THE WASHINGTON POST - Durante a hibernação, os ursos pardos continuam saudáveis mesmo em condições que enfraqueceriam e adoeceriam meros humanos. Os ursos emergem meses depois, magros, fortes e pouco afetados por seus meses de fome e inatividade.
Até recentemente, os pesquisadores não conseguiam explicar como. Mas vários novos e fascinantes estudos moleculares sugerem que a hibernação remodela o metabolismo e a atividade genética dos ursos de maneiras únicas e dramáticas que podem ter relevância para os seres humanos. Os ursos gordos podem avançar nossa compreensão sobre diabetes, atrofia muscular, inatividade e a engenhosidade da evolução.
O notável urso hibernando
Na superfície, os ursos em hibernação parecem passivos e inertes. Por cinco meses ou mais, eles não comem, bebem, urinam, defecam ou se mexem, exceto ocasionalmente para se virar ou se arrepiar. Seus metabolismos caem cerca de 75%. Os corações batem e os pulmões inflam apenas algumas vezes por minuto. Os rins se desligam. Os ursos ficam profundamente resistentes à insulina.
Se fossemos nós, perderíamos boa parte de nossa massa muscular por causa da inatividade e provavelmente desenvolveríamos diabetes, doenças cardíacas, insuficiência renal e outros males.
Mas, após a hibernação, os ursos mantêm seus músculos e rapidamente restabelecem a função dos órgãos e a sensibilidade normal e saudável à insulina.
“A hibernação é muito mais complicada e cheia de nuances do que pensávamos”, disse Joanna Kelley, professora de biologia da Universidade Estadual de Washington (WSU), que estuda ursos pardos no Centro do Urso da WSU.
Que os ursos possam reverter sua resistência à insulina, manter os músculos e ganhar e perder uma quantidade tão grande de peso temporada após temporada, sem efeitos nocivos, “é bastante notável”, disse Heiko Jansen, professor de fisiologia integrativa e neurociência da WSU, que também é afiliado ao Centro do Urso.
Para saber como os ursos lidam com tudo isso, ele, Kelley e outros pesquisadores da Universidade de Washington e de outros lugares vêm tirando sangue e coletando pequenas amostras de tecido dos ursos ao longo do ano. (Os animais residentes da WSU são treinados e cooperam, não precisam ser anestesiados repetidas vezes para esses procedimentos, disse Jansen).
Mudanças na gordura para a temporada
Ao comparar as amostras, eles concluíram que a hibernação é biologicamente estranha, mas não é nada tranquila. Em um estudo de 2019, os cientistas da WSU e outros encontraram em ursos mais de 10 mil genes que funcionam de maneira diferente durante a hibernação e no outono ou na primavera. Muitos envolvem a atividade da insulina e o gasto de energia, e a maioria tem relação com a gordura dos animais, que se torna bastante resistente à insulina durante a hibernação e muito sensível à insulina logo depois.
Aprofundando-se nesse processo para um novo estudo, publicado em setembro na iScience, eles banharam células de gordura extraídas de ursos hibernantes e ativos com soro sanguíneo retirado durante o tempo oposto e observaram a mudança de estação da gordura. A gordura dos ursos em hibernação se tornou sensível à insulina e geneticamente semelhante à gordura da estação ativa e vice-versa.
E o que talvez seja ainda mais impressionante: eles também identificaram e compararam centenas de proteínas no sangue dos animais e encontraram oito que diferiam substancialmente em abundância de uma estação para outra. Essas oito proteínas pareciam estar conduzindo a maioria das mudanças genéticas e metabólicas na gordura.
É possível que, em algum momento, essas mesmas oito proteínas, que também aparecem no sangue humano, sejam farmaceuticamente aproveitadas para melhorar a sensibilidade à insulina ou tratar diabetes e outros distúrbios metabólicos em seres humanos, disse Kelley. Mas essa possibilidade ainda está distante e requer muito mais pesquisas com os ursos e humanos.
O segredo dos músculos do urso
Os cientistas também estão investigando os músculos dos ursos em hibernação. Nos humanos, a inatividade prolongada desencadeia a liberação de vários bioquímicos que quebram e reduzem os músculos, presumivelmente porque nossos corpos consideram dispensável os tecidos não utilizados. Mas os ursos mantêm seus músculos durante meses sem se mover.
Seu segredo parece estar, mais uma vez, nas substâncias que fluem em seu sangue. Em um estudo publicado no início deste ano, pesquisadores no Japão embeberam células musculares humanas em soro sanguíneo de ursos japoneses em hibernação ou ativos (e, para controle, soro de cavalos) e acompanharam as respostas das células.
O soro de ursos e cavalos ativos teve pouco efeito. Mas as células musculares humanas marinadas no sangue de ursos hibernados produziram muito menos uma substância conhecida por quebrar o músculo e muito mais outras substâncias que sustentam o crescimento muscular. As células também acabaram com maiores quantidades de proteína, o bloco de construção do tecido, em comparação com os níveis antes do banho no soro.
Esses processos devem manter os músculos em um equilíbrio preciso entre quebra e reconstrução, disse Mitsunori Miyazaki, professor de ciências biomédicas e da saúde da Universidade de Hiroshima, que liderou o novo estudo. Nesse caso, os músculos, mesmo inativos, não cresceriam, mas também não encolheriam.
O objetivo final dessa pesquisa, disse Miyazaki, é isolar e refinar todas as substâncias e processos no sangue de ursos em hibernação e em outras partes de seus corpos que os protegem da perda muscular, com a esperança de que esses mesmos elementos possam tratar a atrofia por inação ou envelhecimento nos humanos.
“Não há melhor maneira de manter um estilo de vida saudável do que por meio do exercício físico”, disse ele, mas, para pessoas que não conseguem ser ativas, por qualquer motivo, as operações internas dos ursos adormecidos poderão aliviar a fragilidade.
“O que é interessante neste trabalho é que a evolução já descobriu como lidar” com o problema de reverter a resistência à insulina e poupar músculos inativos durante a hibernação, disse Jansen.
Agora, ele e outros cientistas de ursos só precisam continuar trabalhando na engenharia reversa dessa evolução, disse ele, para nos ajudar a entendê-la e, quem sabe, aproveitar não só do carisma, mas também da resiliência dos ursos gordos. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU