O que é e como reconhecer uma pessoa narcisista? Entenda o transtorno de personalidade


Condição é rara e pode causar sofrimento tanto ao paciente quanto às pessoas ao seu redor

Por André Bernardo

Se ganhasse um dólar toda vez que alguém lhe pedisse para descrever um narcisista, Sarah Davies já estaria rica. Por essa razão, a psicóloga britânica decidiu escrever Como se libertar de um narcisista: Aprenda a reconhecer um relacionamento tóxico, se livrar da manipulação e recuperar sua autoestima (Sextante).

No livro, para facilitar o entendimento, ela reconta a fábula do escorpião e do sapo. Para quem não conhece a história, o escorpião pede ao sapo que o ajude a atravessar um rio. O sapo hesita: tem medo porque sabe do que os escorpiões são capazes. O escorpião explica que não seria louco de atacá-lo. Se fizer isso, os dois morrerão afogados. Apesar de relutante, o sapo concorda. No meio da travessia, o que temia acontece. “Por que você me picou?”, perguntou um. “Sou um escorpião…”, respondeu o outro. “E escorpiões picam”.

“É da natureza de um escorpião picar. Todo mundo sabe disso. O sapo também sabia. Como ele poderia esperar algo diferente?”, indaga a psicóloga, que viveu uma situação de abuso narcisista.

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O livro de Davies não é o único sobre o transtorno a chegar às livrarias brasileiras. O outro é A nova ciência do narcisismo – Compreenda um dos maiores desafios psicológicos da atualidade e descubra como superá-lo (Cultrix), de W. Keith Campbell.

O psicólogo americano estuda o assunto desde 1999, quando soube que os atiradores de Columbine, massacre em uma escola do Colorado que terminou com 15 mortos, queriam que fosse feito um filme a respeito deles. Não satisfeitos, ainda queriam que o tal filme fosse dirigido pelo cineasta Steven Spielberg.

Transtorno de personalidade narcisista atinge cerca de 1% da população, segundo especialistas Foto: Lina Solntseva/Adobe Stock
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Narcisistas existem muitos. Pessoas com TPN, sigla para Transtorno de Personalidade Narcisista, nem tanto. Segundo estimativas, não passa de 1% da população. Mas há lugar para todos no espectro do narcisismo, de namorados tóxicos a líderes megalomaníacos. Nem algumas mães estão livres de apresentar sintomas do transtorno, como mania de grandeza, necessidade de atenção e falta de empatia. Quem garante é a psicóloga brasileira Michele Engelke. Ela é autora do livro digital Prisioneiras do espelho – Um guia de liberdade pessoal para filhas de mães narcisistas (2016) e editora do site Filhas de Mães Narcisistas.

“Se você acha que sua mãe é narcisista, a probabilidade de você estar certa é muito grande. Não há melhor especialista em narcisismo materno do que filhas de mães narcisistas”, explica no site. Para as filhas de mães narcisistas, há duas notícias: uma boa e outra ruim. A boa é que há tratamento para o TPN. A ruim é que, dificilmente, um narcisista procura atendimento. “Quando o convívio é prejudicial à saúde mental ou provoca impacto negativo na qualidade de vida, o contato zero torna-se uma opção”, pondera Engelke.

1. O que é narcisismo?

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É um traço de personalidade que envolve a autoestima. Todos nós, em algum grau, somos narcisistas.

“O narcisismo nos ajuda a enfrentar desafios, confiar em nossas habilidades e buscar reconhecimento por nossas conquistas”, explica o psiquiatra Eduardo Martinho Júnior, coordenador do Ambulatório para o Desenvolvimento dos Relacionamentos e das Emoções do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

“Não há cura para o que não é doença”, ressalta o psicólogo Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “A personalidade narcisista, por si só, não gera transtornos para a vida do indivíduo”.

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O narcisismo se torna problemático quando é extremo e inflexível. Ou, ainda, quando traz prejuízos e provoca danos na vida afetiva, familiar, social, acadêmica ou profissional do narcisista.

Quando isso acontece, o que era traço de personalidade vira transtorno psiquiátrico.

2. O que é Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN)?

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É o tipo clínico ou psiquiátrico do narcisismo. Está previsto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde 1982.

“É uma condição de saúde mental caracterizada por dificuldade persistente tanto na regulação da autoestima quanto no relacionamento com os outros”, define Martinho Júnior.

“As pessoas com TPN podem experimentar flutuações significativas na autoestima: ora são extremamente superiores, ora são profundamente inseguras. Isso pode levar a comportamentos aparentemente arrogantes e insensíveis, mas que, na verdade, são tentativas de lidar com dor emocional e medo de rejeição”.

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A personalidade narcisista é caracterizada por uma admiração excessiva por si mesmo, acrescenta o psiquiatra Cláudio Martins, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se preocupam apenas com os seus interesses e as suas necessidades”.

No ambiente de trabalho, pessoas com TPN têm dificuldade para trabalhar em equipe, obedecer ordens ou receber críticas. “Acham que suas ideias e opiniões são melhores que as dos outros”, ilustra Martins.

3. Qual é a prevalência do TPN?

É relativamente raro, avalia Keith Campbell. Afeta cerca de 1% da população. No Brasil, seria algo em torno de 2,1 milhões de pessoas com TPN.

É mais comum em homens do que em mulheres. E em jovens do que em adultos.

4. Quem foi Narciso?

Um personagem da mitologia grega. “Era um caçador belo e carismático que tinha a reputação de partir corações por rejeitar o amor dos outros”, descreve Davies.

Reza a lenda greco-romana que, como punição, a deusa Nêmesis lançou um feitiço sobre Narciso: se apaixonar pela primeira pessoa que visse.

Num dia quente, Narciso, exausto após a caçada, decide descansar à beira de um lago. É quando, ao beber um pouco de água, se vê refletido na superfície e cai de amores por si mesmo.

“Apaixonado pelo próprio reflexo, termina morrendo afogado”, conclui Campbell. “O amor por si mesmo acaba por matá-lo”.

O mito já inspirou, entre outras manifestações artísticas, poema do inglês John Keats, pintura do italiano Caravaggio e letra do compositor Caetano Veloso.

Narciso pintado por Caravaggio entre 1597 e 1599 Foto: Galleria Nazionale d'Arte Antica

5. Qual é a origem do TPN?

É multifatorial, ou seja, não há uma única causa. É uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais.

Entre os fatores ambientais, Martins destaca “experiências traumáticas na infância”.

Martinho Júnior acrescenta mais três exemplos: relações de apego na infância, estilo de criação e educação, e necessidade de autoestima elevada.

“Se a criança percebe que só é valorizada quando conquista algo e não pode demonstrar fraqueza, começa a acreditar que ter sucesso na vida é tudo o que importa”, observa o psiquiatra da USP.

6. Narcisista é tudo igual ou há diferentes tipos?

Há três tipos: o grandioso, o vulnerável e um misto dos dois.

O grandioso é o tipo clássico: ambicioso, extrovertido e carismático. Tem autoestima elevada, quer ser o centro das atenções e não demonstra empatia. Também é manipulador, direto e arrogante. “É o tipo que você mais verá na vida: vai trabalhar para ele, sair com ele e se divertir com ele”, avisa Campbell.

Tony Stark, de Homem de Ferro; Gilderoy Lockhart, de Harry Potter, e Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada, são exemplos de narcisistas da ficção.

