Cientistas capturaram a evolução cognitiva da mulher rumo à maternidade, fazendo sucessivos exames cerebrais ao longo de três anos para revelar a imagem mais detalhada até agora das mudanças cerebrais que se desenrolam ao longo da gravidez.
As evidências sugerem que o “cérebro de mãe” pode ser uma coisa concreta, mas nada como a concepção da cultura pop de mães jovens ficando cognitivamente confusas e distraídas. Em vez disso, os neurocientistas estão só começando a documentar como os hormônios desencadeiam um conjunto intrincado e bem coreografado de transformações que podem preparar e aprimorar o cérebro para a maternidade.
Quando a neurocientista Liz Chrastil e seu marido estavam prestes a começar sua família, ela sentiu que não podia perder a oportunidade de estudar a si mesma. Com uma equipe de colaboradores que também estudavam o cérebro durante a menopausa e o ciclo menstrual, ela deslizou para dentro da máquina 26 vezes – antes, durante e depois da gravidez – trazendo uma visão sem precedentes de um evento transformador na biologia humana que há muito tempo foi negligenciado pela ciência.
Áreas-chave de seu córtex, a camada externa e enrugada do cérebro, encolheram, afinaram e permaneceram assim no longo prazo, enquanto as superestradas que conectam regiões cerebrais melhoraram durante a gravidez, depois retornaram à linha de base após o nascimento de seu filho. O experimento de prova de conceito, publicado na segunda-feira no periódico Nature Neuroscience, revelou a maleabilidade do cérebro de Chrastil mês a mês.
A experiência de se tornar mãe afeta “a biologia, a cognição, o senso de si e o lugar na sociedade de uma pessoa – e até mesmo seu risco de declínio cerebral na terceira idade”, disse, por e-mail, Sharna Jamadar, neurocientista da Monash University, na Austrália, que não participou do estudo. “Apesar dessas mudanças massivas que ocorrem durante a gravidez, temos pouca compreensão do que exatamente ocorre no cérebro durante esse período”.
Já começou um projeto expandido para escanear o cérebro de mais gestantes, com o objetivo de testar se essas mudanças são universais e de desvendar a questão mais profunda de como as transformações na estrutura cerebral influenciam o comportamento ou o raciocínio. A esperança é que tais estudos possam, em última análise, identificar pistas sobre o motivo pelo qual algumas mulheres desenvolvem depressão pós-parto ou elucidar como a gravidez prepara o cérebro para o envelhecimento.
O “cérebro de mãe” não é o que você pensa
A gravidez é um momento fundamental da existência humana, mas o cérebro materno tem sido subestimado e pouco estudado. A maior parte do que os pesquisadores sabem sobre o tema vem de instantâneos tirados antes e depois da gravidez.
O novo estudo se alinhou bem com o que era conhecido daquela pesquisa. Houve uma redução generalizada e duradoura no volume da substância cinzenta, onde se concentram as células cerebrais e se enraízam os pensamentos, as sensações e as memórias. Essas mudanças permaneceram dois anos após o nascimento do filho de Chrastil, e mudanças semelhantes foram documentadas como persistentes a longo prazo em outros estudos.
Mas, observando o cérebro durante a gravidez em si, a equipe viu algo novo: a integridade das conexões entre as regiões do cérebro – a substância branca – se fortaleceu durante o primeiro e o segundo trimestres, depois reverteu após o nascimento.
O encolhimento do cérebro pode soar como algo inevitavelmente ruim, mas Susana Carmona, neurocientista do Hospital Universitário Gregorio Marañón, em Madri, que não participou do estudo, descobriu que a diminuição do volume de matéria cinzenta durante a gravidez pode estar ligada a níveis maiores de apego materno, sugerindo que o cérebro se adapta para o desafio que está por vir.
Emily Jacobs, neurocientista da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, e uma das líderes do estudo, compara esse processo à obra-prima de Michelangelo, David.
“Você começa com um bloco de mármore e vai lapidando. Aí essa lapidação vai revelar a beleza que está por baixo”, diz Emily.
Liz afirma que não vivenciou o “cérebro de mãe”, embora seja das raríssimas pessoas que possam quantificar com precisão exatamente quanto sua massa cinzenta encolheu: cerca de 4%. Ela destacou que a maioria das novas mães sofre de privação de sono, o que pode ter um papel na sensação de que o cérebro não está funcionando muito bem.
Margaret McCarthy, neuroendocrinologista da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, conta que, com base no que se sabe sobre o cérebro de outros animais durante a gravidez, as mudanças provavelmente representam um refinamento, e não uma perda. Em camundongos, os hormônios desencadeiam a remodelação dos circuitos cerebrais que deixam as mães mais responsivas aos filhotes, por exemplo.
“Sabemos pela pesquisa com animais que o ambiente hormonal da gravidez muda o cérebro para prepará-lo para a maternidade”, informa Margaret.
O cérebro em constante evolução
O novo trabalho faz parte de uma onda de estudos que demonstram como o cérebro é fluido – o que os neurocientistas chamam de “plasticidade”.
É fácil conceituar o cérebro como um órgão estático, mas pesquisas mostram que sua capacidade de mudar e se adaptar é essencial para seu funcionamento. Durante a adolescência, as células cerebrais são podadas em um processo que melhora sua eficiência. Mas o cérebro muda até mesmo na idade adulta e em escalas de tempo curtas.
Uma das líderes do novo estudo, Laura Pritschet, pós-doutoranda em psiquiatria na Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, colocou-se no scanner todos os dias durante seu ciclo menstrual, revelando que as redes cerebrais são remodeladas ao longo de um mês.
E não são apenas as mulheres. Os cérebros dos pais de primeira viagem também se remodelam após o nascimento dos filhos, descobriram os pesquisadores. Os hormônios sexuais também flutuam ao longo do dia. E quando os pesquisadores escanearam o cérebro de um homem às 7h e às 20h ao longo de um mês, eles também encontraram evidências de mudanças rítmicas na conectividade cerebral.
Ainda assim, acontece algo particularmente interessante durante a gravidez, quando a magnitude da transformação em um curto período de tempo é especialmente drástica. “No geral, isso demonstra que a maternidade é um dos períodos de maior neuroplasticidade na vida adulta”, avalia Susana. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU