Norovírus: como é a transmissão? Esgoto no mar favorece a contaminação? Quais os riscos? Entenda


Vírus foi detectado em amostras de pacientes atendidos no litoral de São Paulo após surto de virose na região

Por Layla Shasta
Atualização:

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) confirmou, nesta quarta-feira, 8, a presença de norovírus em amostras de fezes humanas de pacientes atendidos na Baixada Santista, onde houve grande aumento no número de casos de virose nas últimas semanas.

O material foi coletado nos municípios de Guarujá e Praia Grande, e analisado pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL).

O Guarujá registrou um surto de virose nas últimas semanas; governo confirmou a presença de norovírus em amostras de pacientes atendidos na cidade Foto: Taba Benedicto/ Estadão
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O norovírus é um velho conhecido dos médicos infectologistas. É comum que surtos de gastroenterite, doença que causa vômitos e diarreia, sejam associados a ele. Em locais quentes e com grande fluxo de pessoas, como no litoral de São Paulo durante o verão, o número de casos pode disparar.

A seguir, entenda como ocorre a contaminação, qual o impacto do saneamento inadequado e como se proteger.

O que é o norovírus?

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“O norovírus é um dos principais causadores das diarreias agudas no Brasil e em grande parte do mundo”, afirma Fernanda Marcicano Burlandy, virologista e coordenadora do serviço de referência regional para rotavírus e norovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

O patógeno, considerado altamente contagioso, é liberado nas fezes de pessoas contaminadas e pode infectar outras pelo contato com fragmentos dos excrementos.

Segundo a virologista, a alta transmissibilidade do norovírus se deve a várias características. Primeiro, quando liberados, os dejetos carregam uma grande quantidade de vírus, e mesmo o contato com uma baixa carga viral já pode causar infecção.

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Além disso, o patógeno é resistente às condições ambientais. Assim, ao contaminar objetos e ambientes, pode passar bastante tempo por ali, facilitando a exposição.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, onde o norovírus é a principal causa de diarreia e vômito, também é comum a reinfecção, devido à diversidade de cepas. Na Baixada Santista, foram detectados os genogrupos 1 e 2 do vírus.

Como é transmitido?

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A principal via de transmissão é fecal-oral. Isso acontece quando fragmentos microscópicos de fezes contaminadas de uma pessoa infectada entram no corpo de outra.

Para isso, existem algumas rotas. A principal é a ingestão desses fragmentos em algum alimento ou bebida contaminado, especialmente a água. Também é comum acontecer a contaminação quando tocamos um objeto infectado e depois levamos as mãos à boca ou na interação de pessoa para pessoa, por meio do toque.

“Alguém pode contaminar um outro sujeito pelo contato com a mão. Isso ocorre, por exemplo, caso ele vomite e não lave as mãos, ou lave mas o vírus continue ali. Uma só pessoa pode contaminar todos de uma casa”, exemplifica Gubio Soares, coordenador do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em norovírus e rotavírus.

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Outra possível forma de contágio que ainda é estudada são os aerossóis, pequenas partículas líquidas, possivelmente transmitidos por meio da descarga do vaso sanitário.

Rios e mares também podem conter o vírus caso haja dejetos ou suas partículas circulando nas ondas, fazendo com que banhistas se infectem ao engolir uma quantidade considerável de água.

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Dessa forma, o tratamento inadequado do esgoto e a falta de higiene em praias lotadas são fatores de risco, assim como o consumo de alimentos malconservados, em especial frutos do mar.

“O aumento de frequentadores nas cidades litorâneas sobrecarrega ainda mais as condições sanitárias, contribuindo para a disseminação de doenças”, diz Marcelo Otsuka, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

A aglomeração também favorece a exposição a alimentos contaminadas, gelo e bebidas de procedência duvidosa.

Esgoto na água do mar favorece a contaminação?

