Os 58 passageiros e quatro tripulantes que estavam no avião que caiu na última sexta-feira, 9, em Vinhedo (SP), morreram por politraumatismo, condição caracterizada por múltiplas lesões no corpo causadas por agentes externos. A informação foi confirmada na segunda-feira, 12, pelo Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo, responsável pela identificação das vítimas.
“A aeronave, ela despencou, caiu de ‘barriga’ no chão e provocou um politraumatismo generalizado. Ela explodiu, pegou fogo. Grande parte da região traseira do avião — da cauda para trás — sendo que todos (os passageiros) tiveram politraumatismo e morreram de imediato. Uma morte instantânea”, afirmou Vladmir Alves dos Reis, diretor do IML.
No politraumatismo, o corpo sofre ferimentos que afetam mais de um órgão ou sistema. Os traumas podem ter origem no impacto de algum objeto, meio de transporte ou queda, mas também podem ser provocados por uma queimadura, por exemplo.
Como atingem várias partes do corpo, os politraumas têm potencial de causar danos a múltiplos órgãos. No entanto, a gravidade depende de variáveis como o mecanismo de trauma, a quantidade de energia envolvida e o grau de proteção da pessoa afetada. Um exemplo: um acidente de moto a 110 km/h pode causar mais danos do que a 60 km/h. Além disso, acidentes podem acontecer a uma mesma velocidade, mas, se a pessoa usar um capacete, estará mais protegida dos danos do que aquela sem o equipamento.
“Falamos de um pico trimodal de mortalidade. Dividimos os pacientes politraumatizados entre os que vão a óbito imediatamente na ação do trauma, os que têm o risco de mortalidade aumentado nas primeiras horas do atendimento, e temos um outro pico modal de mortalidade aumentada por alguns dias, semanas ou, às vezes, até meses depois, que é justamente quando o paciente tem alguma complicação”, afirma Marcelo Cerdan Torres, cirurgião-geral no Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
A queda do avião
O avião da Voepass caiu de uma altitude de 4 mil metros em apenas um minuto. “A aeronave atinge o solo com uma força milhares de vezes maior que a gravidade, causando uma desaceleração abrupta e transferindo uma enorme quantidade de energia para o corpo dos ocupantes”, explica o cirurgião Milton Steinman, especialista no atendimento a vítimas de situações extremas no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Essa parada brusca é a principal causa de lesões em acidentes aéreos. Ela pode causar fraturas múltiplas e graves, incluindo na coluna, nos membros, no crânio e nas costelas, além de esmagamento de tecidos e danos internos significativos aos órgãos vitais, como coração, fígado, pulmões e baço. Vasos sanguíneos importantes, como a aorta, podem se romper. Lesões cerebrais graves também podem ocorrer, incluindo hemorragias intracranianas, devido ao impacto direto e à intensa desaceleração.
“A capacidade do corpo de suportar essas forças é limitada, resultando na imensa maioria das vezes em lesões fatais devido à magnitude do impacto”, diz Steinman.
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Embora a estrutura do avião absorva parte desse impacto, cintos de segurança desatados e o colapso da estrutura da aeronave podem tornar as lesões mais graves. “Fatores como idade e condição física também influenciam na tolerância (aos ferimentos)”, acrescenta.
No entanto, antes do impacto com o solo, os passageiros provavelmente já perderam a consciência. Frente à desaceleração da aeronave, há uma queda da pressão no ambiente, o que diminui a oxigenação e o fluxo sanguíneo no cérebro. Steinman explica ainda que a direção das forças durante uma queda vertical também pode contribuir para um desmaio.
Politraumatismo: causas e prevenção
Embora existam casos fatais de politraumatismo, há aqueles em que a pessoa consegue se recuperar. Foi o que aconteceu com o ator Kayky Brito, quando foi atropelado por um carro na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, há cerca de um ano. Mesmo grave, o acidente não provocou a morte imediata e, com atendimento médico, os danos ao organismo foram tratados com sucesso.
Além dos acidentes envolvendo meios de transporte, como bicicleta, carro, moto e avião e jet ski, o politrauma também pode acontecer em situações cotidianas. É o caso de idosos que podem cair na rua ou em casa, lesionando não apenas os ossos como órgãos internos. O mesmo vale para trabalhadores da área de construção civil, que trabalham em andaimes e lidam com materiais pesados.
Torres ressalta que agressões físicas também podem gerar um quadro de politraumatismo, assim como esportes radicais. “São energias externas que, de certa forma, agridem o nosso organismo”, sintetiza.
Geralmente, hospitais no centro de uma cidade tendem a atender mais ocorrências de queda e atropelamentos. Enquanto isso, os centros de trauma localizados mais à periferia atendem agressões interpessoais. Já aqueles próximos às rodovias recebem mais casos de acidentes automobilísticos. Nestes, diz Torres, as vítimas mais frequentes são homens jovens, que se colocam em maior risco e com menor proteção.
“Assim como outras doenças, ele (o politraumatismo) é prevenível”, ressalta Torres. Para isso, defende o médico, é preciso diminuir a incidência de acidentes, promovendo o uso de equipamento de proteção, melhorando a segurança dos meios de transporte e criando leis, como aquelas que limitam a velocidade permitida em uma via.