Ministério da Saúde diz não ter pressa em usar inteligência artificial no SUS. Entenda por quê


Ao ‘Estadão’, Ana Estela Haddad, que comanda a Secretaria de Saúde Digital da pasta, falou sobre planos de expandir teleconsultas e agendamento eletrônico e preocupação com dados

Por Leon Ferrari
Atualização:
Foto: IARA MORSELLI
Entrevista comAna Estela HaddadSecretária de Saúde Digital do Ministério da Saúde

Poucos dias antes de reunir as autoridades de saúde do mundo todo na Assembleia Mundial da Saúde (AMS), no fim de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou comunicado no qual destacou sua preocupação com as inteligências artificiais generativas, como a usada pelo ChatGPT. “A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes, minar a confiança na IA e, assim, minar (ou atrasar) os potenciais benefícios e usos de longo prazo de tais tecnologias em todo o mundo”, disse a entidade.

Em entrevista ao Estadão, Ana Estela Haddad, que comanda a Secretaria de Saúde Digital do Ministério da Saúde, disse concordar com a postura de cautela da OMS. “Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais, que envolve, por exemplo, os dados pessoais e dados sensíveis”, falou. “A gente não deve ter a pressa de usar.”

Ana Estela frisou que o ministério acompanha a tramitação de projeto de regulamentação da IA que tramita na Câmara, ao mesmo tempo em que pleiteia espaço na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para discutir como aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em saúde.

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Ela também adiantou que a pasta estuda como escalar a possibilidade de agendamento eletrônicas e teleconsultas no Sistema Único de Saúde (SUS), agora que há lei que autoriza a telemedicina no Brasil.

A OMS divulgou comunicado pedindo calma na adoção de inteligências artificiais na saúde. Como o ministério avalia isso? A secretaria discute esse uso no SUS?

Achamos importante esse informe que a Organização Mundial da Saúde traz, inclusive para chamar atenção que estamos imersos na inteligência artificial, conscientes ou não. Quando abrimos o YouTube e ele apresenta sugestões, o feed é movido por inteligência artificial. Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais. Envolve, por exemplo, os dados pessoais e sensíveis; como os de saúde, utilizados em grandes bancos de dados. Há uma série de cuidados, principalmente quando diz respeito à saúde, e à própria aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

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“A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes", disse a OMS Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 13.01.2022

Embora a gente tenha uma Lei Geral de Proteção de Dados que é bastante bem feita, uma lei moderna e atualizada, não temos ainda nenhuma regulamentação específica nem a construção de jurisprudência que se aplique à saúde. A ministra Nísia (Trindade, da Saúde) encaminhou, antes da Assembleia Mundial da Saúde, ofício solicitando ao ao Ministro da Justiça Flávio Dino, que possamos participar da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), justamente trazer de forma mais estruturada e destacada temas relacionados à saúde. Estamos preocupados tanto com a LGPD quanto com a inteligência artificial, especialmente a inteligência artificial generativa.

E como está a discussão sobre o uso de inteligência artificial no SUS? Já usamos?

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A gente precisa poder aproveitar o melhor da tecnologia. Tem um tempo que precisamos dedicar a compreendê-la melhor, compreender seus mecanismos de funcionamento de maneira mais aprofundada, para justamente, em uma análise crítica, tirar o melhor dela e ao mesmo tempo nos protegermos dos riscos. Estamos procurando acompanhar essa discussão, mas ela é bastante complexa, por isso que a gente não deve ter a pressa de usar.

Estive há mais ou menos um mês e meio, em seminário promovido pelo Conselho de Justiça Federal, em que se discutiu o projeto de lei que tramita no Congresso pra regulamentar a inteligência artificial. Temos um grupo de juristas se dedicando inclusive ao desenvolvimento de um projeto substitutivo e um relatório de 900 páginas sobre o tema, para entender como é complexo.

Em relação a essa complexidade, pudemos acompanhar algumas palestras internacionais e soubemos que na União Europeia, onde essa discussão começou em 2018, ainda não fecharam uma proposta de regulamentação, porque estão justamente se aprofundando. Nesse meio tempo, vêm surgindo diferentes tipos de inteligência artificial, como a do GPT, que é ainda mais complexa.

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Na parte de diagnóstico mais individualizado de medicina de precisão, há experiências, mas precisamos avançar (na supervisão e acompanhamento) para poder escalar esse uso. Na parte de vigilância, isso já está um pouquinho mais avançado. Temos, por exemplo, o Cidasc (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia), que fazem diferentes modelagens usando bancos de dados, tanto do DataSUS quanto com dados demográficos, genômicos, georreferenciados e muitos outros, inclusive de redes sociais, para predição de futuras emergências sanitárias e futuras pandemias.

A secretária diz que a ministra pediu ao Dino que representantes da Saúde integrem a ANPD, além de acompanhar o projeto de regulamentação da inteligência artificial no Congresso. Qual será o papel da Saúde nessas duas discussões?