De acordo com estudos, a maioria das pessoas infectadas elimina grandes quantidades de vírus nas fezes por dias ou semanas antes e depois dos sintomas. Por isso, os vírus que causam gastroenterite podem ser detectados em águas residuais, mesmo que apenas algumas pessoas estejam infectadas.

Na última sexta-feira, 3, a prefeitura do Guarujá informou ter acionado a Sabesp para investigar possíveis vazamentos e ligações clandestinas de esgoto na região da Enseada que poderiam estar relacionados ao aumento de casos de virose na cidade.

A Sabesp, por sua vez, afirmou que adotou medidas para verificar as solicitações. De acordo com a companhia, o sistema de esgoto da Baixada Santista está operando normalmente.

Embora haja relações potenciais entre esgoto e norovírus, ainda não é possível dizer se essa é a causa do surto, tampouco se há relação com a água do mar. De acordo com Fernanda, o processo de análise sobre a presença de vírus na água exige certo tempo e não é possível tirar conclusões antes dos resultados de uma avaliação de risco.

“Não dá para responder se (a água do mar) foi a fonte causadora. Mas existe o risco potencial, se as águas estiverem recebendo contaminação fecal”, afirma.

Nesse sentido, o infectologista Marcelo Otsuka lembra que o despejo clandestino de esgoto em praias é “um problema recorrente no Brasil” e facilita a propagação da contaminação de uma área para outra.

Além disso, segundo Oscar Bruna-Romero, professor e pesquisador especialista em imunologia e microbiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esse tipo de infecção é frequente entre pessoas que ingerem pequenas quantidades da água de rios e mares contaminada com fezes.

“Os norovírus são especialistas nisso”, diz. Por isso, ele relaciona contaminações ao monitoramento inadequado da qualidade da água durante períodos de alta demanda populacional e à falta de canalização e tratamento do esgoto.

Outros fatores de risco

Uma infecção depende da quantidade de água contaminada ingerida, ressalta Alexandre Naime, coordenador científico na SBI. Além disso, Fernanda aponta que não necessariamente a presença de norovírus na água irá causar doenças.

A virologista também comenta que as chuvas contribuem para esse tipo de contaminação dos mares, não apenas o esgoto. Elas aumentam o volume dos rios que desaguam no mar, podendo levar dejetos consigo.

O vírus pode ainda circular por meio da água encanada e “potável”, caso não haja o tratamento adequado. “Relatos indicam que até gelo feito com água da torneira contaminada pode ser uma fonte de transmissão”, comenta Bruna-Romero.

Contaminação das praias

Ainda sobre a situação das praias, outro dado que tem chamado atenção é o relatório mais recente da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). De acordo com a instituição, de 175 praias monitoradas no litoral paulista, 51 (29,14%) são consideradas impróprias para banho.

Essa classificação, porém, não avalia a presença de vírus, mas de bactérias. Ela é baseada em três indicadores principais: a presença de coliformes fecais e das bactérias E. coli e enterococos.

“As bactérias indicam a presença de fezes humanas na água. O norovírus também viaja nessas fezes, porém a legislação atual não obriga a detectar vírus na água”, explica Bruna-Romero.

Quais os sintomas?

O norovírus costuma causar vômito, cólicas abdominais leves a intensas e diarreia. Os quadros costumam ser autolimitados, isto é, se resolvem sozinhos. Os sintomas têm início entre o primeiro e o segundo dia após a infecção e duram de um a três dias.

A pessoa também pode ter febre, dor de cabeça e dores no corpo, enquanto outros indivíduos podem ser assintomáticos (e mesmo assim transmitir a doença). Além disso, devido aos vômitos e diarreia, o quadro pode causar desidratação, um risco para crianças e idosos.

Tratamento

Os tratamentos são os típicos de gastroenterocolites, voltados a combater o desconforto dos sintomas. É importante repousar, ingerir muito líquido (soro caseiro, inclusive) e fazer refeições leves.

Tomar bebidas com glicose e eletrólitos, além de caldos e canja, também pode ajudar a prevenir e tratar desidratações leves.