O vulnerável é mais sutil: inseguro, introvertido e deprimido. Diz que tem baixa autoestima, mas pensa que merece tratamento especial. É carente, dissimulado e tímido. “Serão mais difíceis de aparecer. São narcisistas enrustidos”, brinca Campbell.

Um bom exemplo de narcisista vulnerável na ficção é George Costanza, da série Seinfeld, ou a maioria dos personagens de Woody Allen, como em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Enquanto os grandiosos são ofensivos, os vulneráveis são defensivos.

O terceiro tipo é uma combinação dos dois primeiros. É, por um lado, ambicioso e extrovertido e, por outro, defensivo e introvertido. Segundo Campbell, vive numa “zona intermediária”, sendo ao mesmo tempo grandioso e vulnerável.

7. Como se diagnostica o TPN?

São nove os critérios de diagnóstico:

  1. Grandiosidade – Superestima suas habilidades e exagera suas realizações.
  2. Fantasia – Vive uma vida ilusória de fama, status e poder. Não tem limites.
  3. Especial – Se acha superior, original ou especial. A última bolacha do pacote, diriam alguns.
  4. Admiração – Quer ser admirado por todos o tempo inteiro.
  5. Noção de ter direitos – Seus desejos têm que ser sempre atendidos.
  6. Exploração – Explora os outros para conseguir o que quer.
  7. Falta de empatia – Não consegue se colocar no lugar do outro.
  8. Inveja – Tem inveja dos outros. E acha que os outros têm inveja dele.
  9. Arrogância – É pretensioso até dizer chega.

Se o indivíduo apresenta cinco dos nove critérios acima, em contextos diferentes e a partir da idade adulta, é forte candidato a ter TPN.

8. Como identificar uma pessoa com TPN?

É um transtorno de difícil identificação. “Atribuem a si mesmos uma importância além do normal”, explica Campbell. Mas, não basta supervalorizar a si mesmo, é preciso desvalorizar os outros.

Davies compara o relacionamento amoroso com um narcisista a um passeio na montanha-russa. “É empolgante e divertido em alguns momentos, e terrível e assustador em outros”, descreve. “E se o passeio durar tempo demais, você acaba passando mal”.

Num primeiro momento, os parceiros narcisistas jogam charme, dão presentes, rasgam elogios. Fazem o que podem e o que não podem para conquistar suas vítimas. É o que Davies chama de “bombardeio de amor”. Passado algum tempo, o romantismo exacerbado cede espaço ao abuso emocional.

mães narcisistas são imaturas emocionalmente. “O tempo passou e elas não amadureceram”, descreve Michele Engelke. Entre outras características, têm mania de grandeza, não demonstram empatia, são o centro das atenções, não assumem seus erros e valorizam a aparência.

9. Quais são as frases que mais gostam de repetir?

Depende do tipo de narcisista.

No caso do grandioso, vai falar o que sua vítima quiser ouvir até ele próprio conseguir o que quer. Depois, sobe o tom. Contrariado, costuma soltar farpas como: “Por que está tão estressada?”, “Você anda muito sensível” ou “Não sabe com quem está se metendo”.

No caso do vulnerável, vai se fazer de vítima e dizer que a culpa não é dele. “Isso não é justo!”, “Por que está fazendo isso comigo?” e “Você me deve desculpas”, costumam dizer num arroubo de coitadismo.

No caso das mães narcisistas, alguns lugares-comuns são: “Você não é digna de ser amada!”, “Você não passa de uma incompetente!” ou “Você não é boa o suficiente!”.

10. Tem cura?

Não tem cura, mas tem tratamento.

Opções não faltam, garante Martinho Júnior: Terapia Cognitivo Comportamental, Terapia Comportamental Dialética, Terapia do Esquema, Psicoterapia Focada na Transferência e Terapia Baseada na Mentalização. “Elas ajudam os pacientes a entender seus pensamentos e comportamentos narcisistas e a modificá-los”, observa o psiquiatra.

“O difícil é convencer o narcisista de que ele precisa de tratamento”, pondera Campbell. “Em geral, ele pensa que a culpa é dos outros”.

Davies concorda. Tratamento há, mas é difícil. “O narcisista não demonstra remorso ou arrependimento. Na cabeça dele, não há por que ou do que se tratar”.

E tão comum quanto resistir ao tratamento é abandoná-lo antes do previsto, advertem os especialistas.

Tampouco há remédio para o TPN. Apenas em casos de comorbidade, como depressão e ansiedade, é prescrito medicamento.

“É importante tratar do assunto com empatia e compreensão”, afirma Martinho Júnior. “Só assim vamos reduzir o estigma e encorajar aqueles que sofrem a procurar tratamento”.

Se ganhasse um dólar toda vez que alguém lhe pedisse para descrever um narcisista, Sarah Davies já estaria rica. Por essa razão, a psicóloga britânica decidiu escrever Como se libertar de um narcisista: Aprenda a reconhecer um relacionamento tóxico, se livrar da manipulação e recuperar sua autoestima (Sextante).

No livro, para facilitar o entendimento, ela reconta a fábula do escorpião e do sapo. Para quem não conhece a história, o escorpião pede ao sapo que o ajude a atravessar um rio. O sapo hesita: tem medo porque sabe do que os escorpiões são capazes. O escorpião explica que não seria louco de atacá-lo. Se fizer isso, os dois morrerão afogados. Apesar de relutante, o sapo concorda. No meio da travessia, o que temia acontece. “Por que você me picou?”, perguntou um. “Sou um escorpião…”, respondeu o outro. “E escorpiões picam”.

“É da natureza de um escorpião picar. Todo mundo sabe disso. O sapo também sabia. Como ele poderia esperar algo diferente?”, indaga a psicóloga, que viveu uma situação de abuso narcisista.

O livro de Davies não é o único sobre o transtorno a chegar às livrarias brasileiras. O outro é A nova ciência do narcisismo – Compreenda um dos maiores desafios psicológicos da atualidade e descubra como superá-lo (Cultrix), de W. Keith Campbell.

O psicólogo americano estuda o assunto desde 1999, quando soube que os atiradores de Columbine, massacre em uma escola do Colorado que terminou com 15 mortos, queriam que fosse feito um filme a respeito deles. Não satisfeitos, ainda queriam que o tal filme fosse dirigido pelo cineasta Steven Spielberg.

Transtorno de personalidade narcisista atinge cerca de 1% da população, segundo especialistas Foto: Lina Solntseva/Adobe Stock

Narcisistas existem muitos. Pessoas com TPN, sigla para Transtorno de Personalidade Narcisista, nem tanto. Segundo estimativas, não passa de 1% da população. Mas há lugar para todos no espectro do narcisismo, de namorados tóxicos a líderes megalomaníacos. Nem algumas mães estão livres de apresentar sintomas do transtorno, como mania de grandeza, necessidade de atenção e falta de empatia. Quem garante é a psicóloga brasileira Michele Engelke. Ela é autora do livro digital Prisioneiras do espelho – Um guia de liberdade pessoal para filhas de mães narcisistas (2016) e editora do site Filhas de Mães Narcisistas.

“Se você acha que sua mãe é narcisista, a probabilidade de você estar certa é muito grande. Não há melhor especialista em narcisismo materno do que filhas de mães narcisistas”, explica no site. Para as filhas de mães narcisistas, há duas notícias: uma boa e outra ruim. A boa é que há tratamento para o TPN. A ruim é que, dificilmente, um narcisista procura atendimento. “Quando o convívio é prejudicial à saúde mental ou provoca impacto negativo na qualidade de vida, o contato zero torna-se uma opção”, pondera Engelke.

