O Brasil já registrou 702 mortes por meningites este ano, segundo dados do Ministério da Saúde. A média de 78 óbitos por mês já é maior que a do ano passado, quando foram 793 óbitos no ano todo, média mensal de 66. Em 2020, houve 442 mortes, mas o número foi influenciado pela pandemia de covid-19.
O número de casos das diversas etiologias da doença chegou a 5,8 mil este ano, ainda abaixo do total de 2021, quando foram 6,8 mil.
A vacinação é considerada a forma mais eficaz na prevenção da meningite bacteriana, mas a cobertura vacinal vem caindo nos últimos anos. A campanha nacional de multivacinação, que inclui vacinas contra outras doenças, terminaria nesta sexta-feira, 30, com pouco mais da metade (52,08%) do público-alvo vacinado com a meningocócica C. Devido à baixa cobertura, alguns Estados prorrogaram a campanha até 31 de outubro.
O resultado, até agora, é o pior dos últimos cinco anos. No ano passado, a cobertura foi de 70,96%, em 2020 chegou a 78,57% e em 2019 a 87,41%. Já em 2018, foram vacinados 88,49% do público. A meta preconizada pelo ministério é de 95%.
A meningite é caracterizada pela infecção das meninges, membranas que recobrem o cérebro e a medula espinhal. A do tipo meningocócica é uma das formas mais graves de meningite bacteriana.
Entre os vários tipos dessa meningite, o menigococo C é o que está mais espalhado no Brasil e é combatido com a vacina meningocócica C. A primeira dose é aplicada aos 3 meses de idade, a segunda, aos cinco e o reforço, aos 12 meses. Essa vacina está liberada, de forma temporária, para crianças de 5 a 10 anos e profissionais de saúde.
O ministério disponibilizou também a vacina meningocócica ACWY (conjugada) para proteger contra os sorogrupos identificados por essas letras. Essa vacina é indicada para adolescentes de 11 e 12 anos, em dose única, mas o ministério liberou para uso temporário, até setembro de 2023, para adolescentes de 13 e 14 anos.
A cobertura dessa vacina, disponibilizada na rede pública apenas em 2020, ainda é baixa, mas vem subindo: foi de 18,41% em 2021 e chegou a 22,08% na campanha deste ano.
SP registra 295 mortes por meningites
No Estado de São Paulo, foram registradas neste ano 295 mortes por meningite, 42% do total do País. Já o número de casos chegou a 2.841, segundo a Secretaria de Estado da Saúde. A pasta afirma que os casos este ano são em menor quantidade do que no período pré-pandemia. Nesta sexta-feira, a cobertura vacinal para a meningite estava em 71,7%, acima da média nacional.
Na capital paulista, foram registradas nove mortes este ano, entre 56 casos confirmados. O surto mais recente aconteceu na região de Vila Formosa e Aricanduva, com cinco casos de meningite meningocócica do tipo C e um óbito – a vítima foi uma mulher de 42 anos. Foram vacinadas 12.363 pessoas na região nas duas últimas semanas, inclusive com a busca ativa de não vacinados nas casas.
Este ano, foram registrados outros dois surtos da mesma doença em São Paulo. No Jardim São Luís, entre janeiro e março, houve três casos e duas pessoas morreram. Já entre maio e junho, na região do Pari, foram dois casos e uma morte. A Secretaria Municipal de Saúde informou que o número de casos este ano diminuiu 64% em comparação com 2019, anterior à pandemia do coronavírus. Já as mortes foram três vezes menor.
Em cidades do interior, chegou a faltar vacina. A Prefeitura de Marília divulgou nota no último dia 24 informando que a falta do insumo conhecido como meningo C gerava preocupação entre os moradores. “A prefeitura esclarece que a responsabilidade pelo fornecimento ao município é do Estado que, por sua vez, recebe os imunobiológicos da central nacional de armazenamento do Ministério da Saúde”, disse.
Nesta sexta, a prefeitura informou que a situação foi normalizada e estavam disponíveis mais de 4 mil doses da meningo C, além de lotes da ACWY. A cidade soma 22 casos da doença e quatro óbitos este ano.
No Paraná, ao contrário, houve perda de vacina porque o público esperado não compareceu para se vacinar. Em nove municípios, entre eles Paranaguá, Ponta Grossa, Maringá e Foz do Iguaçu, 6,5 mil doses da meningocócica ACWY que deveriam ser aplicadas durante o mês de agosto, passaram do prazo e precisaram ser descartadas, segundo a Secretaria da Saúde do Estado.