São dois processos separados. O projeto de lei sobre inteligência artificial, procuramos acompanhar a tramitação. Não é que necessariamente vá ter uma regulamentação específica para a saúde dentro do projeto de lei. Mas, ao compreender o caso da saúde, os legisladores podem estar mais atentos e cuidadosos no processo mais geral de regulamentação. O outro é a ANPD, que começou a trabalhar, salvo engano, há uns dois anos, e tem uma competência dentro da LGPD de julgar aos casos, trazer normativas, resoluções, orientações sobre a LGPD nos diferentes campos do conhecimento. Nesse espaço já vigente, estamos pleiteando um espaço para discutir mais especificamente as questões da saúde. Ao aplicar a LGPD especificamente na área da saúde, há interface também com a inteligência artificial.

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A pandemia colocou quase que uma lupa na questão da saúde digital. Na avaliação da pasta, qual o nível de maturidade digital em saúde do Brasil?

De fato, a pandemia provocou uma grande aceleração na transformação digital - não só na saúde, mas na saúde inclusive. Trabalho com telessaúde desde 2007 e durante muito tempo atuávamos num grupo mais fechado e com uma grande resistência de setores da própria saúde. Depois da pandemia, todo mundo experimentou, mas não houve tempo para planejar antes de fazer. As pessoas foram fazendo como era possível, movidas pela necessidade. Temos experiências bem diversas. Houve uma aceleração geral, mas não total. Temos, na verdade, uma situação de iniquidade grande. Estamos estudando alguns índices de maturidade digital para construir o nosso próprio, adaptado ao nosso modelo.

Qual o risco dessas iniquidades em termos de saúde pública?

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Já temos essa situação (de iniquidade), independentemente da saúde digital. O que precisamos tomar cuidado é justamente para não pensar tecnologia por ela mesma. Ela não é um fim. Transformação digital para quê no SUS? Às vezes, o olhar a tecnologia é bem diferente do que o que setor privado assume. Queremos usar a tecnologia pra reduzir as iniquidades. O desenho que vamos fazer das soluções tecnológicas tem de ser tal que possamos caminhar nessa direção.

Não vamos conseguir chegar no mesmo ponto de maturidade no País todo. Mas se conseguirmos fazer com que o País avance como um todo, já estaremos felizes de começar a colocar o trem no trilho.

No SUS, podemos pensar em consultas virtuais em atenção primária?

Com certeza podemos, e logo vai ter. Talvez a gente não vá conseguir universalizar para o País todo muito rápido. Já estamos começando, no Ministério da Saúde, a planejar o agendamento (eletrônico) e a teleconsulta acessível, principalmente na atenção primária. O agendamento - também eletrônico, e depois mandar mensagens ao paciente confirmando a consulta - reduz a abstenção e pode ajudar a melhorar o acesso. Como também quando você tem às vezes uma fila de pessoas esperando por especialista. Se tiver esse suporte da segunda opinião, pode ajudar com que parte dos problemas sejam resolvidos pelo clínico-geral ou na atenção primária. Nem todos vão precisar da consulta de especialidade. Aí você faz uma espécie de triagem e organiza melhor a fila usando a teleconsulta.

Pra abrir a teleconsulta, não podemos planejar isoladamente. Precisa pensar na jornada completa, tanto do paciente quanto do profissional que está atendendo no sistema.

Já está acontecendo em alguns locais. Recife já avançou nesse processo. Estou visitando diferentes experiências. Algumas eu já conhecia, mas estou atualizando também as análises para que, depois, possamos promover uma troca de experiências, e isso se espalhar pelo resto do País, onde falta avançar.

Poucos dias antes de reunir as autoridades de saúde do mundo todo na Assembleia Mundial da Saúde (AMS), no fim de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou comunicado no qual destacou sua preocupação com as inteligências artificiais generativas, como a usada pelo ChatGPT. “A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes, minar a confiança na IA e, assim, minar (ou atrasar) os potenciais benefícios e usos de longo prazo de tais tecnologias em todo o mundo”, disse a entidade.

Em entrevista ao Estadão, Ana Estela Haddad, que comanda a Secretaria de Saúde Digital do Ministério da Saúde, disse concordar com a postura de cautela da OMS. “Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais, que envolve, por exemplo, os dados pessoais e dados sensíveis”, falou. “A gente não deve ter a pressa de usar.”

Ana Estela frisou que o ministério acompanha a tramitação de projeto de regulamentação da IA que tramita na Câmara, ao mesmo tempo em que pleiteia espaço na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para discutir como aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em saúde.

Ela também adiantou que a pasta estuda como escalar a possibilidade de agendamento eletrônicas e teleconsultas no Sistema Único de Saúde (SUS), agora que há lei que autoriza a telemedicina no Brasil.

A OMS divulgou comunicado pedindo calma na adoção de inteligências artificiais na saúde. Como o ministério avalia isso? A secretaria discute esse uso no SUS?