1. O que é narcisismo?

É um traço de personalidade que envolve a autoestima. Todos nós, em algum grau, somos narcisistas.

“O narcisismo nos ajuda a enfrentar desafios, confiar em nossas habilidades e buscar reconhecimento por nossas conquistas”, explica o psiquiatra Eduardo Martinho Júnior, coordenador do Ambulatório para o Desenvolvimento dos Relacionamentos e das Emoções do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

“Não há cura para o que não é doença”, ressalta o psicólogo Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “A personalidade narcisista, por si só, não gera transtornos para a vida do indivíduo”.

O narcisismo se torna problemático quando é extremo e inflexível. Ou, ainda, quando traz prejuízos e provoca danos na vida afetiva, familiar, social, acadêmica ou profissional do narcisista.

Quando isso acontece, o que era traço de personalidade vira transtorno psiquiátrico.

2. O que é Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN)?

É o tipo clínico ou psiquiátrico do narcisismo. Está previsto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde 1982.

“É uma condição de saúde mental caracterizada por dificuldade persistente tanto na regulação da autoestima quanto no relacionamento com os outros”, define Martinho Júnior.

“As pessoas com TPN podem experimentar flutuações significativas na autoestima: ora são extremamente superiores, ora são profundamente inseguras. Isso pode levar a comportamentos aparentemente arrogantes e insensíveis, mas que, na verdade, são tentativas de lidar com dor emocional e medo de rejeição”.

A personalidade narcisista é caracterizada por uma admiração excessiva por si mesmo, acrescenta o psiquiatra Cláudio Martins, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se preocupam apenas com os seus interesses e as suas necessidades”.

No ambiente de trabalho, pessoas com TPN têm dificuldade para trabalhar em equipe, obedecer ordens ou receber críticas. “Acham que suas ideias e opiniões são melhores que as dos outros”, ilustra Martins.

3. Qual é a prevalência do TPN?

É relativamente raro, avalia Keith Campbell. Afeta cerca de 1% da população. No Brasil, seria algo em torno de 2,1 milhões de pessoas com TPN.

É mais comum em homens do que em mulheres. E em jovens do que em adultos.

4. Quem foi Narciso?

Um personagem da mitologia grega. “Era um caçador belo e carismático que tinha a reputação de partir corações por rejeitar o amor dos outros”, descreve Davies.

Reza a lenda greco-romana que, como punição, a deusa Nêmesis lançou um feitiço sobre Narciso: se apaixonar pela primeira pessoa que visse.

Num dia quente, Narciso, exausto após a caçada, decide descansar à beira de um lago. É quando, ao beber um pouco de água, se vê refletido na superfície e cai de amores por si mesmo.

“Apaixonado pelo próprio reflexo, termina morrendo afogado”, conclui Campbell. “O amor por si mesmo acaba por matá-lo”.

O mito já inspirou, entre outras manifestações artísticas, poema do inglês John Keats, pintura do italiano Caravaggio e letra do compositor Caetano Veloso.

Narciso pintado por Caravaggio entre 1597 e 1599 Foto: Galleria Nazionale d'Arte Antica

5. Qual é a origem do TPN?

É multifatorial, ou seja, não há uma única causa. É uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais.

Entre os fatores ambientais, Martins destaca “experiências traumáticas na infância”.

Martinho Júnior acrescenta mais três exemplos: relações de apego na infância, estilo de criação e educação, e necessidade de autoestima elevada.

“Se a criança percebe que só é valorizada quando conquista algo e não pode demonstrar fraqueza, começa a acreditar que ter sucesso na vida é tudo o que importa”, observa o psiquiatra da USP.

6. Narcisista é tudo igual ou há diferentes tipos?

Há três tipos: o grandioso, o vulnerável e um misto dos dois.

O grandioso é o tipo clássico: ambicioso, extrovertido e carismático. Tem autoestima elevada, quer ser o centro das atenções e não demonstra empatia. Também é manipulador, direto e arrogante. “É o tipo que você mais verá na vida: vai trabalhar para ele, sair com ele e se divertir com ele”, avisa Campbell.

Tony Stark, de Homem de Ferro; Gilderoy Lockhart, de Harry Potter, e Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada, são exemplos de narcisistas da ficção.

O vulnerável é mais sutil: inseguro, introvertido e deprimido. Diz que tem baixa autoestima, mas pensa que merece tratamento especial. É carente, dissimulado e tímido. “Serão mais difíceis de aparecer. São narcisistas enrustidos”, brinca Campbell.

Um bom exemplo de narcisista vulnerável na ficção é George Costanza, da série Seinfeld, ou a maioria dos personagens de Woody Allen, como em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Enquanto os grandiosos são ofensivos, os vulneráveis são defensivos.

O terceiro tipo é uma combinação dos dois primeiros. É, por um lado, ambicioso e extrovertido e, por outro, defensivo e introvertido. Segundo Campbell, vive numa “zona intermediária”, sendo ao mesmo tempo grandioso e vulnerável.

7. Como se diagnostica o TPN?

São nove os critérios de diagnóstico:

  1. Grandiosidade – Superestima suas habilidades e exagera suas realizações.
  2. Fantasia – Vive uma vida ilusória de fama, status e poder. Não tem limites.
  3. Especial – Se acha superior, original ou especial. A última bolacha do pacote, diriam alguns.
  4. Admiração – Quer ser admirado por todos o tempo inteiro.
  5. Noção de ter direitos – Seus desejos têm que ser sempre atendidos.
  6. Exploração – Explora os outros para conseguir o que quer.
  7. Falta de empatia – Não consegue se colocar no lugar do outro.
  8. Inveja – Tem inveja dos outros. E acha que os outros têm inveja dele.
  9. Arrogância – É pretensioso até dizer chega.

Se o indivíduo apresenta cinco dos nove critérios acima, em contextos diferentes e a partir da idade adulta, é forte candidato a ter TPN.

8. Como identificar uma pessoa com TPN?

É um transtorno de difícil identificação. “Atribuem a si mesmos uma importância além do normal”, explica Campbell. Mas, não basta supervalorizar a si mesmo, é preciso desvalorizar os outros.

Davies compara o relacionamento amoroso com um narcisista a um passeio na montanha-russa. “É empolgante e divertido em alguns momentos, e terrível e assustador em outros”, descreve. “E se o passeio durar tempo demais, você acaba passando mal”.

Num primeiro momento, os parceiros narcisistas jogam charme, dão presentes, rasgam elogios. Fazem o que podem e o que não podem para conquistar suas vítimas. É o que Davies chama de “bombardeio de amor”. Passado algum tempo, o romantismo exacerbado cede espaço ao abuso emocional.

mães narcisistas são imaturas emocionalmente. “O tempo passou e elas não amadureceram”, descreve Michele Engelke. Entre outras características, têm mania de grandeza, não demonstram empatia, são o centro das atenções, não assumem seus erros e valorizam a aparência.

9. Quais são as frases que mais gostam de repetir?

Depende do tipo de narcisista.

No caso do grandioso, vai falar o que sua vítima quiser ouvir até ele próprio conseguir o que quer. Depois, sobe o tom. Contrariado, costuma soltar farpas como: “Por que está tão estressada?”, “Você anda muito sensível” ou “Não sabe com quem está se metendo”.