Em Minas Gerais, o número de mortes e casos nos primeiros nove meses deste ano já supera os registros de 2021. De janeiro a setembro foram 71 óbitos e 465 casos, enquanto no ano passado aconteceram 51 mortes e 459 casos. No Estado, a cobertura vacinal chegou a 75%, enquanto a meta preconizada pelo Ministério é de 95%.
No município de Extrema, região sul do Estado, foram confirmados seis casos e duas mortes pela doença nos últimos dois meses. A Secretaria de Saúde de Minas Gerais enviou 30 mil doses para reforçar a vacinação na faixa etária dos 15 aos 59 anos, a mesma em que aconteceram os óbitos.
“Convido a todos que procurem nossos postos de vacinação, pois temos pontos itinerantes divulgados em redes sociais e estamos vacinando também nas indústrias”, disse a secretária municipal de Saúde, Patrícia Carneiro.
Sobre a queda na cobertura, o Ministério da Saúde informou que, desde 2016, identifica esse fenômeno que, segundo a pasta, acontece em todo o mundo. “Essa situação é tratada como prioridade, por intermédio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que está desenvolvendo uma série de ações para melhoria das coberturas vacinais”, disse.
O Ministério ressaltou que, mesmo durante esse período de queda, o Sistema Único de Saúde (SUS) continuou a garantir, anualmente, a disponibilização de aproximadamente 300 milhões de doses de imunobiológicos. A pasta lembrou que é de responsabilidade dos pais levar as crianças e adolescentes aos postos de vacinação – são mais de 38 mil salas em todo o país.
Baixa cobertura pode levar a casos graves
Para a infectologista Raquel Stucchi, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, o risco da baixa cobertura vacinal contra a meningite meningocócica é de que o País volte a ter casos graves, surtos e epidemias de meningite como aconteceu na década de 1970.
“Essa baixa cobertura vacinal coloca em risco as nossas crianças no sentido de que possam vir a adoecer. A meningite meningocócica preocupa muito porque é uma doença que tem uma letalidade muito grande, que às vezes leva à morte em curto espaço de tempo. Muitas vezes as crianças que sobrevivem ficam com sequelas graves, como perda de visão, audição e amputação de membros. É extremamente preocupante.”
A especialista conta que as meningites podem ser causadas por bactérias, vírus e fungos e sempre são um quadro grave. “As meningites virais, de maneira geral, elas não costumam ser muito graves, mas nós não temos vacina. Já as bacterianas são sempre muito graves. São as causadas por haemophilus influenzae tipo B, pneumococo e meningococo, e nós temos em nosso calendário de vacinação vacinas contra essas bactérias.”
Ela lembra que o quadro clínico de todas as meningites começa de forma semelhante, com febre alta, dor no corpo e muita dor de cabeça. A meningocócica tem como característica o aparecimento de manchas avermelhadas pelo corpo. “Febre, dor de cabeça e o aparecimento de manchas avermelhadas sugerem muito a meningite meningocócica.”
Conforme o Ministério da Saúde, a meningite é considerada doença endêmica no país, com casos registrados ao longo de todo o ano, com a ocorrência de surtos ocasionais. As meningites bacterianas são mais comuns no outono-inverno e as virais na primavera e verão.
Conforme o médico pediatra Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações, as meningites virais são benignas, normalmente de evolução muito boa. “O que preocupa são as meningites causadas pelo pneumococo, pelo haemophilus e pelos meningococos. Estes são mais frequentes e o tipo C é ainda o mais frequente entre os tipos de meningococos. A população mais vulnerável são crianças e adolescentes, por isso estão no foco das campanhas de vacinação. Entre 11 e 14 se faz um reforço nessa vacinação.”
Segundo ele, as meningites bacterianas acontecem endemicamente no Brasil. “Todo ano tem alguns poucos milhares de casos no Brasil. E tem esse potencial epidêmico, quando às vezes temos aumento de casos em bairros, escolas, favelas, que são as epidemias, que muitas vezes não ficam restritos às crianças e adolescentes, havendo desvio de faixa etária para idades mais velhas. Aí as ações de bloqueio são realizadas para conter a transmissão, como está acontecendo agora na zona leste de São Paulo”, disse.
Ele ressaltou que é importante todas as pessoas estarem em dia com a vacinação, pois é sempre uma doença de risco. “A vacina é a melhor maneira de proteção e tem de estar com ela em dia com ou sem epidemia. Pacientes imunocomprometidos também têm de tomar a vacina.”