Achamos importante esse informe que a Organização Mundial da Saúde traz, inclusive para chamar atenção que estamos imersos na inteligência artificial, conscientes ou não. Quando abrimos o YouTube e ele apresenta sugestões, o feed é movido por inteligência artificial. Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais. Envolve, por exemplo, os dados pessoais e sensíveis; como os de saúde, utilizados em grandes bancos de dados. Há uma série de cuidados, principalmente quando diz respeito à saúde, e à própria aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes", disse a OMS Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 13.01.2022

Embora a gente tenha uma Lei Geral de Proteção de Dados que é bastante bem feita, uma lei moderna e atualizada, não temos ainda nenhuma regulamentação específica nem a construção de jurisprudência que se aplique à saúde. A ministra Nísia (Trindade, da Saúde) encaminhou, antes da Assembleia Mundial da Saúde, ofício solicitando ao ao Ministro da Justiça Flávio Dino, que possamos participar da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), justamente trazer de forma mais estruturada e destacada temas relacionados à saúde. Estamos preocupados tanto com a LGPD quanto com a inteligência artificial, especialmente a inteligência artificial generativa.

E como está a discussão sobre o uso de inteligência artificial no SUS? Já usamos?

A gente precisa poder aproveitar o melhor da tecnologia. Tem um tempo que precisamos dedicar a compreendê-la melhor, compreender seus mecanismos de funcionamento de maneira mais aprofundada, para justamente, em uma análise crítica, tirar o melhor dela e ao mesmo tempo nos protegermos dos riscos. Estamos procurando acompanhar essa discussão, mas ela é bastante complexa, por isso que a gente não deve ter a pressa de usar.

Estive há mais ou menos um mês e meio, em seminário promovido pelo Conselho de Justiça Federal, em que se discutiu o projeto de lei que tramita no Congresso pra regulamentar a inteligência artificial. Temos um grupo de juristas se dedicando inclusive ao desenvolvimento de um projeto substitutivo e um relatório de 900 páginas sobre o tema, para entender como é complexo.

Em relação a essa complexidade, pudemos acompanhar algumas palestras internacionais e soubemos que na União Europeia, onde essa discussão começou em 2018, ainda não fecharam uma proposta de regulamentação, porque estão justamente se aprofundando. Nesse meio tempo, vêm surgindo diferentes tipos de inteligência artificial, como a do GPT, que é ainda mais complexa.

Na parte de diagnóstico mais individualizado de medicina de precisão, há experiências, mas precisamos avançar (na supervisão e acompanhamento) para poder escalar esse uso. Na parte de vigilância, isso já está um pouquinho mais avançado. Temos, por exemplo, o Cidasc (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia), que fazem diferentes modelagens usando bancos de dados, tanto do DataSUS quanto com dados demográficos, genômicos, georreferenciados e muitos outros, inclusive de redes sociais, para predição de futuras emergências sanitárias e futuras pandemias.

A secretária diz que a ministra pediu ao Dino que representantes da Saúde integrem a ANPD, além de acompanhar o projeto de regulamentação da inteligência artificial no Congresso. Qual será o papel da Saúde nessas duas discussões?

São dois processos separados. O projeto de lei sobre inteligência artificial, procuramos acompanhar a tramitação. Não é que necessariamente vá ter uma regulamentação específica para a saúde dentro do projeto de lei. Mas, ao compreender o caso da saúde, os legisladores podem estar mais atentos e cuidadosos no processo mais geral de regulamentação. O outro é a ANPD, que começou a trabalhar, salvo engano, há uns dois anos, e tem uma competência dentro da LGPD de julgar aos casos, trazer normativas, resoluções, orientações sobre a LGPD nos diferentes campos do conhecimento. Nesse espaço já vigente, estamos pleiteando um espaço para discutir mais especificamente as questões da saúde. Ao aplicar a LGPD especificamente na área da saúde, há interface também com a inteligência artificial.

A pandemia colocou quase que uma lupa na questão da saúde digital. Na avaliação da pasta, qual o nível de maturidade digital em saúde do Brasil?

De fato, a pandemia provocou uma grande aceleração na transformação digital - não só na saúde, mas na saúde inclusive. Trabalho com telessaúde desde 2007 e durante muito tempo atuávamos num grupo mais fechado e com uma grande resistência de setores da própria saúde. Depois da pandemia, todo mundo experimentou, mas não houve tempo para planejar antes de fazer. As pessoas foram fazendo como era possível, movidas pela necessidade. Temos experiências bem diversas. Houve uma aceleração geral, mas não total. Temos, na verdade, uma situação de iniquidade grande. Estamos estudando alguns índices de maturidade digital para construir o nosso próprio, adaptado ao nosso modelo.

Qual o risco dessas iniquidades em termos de saúde pública?

Já temos essa situação (de iniquidade), independentemente da saúde digital. O que precisamos tomar cuidado é justamente para não pensar tecnologia por ela mesma. Ela não é um fim. Transformação digital para quê no SUS? Às vezes, o olhar a tecnologia é bem diferente do que o que setor privado assume. Queremos usar a tecnologia pra reduzir as iniquidades. O desenho que vamos fazer das soluções tecnológicas tem de ser tal que possamos caminhar nessa direção.

Não vamos conseguir chegar no mesmo ponto de maturidade no País todo. Mas se conseguirmos fazer com que o País avance como um todo, já estaremos felizes de começar a colocar o trem no trilho.

No SUS, podemos pensar em consultas virtuais em atenção primária?