Além disso, probióticos podem ser usados para recompor a flora intestinal. “Não é um remédio para interromper a diarreia, mas, como ajuda a recompor a flora natural do intestino, ajuda a acelerar o processo de recuperação”, diz o gastroenterologista Paulo Barros, do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Segundo os especialistas, é importante evitar remédios que prometam cessar a diarreia. Por mais desconfortável que seja o quadro, é uma forma de o corpo eliminar a causa da infecção.

Prevenção

A melhor forma de controlar situações desse tipo é garantindo a higiene adequada, por exemplo, lavando bem as mãos após usar o banheiro, ao trocar as fraldas dos bebês, antes de cozinhar e das refeições.

Além disso, como explica Otsuka, é preciso manter os alimentos devidamente higienizados e prezar pelo uso de água de boa qualidade.

É importante ter cuidado com galões de água de procedência desconhecida ou com métodos de enchimento duvidosos. As melhores opções são água filtrada, fervida ou mineral em garrafas lacradas.

O médico também recomenda atenção às condições da praia. “Ainda há muito esgoto sendo despejado nas praias, o que pode comprometer a qualidade da água. Isso é ainda mais preocupante para crianças, que frequentemente ingerem água do mar de forma acidental”, diz.

Soares alerta ainda para a alta resistência do vírus. “Caso alguém vomite no chão, por exemplo, esse lugar deve ser limpo com água sanitária e o pano usado deve ser jogado fora”, diz.

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) confirmou, nesta quarta-feira, 8, a presença de norovírus em amostras de fezes humanas de pacientes atendidos na Baixada Santista, onde houve grande aumento no número de casos de virose nas últimas semanas.

O material foi coletado nos municípios de Guarujá e Praia Grande, e analisado pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL).

O Guarujá registrou um surto de virose nas últimas semanas; governo confirmou a presença de norovírus em amostras de pacientes atendidos na cidade Foto: Taba Benedicto/ Estadão

O norovírus é um velho conhecido dos médicos infectologistas. É comum que surtos de gastroenterite, doença que causa vômitos e diarreia, sejam associados a ele. Em locais quentes e com grande fluxo de pessoas, como no litoral de São Paulo durante o verão, o número de casos pode disparar.

A seguir, entenda como ocorre a contaminação, qual o impacto do saneamento inadequado e como se proteger.

O que é o norovírus?

“O norovírus é um dos principais causadores das diarreias agudas no Brasil e em grande parte do mundo”, afirma Fernanda Marcicano Burlandy, virologista e coordenadora do serviço de referência regional para rotavírus e norovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

O patógeno, considerado altamente contagioso, é liberado nas fezes de pessoas contaminadas e pode infectar outras pelo contato com fragmentos dos excrementos.

Segundo a virologista, a alta transmissibilidade do norovírus se deve a várias características. Primeiro, quando liberados, os dejetos carregam uma grande quantidade de vírus, e mesmo o contato com uma baixa carga viral já pode causar infecção.

Além disso, o patógeno é resistente às condições ambientais. Assim, ao contaminar objetos e ambientes, pode passar bastante tempo por ali, facilitando a exposição.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, onde o norovírus é a principal causa de diarreia e vômito, também é comum a reinfecção, devido à diversidade de cepas. Na Baixada Santista, foram detectados os genogrupos 1 e 2 do vírus.

Como é transmitido?

A principal via de transmissão é fecal-oral. Isso acontece quando fragmentos microscópicos de fezes contaminadas de uma pessoa infectada entram no corpo de outra.

Para isso, existem algumas rotas. A principal é a ingestão desses fragmentos em algum alimento ou bebida contaminado, especialmente a água. Também é comum acontecer a contaminação quando tocamos um objeto infectado e depois levamos as mãos à boca ou na interação de pessoa para pessoa, por meio do toque.

