O que os nossos sonhos têm a ver com a nossa saúde? Muita coisa, dizem os especialistas; veja vídeo


Segundo neurocientista americano, sonhar ajuda a superar traumas, aliviar tensões e prever doenças; especialistas sugerem o hábito de ter um ‘diário dos sonhos’

Por André Bernardo

Paul McCartney passava uns dias na casa da noiva em Londres quando, numa manhã de 1963, acordou com uma melodia na cabeça. Correu até o piano e dedilhou os acordes. Para fixá-la na memória, improvisou até um título com os ingredientes do café da manhã: Scrambled Eggs (“Ovos mexidos”). Um ano depois, durante um passeio de carro por Portugal, aquela música ganhou uma letra definitiva sobre amor perdido. No começo dos anos 1980, Stephen King estava a caminho da Inglaterra para uma noite de autógrafos quando, lá pelas tantas, caiu no sono. Imaginou que era mantido como refém em uma fazenda no fim do mundo. Ao acordar, se ajeitou na poltrona, pegou um guardanapo e rascunhou a sinopse de uma história sobre um escritor famoso e sua fã número um.

Sonhos servem para muitas coisas, explica o neurocientista americano Rahul Jandial. Dar insights criativos para compor letras de música, como Yesterday, gravada pelos Beatles no álbum Help (1965), ou escrever livros de suspense, como Louca Obsessão (1987), adaptado pelo diretor Rob Reiner para o cinema em 1990, é apenas uma delas. “Até pouco tempo atrás, eu achava que interpretar sonhos era como ler horóscopo. Hoje, estou convencido de que, na maioria das vezes, eles têm algo importante a dizer. Sonhos podem, entre outros benefícios, nos ajudar a superar traumas, combater a ansiedade e até prever doenças”, explica o médico.

Neurocientistas apontam que nossos sonhos revelam muito mais que imaginamos. Foto: nuchao/Adobe Stock
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Jandial dedicou um capítulo inteiro de Por que sonhamos – O que o cérebro adormecido revela sobre a vida que levamos acordados (Editora Sextante) ao tema: O que os sonhos revelam sobre nosso bem-estar. Em um dos tópicos — Sonhos podem nos servir de alerta para futuras doenças —, cita o trabalho do neurologista russo Vasily Kasatkin, famoso por defender a tese de que sonhos podem antecipar os sintomas de uma doença. Um de seus pacientes sonhou que vomitava depois de ingerir comida estragada. Outro que um camundongo roía sua barriga. Um terceiro que seus dentes amanheciam sangrando. Tempos depois, os três tiveram os diagnósticos de gastrite, úlcera e bruxismo confirmados.

Em outro tópico, Como os sonhos avaliam a depressão e o vício, observa que sonhos também podem dar pistas sobre dependência química. No caso de usuários de drogas, sonhar com cigarro, álcool ou cocaína nem sempre é sinal de recaída. Pode ser um sintoma de recuperação. É o caso do brasileiro usuário de crack que, mesmo dormindo, se recusou a consumir a droga. “Acordei feliz por saber que não fumei a pedra nem no sonho”, relatou um dos 21 voluntários estudados pelo psicólogo Thiago Rovai da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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“Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”

No Brasil, um dos maiores especialistas no assunto é o neurocientista Sidarta Ribeiro. Ele é um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) e autor do livro O oráculo da noite – A história e a ciência do sonho (Companhia das Letras, 2019). Ribeiro explica que todos nós sonhamos. Uns mais, outros menos. Quantas vezes por noite ainda não é consenso entre os pesquisadores. Uns acreditam que uma vez a cada ciclo de sono. Como temos de quatro a seis ciclos, teríamos uma média de quatro a seis sonhos por noite. Outros, porém, defendem que sonhamos uma vez a cada estágio. Como cada ciclo tem quatro estágios (N1, N2, N3 e REM), sonharíamos, neste caso, de 16 a 24 vezes por noite. Haja sonho!

