Pela primeira vez, as diretrizes da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês) para tratamento de câncer de reto avançado têm contribuições de médicos latino-americanos — e eles são brasileiros.
Os cirurgiões Angelita Gama e Rodrigo de Oliva Perez integraram o grupo que atualizou as recomendações da entidade, que acrescentou o método “Wait and Watch”, idealizado por Angelita na década de 1990, às suas diretrizes.
“Vemos isso como uma forma de reconhecimento. Tem várias coisas nessas diretrizes que claramente foram graças à nossa participação”, afirmou Perez. Especialistas em cirurgia de intestino, ele e Angelita fazem parte do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Ao Estadão, Perez contou que o processo durou mais de um ano, entre reuniões virtuais e revisão detalhada de literatura científica da área, que embasam as novas orientações. Ao todo, o painel contou com 18 especialistas, a maioria dos Estados Unidos. Os resultados foram publicados no início de agosto no Journal of Clinical Oncology.
Ele também apontou o orgulho e a responsabilidade de contribuir para um documento que é tido como referência na área de oncologia em âmbito mundial. “Tem gente lendo essas diretrizes na Índia, na China, no Japão, na Austrália. O alcance disso é algo incrível, para nós é motivo de muita satisfação poder oferecer uma informação de relevância.”
Novas diretrizes
Uma das mais reconhecidas especialistas em cirurgia do intestino, Angelita foi quem idealizou e propôs o método chamado “Wait and Watch”, que significa “Esperar e Observar”.
Até então, o tratamento recomendado para o câncer de reto era padronizado e realizado com radioterapia, quimioterapia e cirurgia. “A equação tinha esses três componentes de maneira inevitável”, disse Perez.
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No processo, tanto a radio quanto a quimioterapia eram feitas no período pré-operatório. Percebeu-se, então, que em uma parcela significativa de casos, elas eram suficientes. No entanto, isso só era confirmado no momento da cirurgia. Quem notou e questionou a necessidade dos procedimentos foi Angelita, que propôs o método de observação e espera.
“No começo, isso foi visto como um absurdo. Como é que alguém estava desafiando um dos componentes dessa equação que era tido como indispensável para cura desses pacientes?”, contou Perez. “Com o tempo, outras instituições foram reproduzindo os resultados que tínhamos aqui no Brasil e, pouco a pouco, essa alternativa passou a ser considerada como viável e bastante razoável”, acrescentou o cirurgião.
Outra atualização importante do documento da Asco foi a inclusão de uma diretriz sobre a individualização do tratamento conforme a avaliação inicial com ressonância magnética dedicada ao câncer de reto. Segundo Perez, tal exame é diferente de um exame de imagem da pelve, por exemplo. “O exame precisa ser desenhado e direcionado para essa finalidade”, defendeu.
Dessa forma, ele pode fornecer detalhes do tumor que são essenciais para que o médico escolha o tratamento mais assertivo para cada paciente. “Não usamos uma receita única para todo mundo”, ressaltou. Antes da nova orientação, a abordagem terapêutica era generalizada e não estava clara a importância da ressonância detalhada.
As novas diretrizes também trazem a imunoterapia como uma alternativa para casos de câncer de reto em que o tumor é considerado instável, que correspondem a 5% do total de registros da doença.