No caso do vulnerável, vai se fazer de vítima e dizer que a culpa não é dele. “Isso não é justo!”, “Por que está fazendo isso comigo?” e “Você me deve desculpas”, costumam dizer num arroubo de coitadismo.

No caso das mães narcisistas, alguns lugares-comuns são: “Você não é digna de ser amada!”, “Você não passa de uma incompetente!” ou “Você não é boa o suficiente!”.

10. Tem cura?

Não tem cura, mas tem tratamento.

Opções não faltam, garante Martinho Júnior: Terapia Cognitivo Comportamental, Terapia Comportamental Dialética, Terapia do Esquema, Psicoterapia Focada na Transferência e Terapia Baseada na Mentalização. “Elas ajudam os pacientes a entender seus pensamentos e comportamentos narcisistas e a modificá-los”, observa o psiquiatra.

“O difícil é convencer o narcisista de que ele precisa de tratamento”, pondera Campbell. “Em geral, ele pensa que a culpa é dos outros”.

Davies concorda. Tratamento há, mas é difícil. “O narcisista não demonstra remorso ou arrependimento. Na cabeça dele, não há por que ou do que se tratar”.

E tão comum quanto resistir ao tratamento é abandoná-lo antes do previsto, advertem os especialistas.

Tampouco há remédio para o TPN. Apenas em casos de comorbidade, como depressão e ansiedade, é prescrito medicamento.

“É importante tratar do assunto com empatia e compreensão”, afirma Martinho Júnior. “Só assim vamos reduzir o estigma e encorajar aqueles que sofrem a procurar tratamento”.

Se ganhasse um dólar toda vez que alguém lhe pedisse para descrever um narcisista, Sarah Davies já estaria rica. Por essa razão, a psicóloga britânica decidiu escrever Como se libertar de um narcisista: Aprenda a reconhecer um relacionamento tóxico, se livrar da manipulação e recuperar sua autoestima (Sextante).

No livro, para facilitar o entendimento, ela reconta a fábula do escorpião e do sapo. Para quem não conhece a história, o escorpião pede ao sapo que o ajude a atravessar um rio. O sapo hesita: tem medo porque sabe do que os escorpiões são capazes. O escorpião explica que não seria louco de atacá-lo. Se fizer isso, os dois morrerão afogados. Apesar de relutante, o sapo concorda. No meio da travessia, o que temia acontece. “Por que você me picou?”, perguntou um. “Sou um escorpião…”, respondeu o outro. “E escorpiões picam”.

“É da natureza de um escorpião picar. Todo mundo sabe disso. O sapo também sabia. Como ele poderia esperar algo diferente?”, indaga a psicóloga, que viveu uma situação de abuso narcisista.

O livro de Davies não é o único sobre o transtorno a chegar às livrarias brasileiras. O outro é A nova ciência do narcisismo – Compreenda um dos maiores desafios psicológicos da atualidade e descubra como superá-lo (Cultrix), de W. Keith Campbell.

O psicólogo americano estuda o assunto desde 1999, quando soube que os atiradores de Columbine, massacre em uma escola do Colorado que terminou com 15 mortos, queriam que fosse feito um filme a respeito deles. Não satisfeitos, ainda queriam que o tal filme fosse dirigido pelo cineasta Steven Spielberg.

Transtorno de personalidade narcisista atinge cerca de 1% da população, segundo especialistas Foto: Lina Solntseva/Adobe Stock

Narcisistas existem muitos. Pessoas com TPN, sigla para Transtorno de Personalidade Narcisista, nem tanto. Segundo estimativas, não passa de 1% da população. Mas há lugar para todos no espectro do narcisismo, de namorados tóxicos a líderes megalomaníacos. Nem algumas mães estão livres de apresentar sintomas do transtorno, como mania de grandeza, necessidade de atenção e falta de empatia. Quem garante é a psicóloga brasileira Michele Engelke. Ela é autora do livro digital Prisioneiras do espelho – Um guia de liberdade pessoal para filhas de mães narcisistas (2016) e editora do site Filhas de Mães Narcisistas.

“Se você acha que sua mãe é narcisista, a probabilidade de você estar certa é muito grande. Não há melhor especialista em narcisismo materno do que filhas de mães narcisistas”, explica no site. Para as filhas de mães narcisistas, há duas notícias: uma boa e outra ruim. A boa é que há tratamento para o TPN. A ruim é que, dificilmente, um narcisista procura atendimento. “Quando o convívio é prejudicial à saúde mental ou provoca impacto negativo na qualidade de vida, o contato zero torna-se uma opção”, pondera Engelke.

1. O que é narcisismo?

É um traço de personalidade que envolve a autoestima. Todos nós, em algum grau, somos narcisistas.

“O narcisismo nos ajuda a enfrentar desafios, confiar em nossas habilidades e buscar reconhecimento por nossas conquistas”, explica o psiquiatra Eduardo Martinho Júnior, coordenador do Ambulatório para o Desenvolvimento dos Relacionamentos e das Emoções do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

“Não há cura para o que não é doença”, ressalta o psicólogo Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “A personalidade narcisista, por si só, não gera transtornos para a vida do indivíduo”.

O narcisismo se torna problemático quando é extremo e inflexível. Ou, ainda, quando traz prejuízos e provoca danos na vida afetiva, familiar, social, acadêmica ou profissional do narcisista.

Quando isso acontece, o que era traço de personalidade vira transtorno psiquiátrico.

2. O que é Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN)?

É o tipo clínico ou psiquiátrico do narcisismo. Está previsto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde 1982.

“É uma condição de saúde mental caracterizada por dificuldade persistente tanto na regulação da autoestima quanto no relacionamento com os outros”, define Martinho Júnior.

“As pessoas com TPN podem experimentar flutuações significativas na autoestima: ora são extremamente superiores, ora são profundamente inseguras. Isso pode levar a comportamentos aparentemente arrogantes e insensíveis, mas que, na verdade, são tentativas de lidar com dor emocional e medo de rejeição”.

A personalidade narcisista é caracterizada por uma admiração excessiva por si mesmo, acrescenta o psiquiatra Cláudio Martins, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se preocupam apenas com os seus interesses e as suas necessidades”.

No ambiente de trabalho, pessoas com TPN têm dificuldade para trabalhar em equipe, obedecer ordens ou receber críticas. “Acham que suas ideias e opiniões são melhores que as dos outros”, ilustra Martins.

3. Qual é a prevalência do TPN?

É relativamente raro, avalia Keith Campbell. Afeta cerca de 1% da população. No Brasil, seria algo em torno de 2,1 milhões de pessoas com TPN.

É mais comum em homens do que em mulheres. E em jovens do que em adultos.

4. Quem foi Narciso?

Um personagem da mitologia grega. “Era um caçador belo e carismático que tinha a reputação de partir corações por rejeitar o amor dos outros”, descreve Davies.

Reza a lenda greco-romana que, como punição, a deusa Nêmesis lançou um feitiço sobre Narciso: se apaixonar pela primeira pessoa que visse.

Num dia quente, Narciso, exausto após a caçada, decide descansar à beira de um lago. É quando, ao beber um pouco de água, se vê refletido na superfície e cai de amores por si mesmo.

“Apaixonado pelo próprio reflexo, termina morrendo afogado”, conclui Campbell. “O amor por si mesmo acaba por matá-lo”.