“Alguém pode contaminar um outro sujeito pelo contato com a mão. Isso ocorre, por exemplo, caso ele vomite e não lave as mãos, ou lave mas o vírus continue ali. Uma só pessoa pode contaminar todos de uma casa”, exemplifica Gubio Soares, coordenador do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em norovírus e rotavírus.

Outra possível forma de contágio que ainda é estudada são os aerossóis, pequenas partículas líquidas, possivelmente transmitidos por meio da descarga do vaso sanitário.

Rios e mares também podem conter o vírus caso haja dejetos ou suas partículas circulando nas ondas, fazendo com que banhistas se infectem ao engolir uma quantidade considerável de água.

Dessa forma, o tratamento inadequado do esgoto e a falta de higiene em praias lotadas são fatores de risco, assim como o consumo de alimentos malconservados, em especial frutos do mar.

“O aumento de frequentadores nas cidades litorâneas sobrecarrega ainda mais as condições sanitárias, contribuindo para a disseminação de doenças”, diz Marcelo Otsuka, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

A aglomeração também favorece a exposição a alimentos contaminadas, gelo e bebidas de procedência duvidosa.

Esgoto na água do mar favorece a contaminação?

De acordo com estudos, a maioria das pessoas infectadas elimina grandes quantidades de vírus nas fezes por dias ou semanas antes e depois dos sintomas. Por isso, os vírus que causam gastroenterite podem ser detectados em águas residuais, mesmo que apenas algumas pessoas estejam infectadas.

Na última sexta-feira, 3, a prefeitura do Guarujá informou ter acionado a Sabesp para investigar possíveis vazamentos e ligações clandestinas de esgoto na região da Enseada que poderiam estar relacionados ao aumento de casos de virose na cidade.

A Sabesp, por sua vez, afirmou que adotou medidas para verificar as solicitações. De acordo com a companhia, o sistema de esgoto da Baixada Santista está operando normalmente.

Embora haja relações potenciais entre esgoto e norovírus, ainda não é possível dizer se essa é a causa do surto, tampouco se há relação com a água do mar. De acordo com Fernanda, o processo de análise sobre a presença de vírus na água exige certo tempo e não é possível tirar conclusões antes dos resultados de uma avaliação de risco.

“Não dá para responder se (a água do mar) foi a fonte causadora. Mas existe o risco potencial, se as águas estiverem recebendo contaminação fecal”, afirma.

Nesse sentido, o infectologista Marcelo Otsuka lembra que o despejo clandestino de esgoto em praias é “um problema recorrente no Brasil” e facilita a propagação da contaminação de uma área para outra.

Além disso, segundo Oscar Bruna-Romero, professor e pesquisador especialista em imunologia e microbiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esse tipo de infecção é frequente entre pessoas que ingerem pequenas quantidades da água de rios e mares contaminada com fezes.

“Os norovírus são especialistas nisso”, diz. Por isso, ele relaciona contaminações ao monitoramento inadequado da qualidade da água durante períodos de alta demanda populacional e à falta de canalização e tratamento do esgoto.

Outros fatores de risco

Uma infecção depende da quantidade de água contaminada ingerida, ressalta Alexandre Naime, coordenador científico na SBI. Além disso, Fernanda aponta que não necessariamente a presença de norovírus na água irá causar doenças.

A virologista também comenta que as chuvas contribuem para esse tipo de contaminação dos mares, não apenas o esgoto. Elas aumentam o volume dos rios que desaguam no mar, podendo levar dejetos consigo.

O vírus pode ainda circular por meio da água encanada e “potável”, caso não haja o tratamento adequado. “Relatos indicam que até gelo feito com água da torneira contaminada pode ser uma fonte de transmissão”, comenta Bruna-Romero.

Contaminação das praias

Ainda sobre a situação das praias, outro dado que tem chamado atenção é o relatório mais recente da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). De acordo com a instituição, de 175 praias monitoradas no litoral paulista, 51 (29,14%) são consideradas impróprias para banho.

