Otimismo pode ser fator de proteção contra a demência; veja como treiná-lo


Pesquisadores destacam que não se trata apenas de pensar positivo, mas, sim, de tomar atitudes

Por Leon Ferrari
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O otimismo pode ser um fator de proteção contra a demência e é possível adotar estratégias para alcançar essa perspectiva, segundo discussões promovidas no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final de junho.

O evento contou com a apresentação de um estudo conduzido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que reforça o que outras pesquisas já apontaram: a existência de uma relação entre a maneira como a pessoa encara a realidade e seu desempenho cognitivo.

Para avaliar essa ligação, os cientistas utilizaram dados de mais de 9 mil pacientes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que tem uma bateria de questões como “tem sentimento de felicidade quando pensa no que já viveu?”, “gosta de fazer coisas novas?” e “sente-se otimista em relação ao futuro?”. Os participantes podiam responder com “nunca”, “às vezes” ou “sempre”.

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O grupo percebeu que as respostas para a última pergunta tinham relação com o desempenho nos testes aplicados para avaliar declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o ELSI não faz uma avaliação clínica da demência, mas usa esses aspectos para monitorar o desenvolvimento de provável demência. Aqueles que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência em comparação com aqueles que nunca se sentiam assim, segundo a pesquisa.

Os resultados estão em sintonia com artigos anteriores que mostraram uma associação entre otimismo e melhores resultados cognitivos. Em um estudo com 4,6 mil pessoas publicado na revista científica Psychosomatic Medicine, o otimismo foi prospectivamente associado a uma probabilidade reduzida de declínio cognitivo. “À medida que o otimismo aumentava, o risco de comprometimento cognitivo diminuía”, escreveram os autores.

Participantes do estudo que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência Foto: fidaolga/Adobe Stock
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O estudo

A demência é uma síndrome que pode se manifestar por meio de diferentes tipos de doenças – o Alzheimer é a principal delas – que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas em uma grande parcela dos casos isso ainda não é possível.

Fatores como alimentação saudável e uma vida socialmente ativa são apontados como protetores contra a síndrome, mas a psicóloga Laura Beatriz Dias Estrada queria saber se variáveis psicológicas e de personalidade também poderiam apresentar alguma ligação com esse processo.

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Ela estudou o tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC) e foi orientada por Helen Berdinoto Durgante, professora da UFPel, e Wyllians Vendramini Borelli, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Parte dos resultados do estudo foi apresentada no congresso e o artigo completo será publicado na revista Dementia & Neuropsychologia.

O que é otimismo?

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“O otimismo tem a ver com o processo cognitivo, com a forma mental de interpretar eventos. Se acontecesse algo neste momento, uma tragédia ou algo negativo, a pessoa com um processamento otimista levaria em conta o todo: ‘é algo que fugiu da minha vontade’ ou ‘é algo que não depende de mim’”, explicou Helen no congresso.

“Uma perspectiva otimista tende também a levar em conta o caráter mutável, ou seja, não é porque aconteceu agora que toda vez vai ser assim”, complementou a professora. A perspectiva pessimista, por outro lado, afunila e suscita pensamentos como “fui eu quem causei isso” ou “eu deveria, eu poderia ter feito aquilo”.

Laura Estrada destacou que o otimismo não é apenas sobre pensar. Ele está associado a um traço de personalidade chamado pelos psicólogos de conscienciosidade ou realização. “O otimismo aprendido, que é sobre o que estamos falando, é totalmente prático. Ele vai funcionar como o filtro que permeia nossas escolhas diárias. Por exemplo, acredito que um futuro melhor é possível e eu mereço esse futuro, por isso vou fazer check-ups médicos, ter uma alimentação saudável e fazer atividade física.”

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O otimismo atrelado à conscienciosidade é uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para tentar explicar a associação com a demência: pessoas que pensam assim tendem a ter comportamentos mais saudáveis.

Outra hipótese tem a ver com a chamada resiliência cognitiva, ou seja, com a capacidade de adaptação do cérebro – nesse caso, ao envelhecimento. “Entre idosos que envelhecem de forma mais positiva, o cérebro consegue compensar melhor perdas que são irreversíveis para a idade. Eles têm uma flexibilidade de comportamento mental melhor, conseguem tomar melhores decisões, principalmente com relação ao bem-estar”, explicou Estrada.

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Três caminhos até o otimismo

Fernando Campos Gomes, professor de neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), não participou do trabalho, mas foi convidado pelo evento para explicar como treinar o cérebro para ser mais otimista.