Com certeza podemos, e logo vai ter. Talvez a gente não vá conseguir universalizar para o País todo muito rápido. Já estamos começando, no Ministério da Saúde, a planejar o agendamento (eletrônico) e a teleconsulta acessível, principalmente na atenção primária. O agendamento - também eletrônico, e depois mandar mensagens ao paciente confirmando a consulta - reduz a abstenção e pode ajudar a melhorar o acesso. Como também quando você tem às vezes uma fila de pessoas esperando por especialista. Se tiver esse suporte da segunda opinião, pode ajudar com que parte dos problemas sejam resolvidos pelo clínico-geral ou na atenção primária. Nem todos vão precisar da consulta de especialidade. Aí você faz uma espécie de triagem e organiza melhor a fila usando a teleconsulta.

Pra abrir a teleconsulta, não podemos planejar isoladamente. Precisa pensar na jornada completa, tanto do paciente quanto do profissional que está atendendo no sistema.

Já está acontecendo em alguns locais. Recife já avançou nesse processo. Estou visitando diferentes experiências. Algumas eu já conhecia, mas estou atualizando também as análises para que, depois, possamos promover uma troca de experiências, e isso se espalhar pelo resto do País, onde falta avançar.

Poucos dias antes de reunir as autoridades de saúde do mundo todo na Assembleia Mundial da Saúde (AMS), no fim de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou comunicado no qual destacou sua preocupação com as inteligências artificiais generativas, como a usada pelo ChatGPT. “A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes, minar a confiança na IA e, assim, minar (ou atrasar) os potenciais benefícios e usos de longo prazo de tais tecnologias em todo o mundo”, disse a entidade.

Em entrevista ao Estadão, Ana Estela Haddad, que comanda a Secretaria de Saúde Digital do Ministério da Saúde, disse concordar com a postura de cautela da OMS. “Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais, que envolve, por exemplo, os dados pessoais e dados sensíveis”, falou. “A gente não deve ter a pressa de usar.”

Ana Estela frisou que o ministério acompanha a tramitação de projeto de regulamentação da IA que tramita na Câmara, ao mesmo tempo em que pleiteia espaço na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para discutir como aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em saúde.

Ela também adiantou que a pasta estuda como escalar a possibilidade de agendamento eletrônicas e teleconsultas no Sistema Único de Saúde (SUS), agora que há lei que autoriza a telemedicina no Brasil.

A OMS divulgou comunicado pedindo calma na adoção de inteligências artificiais na saúde. Como o ministério avalia isso? A secretaria discute esse uso no SUS?

Achamos importante esse informe que a Organização Mundial da Saúde traz, inclusive para chamar atenção que estamos imersos na inteligência artificial, conscientes ou não. Quando abrimos o YouTube e ele apresenta sugestões, o feed é movido por inteligência artificial. Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais. Envolve, por exemplo, os dados pessoais e sensíveis; como os de saúde, utilizados em grandes bancos de dados. Há uma série de cuidados, principalmente quando diz respeito à saúde, e à própria aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes", disse a OMS Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 13.01.2022

Embora a gente tenha uma Lei Geral de Proteção de Dados que é bastante bem feita, uma lei moderna e atualizada, não temos ainda nenhuma regulamentação específica nem a construção de jurisprudência que se aplique à saúde. A ministra Nísia (Trindade, da Saúde) encaminhou, antes da Assembleia Mundial da Saúde, ofício solicitando ao ao Ministro da Justiça Flávio Dino, que possamos participar da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), justamente trazer de forma mais estruturada e destacada temas relacionados à saúde. Estamos preocupados tanto com a LGPD quanto com a inteligência artificial, especialmente a inteligência artificial generativa.

E como está a discussão sobre o uso de inteligência artificial no SUS? Já usamos?

A gente precisa poder aproveitar o melhor da tecnologia. Tem um tempo que precisamos dedicar a compreendê-la melhor, compreender seus mecanismos de funcionamento de maneira mais aprofundada, para justamente, em uma análise crítica, tirar o melhor dela e ao mesmo tempo nos protegermos dos riscos. Estamos procurando acompanhar essa discussão, mas ela é bastante complexa, por isso que a gente não deve ter a pressa de usar.

Estive há mais ou menos um mês e meio, em seminário promovido pelo Conselho de Justiça Federal, em que se discutiu o projeto de lei que tramita no Congresso pra regulamentar a inteligência artificial. Temos um grupo de juristas se dedicando inclusive ao desenvolvimento de um projeto substitutivo e um relatório de 900 páginas sobre o tema, para entender como é complexo.

Em relação a essa complexidade, pudemos acompanhar algumas palestras internacionais e soubemos que na União Europeia, onde essa discussão começou em 2018, ainda não fecharam uma proposta de regulamentação, porque estão justamente se aprofundando. Nesse meio tempo, vêm surgindo diferentes tipos de inteligência artificial, como a do GPT, que é ainda mais complexa.