“Em primeiro lugar, uma vida onírica rica é indicativo de um sono de qualidade. Em outras palavras: se você sonha muito, é sinal de que dorme bem”, garante Ribeiro. “Em segundo lugar, nossos sonhos falam de medos e desejos. Tememos o que nos faz mal e desejamos o que nos dá prazer. O que isso quer dizer? Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”. Os sonhos, prossegue o neurocientista, podem ser divididos em positivos e negativos – os negativos também são conhecidos como pesadelos. No primeiro grupo, há a satisfação de um desejo. O sonhador encontra uma pessoa, chega a um destino ou conquista um objetivo. No segundo, o enfrentamento de um medo. Sofre um ataque de tubarão, cai em um abismo profundo ou é levado por um tufão.

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Há, ainda, um terceiro tipo: o sonho lúcido. É quando, mesmo dormindo, você tem consciência de que está sonhando. Esse, aliás, foi o tema do doutorado de Sérgio Arthuro na UFRN. “O sonho lúcido é, por assim dizer, a exceção da regra. Na maioria das vezes, por mais bizarro que seja o sonho, não sabemos que estamos sonhando”, explica. Um exemplo clássico é o pesadelo. Sabemos que monstros não existem. Mas, se somos perseguidos ou atacados por um deles em um pesadelo, aquilo parece fazer sentido.

Indagado sobre “para que servem os sonhos?”, Arthuro responde: “Simulam o futuro”. Sabe o simulador de um parque de diversões que prepara você para andar em uma montanha-russa? Então, é mais ou menos a mesma coisa. A vida onírica “prepara” o indivíduo para a vida desperta. “É como se o sonho fosse uma espécie de treino ou ensaio para algo que pode acontecer”, compara. No tempo das cavernas, nossos antepassados sonhavam que estavam sendo atacados por predadores ou ameaçados por inimigos. Isso os deixava alertas para fugir às pressas caso aparecesse um mamute quando saíam à caça do almoço de domingo.

Mas, se você é daqueles que pula da cama e não se lembra do que sonhou, não se preocupe. Isso não é sintoma de doença. Pelo contrário. É sinal de que você teve uma excelente noite de sono. Quem explica é o neurocientista Fernando Louzada, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Todos nós sonhamos. A diferença é que uns se lembram dos seus sonhos e outros, não. Se você não acorda durante o sonho ou imediatamente depois dele, é como se não tivesse sonhado”.

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Em outras palavras: se Paul McCartney não tivesse corrido para o piano logo depois de acordar ou se Stephen King não tivesse anotado em um guardanapo o pesadelo que teve, é bastante provável que Yesterday não tivesse se tornado a música mais regravada dos Beatles ou que Kathy Bates não tivesse ganhado o Oscar de Melhor Atriz por Louca Obsessão.

“Sonhos são janelas que se abrem para compreendermos melhor nossas memórias e emoções”

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Por essa razão, alguns médicos recomendam aos pacientes que adotem o hábito de ter um “diário dos sonhos” (“sonhários”, segundo Ribeiro) e, assim que acordar, anotem nele tudo o que sonharam. O neurocientista Cleiton Aguiar, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é dos que pensam assim. “Não valorizamos nossos sonhos como deveríamos. Não são tão aleatórios como parecem. São janelas que se abrem para compreendermos melhor nossas memórias e emoções”, esclarece.

Os sonhos podem ser úteis até na hora de realizar aquele projeto há muito tempo guardado na gaveta. Muitas vezes, eles apontam caminhos que, acordados, não conseguimos enxergar. Uma boa noite de sono, acrescenta Aguiar, melhora tudo: da tomada de decisão à resolução de conflitos. Não por acaso, foi em um sonho que o químico russo Dmitri Mendeleiev teve a ideia de criar a tabela periódica. “Quer realizar um sonho, mas não sabe por onde começar? A primeira coisa a fazer é dar um tempo no trabalho e tirar uma boa soneca”, recomenda.

Outra dica: o quarto onde dormimos interfere no tipo de sonho que teremos. “Quanto mais escuro e silencioso, melhor”, sugere Ribeiro. Tem mais: o tipo de sonho tem a ver, também, com nosso estado de humor. Se estamos tensos ou ansiosos, é bastante provável que a noite seja agitada. Mas, se estamos tranquilos e relaxados, é quase certo que, como dizem por aí, sonhemos com os anjos. “Antes de dormir, tome cuidado com o filme que você vai assistir. Se quiser ter pesadelos, vá em frente e veja um suspense ou terror. Mas, se quiser ter sonhos bons, dê preferência a algo leve, como comédia ou romance”, sugere Jandial.