O mito já inspirou, entre outras manifestações artísticas, poema do inglês John Keats, pintura do italiano Caravaggio e letra do compositor Caetano Veloso.

Narciso pintado por Caravaggio entre 1597 e 1599 Foto: Galleria Nazionale d'Arte Antica

5. Qual é a origem do TPN?

É multifatorial, ou seja, não há uma única causa. É uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais.

Entre os fatores ambientais, Martins destaca “experiências traumáticas na infância”.

Martinho Júnior acrescenta mais três exemplos: relações de apego na infância, estilo de criação e educação, e necessidade de autoestima elevada.

“Se a criança percebe que só é valorizada quando conquista algo e não pode demonstrar fraqueza, começa a acreditar que ter sucesso na vida é tudo o que importa”, observa o psiquiatra da USP.

6. Narcisista é tudo igual ou há diferentes tipos?

Há três tipos: o grandioso, o vulnerável e um misto dos dois.

O grandioso é o tipo clássico: ambicioso, extrovertido e carismático. Tem autoestima elevada, quer ser o centro das atenções e não demonstra empatia. Também é manipulador, direto e arrogante. “É o tipo que você mais verá na vida: vai trabalhar para ele, sair com ele e se divertir com ele”, avisa Campbell.

Tony Stark, de Homem de Ferro; Gilderoy Lockhart, de Harry Potter, e Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada, são exemplos de narcisistas da ficção.

O vulnerável é mais sutil: inseguro, introvertido e deprimido. Diz que tem baixa autoestima, mas pensa que merece tratamento especial. É carente, dissimulado e tímido. “Serão mais difíceis de aparecer. São narcisistas enrustidos”, brinca Campbell.

Um bom exemplo de narcisista vulnerável na ficção é George Costanza, da série Seinfeld, ou a maioria dos personagens de Woody Allen, como em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Enquanto os grandiosos são ofensivos, os vulneráveis são defensivos.

O terceiro tipo é uma combinação dos dois primeiros. É, por um lado, ambicioso e extrovertido e, por outro, defensivo e introvertido. Segundo Campbell, vive numa “zona intermediária”, sendo ao mesmo tempo grandioso e vulnerável.

7. Como se diagnostica o TPN?

São nove os critérios de diagnóstico:

  1. Grandiosidade – Superestima suas habilidades e exagera suas realizações.
  2. Fantasia – Vive uma vida ilusória de fama, status e poder. Não tem limites.
  3. Especial – Se acha superior, original ou especial. A última bolacha do pacote, diriam alguns.
  4. Admiração – Quer ser admirado por todos o tempo inteiro.
  5. Noção de ter direitos – Seus desejos têm que ser sempre atendidos.
  6. Exploração – Explora os outros para conseguir o que quer.
  7. Falta de empatia – Não consegue se colocar no lugar do outro.
  8. Inveja – Tem inveja dos outros. E acha que os outros têm inveja dele.
  9. Arrogância – É pretensioso até dizer chega.

Se o indivíduo apresenta cinco dos nove critérios acima, em contextos diferentes e a partir da idade adulta, é forte candidato a ter TPN.

8. Como identificar uma pessoa com TPN?

É um transtorno de difícil identificação. “Atribuem a si mesmos uma importância além do normal”, explica Campbell. Mas, não basta supervalorizar a si mesmo, é preciso desvalorizar os outros.

Davies compara o relacionamento amoroso com um narcisista a um passeio na montanha-russa. “É empolgante e divertido em alguns momentos, e terrível e assustador em outros”, descreve. “E se o passeio durar tempo demais, você acaba passando mal”.

Num primeiro momento, os parceiros narcisistas jogam charme, dão presentes, rasgam elogios. Fazem o que podem e o que não podem para conquistar suas vítimas. É o que Davies chama de “bombardeio de amor”. Passado algum tempo, o romantismo exacerbado cede espaço ao abuso emocional.

mães narcisistas são imaturas emocionalmente. “O tempo passou e elas não amadureceram”, descreve Michele Engelke. Entre outras características, têm mania de grandeza, não demonstram empatia, são o centro das atenções, não assumem seus erros e valorizam a aparência.

9. Quais são as frases que mais gostam de repetir?

Depende do tipo de narcisista.

No caso do grandioso, vai falar o que sua vítima quiser ouvir até ele próprio conseguir o que quer. Depois, sobe o tom. Contrariado, costuma soltar farpas como: “Por que está tão estressada?”, “Você anda muito sensível” ou “Não sabe com quem está se metendo”.

No caso do vulnerável, vai se fazer de vítima e dizer que a culpa não é dele. “Isso não é justo!”, “Por que está fazendo isso comigo?” e “Você me deve desculpas”, costumam dizer num arroubo de coitadismo.

No caso das mães narcisistas, alguns lugares-comuns são: “Você não é digna de ser amada!”, “Você não passa de uma incompetente!” ou “Você não é boa o suficiente!”.

10. Tem cura?

Não tem cura, mas tem tratamento.

Opções não faltam, garante Martinho Júnior: Terapia Cognitivo Comportamental, Terapia Comportamental Dialética, Terapia do Esquema, Psicoterapia Focada na Transferência e Terapia Baseada na Mentalização. “Elas ajudam os pacientes a entender seus pensamentos e comportamentos narcisistas e a modificá-los”, observa o psiquiatra.

“O difícil é convencer o narcisista de que ele precisa de tratamento”, pondera Campbell. “Em geral, ele pensa que a culpa é dos outros”.

Davies concorda. Tratamento há, mas é difícil. “O narcisista não demonstra remorso ou arrependimento. Na cabeça dele, não há por que ou do que se tratar”.

E tão comum quanto resistir ao tratamento é abandoná-lo antes do previsto, advertem os especialistas.

Tampouco há remédio para o TPN. Apenas em casos de comorbidade, como depressão e ansiedade, é prescrito medicamento.

“É importante tratar do assunto com empatia e compreensão”, afirma Martinho Júnior. “Só assim vamos reduzir o estigma e encorajar aqueles que sofrem a procurar tratamento”.

Se ganhasse um dólar toda vez que alguém lhe pedisse para descrever um narcisista, Sarah Davies já estaria rica. Por essa razão, a psicóloga britânica decidiu escrever Como se libertar de um narcisista: Aprenda a reconhecer um relacionamento tóxico, se livrar da manipulação e recuperar sua autoestima (Sextante).

No livro, para facilitar o entendimento, ela reconta a fábula do escorpião e do sapo. Para quem não conhece a história, o escorpião pede ao sapo que o ajude a atravessar um rio. O sapo hesita: tem medo porque sabe do que os escorpiões são capazes. O escorpião explica que não seria louco de atacá-lo. Se fizer isso, os dois morrerão afogados. Apesar de relutante, o sapo concorda. No meio da travessia, o que temia acontece. “Por que você me picou?”, perguntou um. “Sou um escorpião…”, respondeu o outro. “E escorpiões picam”.

“É da natureza de um escorpião picar. Todo mundo sabe disso. O sapo também sabia. Como ele poderia esperar algo diferente?”, indaga a psicóloga, que viveu uma situação de abuso narcisista.

O livro de Davies não é o único sobre o transtorno a chegar às livrarias brasileiras. O outro é A nova ciência do narcisismo – Compreenda um dos maiores desafios psicológicos da atualidade e descubra como superá-lo (Cultrix), de W. Keith Campbell.

