BRASÍLIA– Apesar da recomendação de especialistas e a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira, 27, que as mortes de crianças por covid-19 não justificam a adoção de uma vacina contra a doença. Bolsonaro também informou que não vai imunizar sua filha Laura, de 11 anos.
“Não vêm morrendo crianças que justifiquem uma vacina”, declarou o presidente em entrevista às emissoras CNN Brasil e SBT, após chegar a São Francisco do Sul, Santa Catarina, onde passará a festa de réveillon. “Minha filha não vai se vacinar, vou deixar bem claro”, acrescentou. Na última quinta-feira, Bolsonaro disse em live nas redes sociais que iria discutir com a primeira-dama Michelle se iria imunizar Laura.
De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), 2.500 pessoas de zero a 19 anos já morreram por covid-19, sendo mais de 300 delas no grupo de 5 a 11 anos – justamente o que aguarda a liberação do governo para ser vacinado com as doses pediátricas da Pfizer.
Na véspera de Natal, o presidente disse a jornalistas em Brasília que não havia necessidade de uma decisão emergencial do governo sobre o tema. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já fez a mesma afirmação.
Bolsonaro também declarou nesta segunda-feira que Queiroga divulgará uma nota no próximo dia 5 “sobre como acha que devem ser vacinadas crianças”. “Espero que não haja interferência do Judiciário”, afirmou o presidente.
“A questão da vacina para crianças é uma coisa muito incipiente ainda. O mundo ainda tem muita dúvida”, acrescentou, sem citar o apoio de cientistas e da Anvisa à imunização da faixa etária. Ele ainda citou um suposto estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), a “Anvisa americana”, que apontaria riscos de miocardite e consequente transplante de coração em crianças vacinadas.
A declaração do presidente contraria a posição de técnicos do próprio Ministério da Saúde. A Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, vinculada à pasta, elaborou uma nota técnica em que reforça a segurança da aplicação das vacinas em crianças. “Antes de recomendar a vacinação da covid-19 para crianças, os cientistas realizaram testes clínicos com milhares de crianças e nenhuma preocupação séria de segurança foi identificada”, escreveu a chefe do setor, Rosane Leite de Melo. A manifestação da secretaria foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de uma ação movida pelo PT, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu mais prazo para fornecer um calendário de vacinação contra o coronavírus.
Na entrevista em Santa Catarina, Bolsonaro fez outras declarações sobre a pandemia descoladas da ciência. Afirmou que a imunidade natural é melhor que a vacinal, o que já foi desmentido por especialistas, e que todas as pandemias terminaram com “imunidade de rebanho”, termo que não considera o surgimento de variantes mais infecciosas e letais, além de desconsiderar o alto número de vidas perdidas pela doença.
Consulta pública e prescrição médica
Após abrir uma consulta pública para avaliar a vacinação infantil contra covid-19 no País, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse na semana passada que o governo federal vai vacinar crianças de 5 a 11 anos, mas deve requisitar prescrição médica e a assinatura de termo de consentimento pelos pais. As exigências não existem em outros grupos que já tiveram vacinação autorizada.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que não há contradição entre os esclarecimentos dados pela secretaria ao STF e a posição do governo. A pasta declarou que já se manifestou favorável à vacinação de crianças e que decidirá em janeiro se a recomendação de prescrição médica será mantida. “No dia 5 de janeiro, após ouvir a sociedade, a pasta formalizará sua decisão e, mantida a recomendação, a imunização desta faixa etária deve iniciar ainda em janeiro”, disse.