Na parte de diagnóstico mais individualizado de medicina de precisão, há experiências, mas precisamos avançar (na supervisão e acompanhamento) para poder escalar esse uso. Na parte de vigilância, isso já está um pouquinho mais avançado. Temos, por exemplo, o Cidasc (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia), que fazem diferentes modelagens usando bancos de dados, tanto do DataSUS quanto com dados demográficos, genômicos, georreferenciados e muitos outros, inclusive de redes sociais, para predição de futuras emergências sanitárias e futuras pandemias.

A secretária diz que a ministra pediu ao Dino que representantes da Saúde integrem a ANPD, além de acompanhar o projeto de regulamentação da inteligência artificial no Congresso. Qual será o papel da Saúde nessas duas discussões?

São dois processos separados. O projeto de lei sobre inteligência artificial, procuramos acompanhar a tramitação. Não é que necessariamente vá ter uma regulamentação específica para a saúde dentro do projeto de lei. Mas, ao compreender o caso da saúde, os legisladores podem estar mais atentos e cuidadosos no processo mais geral de regulamentação. O outro é a ANPD, que começou a trabalhar, salvo engano, há uns dois anos, e tem uma competência dentro da LGPD de julgar aos casos, trazer normativas, resoluções, orientações sobre a LGPD nos diferentes campos do conhecimento. Nesse espaço já vigente, estamos pleiteando um espaço para discutir mais especificamente as questões da saúde. Ao aplicar a LGPD especificamente na área da saúde, há interface também com a inteligência artificial.

A pandemia colocou quase que uma lupa na questão da saúde digital. Na avaliação da pasta, qual o nível de maturidade digital em saúde do Brasil?

De fato, a pandemia provocou uma grande aceleração na transformação digital - não só na saúde, mas na saúde inclusive. Trabalho com telessaúde desde 2007 e durante muito tempo atuávamos num grupo mais fechado e com uma grande resistência de setores da própria saúde. Depois da pandemia, todo mundo experimentou, mas não houve tempo para planejar antes de fazer. As pessoas foram fazendo como era possível, movidas pela necessidade. Temos experiências bem diversas. Houve uma aceleração geral, mas não total. Temos, na verdade, uma situação de iniquidade grande. Estamos estudando alguns índices de maturidade digital para construir o nosso próprio, adaptado ao nosso modelo.

Qual o risco dessas iniquidades em termos de saúde pública?

Já temos essa situação (de iniquidade), independentemente da saúde digital. O que precisamos tomar cuidado é justamente para não pensar tecnologia por ela mesma. Ela não é um fim. Transformação digital para quê no SUS? Às vezes, o olhar a tecnologia é bem diferente do que o que setor privado assume. Queremos usar a tecnologia pra reduzir as iniquidades. O desenho que vamos fazer das soluções tecnológicas tem de ser tal que possamos caminhar nessa direção.

Não vamos conseguir chegar no mesmo ponto de maturidade no País todo. Mas se conseguirmos fazer com que o País avance como um todo, já estaremos felizes de começar a colocar o trem no trilho.

No SUS, podemos pensar em consultas virtuais em atenção primária?

Com certeza podemos, e logo vai ter. Talvez a gente não vá conseguir universalizar para o País todo muito rápido. Já estamos começando, no Ministério da Saúde, a planejar o agendamento (eletrônico) e a teleconsulta acessível, principalmente na atenção primária. O agendamento - também eletrônico, e depois mandar mensagens ao paciente confirmando a consulta - reduz a abstenção e pode ajudar a melhorar o acesso. Como também quando você tem às vezes uma fila de pessoas esperando por especialista. Se tiver esse suporte da segunda opinião, pode ajudar com que parte dos problemas sejam resolvidos pelo clínico-geral ou na atenção primária. Nem todos vão precisar da consulta de especialidade. Aí você faz uma espécie de triagem e organiza melhor a fila usando a teleconsulta.

Pra abrir a teleconsulta, não podemos planejar isoladamente. Precisa pensar na jornada completa, tanto do paciente quanto do profissional que está atendendo no sistema.

Já está acontecendo em alguns locais. Recife já avançou nesse processo. Estou visitando diferentes experiências. Algumas eu já conhecia, mas estou atualizando também as análises para que, depois, possamos promover uma troca de experiências, e isso se espalhar pelo resto do País, onde falta avançar.

Poucos dias antes de reunir as autoridades de saúde do mundo todo na Assembleia Mundial da Saúde (AMS), no fim de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou comunicado no qual destacou sua preocupação com as inteligências artificiais generativas, como a usada pelo ChatGPT. “A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes, minar a confiança na IA e, assim, minar (ou atrasar) os potenciais benefícios e usos de longo prazo de tais tecnologias em todo o mundo”, disse a entidade.

Em entrevista ao Estadão, Ana Estela Haddad, que comanda a Secretaria de Saúde Digital do Ministério da Saúde, disse concordar com a postura de cautela da OMS. “Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais, que envolve, por exemplo, os dados pessoais e dados sensíveis”, falou. “A gente não deve ter a pressa de usar.”

Ana Estela frisou que o ministério acompanha a tramitação de projeto de regulamentação da IA que tramita na Câmara, ao mesmo tempo em que pleiteia espaço na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para discutir como aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em saúde.

