BRASÍLIA - O Ministério da Saúde autorizou nesta quarta-feira, 5, a aplicação da vacina contra a covid-19 em crianças de 5 a 11 anos sem exigência de prescrição médica. O intervalo da aplicação das duas doses pediátricas será de 8 semanas e a imunização começa ainda em janeiro. No comunicado divulgado à imprensa, a pasta não fixou uma data específica para o início da vacinação, que será feita por faixa etária, de forma decrescente, com prioridade para crianças com comorbidades ou deficiências permanentes. A vacinação infantil já havia recebido aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há 20 dias.
Rosana Leite de Melo, secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19,afirmou que apesar de a bula recomendar o intervalo de 3 semanas, o Ministério da Saúde optou por 8 semanas, assim como os adultos, para minimizar riscos. "Se a gente ampliar esse espaço de tempo, que for acima de 21 dias até 8 semanas, dá uma maior proteção para se ter esse efeito adverso", afirmou, citando a miocardite como um dos eventos adversos. A miocardite é uma inflamação do músculo cardíaco. Estudos, contudo, mostraram tratar-se de um efeito colateral bastante raro.
Aproximadamente 5 milhões de crianças nesta faixa etária já foram vacinadas só nos Estados Unidos. Houve apenas oito casos de miocardite (o efeito colateral mais citado pelo governo brasileiro). Todos tiveram evolução médica favorável. Segundo parecer do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA, “as vantagens da imunização ultrapassam em muito os riscos conhecidos e potenciais da vacina”.
A previsão é de que3,7 milhões de doses pediátricas da vacina da Pfizer cheguem ainda neste mês e as demais unidades até março. Ao todo, o governo estima em 20 milhões o número de crianças nesta faixa etária. Segundo o secretário executivo da pasta, Rodrigo Cruz, esta era a capacidade máxima de entrega da Pfizer.
Para o ministro Marcelo Queiroga, antes de comprar mais unidades é preciso observar "qual que será a taxa de adesão dos pais a essa vacinação". "Os pedidos dependem dessa velocidade da vacinação e também da capacidade de entrega das vacinas pela indústria", afirmou.
As primeiras 1,248 milhão de doses devem chegar em 13 de janeiro e começarão a ser enviadas aos municípios no dia seguinte. Neste mês, há previsão de chegada de dois outros lotes com a mesma quantidade de vacinas nos dias 20 e 27 de janeiro. "Será adotado o critério populacional para a distribuição das doses", afirmou Rodrigo Cruz.
A Saúde recomenda que a imunização seja feita por faixa etária decrescente com prioridade para as crianças com comorbidade ou deficiência permanente, indígenas e quilombolas. Em seguida, devem ser imunizadas aquelas que vivem em lar com pessoas com alto risco para evolução grave de covid e depois crianças entre 10 e 11 anos, 8 e 9 anos; 6 e 7 anos e, por fim, crianças com 5 anos.
Na avaliação dos médicos Marco Aurélio Sáfadi e Renato Kfouri, ambos ligados à Sociedade Brasileira de Pediatria, o intervalo de 8 semanas é adequado e a decisão do Ministério da Saúde faz sentido.
Segundo Sáfadi, "num primeiro momento, a decisão parece sensata", uma vez que com menos doses disponíveis é possível imunizar mais crianças, um intervalo maior se traduz em respostas imunes de anticorpos mais robustas, em concentração e qualidade de anticorpos. "Em adolescentes, foi visto que um intervalo estendido, que é a estratégia que o Canadá implementou, quando comparada com um intervalo curto, inferior a 30 dias, mostrou-se 5 a 6 vezes menor o risco da ocorrência da miocardite", afirmou.
Kfouri seguiu na mesma linha. O médico afirmou que "para muitas vacinas pediátricas, em geral, intervalos maiores entre as doses se traduzem por uma eficácia protetora melhor". "Uma das possíveis explicações para a chegada mais tímida da variante Delta aqui e em outros países que utilizaram intervalos ampliados pode ser esta. Recentes publicações do Canadá mostram provável redução de risco de miocardite pós vacina de RNA mensageiro com intervalos também maiores", disse. "Aliado a tudo isso tem a questão da logística mesmo. Mesmo que tivéssemos mais doses, ao meu ver. Intervalos de oito semanas são mais aconselháveis."
PRESCRIÇÃO MÉDICA
Mesmo não exigindo a prescrição, o Ministério da Saúde orienta que os pais procurem a recomendação prévia de um médico antes da imunização. A assinatura de uma autorização dos pais será exigida apenas no caso de o responsável não estar presente no ato de vacinação.
A decisão de não exigir prescrição médica vai ao encontro do que era defendido pelos conselhos nacionais de secretarias estaduais de saúde (Conass) e secretarias municipais de saúde (Conasems), além da maioria dos que participaram de consulta pública aberta pela pasta. Na antevéspera do Natal, Queiroga havia afirmado que o governo vacinaria as crianças apenas mediante prescrição médica, o que gerou críticas de especialistas, pois não houve a mesma exigência para outras faixas etárias. A medida foi considerada na ocasião uma forma de dificultar a imunização.
Após a declaração do ministro no mês passado, o Conass divulgou uma "carta de Natal às crianças do Brasil", na qual afirma que não pediria prescrição médica. Em audiência pública na terça-feira, 4, a representante do Conasems, Kandice Falcão, afirmou que a entidade é "extremamente contra a exigência de prescrição médica para vacinação de crianças". Segundo ela, pedir o documento é "inviável".
A decisão da Saúde de vacinar crianças ocorre em meio à resistência do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados à imunização desta faixa etária. Antes de liberar a vacinação, o ministério criou mecanismos que postergaram a decisão sobre a aplicação dos imunizantes, com a criação de consulta e audiência pública sobre o tema, que já havia sido autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 16 de dezembro e chancelado por especialistas e pela experiência internacional.
Segundo o Ministério da Saúde informou, a maioria das pessoas que participaram da consulta pública sobre vacinação de crianças foi contrária à obrigatoriedade de prescrição médica para a imunização, o que vinha sendo defendido pela gestão Bolsonaro. A consulta, cujo formato de realização foi criticado por especialistas e apresentou falhas durante sua execução, também mostrou a maior parte dos participantes contrária à compulsoriedade da vacinação nesse público e terminou no domingo, 2.
"Tivemos 99.309 pessoas que participaram neste curto intervalo de tempo cujo documento esteve para consulta pública. Sendo que a maioria se mostrou concordante com a não compulsoriedade da vacinação e a priorização das crianças com comorbidades. A maioria foi contra a obrigatoriedade de prescrição médica no ato de vacinação", disse a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Leite de Melo.
A audiência pública promovida pela Saúde não teve a participação de representantes da Anvisa. Convidada, a agência decidiu não participar porque avaliou que já havia se manifestado oficialmente.