar em políticas estruturais para o SUS e uma delas é a política de alta e média complexidade. E isso requer essa formação adequada, a educação permanente, a atualização, o uso adequado da telemedicina.

No caso desse programa de jovens especialistas, como vai funcionar e quando será lançado?

Ele está em elaboração. Vai ser anunciado já depois dos cem dias porque nosso foco agora é concluir o que nos comprometemos, mas com certeza será neste semestre.

E vai ser uma lógica parecida à do Mais Médicos, com provimento em locais de maior necessidade e subsídio federal?

Isso sim, mas com uso racional e adequado de telemedicina como suporte às ações principalmente dos territórios mais distantes e aqueles com mais dificuldade, às vezes até nas periferias das grandes cidades. Então são medidas que seguem a visão da integralidade em saúde, isso é o mais importante. ‘Saúde para Todos’ é o lema da Constituição de 1988, mas queremos que essa saúde seja de maior qualidade para todos. O SUS avançou muito, mas temos que avançar ainda mais nesse aspecto.

Faz pouco menos de um mês que o ministério lançou o movimento pela vacinação. Como avalia a adesão e o que a gestão pretende fazer para enfrentar outros problemas relacionados à queda de cobertura vacinal, como falta de vacinas e horários dos postos de saúde?

Até semana passada, tínhamos 3 milhões de pessoas vacinadas com a vacina bivalente contra a covid-19, isso em três semanas. Claro que em momentos de auge de epidemia, esse número é maior porque tem a questão da percepção do risco e da gravidade. Temos que separar as vacinas porque a vacina da covid-19 foi alvo maior de fake news, de ações criminosas mesmo nas redes. Mas como estamos em um movimento pela vacinação, estamos vendo em muitos Estados e cidades estratégias muito bonitas, como dar ingressos de zoológico, uma série de medidas das secretarias de cultura, queremos estimular isso. Vou colocar essa questão diretamente para os prefeitos e pedir a eles também criatividade nessas ações.

Mas, de fato, é preciso que haja um horário mais largo para que as pessoas possam se vacinar, locais de vacinação que facilitem a vida das pessoas, busca ativa através dos agentes comunitários de saúde, então são essas as ações propostas para todo o Brasil. Em relação às vacinas para as outras doenças, vamos trabalhar mais fortemente a partir de maio porque tivemos que recompor os estoques dessas vacinas. Uma das ações será a vacinação nas escolas.

O ministério tem alguma meta para a cobertura vacinal dessas vacinas em 2023?

A nossa meta é atingir cobertura de 90%. Essa é a meta que garante, de fato, a segurança. Sem essa cobertura, você não tem a proteção necessária para ficarmos livres de vírus que já haviam parado de circular, como o da pólio.

Quanto ao programa de redução de filas de cirurgias que prevê repasse de R$ 600 milhões do ministério para os Estados, eles deveriam já ter apresentado seus planos estaduais. O que já foi entregue e quais são os procedimentos que serão priorizados?

Temos planos apresentados por parte dos Estados e o que nós vemos como um ponto maior de atenção, até por ser uma área onde se tem pressa mesmo, é na questão do câncer, toda a questão oncológica. Mas isso é bem variável, não temos ainda os dados sistematizados, até porque está em curso. Estamos em uma fase de depurar esses planos, mas muitas ações já começaram.

Falando em câncer, ainda vemos uma diferença grande entre os medicamentos oferecidos nos planos de saúde e no SUS. Como pretende lidar com esse problema?

O ponto mais importante é o incentivo ao processo de inovação nas universidades, e instituições de pesquisa nacional, com parcerias públicas ou público-privadas. Tem terapias novas, como de células CAR-T, que estão sendo desenvolvidas em alguns dos nossos institutos de pesquisa e universidades. Alguns tratamentos serão insustentáveis realmente, não para o Brasil, para qualquer país. Então, sem ações desse tipo, será impossível enfrentá-las.

Além disso, temos uma comissão de incorporação de tecnologias no SUS, que também foi alvo de muitas polêmicas, inclusive com relação a pareceres sobre o uso de hidroxicloroquina, e agora estamos retomando esse trabalho com força e base científica. E temos que rever também toda a questão de preços e acordos com laboratórios.

Mas a questão do câncer também precisa se relacionar à prevenção, e uma das ações que eu vou agora para Recife essa semana com o presidente Lula está ligada à prevenção do câncer de colo uterino, um rastreamento com nova tecnologia que está sendo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) através de RT-PCR (exame que permite a detecção do vírus HPV) e toda uma linha de cuidado a partir desse rastreamento. Na política, vai ter o RT-PCR, reforço à vacinação de HPV e, uma vez identificado o câncer de colo interino, atuar o mais rápido possível. Então, é uma política integrada.

Sobre o financiamento do sistema público, existe uma previsão de atualizar os valores da Tabela SUS?

Isso está na nossa pauta, mas não teremos uma resposta imediata, vamos trabalhar nesse sentido. A própria questão do programa de redução de filas já não se fixa na tabela SUS, com a possibilidade de ter duas vezes a tabela e uma equação de recursos que já leva em conta essa defasagem (pelo programa, os Estados estão autorizados a pagar duas vezes o valor da tabela SUS para hospitais conveniados que fizerem procedimentos pelo SUS). A tabela não deve ser o nosso único foco, essa é a visão, mas nós vamos ainda estar trabalhando para apresentar primeiro na própria equipe de governo uma proposta, depois pactuar com Estados e municípios, porque essas grandes mudanças na saúde não são feitas exclusivamente pelo Ministério da Saúde, elas têm que necessariamente passar por essa relação tripartite, então por isso a gente não antecipa nada que não tenha sido pactuado.

Entrevista por Fabiana Cambricoli

É repórter especial de Saúde do Estadão. Formada em jornalismo pela USP e mestra em saúde pública pela mesma instituição, já ganhou mais de dez prêmios jornalísticos. Foi fellow do International Center for Journalists (ICFJ), atuando como repórter visitante na ProPublica, premiado portal de jornalismo investigativo sediado em Nova York.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.