O psicólogo americano estuda o assunto desde 1999, quando soube que os atiradores de Columbine, massacre em uma escola do Colorado que terminou com 15 mortos, queriam que fosse feito um filme a respeito deles. Não satisfeitos, ainda queriam que o tal filme fosse dirigido pelo cineasta Steven Spielberg.

Transtorno de personalidade narcisista atinge cerca de 1% da população, segundo especialistas Foto: Lina Solntseva/Adobe Stock

Narcisistas existem muitos. Pessoas com TPN, sigla para Transtorno de Personalidade Narcisista, nem tanto. Segundo estimativas, não passa de 1% da população. Mas há lugar para todos no espectro do narcisismo, de namorados tóxicos a líderes megalomaníacos. Nem algumas mães estão livres de apresentar sintomas do transtorno, como mania de grandeza, necessidade de atenção e falta de empatia. Quem garante é a psicóloga brasileira Michele Engelke. Ela é autora do livro digital Prisioneiras do espelho – Um guia de liberdade pessoal para filhas de mães narcisistas (2016) e editora do site Filhas de Mães Narcisistas.

“Se você acha que sua mãe é narcisista, a probabilidade de você estar certa é muito grande. Não há melhor especialista em narcisismo materno do que filhas de mães narcisistas”, explica no site. Para as filhas de mães narcisistas, há duas notícias: uma boa e outra ruim. A boa é que há tratamento para o TPN. A ruim é que, dificilmente, um narcisista procura atendimento. “Quando o convívio é prejudicial à saúde mental ou provoca impacto negativo na qualidade de vida, o contato zero torna-se uma opção”, pondera Engelke.

1. O que é narcisismo?

É um traço de personalidade que envolve a autoestima. Todos nós, em algum grau, somos narcisistas.

“O narcisismo nos ajuda a enfrentar desafios, confiar em nossas habilidades e buscar reconhecimento por nossas conquistas”, explica o psiquiatra Eduardo Martinho Júnior, coordenador do Ambulatório para o Desenvolvimento dos Relacionamentos e das Emoções do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

“Não há cura para o que não é doença”, ressalta o psicólogo Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “A personalidade narcisista, por si só, não gera transtornos para a vida do indivíduo”.

O narcisismo se torna problemático quando é extremo e inflexível. Ou, ainda, quando traz prejuízos e provoca danos na vida afetiva, familiar, social, acadêmica ou profissional do narcisista.

Quando isso acontece, o que era traço de personalidade vira transtorno psiquiátrico.

2. O que é Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN)?

É o tipo clínico ou psiquiátrico do narcisismo. Está previsto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde 1982.

“É uma condição de saúde mental caracterizada por dificuldade persistente tanto na regulação da autoestima quanto no relacionamento com os outros”, define Martinho Júnior.

“As pessoas com TPN podem experimentar flutuações significativas na autoestima: ora são extremamente superiores, ora são profundamente inseguras. Isso pode levar a comportamentos aparentemente arrogantes e insensíveis, mas que, na verdade, são tentativas de lidar com dor emocional e medo de rejeição”.

A personalidade narcisista é caracterizada por uma admiração excessiva por si mesmo, acrescenta o psiquiatra Cláudio Martins, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se preocupam apenas com os seus interesses e as suas necessidades”.

No ambiente de trabalho, pessoas com TPN têm dificuldade para trabalhar em equipe, obedecer ordens ou receber críticas. “Acham que suas ideias e opiniões são melhores que as dos outros”, ilustra Martins.

3. Qual é a prevalência do TPN?

É relativamente raro, avalia Keith Campbell. Afeta cerca de 1% da população. No Brasil, seria algo em torno de 2,1 milhões de pessoas com TPN.

É mais comum em homens do que em mulheres. E em jovens do que em adultos.

4. Quem foi Narciso?

Um personagem da mitologia grega. “Era um caçador belo e carismático que tinha a reputação de partir corações por rejeitar o amor dos outros”, descreve Davies.

Reza a lenda greco-romana que, como punição, a deusa Nêmesis lançou um feitiço sobre Narciso: se apaixonar pela primeira pessoa que visse.

Num dia quente, Narciso, exausto após a caçada, decide descansar à beira de um lago. É quando, ao beber um pouco de água, se vê refletido na superfície e cai de amores por si mesmo.

“Apaixonado pelo próprio reflexo, termina morrendo afogado”, conclui Campbell. “O amor por si mesmo acaba por matá-lo”.

O mito já inspirou, entre outras manifestações artísticas, poema do inglês John Keats, pintura do italiano Caravaggio e letra do compositor Caetano Veloso.

Narciso pintado por Caravaggio entre 1597 e 1599 Foto: Galleria Nazionale d'Arte Antica

5. Qual é a origem do TPN?

É multifatorial, ou seja, não há uma única causa. É uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais.

Entre os fatores ambientais, Martins destaca “experiências traumáticas na infância”.

Martinho Júnior acrescenta mais três exemplos: relações de apego na infância, estilo de criação e educação, e necessidade de autoestima elevada.

“Se a criança percebe que só é valorizada quando conquista algo e não pode demonstrar fraqueza, começa a acreditar que ter sucesso na vida é tudo o que importa”, observa o psiquiatra da USP.

6. Narcisista é tudo igual ou há diferentes tipos?

Há três tipos: o grandioso, o vulnerável e um misto dos dois.

O grandioso é o tipo clássico: ambicioso, extrovertido e carismático. Tem autoestima elevada, quer ser o centro das atenções e não demonstra empatia. Também é manipulador, direto e arrogante. “É o tipo que você mais verá na vida: vai trabalhar para ele, sair com ele e se divertir com ele”, avisa Campbell.

Tony Stark, de Homem de Ferro; Gilderoy Lockhart, de Harry Potter, e Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada, são exemplos de narcisistas da ficção.

O vulnerável é mais sutil: inseguro, introvertido e deprimido. Diz que tem baixa autoestima, mas pensa que merece tratamento especial. É carente, dissimulado e tímido. “Serão mais difíceis de aparecer. São narcisistas enrustidos”, brinca Campbell.

Um bom exemplo de narcisista vulnerável na ficção é George Costanza, da série Seinfeld, ou a maioria dos personagens de Woody Allen, como em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Enquanto os grandiosos são ofensivos, os vulneráveis são defensivos.

O terceiro tipo é uma combinação dos dois primeiros. É, por um lado, ambicioso e extrovertido e, por outro, defensivo e introvertido. Segundo Campbell, vive numa “zona intermediária”, sendo ao mesmo tempo grandioso e vulnerável.

7. Como se diagnostica o TPN?

São nove os critérios de diagnóstico:

  1. Grandiosidade – Superestima suas habilidades e exagera suas realizações.
  2. Fantasia – Vive uma vida ilusória de fama, status e poder. Não tem limites.
  3. Especial – Se acha superior, original ou especial. A última bolacha do pacote, diriam alguns.
  4. Admiração – Quer ser admirado por todos o tempo inteiro.
  5. Noção de ter direitos – Seus desejos têm que ser sempre atendidos.
  6. Exploração – Explora os outros para conseguir o que quer.
  7. Falta de empatia – Não consegue se colocar no lugar do outro.
  8. Inveja – Tem inveja dos outros. E acha que os outros têm inveja dele.
  9. Arrogância – É pretensioso até dizer chega.

Se o indivíduo apresenta cinco dos nove critérios acima, em contextos diferentes e a partir da idade adulta, é forte candidato a ter TPN.