Ela também adiantou que a pasta estuda como escalar a possibilidade de agendamento eletrônicas e teleconsultas no Sistema Único de Saúde (SUS), agora que há lei que autoriza a telemedicina no Brasil.

A OMS divulgou comunicado pedindo calma na adoção de inteligências artificiais na saúde. Como o ministério avalia isso? A secretaria discute esse uso no SUS?

Achamos importante esse informe que a Organização Mundial da Saúde traz, inclusive para chamar atenção que estamos imersos na inteligência artificial, conscientes ou não. Quando abrimos o YouTube e ele apresenta sugestões, o feed é movido por inteligência artificial. Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais. Envolve, por exemplo, os dados pessoais e sensíveis; como os de saúde, utilizados em grandes bancos de dados. Há uma série de cuidados, principalmente quando diz respeito à saúde, e à própria aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes", disse a OMS Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 13.01.2022

Embora a gente tenha uma Lei Geral de Proteção de Dados que é bastante bem feita, uma lei moderna e atualizada, não temos ainda nenhuma regulamentação específica nem a construção de jurisprudência que se aplique à saúde. A ministra Nísia (Trindade, da Saúde) encaminhou, antes da Assembleia Mundial da Saúde, ofício solicitando ao ao Ministro da Justiça Flávio Dino, que possamos participar da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), justamente trazer de forma mais estruturada e destacada temas relacionados à saúde. Estamos preocupados tanto com a LGPD quanto com a inteligência artificial, especialmente a inteligência artificial generativa.

E como está a discussão sobre o uso de inteligência artificial no SUS? Já usamos?

A gente precisa poder aproveitar o melhor da tecnologia. Tem um tempo que precisamos dedicar a compreendê-la melhor, compreender seus mecanismos de funcionamento de maneira mais aprofundada, para justamente, em uma análise crítica, tirar o melhor dela e ao mesmo tempo nos protegermos dos riscos. Estamos procurando acompanhar essa discussão, mas ela é bastante complexa, por isso que a gente não deve ter a pressa de usar.

Estive há mais ou menos um mês e meio, em seminário promovido pelo Conselho de Justiça Federal, em que se discutiu o projeto de lei que tramita no Congresso pra regulamentar a inteligência artificial. Temos um grupo de juristas se dedicando inclusive ao desenvolvimento de um projeto substitutivo e um relatório de 900 páginas sobre o tema, para entender como é complexo.

Em relação a essa complexidade, pudemos acompanhar algumas palestras internacionais e soubemos que na União Europeia, onde essa discussão começou em 2018, ainda não fecharam uma proposta de regulamentação, porque estão justamente se aprofundando. Nesse meio tempo, vêm surgindo diferentes tipos de inteligência artificial, como a do GPT, que é ainda mais complexa.

Na parte de diagnóstico mais individualizado de medicina de precisão, há experiências, mas precisamos avançar (na supervisão e acompanhamento) para poder escalar esse uso. Na parte de vigilância, isso já está um pouquinho mais avançado. Temos, por exemplo, o Cidasc (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia), que fazem diferentes modelagens usando bancos de dados, tanto do DataSUS quanto com dados demográficos, genômicos, georreferenciados e muitos outros, inclusive de redes sociais, para predição de futuras emergências sanitárias e futuras pandemias.

A secretária diz que a ministra pediu ao Dino que representantes da Saúde integrem a ANPD, além de acompanhar o projeto de regulamentação da inteligência artificial no Congresso. Qual será o papel da Saúde nessas duas discussões?

São dois processos separados. O projeto de lei sobre inteligência artificial, procuramos acompanhar a tramitação. Não é que necessariamente vá ter uma regulamentação específica para a saúde dentro do projeto de lei. Mas, ao compreender o caso da saúde, os legisladores podem estar mais atentos e cuidadosos no processo mais geral de regulamentação. O outro é a ANPD, que começou a trabalhar, salvo engano, há uns dois anos, e tem uma competência dentro da LGPD de julgar aos casos, trazer normativas, resoluções, orientações sobre a LGPD nos diferentes campos do conhecimento. Nesse espaço já vigente, estamos pleiteando um espaço para discutir mais especificamente as questões da saúde. Ao aplicar a LGPD especificamente na área da saúde, há interface também com a inteligência artificial.

A pandemia colocou quase que uma lupa na questão da saúde digital. Na avaliação da pasta, qual o nível de maturidade digital em saúde do Brasil?

De fato, a pandemia provocou uma grande aceleração na transformação digital - não só na saúde, mas na saúde inclusive. Trabalho com telessaúde desde 2007 e durante muito tempo atuávamos num grupo mais fechado e com uma grande resistência de setores da própria saúde. Depois da pandemia, todo mundo experimentou, mas não houve tempo para planejar antes de fazer. As pessoas foram fazendo como era possível, movidas pela necessidade. Temos experiências bem diversas. Houve uma aceleração geral, mas não total. Temos, na verdade, uma situação de iniquidade grande. Estamos estudando alguns índices de maturidade digital para construir o nosso próprio, adaptado ao nosso modelo.