Essa classificação, porém, não avalia a presença de vírus, mas de bactérias. Ela é baseada em três indicadores principais: a presença de coliformes fecais e das bactérias E. coli e enterococos.

“As bactérias indicam a presença de fezes humanas na água. O norovírus também viaja nessas fezes, porém a legislação atual não obriga a detectar vírus na água”, explica Bruna-Romero.

Quais os sintomas?

O norovírus costuma causar vômito, cólicas abdominais leves a intensas e diarreia. Os quadros costumam ser autolimitados, isto é, se resolvem sozinhos. Os sintomas têm início entre o primeiro e o segundo dia após a infecção e duram de um a três dias.

A pessoa também pode ter febre, dor de cabeça e dores no corpo, enquanto outros indivíduos podem ser assintomáticos (e mesmo assim transmitir a doença). Além disso, devido aos vômitos e diarreia, o quadro pode causar desidratação, um risco para crianças e idosos.

Tratamento

Os tratamentos são os típicos de gastroenterocolites, voltados a combater o desconforto dos sintomas. É importante repousar, ingerir muito líquido (soro caseiro, inclusive) e fazer refeições leves.

Tomar bebidas com glicose e eletrólitos, além de caldos e canja, também pode ajudar a prevenir e tratar desidratações leves.

Além disso, probióticos podem ser usados para recompor a flora intestinal. “Não é um remédio para interromper a diarreia, mas, como ajuda a recompor a flora natural do intestino, ajuda a acelerar o processo de recuperação”, diz o gastroenterologista Paulo Barros, do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Segundo os especialistas, é importante evitar remédios que prometam cessar a diarreia. Por mais desconfortável que seja o quadro, é uma forma de o corpo eliminar a causa da infecção.

Prevenção

A melhor forma de controlar situações desse tipo é garantindo a higiene adequada, por exemplo, lavando bem as mãos após usar o banheiro, ao trocar as fraldas dos bebês, antes de cozinhar e das refeições.

Além disso, como explica Otsuka, é preciso manter os alimentos devidamente higienizados e prezar pelo uso de água de boa qualidade.

É importante ter cuidado com galões de água de procedência desconhecida ou com métodos de enchimento duvidosos. As melhores opções são água filtrada, fervida ou mineral em garrafas lacradas.

O médico também recomenda atenção às condições da praia. “Ainda há muito esgoto sendo despejado nas praias, o que pode comprometer a qualidade da água. Isso é ainda mais preocupante para crianças, que frequentemente ingerem água do mar de forma acidental”, diz.

Soares alerta ainda para a alta resistência do vírus. “Caso alguém vomite no chão, por exemplo, esse lugar deve ser limpo com água sanitária e o pano usado deve ser jogado fora”, diz.

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) confirmou, nesta quarta-feira, 8, a presença de norovírus em amostras de fezes humanas de pacientes atendidos na Baixada Santista, onde houve grande aumento no número de casos de virose nas últimas semanas.

O material foi coletado nos municípios de Guarujá e Praia Grande, e analisado pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL).

O Guarujá registrou um surto de virose nas últimas semanas; governo confirmou a presença de norovírus em amostras de pacientes atendidos na cidade Foto: Taba Benedicto/ Estadão

O norovírus é um velho conhecido dos médicos infectologistas. É comum que surtos de gastroenterite, doença que causa vômitos e diarreia, sejam associados a ele. Em locais quentes e com grande fluxo de pessoas, como no litoral de São Paulo durante o verão, o número de casos pode disparar.

A seguir, entenda como ocorre a contaminação, qual o impacto do saneamento inadequado e como se proteger.

O que é o norovírus?

“O norovírus é um dos principais causadores das diarreias agudas no Brasil e em grande parte do mundo”, afirma Fernanda Marcicano Burlandy, virologista e coordenadora do serviço de referência regional para rotavírus e norovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

O patógeno, considerado altamente contagioso, é liberado nas fezes de pessoas contaminadas e pode infectar outras pelo contato com fragmentos dos excrementos.