Paul McCartney passava uns dias na casa da noiva em Londres quando, numa manhã de 1963, acordou com uma melodia na cabeça. Correu até o piano e dedilhou os acordes. Para fixá-la na memória, improvisou até um título com os ingredientes do café da manhã: Scrambled Eggs (“Ovos mexidos”). Um ano depois, durante um passeio de carro por Portugal, aquela música ganhou uma letra definitiva sobre amor perdido. No começo dos anos 1980, Stephen King estava a caminho da Inglaterra para uma noite de autógrafos quando, lá pelas tantas, caiu no sono. Imaginou que era mantido como refém em uma fazenda no fim do mundo. Ao acordar, se ajeitou na poltrona, pegou um guardanapo e rascunhou a sinopse de uma história sobre um escritor famoso e sua fã número um.

Sonhos servem para muitas coisas, explica o neurocientista americano Rahul Jandial. Dar insights criativos para compor letras de música, como Yesterday, gravada pelos Beatles no álbum Help (1965), ou escrever livros de suspense, como Louca Obsessão (1987), adaptado pelo diretor Rob Reiner para o cinema em 1990, é apenas uma delas. “Até pouco tempo atrás, eu achava que interpretar sonhos era como ler horóscopo. Hoje, estou convencido de que, na maioria das vezes, eles têm algo importante a dizer. Sonhos podem, entre outros benefícios, nos ajudar a superar traumas, combater a ansiedade e até prever doenças”, explica o médico.

Neurocientistas apontam que nossos sonhos revelam muito mais que imaginamos. Foto: nuchao/Adobe Stock

Jandial dedicou um capítulo inteiro de Por que sonhamos – O que o cérebro adormecido revela sobre a vida que levamos acordados (Editora Sextante) ao tema: O que os sonhos revelam sobre nosso bem-estar. Em um dos tópicos — Sonhos podem nos servir de alerta para futuras doenças —, cita o trabalho do neurologista russo Vasily Kasatkin, famoso por defender a tese de que sonhos podem antecipar os sintomas de uma doença. Um de seus pacientes sonhou que vomitava depois de ingerir comida estragada. Outro que um camundongo roía sua barriga. Um terceiro que seus dentes amanheciam sangrando. Tempos depois, os três tiveram os diagnósticos de gastrite, úlcera e bruxismo confirmados.

Em outro tópico, Como os sonhos avaliam a depressão e o vício, observa que sonhos também podem dar pistas sobre dependência química. No caso de usuários de drogas, sonhar com cigarro, álcool ou cocaína nem sempre é sinal de recaída. Pode ser um sintoma de recuperação. É o caso do brasileiro usuário de crack que, mesmo dormindo, se recusou a consumir a droga. “Acordei feliz por saber que não fumei a pedra nem no sonho”, relatou um dos 21 voluntários estudados pelo psicólogo Thiago Rovai da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”

No Brasil, um dos maiores especialistas no assunto é o neurocientista Sidarta Ribeiro. Ele é um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) e autor do livro O oráculo da noite – A história e a ciência do sonho (Companhia das Letras, 2019). Ribeiro explica que todos nós sonhamos. Uns mais, outros menos. Quantas vezes por noite ainda não é consenso entre os pesquisadores. Uns acreditam que uma vez a cada ciclo de sono. Como temos de quatro a seis ciclos, teríamos uma média de quatro a seis sonhos por noite. Outros, porém, defendem que sonhamos uma vez a cada estágio. Como cada ciclo tem quatro estágios (N1, N2, N3 e REM), sonharíamos, neste caso, de 16 a 24 vezes por noite. Haja sonho!