Qual o risco dessas iniquidades em termos de saúde pública?

Já temos essa situação (de iniquidade), independentemente da saúde digital. O que precisamos tomar cuidado é justamente para não pensar tecnologia por ela mesma. Ela não é um fim. Transformação digital para quê no SUS? Às vezes, o olhar a tecnologia é bem diferente do que o que setor privado assume. Queremos usar a tecnologia pra reduzir as iniquidades. O desenho que vamos fazer das soluções tecnológicas tem de ser tal que possamos caminhar nessa direção.

Não vamos conseguir chegar no mesmo ponto de maturidade no País todo. Mas se conseguirmos fazer com que o País avance como um todo, já estaremos felizes de começar a colocar o trem no trilho.

No SUS, podemos pensar em consultas virtuais em atenção primária?

Com certeza podemos, e logo vai ter. Talvez a gente não vá conseguir universalizar para o País todo muito rápido. Já estamos começando, no Ministério da Saúde, a planejar o agendamento (eletrônico) e a teleconsulta acessível, principalmente na atenção primária. O agendamento - também eletrônico, e depois mandar mensagens ao paciente confirmando a consulta - reduz a abstenção e pode ajudar a melhorar o acesso. Como também quando você tem às vezes uma fila de pessoas esperando por especialista. Se tiver esse suporte da segunda opinião, pode ajudar com que parte dos problemas sejam resolvidos pelo clínico-geral ou na atenção primária. Nem todos vão precisar da consulta de especialidade. Aí você faz uma espécie de triagem e organiza melhor a fila usando a teleconsulta.

Pra abrir a teleconsulta, não podemos planejar isoladamente. Precisa pensar na jornada completa, tanto do paciente quanto do profissional que está atendendo no sistema.

Já está acontecendo em alguns locais. Recife já avançou nesse processo. Estou visitando diferentes experiências. Algumas eu já conhecia, mas estou atualizando também as análises para que, depois, possamos promover uma troca de experiências, e isso se espalhar pelo resto do País, onde falta avançar.

Poucos dias antes de reunir as autoridades de saúde do mundo todo na Assembleia Mundial da Saúde (AMS), no fim de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou comunicado no qual destacou sua preocupação com as inteligências artificiais generativas, como a usada pelo ChatGPT. “A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes, minar a confiança na IA e, assim, minar (ou atrasar) os potenciais benefícios e usos de longo prazo de tais tecnologias em todo o mundo”, disse a entidade.

Em entrevista ao Estadão, Ana Estela Haddad, que comanda a Secretaria de Saúde Digital do Ministério da Saúde, disse concordar com a postura de cautela da OMS. “Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais, que envolve, por exemplo, os dados pessoais e dados sensíveis”, falou. “A gente não deve ter a pressa de usar.”

Ana Estela frisou que o ministério acompanha a tramitação de projeto de regulamentação da IA que tramita na Câmara, ao mesmo tempo em que pleiteia espaço na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para discutir como aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em saúde.

Ela também adiantou que a pasta estuda como escalar a possibilidade de agendamento eletrônicas e teleconsultas no Sistema Único de Saúde (SUS), agora que há lei que autoriza a telemedicina no Brasil.

A OMS divulgou comunicado pedindo calma na adoção de inteligências artificiais na saúde. Como o ministério avalia isso? A secretaria discute esse uso no SUS?

Achamos importante esse informe que a Organização Mundial da Saúde traz, inclusive para chamar atenção que estamos imersos na inteligência artificial, conscientes ou não. Quando abrimos o YouTube e ele apresenta sugestões, o feed é movido por inteligência artificial. Quando consideramos o campo da saúde, tudo isso ganha uma dimensão a mais. Envolve, por exemplo, os dados pessoais e sensíveis; como os de saúde, utilizados em grandes bancos de dados. Há uma série de cuidados, principalmente quando diz respeito à saúde, e à própria aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes", disse a OMS Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 13.01.2022

Embora a gente tenha uma Lei Geral de Proteção de Dados que é bastante bem feita, uma lei moderna e atualizada, não temos ainda nenhuma regulamentação específica nem a construção de jurisprudência que se aplique à saúde. A ministra Nísia (Trindade, da Saúde) encaminhou, antes da Assembleia Mundial da Saúde, ofício solicitando ao ao Ministro da Justiça Flávio Dino, que possamos participar da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), justamente trazer de forma mais estruturada e destacada temas relacionados à saúde. Estamos preocupados tanto com a LGPD quanto com a inteligência artificial, especialmente a inteligência artificial generativa.

E como está a discussão sobre o uso de inteligência artificial no SUS? Já usamos?

A gente precisa poder aproveitar o melhor da tecnologia. Tem um tempo que precisamos dedicar a compreendê-la melhor, compreender seus mecanismos de funcionamento de maneira mais aprofundada, para justamente, em uma análise crítica, tirar o melhor dela e ao mesmo tempo nos protegermos dos riscos. Estamos procurando acompanhar essa discussão, mas ela é bastante complexa, por isso que a gente não deve ter a pressa de usar.