Segundo a virologista, a alta transmissibilidade do norovírus se deve a várias características. Primeiro, quando liberados, os dejetos carregam uma grande quantidade de vírus, e mesmo o contato com uma baixa carga viral já pode causar infecção.

Além disso, o patógeno é resistente às condições ambientais. Assim, ao contaminar objetos e ambientes, pode passar bastante tempo por ali, facilitando a exposição.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, onde o norovírus é a principal causa de diarreia e vômito, também é comum a reinfecção, devido à diversidade de cepas. Na Baixada Santista, foram detectados os genogrupos 1 e 2 do vírus.

Como é transmitido?

A principal via de transmissão é fecal-oral. Isso acontece quando fragmentos microscópicos de fezes contaminadas de uma pessoa infectada entram no corpo de outra.

Para isso, existem algumas rotas. A principal é a ingestão desses fragmentos em algum alimento ou bebida contaminado, especialmente a água. Também é comum acontecer a contaminação quando tocamos um objeto infectado e depois levamos as mãos à boca ou na interação de pessoa para pessoa, por meio do toque.

“Alguém pode contaminar um outro sujeito pelo contato com a mão. Isso ocorre, por exemplo, caso ele vomite e não lave as mãos, ou lave mas o vírus continue ali. Uma só pessoa pode contaminar todos de uma casa”, exemplifica Gubio Soares, coordenador do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em norovírus e rotavírus.

Outra possível forma de contágio que ainda é estudada são os aerossóis, pequenas partículas líquidas, possivelmente transmitidos por meio da descarga do vaso sanitário.

Rios e mares também podem conter o vírus caso haja dejetos ou suas partículas circulando nas ondas, fazendo com que banhistas se infectem ao engolir uma quantidade considerável de água.

Dessa forma, o tratamento inadequado do esgoto e a falta de higiene em praias lotadas são fatores de risco, assim como o consumo de alimentos malconservados, em especial frutos do mar.

“O aumento de frequentadores nas cidades litorâneas sobrecarrega ainda mais as condições sanitárias, contribuindo para a disseminação de doenças”, diz Marcelo Otsuka, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

A aglomeração também favorece a exposição a alimentos contaminadas, gelo e bebidas de procedência duvidosa.

Esgoto na água do mar favorece a contaminação?

De acordo com estudos, a maioria das pessoas infectadas elimina grandes quantidades de vírus nas fezes por dias ou semanas antes e depois dos sintomas. Por isso, os vírus que causam gastroenterite podem ser detectados em águas residuais, mesmo que apenas algumas pessoas estejam infectadas.

Na última sexta-feira, 3, a prefeitura do Guarujá informou ter acionado a Sabesp para investigar possíveis vazamentos e ligações clandestinas de esgoto na região da Enseada que poderiam estar relacionados ao aumento de casos de virose na cidade.

A Sabesp, por sua vez, afirmou que adotou medidas para verificar as solicitações. De acordo com a companhia, o sistema de esgoto da Baixada Santista está operando normalmente.

Embora haja relações potenciais entre esgoto e norovírus, ainda não é possível dizer se essa é a causa do surto, tampouco se há relação com a água do mar. De acordo com Fernanda, o processo de análise sobre a presença de vírus na água exige certo tempo e não é possível tirar conclusões antes dos resultados de uma avaliação de risco.

“Não dá para responder se (a água do mar) foi a fonte causadora. Mas existe o risco potencial, se as águas estiverem recebendo contaminação fecal”, afirma.

Nesse sentido, o infectologista Marcelo Otsuka lembra que o despejo clandestino de esgoto em praias é “um problema recorrente no Brasil” e facilita a propagação da contaminação de uma área para outra.

Além disso, segundo Oscar Bruna-Romero, professor e pesquisador especialista em imunologia e microbiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esse tipo de infecção é frequente entre pessoas que ingerem pequenas quantidades da água de rios e mares contaminada com fezes.