8. Como identificar uma pessoa com TPN?

É um transtorno de difícil identificação. “Atribuem a si mesmos uma importância além do normal”, explica Campbell. Mas, não basta supervalorizar a si mesmo, é preciso desvalorizar os outros.

Davies compara o relacionamento amoroso com um narcisista a um passeio na montanha-russa. “É empolgante e divertido em alguns momentos, e terrível e assustador em outros”, descreve. “E se o passeio durar tempo demais, você acaba passando mal”.

Num primeiro momento, os parceiros narcisistas jogam charme, dão presentes, rasgam elogios. Fazem o que podem e o que não podem para conquistar suas vítimas. É o que Davies chama de “bombardeio de amor”. Passado algum tempo, o romantismo exacerbado cede espaço ao abuso emocional.

mães narcisistas são imaturas emocionalmente. “O tempo passou e elas não amadureceram”, descreve Michele Engelke. Entre outras características, têm mania de grandeza, não demonstram empatia, são o centro das atenções, não assumem seus erros e valorizam a aparência.

9. Quais são as frases que mais gostam de repetir?

Depende do tipo de narcisista.

No caso do grandioso, vai falar o que sua vítima quiser ouvir até ele próprio conseguir o que quer. Depois, sobe o tom. Contrariado, costuma soltar farpas como: “Por que está tão estressada?”, “Você anda muito sensível” ou “Não sabe com quem está se metendo”.

No caso do vulnerável, vai se fazer de vítima e dizer que a culpa não é dele. “Isso não é justo!”, “Por que está fazendo isso comigo?” e “Você me deve desculpas”, costumam dizer num arroubo de coitadismo.

No caso das mães narcisistas, alguns lugares-comuns são: “Você não é digna de ser amada!”, “Você não passa de uma incompetente!” ou “Você não é boa o suficiente!”.

10. Tem cura?

Não tem cura, mas tem tratamento.

Opções não faltam, garante Martinho Júnior: Terapia Cognitivo Comportamental, Terapia Comportamental Dialética, Terapia do Esquema, Psicoterapia Focada na Transferência e Terapia Baseada na Mentalização. “Elas ajudam os pacientes a entender seus pensamentos e comportamentos narcisistas e a modificá-los”, observa o psiquiatra.

“O difícil é convencer o narcisista de que ele precisa de tratamento”, pondera Campbell. “Em geral, ele pensa que a culpa é dos outros”.

Davies concorda. Tratamento há, mas é difícil. “O narcisista não demonstra remorso ou arrependimento. Na cabeça dele, não há por que ou do que se tratar”.

E tão comum quanto resistir ao tratamento é abandoná-lo antes do previsto, advertem os especialistas.

Tampouco há remédio para o TPN. Apenas em casos de comorbidade, como depressão e ansiedade, é prescrito medicamento.

“É importante tratar do assunto com empatia e compreensão”, afirma Martinho Júnior. “Só assim vamos reduzir o estigma e encorajar aqueles que sofrem a procurar tratamento”.

Se ganhasse um dólar toda vez que alguém lhe pedisse para descrever um narcisista, Sarah Davies já estaria rica. Por essa razão, a psicóloga britânica decidiu escrever Como se libertar de um narcisista: Aprenda a reconhecer um relacionamento tóxico, se livrar da manipulação e recuperar sua autoestima (Sextante).

No livro, para facilitar o entendimento, ela reconta a fábula do escorpião e do sapo. Para quem não conhece a história, o escorpião pede ao sapo que o ajude a atravessar um rio. O sapo hesita: tem medo porque sabe do que os escorpiões são capazes. O escorpião explica que não seria louco de atacá-lo. Se fizer isso, os dois morrerão afogados. Apesar de relutante, o sapo concorda. No meio da travessia, o que temia acontece. “Por que você me picou?”, perguntou um. “Sou um escorpião…”, respondeu o outro. “E escorpiões picam”.

“É da natureza de um escorpião picar. Todo mundo sabe disso. O sapo também sabia. Como ele poderia esperar algo diferente?”, indaga a psicóloga, que viveu uma situação de abuso narcisista.

O livro de Davies não é o único sobre o transtorno a chegar às livrarias brasileiras. O outro é A nova ciência do narcisismo – Compreenda um dos maiores desafios psicológicos da atualidade e descubra como superá-lo (Cultrix), de W. Keith Campbell.

O psicólogo americano estuda o assunto desde 1999, quando soube que os atiradores de Columbine, massacre em uma escola do Colorado que terminou com 15 mortos, queriam que fosse feito um filme a respeito deles. Não satisfeitos, ainda queriam que o tal filme fosse dirigido pelo cineasta Steven Spielberg.

Transtorno de personalidade narcisista atinge cerca de 1% da população, segundo especialistas Foto: Lina Solntseva/Adobe Stock

Narcisistas existem muitos. Pessoas com TPN, sigla para Transtorno de Personalidade Narcisista, nem tanto. Segundo estimativas, não passa de 1% da população. Mas há lugar para todos no espectro do narcisismo, de namorados tóxicos a líderes megalomaníacos. Nem algumas mães estão livres de apresentar sintomas do transtorno, como mania de grandeza, necessidade de atenção e falta de empatia. Quem garante é a psicóloga brasileira Michele Engelke. Ela é autora do livro digital Prisioneiras do espelho – Um guia de liberdade pessoal para filhas de mães narcisistas (2016) e editora do site Filhas de Mães Narcisistas.

“Se você acha que sua mãe é narcisista, a probabilidade de você estar certa é muito grande. Não há melhor especialista em narcisismo materno do que filhas de mães narcisistas”, explica no site. Para as filhas de mães narcisistas, há duas notícias: uma boa e outra ruim. A boa é que há tratamento para o TPN. A ruim é que, dificilmente, um narcisista procura atendimento. “Quando o convívio é prejudicial à saúde mental ou provoca impacto negativo na qualidade de vida, o contato zero torna-se uma opção”, pondera Engelke.

1. O que é narcisismo?

É um traço de personalidade que envolve a autoestima. Todos nós, em algum grau, somos narcisistas.

“O narcisismo nos ajuda a enfrentar desafios, confiar em nossas habilidades e buscar reconhecimento por nossas conquistas”, explica o psiquiatra Eduardo Martinho Júnior, coordenador do Ambulatório para o Desenvolvimento dos Relacionamentos e das Emoções do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

“Não há cura para o que não é doença”, ressalta o psicólogo Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “A personalidade narcisista, por si só, não gera transtornos para a vida do indivíduo”.

O narcisismo se torna problemático quando é extremo e inflexível. Ou, ainda, quando traz prejuízos e provoca danos na vida afetiva, familiar, social, acadêmica ou profissional do narcisista.

Quando isso acontece, o que era traço de personalidade vira transtorno psiquiátrico.

2. O que é Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN)?

É o tipo clínico ou psiquiátrico do narcisismo. Está previsto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde 1982.

“É uma condição de saúde mental caracterizada por dificuldade persistente tanto na regulação da autoestima quanto no relacionamento com os outros”, define Martinho Júnior.

“As pessoas com TPN podem experimentar flutuações significativas na autoestima: ora são extremamente superiores, ora são profundamente inseguras. Isso pode levar a comportamentos aparentemente arrogantes e insensíveis, mas que, na verdade, são tentativas de lidar com dor emocional e medo de rejeição”.