Estive há mais ou menos um mês e meio, em seminário promovido pelo Conselho de Justiça Federal, em que se discutiu o projeto de lei que tramita no Congresso pra regulamentar a inteligência artificial. Temos um grupo de juristas se dedicando inclusive ao desenvolvimento de um projeto substitutivo e um relatório de 900 páginas sobre o tema, para entender como é complexo.

Em relação a essa complexidade, pudemos acompanhar algumas palestras internacionais e soubemos que na União Europeia, onde essa discussão começou em 2018, ainda não fecharam uma proposta de regulamentação, porque estão justamente se aprofundando. Nesse meio tempo, vêm surgindo diferentes tipos de inteligência artificial, como a do GPT, que é ainda mais complexa.

Na parte de diagnóstico mais individualizado de medicina de precisão, há experiências, mas precisamos avançar (na supervisão e acompanhamento) para poder escalar esse uso. Na parte de vigilância, isso já está um pouquinho mais avançado. Temos, por exemplo, o Cidasc (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia), que fazem diferentes modelagens usando bancos de dados, tanto do DataSUS quanto com dados demográficos, genômicos, georreferenciados e muitos outros, inclusive de redes sociais, para predição de futuras emergências sanitárias e futuras pandemias.

A secretária diz que a ministra pediu ao Dino que representantes da Saúde integrem a ANPD, além de acompanhar o projeto de regulamentação da inteligência artificial no Congresso. Qual será o papel da Saúde nessas duas discussões?

São dois processos separados. O projeto de lei sobre inteligência artificial, procuramos acompanhar a tramitação. Não é que necessariamente vá ter uma regulamentação específica para a saúde dentro do projeto de lei. Mas, ao compreender o caso da saúde, os legisladores podem estar mais atentos e cuidadosos no processo mais geral de regulamentação. O outro é a ANPD, que começou a trabalhar, salvo engano, há uns dois anos, e tem uma competência dentro da LGPD de julgar aos casos, trazer normativas, resoluções, orientações sobre a LGPD nos diferentes campos do conhecimento. Nesse espaço já vigente, estamos pleiteando um espaço para discutir mais especificamente as questões da saúde. Ao aplicar a LGPD especificamente na área da saúde, há interface também com a inteligência artificial.

A pandemia colocou quase que uma lupa na questão da saúde digital. Na avaliação da pasta, qual o nível de maturidade digital em saúde do Brasil?

De fato, a pandemia provocou uma grande aceleração na transformação digital - não só na saúde, mas na saúde inclusive. Trabalho com telessaúde desde 2007 e durante muito tempo atuávamos num grupo mais fechado e com uma grande resistência de setores da própria saúde. Depois da pandemia, todo mundo experimentou, mas não houve tempo para planejar antes de fazer. As pessoas foram fazendo como era possível, movidas pela necessidade. Temos experiências bem diversas. Houve uma aceleração geral, mas não total. Temos, na verdade, uma situação de iniquidade grande. Estamos estudando alguns índices de maturidade digital para construir o nosso próprio, adaptado ao nosso modelo.

Qual o risco dessas iniquidades em termos de saúde pública?

Já temos essa situação (de iniquidade), independentemente da saúde digital. O que precisamos tomar cuidado é justamente para não pensar tecnologia por ela mesma. Ela não é um fim. Transformação digital para quê no SUS? Às vezes, o olhar a tecnologia é bem diferente do que o que setor privado assume. Queremos usar a tecnologia pra reduzir as iniquidades. O desenho que vamos fazer das soluções tecnológicas tem de ser tal que possamos caminhar nessa direção.

Não vamos conseguir chegar no mesmo ponto de maturidade no País todo. Mas se conseguirmos fazer com que o País avance como um todo, já estaremos felizes de começar a colocar o trem no trilho.

No SUS, podemos pensar em consultas virtuais em atenção primária?

Com certeza podemos, e logo vai ter. Talvez a gente não vá conseguir universalizar para o País todo muito rápido. Já estamos começando, no Ministério da Saúde, a planejar o agendamento (eletrônico) e a teleconsulta acessível, principalmente na atenção primária. O agendamento - também eletrônico, e depois mandar mensagens ao paciente confirmando a consulta - reduz a abstenção e pode ajudar a melhorar o acesso. Como também quando você tem às vezes uma fila de pessoas esperando por especialista. Se tiver esse suporte da segunda opinião, pode ajudar com que parte dos problemas sejam resolvidos pelo clínico-geral ou na atenção primária. Nem todos vão precisar da consulta de especialidade. Aí você faz uma espécie de triagem e organiza melhor a fila usando a teleconsulta.

Pra abrir a teleconsulta, não podemos planejar isoladamente. Precisa pensar na jornada completa, tanto do paciente quanto do profissional que está atendendo no sistema.

Já está acontecendo em alguns locais. Recife já avançou nesse processo. Estou visitando diferentes experiências. Algumas eu já conhecia, mas estou atualizando também as análises para que, depois, possamos promover uma troca de experiências, e isso se espalhar pelo resto do País, onde falta avançar.

Entrevista por Leon Ferrari

Repórter de Saúde e Bem-Estar. É formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Menção honrosa do 40º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo.

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