“Os norovírus são especialistas nisso”, diz. Por isso, ele relaciona contaminações ao monitoramento inadequado da qualidade da água durante períodos de alta demanda populacional e à falta de canalização e tratamento do esgoto.

Outros fatores de risco

Uma infecção depende da quantidade de água contaminada ingerida, ressalta Alexandre Naime, coordenador científico na SBI. Além disso, Fernanda aponta que não necessariamente a presença de norovírus na água irá causar doenças.

A virologista também comenta que as chuvas contribuem para esse tipo de contaminação dos mares, não apenas o esgoto. Elas aumentam o volume dos rios que desaguam no mar, podendo levar dejetos consigo.

O vírus pode ainda circular por meio da água encanada e “potável”, caso não haja o tratamento adequado. “Relatos indicam que até gelo feito com água da torneira contaminada pode ser uma fonte de transmissão”, comenta Bruna-Romero.

Contaminação das praias

Ainda sobre a situação das praias, outro dado que tem chamado atenção é o relatório mais recente da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). De acordo com a instituição, de 175 praias monitoradas no litoral paulista, 51 (29,14%) são consideradas impróprias para banho.

Essa classificação, porém, não avalia a presença de vírus, mas de bactérias. Ela é baseada em três indicadores principais: a presença de coliformes fecais e das bactérias E. coli e enterococos.

“As bactérias indicam a presença de fezes humanas na água. O norovírus também viaja nessas fezes, porém a legislação atual não obriga a detectar vírus na água”, explica Bruna-Romero.

Quais os sintomas?

O norovírus costuma causar vômito, cólicas abdominais leves a intensas e diarreia. Os quadros costumam ser autolimitados, isto é, se resolvem sozinhos. Os sintomas têm início entre o primeiro e o segundo dia após a infecção e duram de um a três dias.

A pessoa também pode ter febre, dor de cabeça e dores no corpo, enquanto outros indivíduos podem ser assintomáticos (e mesmo assim transmitir a doença). Além disso, devido aos vômitos e diarreia, o quadro pode causar desidratação, um risco para crianças e idosos.

Tratamento

Os tratamentos são os típicos de gastroenterocolites, voltados a combater o desconforto dos sintomas. É importante repousar, ingerir muito líquido (soro caseiro, inclusive) e fazer refeições leves.

Tomar bebidas com glicose e eletrólitos, além de caldos e canja, também pode ajudar a prevenir e tratar desidratações leves.

Além disso, probióticos podem ser usados para recompor a flora intestinal. “Não é um remédio para interromper a diarreia, mas, como ajuda a recompor a flora natural do intestino, ajuda a acelerar o processo de recuperação”, diz o gastroenterologista Paulo Barros, do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Segundo os especialistas, é importante evitar remédios que prometam cessar a diarreia. Por mais desconfortável que seja o quadro, é uma forma de o corpo eliminar a causa da infecção.

Prevenção

A melhor forma de controlar situações desse tipo é garantindo a higiene adequada, por exemplo, lavando bem as mãos após usar o banheiro, ao trocar as fraldas dos bebês, antes de cozinhar e das refeições.

Além disso, como explica Otsuka, é preciso manter os alimentos devidamente higienizados e prezar pelo uso de água de boa qualidade.

É importante ter cuidado com galões de água de procedência desconhecida ou com métodos de enchimento duvidosos. As melhores opções são água filtrada, fervida ou mineral em garrafas lacradas.

O médico também recomenda atenção às condições da praia. “Ainda há muito esgoto sendo despejado nas praias, o que pode comprometer a qualidade da água. Isso é ainda mais preocupante para crianças, que frequentemente ingerem água do mar de forma acidental”, diz.

Soares alerta ainda para a alta resistência do vírus. “Caso alguém vomite no chão, por exemplo, esse lugar deve ser limpo com água sanitária e o pano usado deve ser jogado fora”, diz.

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