A personalidade narcisista é caracterizada por uma admiração excessiva por si mesmo, acrescenta o psiquiatra Cláudio Martins, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se preocupam apenas com os seus interesses e as suas necessidades”.

No ambiente de trabalho, pessoas com TPN têm dificuldade para trabalhar em equipe, obedecer ordens ou receber críticas. “Acham que suas ideias e opiniões são melhores que as dos outros”, ilustra Martins.

3. Qual é a prevalência do TPN?

É relativamente raro, avalia Keith Campbell. Afeta cerca de 1% da população. No Brasil, seria algo em torno de 2,1 milhões de pessoas com TPN.

É mais comum em homens do que em mulheres. E em jovens do que em adultos.

4. Quem foi Narciso?

Um personagem da mitologia grega. “Era um caçador belo e carismático que tinha a reputação de partir corações por rejeitar o amor dos outros”, descreve Davies.

Reza a lenda greco-romana que, como punição, a deusa Nêmesis lançou um feitiço sobre Narciso: se apaixonar pela primeira pessoa que visse.

Num dia quente, Narciso, exausto após a caçada, decide descansar à beira de um lago. É quando, ao beber um pouco de água, se vê refletido na superfície e cai de amores por si mesmo.

“Apaixonado pelo próprio reflexo, termina morrendo afogado”, conclui Campbell. “O amor por si mesmo acaba por matá-lo”.

O mito já inspirou, entre outras manifestações artísticas, poema do inglês John Keats, pintura do italiano Caravaggio e letra do compositor Caetano Veloso.

Narciso pintado por Caravaggio entre 1597 e 1599 Foto: Galleria Nazionale d'Arte Antica

5. Qual é a origem do TPN?

É multifatorial, ou seja, não há uma única causa. É uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais.

Entre os fatores ambientais, Martins destaca “experiências traumáticas na infância”.

Martinho Júnior acrescenta mais três exemplos: relações de apego na infância, estilo de criação e educação, e necessidade de autoestima elevada.

“Se a criança percebe que só é valorizada quando conquista algo e não pode demonstrar fraqueza, começa a acreditar que ter sucesso na vida é tudo o que importa”, observa o psiquiatra da USP.

6. Narcisista é tudo igual ou há diferentes tipos?

Há três tipos: o grandioso, o vulnerável e um misto dos dois.

O grandioso é o tipo clássico: ambicioso, extrovertido e carismático. Tem autoestima elevada, quer ser o centro das atenções e não demonstra empatia. Também é manipulador, direto e arrogante. “É o tipo que você mais verá na vida: vai trabalhar para ele, sair com ele e se divertir com ele”, avisa Campbell.

Tony Stark, de Homem de Ferro; Gilderoy Lockhart, de Harry Potter, e Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada, são exemplos de narcisistas da ficção.

O vulnerável é mais sutil: inseguro, introvertido e deprimido. Diz que tem baixa autoestima, mas pensa que merece tratamento especial. É carente, dissimulado e tímido. “Serão mais difíceis de aparecer. São narcisistas enrustidos”, brinca Campbell.

Um bom exemplo de narcisista vulnerável na ficção é George Costanza, da série Seinfeld, ou a maioria dos personagens de Woody Allen, como em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Enquanto os grandiosos são ofensivos, os vulneráveis são defensivos.

O terceiro tipo é uma combinação dos dois primeiros. É, por um lado, ambicioso e extrovertido e, por outro, defensivo e introvertido. Segundo Campbell, vive numa “zona intermediária”, sendo ao mesmo tempo grandioso e vulnerável.

7. Como se diagnostica o TPN?

São nove os critérios de diagnóstico:

  1. Grandiosidade – Superestima suas habilidades e exagera suas realizações.
  2. Fantasia – Vive uma vida ilusória de fama, status e poder. Não tem limites.
  3. Especial – Se acha superior, original ou especial. A última bolacha do pacote, diriam alguns.
  4. Admiração – Quer ser admirado por todos o tempo inteiro.
  5. Noção de ter direitos – Seus desejos têm que ser sempre atendidos.
  6. Exploração – Explora os outros para conseguir o que quer.
  7. Falta de empatia – Não consegue se colocar no lugar do outro.
  8. Inveja – Tem inveja dos outros. E acha que os outros têm inveja dele.
  9. Arrogância – É pretensioso até dizer chega.

Se o indivíduo apresenta cinco dos nove critérios acima, em contextos diferentes e a partir da idade adulta, é forte candidato a ter TPN.

8. Como identificar uma pessoa com TPN?

É um transtorno de difícil identificação. “Atribuem a si mesmos uma importância além do normal”, explica Campbell. Mas, não basta supervalorizar a si mesmo, é preciso desvalorizar os outros.

Davies compara o relacionamento amoroso com um narcisista a um passeio na montanha-russa. “É empolgante e divertido em alguns momentos, e terrível e assustador em outros”, descreve. “E se o passeio durar tempo demais, você acaba passando mal”.

Num primeiro momento, os parceiros narcisistas jogam charme, dão presentes, rasgam elogios. Fazem o que podem e o que não podem para conquistar suas vítimas. É o que Davies chama de “bombardeio de amor”. Passado algum tempo, o romantismo exacerbado cede espaço ao abuso emocional.

mães narcisistas são imaturas emocionalmente. “O tempo passou e elas não amadureceram”, descreve Michele Engelke. Entre outras características, têm mania de grandeza, não demonstram empatia, são o centro das atenções, não assumem seus erros e valorizam a aparência.

9. Quais são as frases que mais gostam de repetir?

Depende do tipo de narcisista.

No caso do grandioso, vai falar o que sua vítima quiser ouvir até ele próprio conseguir o que quer. Depois, sobe o tom. Contrariado, costuma soltar farpas como: “Por que está tão estressada?”, “Você anda muito sensível” ou “Não sabe com quem está se metendo”.

No caso do vulnerável, vai se fazer de vítima e dizer que a culpa não é dele. “Isso não é justo!”, “Por que está fazendo isso comigo?” e “Você me deve desculpas”, costumam dizer num arroubo de coitadismo.

No caso das mães narcisistas, alguns lugares-comuns são: “Você não é digna de ser amada!”, “Você não passa de uma incompetente!” ou “Você não é boa o suficiente!”.

10. Tem cura?

Não tem cura, mas tem tratamento.

Opções não faltam, garante Martinho Júnior: Terapia Cognitivo Comportamental, Terapia Comportamental Dialética, Terapia do Esquema, Psicoterapia Focada na Transferência e Terapia Baseada na Mentalização. “Elas ajudam os pacientes a entender seus pensamentos e comportamentos narcisistas e a modificá-los”, observa o psiquiatra.

“O difícil é convencer o narcisista de que ele precisa de tratamento”, pondera Campbell. “Em geral, ele pensa que a culpa é dos outros”.

Davies concorda. Tratamento há, mas é difícil. “O narcisista não demonstra remorso ou arrependimento. Na cabeça dele, não há por que ou do que se tratar”.

E tão comum quanto resistir ao tratamento é abandoná-lo antes do previsto, advertem os especialistas.

Tampouco há remédio para o TPN. Apenas em casos de comorbidade, como depressão e ansiedade, é prescrito medicamento.

“É importante tratar do assunto com empatia e compreensão”, afirma Martinho Júnior. “Só assim vamos reduzir o estigma e encorajar aqueles que sofrem a procurar tratamento”.

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