“Em primeiro lugar, uma vida onírica rica é indicativo de um sono de qualidade. Em outras palavras: se você sonha muito, é sinal de que dorme bem”, garante Ribeiro. “Em segundo lugar, nossos sonhos falam de medos e desejos. Tememos o que nos faz mal e desejamos o que nos dá prazer. O que isso quer dizer? Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”. Os sonhos, prossegue o neurocientista, podem ser divididos em positivos e negativos – os negativos também são conhecidos como pesadelos. No primeiro grupo, há a satisfação de um desejo. O sonhador encontra uma pessoa, chega a um destino ou conquista um objetivo. No segundo, o enfrentamento de um medo. Sofre um ataque de tubarão, cai em um abismo profundo ou é levado por um tufão.

Há, ainda, um terceiro tipo: o sonho lúcido. É quando, mesmo dormindo, você tem consciência de que está sonhando. Esse, aliás, foi o tema do doutorado de Sérgio Arthuro na UFRN. “O sonho lúcido é, por assim dizer, a exceção da regra. Na maioria das vezes, por mais bizarro que seja o sonho, não sabemos que estamos sonhando”, explica. Um exemplo clássico é o pesadelo. Sabemos que monstros não existem. Mas, se somos perseguidos ou atacados por um deles em um pesadelo, aquilo parece fazer sentido.

Indagado sobre “para que servem os sonhos?”, Arthuro responde: “Simulam o futuro”. Sabe o simulador de um parque de diversões que prepara você para andar em uma montanha-russa? Então, é mais ou menos a mesma coisa. A vida onírica “prepara” o indivíduo para a vida desperta. “É como se o sonho fosse uma espécie de treino ou ensaio para algo que pode acontecer”, compara. No tempo das cavernas, nossos antepassados sonhavam que estavam sendo atacados por predadores ou ameaçados por inimigos. Isso os deixava alertas para fugir às pressas caso aparecesse um mamute quando saíam à caça do almoço de domingo.

Mas, se você é daqueles que pula da cama e não se lembra do que sonhou, não se preocupe. Isso não é sintoma de doença. Pelo contrário. É sinal de que você teve uma excelente noite de sono. Quem explica é o neurocientista Fernando Louzada, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Todos nós sonhamos. A diferença é que uns se lembram dos seus sonhos e outros, não. Se você não acorda durante o sonho ou imediatamente depois dele, é como se não tivesse sonhado”.

Em outras palavras: se Paul McCartney não tivesse corrido para o piano logo depois de acordar ou se Stephen King não tivesse anotado em um guardanapo o pesadelo que teve, é bastante provável que Yesterday não tivesse se tornado a música mais regravada dos Beatles ou que Kathy Bates não tivesse ganhado o Oscar de Melhor Atriz por Louca Obsessão.

“Sonhos são janelas que se abrem para compreendermos melhor nossas memórias e emoções”

Por essa razão, alguns médicos recomendam aos pacientes que adotem o hábito de ter um “diário dos sonhos” (“sonhários”, segundo Ribeiro) e, assim que acordar, anotem nele tudo o que sonharam. O neurocientista Cleiton Aguiar, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é dos que pensam assim. “Não valorizamos nossos sonhos como deveríamos. Não são tão aleatórios como parecem. São janelas que se abrem para compreendermos melhor nossas memórias e emoções”, esclarece.

Os sonhos podem ser úteis até na hora de realizar aquele projeto há muito tempo guardado na gaveta. Muitas vezes, eles apontam caminhos que, acordados, não conseguimos enxergar. Uma boa noite de sono, acrescenta Aguiar, melhora tudo: da tomada de decisão à resolução de conflitos. Não por acaso, foi em um sonho que o químico russo Dmitri Mendeleiev teve a ideia de criar a tabela periódica. “Quer realizar um sonho, mas não sabe por onde começar? A primeira coisa a fazer é dar um tempo no trabalho e tirar uma boa soneca”, recomenda.

Outra dica: o quarto onde dormimos interfere no tipo de sonho que teremos. “Quanto mais escuro e silencioso, melhor”, sugere Ribeiro. Tem mais: o tipo de sonho tem a ver, também, com nosso estado de humor. Se estamos tensos ou ansiosos, é bastante provável que a noite seja agitada. Mas, se estamos tranquilos e relaxados, é quase certo que, como dizem por aí, sonhemos com os anjos. “Antes de dormir, tome cuidado com o filme que você vai assistir. Se quiser ter pesadelos, vá em frente e veja um suspense ou terror. Mas, se quiser ter sonhos bons, dê preferência a algo leve, como comédia ou romance”, sugere Jandial.

Paul McCartney passava uns dias na casa da noiva em Londres quando, numa manhã de 1963, acordou com uma melodia na cabeça. Correu até o piano e dedilhou os acordes. Para fixá-la na memória, improvisou até um título com os ingredientes do café da manhã: Scrambled Eggs (“Ovos mexidos”). Um ano depois, durante um passeio de carro por Portugal, aquela música ganhou uma letra definitiva sobre amor perdido. No começo dos anos 1980, Stephen King estava a caminho da Inglaterra para uma noite de autógrafos quando, lá pelas tantas, caiu no sono. Imaginou que era mantido como refém em uma fazenda no fim do mundo. Ao acordar, se ajeitou na poltrona, pegou um guardanapo e rascunhou a sinopse de uma história sobre um escritor famoso e sua fã número um.

Sonhos servem para muitas coisas, explica o neurocientista americano Rahul Jandial. Dar insights criativos para compor letras de música, como Yesterday, gravada pelos Beatles no álbum Help (1965), ou escrever livros de suspense, como Louca Obsessão (1987), adaptado pelo diretor Rob Reiner para o cinema em 1990, é apenas uma delas. “Até pouco tempo atrás, eu achava que interpretar sonhos era como ler horóscopo. Hoje, estou convencido de que, na maioria das vezes, eles têm algo importante a dizer. Sonhos podem, entre outros benefícios, nos ajudar a superar traumas, combater a ansiedade e até prever doenças”, explica o médico.

Neurocientistas apontam que nossos sonhos revelam muito mais que imaginamos. Foto: nuchao/Adobe Stock

Jandial dedicou um capítulo inteiro de Por que sonhamos – O que o cérebro adormecido revela sobre a vida que levamos acordados (Editora Sextante) ao tema: O que os sonhos revelam sobre nosso bem-estar. Em um dos tópicos — Sonhos podem nos servir de alerta para futuras doenças —, cita o trabalho do neurologista russo Vasily Kasatkin, famoso por defender a tese de que sonhos podem antecipar os sintomas de uma doença. Um de seus pacientes sonhou que vomitava depois de ingerir comida estragada. Outro que um camundongo roía sua barriga. Um terceiro que seus dentes amanheciam sangrando. Tempos depois, os três tiveram os diagnósticos de gastrite, úlcera e bruxismo confirmados.

Em outro tópico, Como os sonhos avaliam a depressão e o vício, observa que sonhos também podem dar pistas sobre dependência química. No caso de usuários de drogas, sonhar com cigarro, álcool ou cocaína nem sempre é sinal de recaída. Pode ser um sintoma de recuperação. É o caso do brasileiro usuário de crack que, mesmo dormindo, se recusou a consumir a droga. “Acordei feliz por saber que não fumei a pedra nem no sonho”, relatou um dos 21 voluntários estudados pelo psicólogo Thiago Rovai da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”

No Brasil, um dos maiores especialistas no assunto é o neurocientista Sidarta Ribeiro. Ele é um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) e autor do livro O oráculo da noite – A história e a ciência do sonho (Companhia das Letras, 2019). Ribeiro explica que todos nós sonhamos. Uns mais, outros menos. Quantas vezes por noite ainda não é consenso entre os pesquisadores. Uns acreditam que uma vez a cada ciclo de sono. Como temos de quatro a seis ciclos, teríamos uma média de quatro a seis sonhos por noite. Outros, porém, defendem que sonhamos uma vez a cada estágio. Como cada ciclo tem quatro estágios (N1, N2, N3 e REM), sonharíamos, neste caso, de 16 a 24 vezes por noite. Haja sonho!

“Em primeiro lugar, uma vida onírica rica é indicativo de um sono de qualidade. Em outras palavras: se você sonha muito, é sinal de que dorme bem”, garante Ribeiro. “Em segundo lugar, nossos sonhos falam de medos e desejos. Tememos o que nos faz mal e desejamos o que nos dá prazer. O que isso quer dizer? Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”. Os sonhos, prossegue o neurocientista, podem ser divididos em positivos e negativos – os negativos também são conhecidos como pesadelos. No primeiro grupo, há a satisfação de um desejo. O sonhador encontra uma pessoa, chega a um destino ou conquista um objetivo. No segundo, o enfrentamento de um medo. Sofre um ataque de tubarão, cai em um abismo profundo ou é levado por um tufão.

Há, ainda, um terceiro tipo: o sonho lúcido. É quando, mesmo dormindo, você tem consciência de que está sonhando. Esse, aliás, foi o tema do doutorado de Sérgio Arthuro na UFRN. “O sonho lúcido é, por assim dizer, a exceção da regra. Na maioria das vezes, por mais bizarro que seja o sonho, não sabemos que estamos sonhando”, explica. Um exemplo clássico é o pesadelo. Sabemos que monstros não existem. Mas, se somos perseguidos ou atacados por um deles em um pesadelo, aquilo parece fazer sentido.

Indagado sobre “para que servem os sonhos?”, Arthuro responde: “Simulam o futuro”. Sabe o simulador de um parque de diversões que prepara você para andar em uma montanha-russa? Então, é mais ou menos a mesma coisa. A vida onírica “prepara” o indivíduo para a vida desperta. “É como se o sonho fosse uma espécie de treino ou ensaio para algo que pode acontecer”, compara. No tempo das cavernas, nossos antepassados sonhavam que estavam sendo atacados por predadores ou ameaçados por inimigos. Isso os deixava alertas para fugir às pressas caso aparecesse um mamute quando saíam à caça do almoço de domingo.

Mas, se você é daqueles que pula da cama e não se lembra do que sonhou, não se preocupe. Isso não é sintoma de doença. Pelo contrário. É sinal de que você teve uma excelente noite de sono. Quem explica é o neurocientista Fernando Louzada, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Todos nós sonhamos. A diferença é que uns se lembram dos seus sonhos e outros, não. Se você não acorda durante o sonho ou imediatamente depois dele, é como se não tivesse sonhado”.

Em outras palavras: se Paul McCartney não tivesse corrido para o piano logo depois de acordar ou se Stephen King não tivesse anotado em um guardanapo o pesadelo que teve, é bastante provável que Yesterday não tivesse se tornado a música mais regravada dos Beatles ou que Kathy Bates não tivesse ganhado o Oscar de Melhor Atriz por Louca Obsessão.

“Sonhos são janelas que se abrem para compreendermos melhor nossas memórias e emoções”

Por essa razão, alguns médicos recomendam aos pacientes que adotem o hábito de ter um “diário dos sonhos” (“sonhários”, segundo Ribeiro) e, assim que acordar, anotem nele tudo o que sonharam. O neurocientista Cleiton Aguiar, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é dos que pensam assim. “Não valorizamos nossos sonhos como deveríamos. Não são tão aleatórios como parecem. São janelas que se abrem para compreendermos melhor nossas memórias e emoções”, esclarece.

Os sonhos podem ser úteis até na hora de realizar aquele projeto há muito tempo guardado na gaveta. Muitas vezes, eles apontam caminhos que, acordados, não conseguimos enxergar. Uma boa noite de sono, acrescenta Aguiar, melhora tudo: da tomada de decisão à resolução de conflitos. Não por acaso, foi em um sonho que o químico russo Dmitri Mendeleiev teve a ideia de criar a tabela periódica. “Quer realizar um sonho, mas não sabe por onde começar? A primeira coisa a fazer é dar um tempo no trabalho e tirar uma boa soneca”, recomenda.

Outra dica: o quarto onde dormimos interfere no tipo de sonho que teremos. “Quanto mais escuro e silencioso, melhor”, sugere Ribeiro. Tem mais: o tipo de sonho tem a ver, também, com nosso estado de humor. Se estamos tensos ou ansiosos, é bastante provável que a noite seja agitada. Mas, se estamos tranquilos e relaxados, é quase certo que, como dizem por aí, sonhemos com os anjos. “Antes de dormir, tome cuidado com o filme que você vai assistir. Se quiser ter pesadelos, vá em frente e veja um suspense ou terror. Mas, se quiser ter sonhos bons, dê preferência a algo leve, como comédia ou romance”, sugere Jandial.

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