“Independentemente de a doença ser de foro psíquico, neuropsíquico, como uma demência, ou física, pessoas otimistas têm uma tendência a ter uma evolução mais favorável porque o sistema imunológico e a parte cardiovascular funcionam melhor, e a própria interpretação do problema é diferente”, explicou. Além disso, o paciente com um traço de personalidade ou um comportamento mais otimista adere melhor ao tratamento, o que gera impacto no desfecho.

Ao Estadão, ele sugeriu três formas de treinar o otimismo: com a prática de esportes competitivos, pelo exercício da gratidão e a meditação.

A competição, explicou Gomes, não precisa necessariamente envolver outra pessoa. Pode ser uma corrida contra o relógio, por exemplo. O importante é definir uma meta, como correr tantos metros em determinado tempo.

Com isso, o indivíduo vivencia todo o processo de se preparar física e psicologicamente, aceita se colocar à prova e tem de lidar com o resultado. “Nenhuma pessoa, por mais pessimista ou desmotivada que seja, vai começar uma prova achando que nada vai dar certo”, comentou. “Ela vai ter a chance de exercitar a frustração.”

Em relação à gratidão, a sugestão é encontrar ao menos três coisas positivas no dia e, antes de ir dormir, escrever sobre elas – e é escrever mesmo, não teclar.

“Você começa a modular principalmente os lóbulos frontais, uma área relacionada com a nossa cognição, com pensamento abstrato, imaginação e tomada de decisão”, detalhou o professor. “Porque, em última análise, o que o pessimista e o otimista fazem é ler a situação e dar um veredicto, que muitas vezes vai conduzir a tomada de decisão e a atitude sequencial.”

A essas duas formas, Gomes somou uma terceira estratégia, a meditação. “A prática de meditação estimula o sistema nervoso parassimpático, reduz o estresse e deixa a pessoa mais autocentrada”, comentou. Isso incentiva um maior estado de pertencimento e afasta o indivíduo da tendência de interpretar tudo de maneira negativa.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O otimismo pode ser um fator de proteção contra a demência e é possível adotar estratégias para alcançar essa perspectiva, segundo discussões promovidas no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final de junho.

O evento contou com a apresentação de um estudo conduzido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que reforça o que outras pesquisas já apontaram: a existência de uma relação entre a maneira como a pessoa encara a realidade e seu desempenho cognitivo.

Para avaliar essa ligação, os cientistas utilizaram dados de mais de 9 mil pacientes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que tem uma bateria de questões como “tem sentimento de felicidade quando pensa no que já viveu?”, “gosta de fazer coisas novas?” e “sente-se otimista em relação ao futuro?”. Os participantes podiam responder com “nunca”, “às vezes” ou “sempre”.

O grupo percebeu que as respostas para a última pergunta tinham relação com o desempenho nos testes aplicados para avaliar declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o ELSI não faz uma avaliação clínica da demência, mas usa esses aspectos para monitorar o desenvolvimento de provável demência. Aqueles que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência em comparação com aqueles que nunca se sentiam assim, segundo a pesquisa.

Os resultados estão em sintonia com artigos anteriores que mostraram uma associação entre otimismo e melhores resultados cognitivos. Em um estudo com 4,6 mil pessoas publicado na revista científica Psychosomatic Medicine, o otimismo foi prospectivamente associado a uma probabilidade reduzida de declínio cognitivo. “À medida que o otimismo aumentava, o risco de comprometimento cognitivo diminuía”, escreveram os autores.

Participantes do estudo que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência Foto: fidaolga/Adobe Stock

O estudo

A demência é uma síndrome que pode se manifestar por meio de diferentes tipos de doenças – o Alzheimer é a principal delas – que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas em uma grande parcela dos casos isso ainda não é possível.

Fatores como alimentação saudável e uma vida socialmente ativa são apontados como protetores contra a síndrome, mas a psicóloga Laura Beatriz Dias Estrada queria saber se variáveis psicológicas e de personalidade também poderiam apresentar alguma ligação com esse processo.

Ela estudou o tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC) e foi orientada por Helen Berdinoto Durgante, professora da UFPel, e Wyllians Vendramini Borelli, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Parte dos resultados do estudo foi apresentada no congresso e o artigo completo será publicado na revista Dementia & Neuropsychologia.

O que é otimismo?

“O otimismo tem a ver com o processo cognitivo, com a forma mental de interpretar eventos. Se acontecesse algo neste momento, uma tragédia ou algo negativo, a pessoa com um processamento otimista levaria em conta o todo: ‘é algo que fugiu da minha vontade’ ou ‘é algo que não depende de mim’”, explicou Helen no congresso.

“Uma perspectiva otimista tende também a levar em conta o caráter mutável, ou seja, não é porque aconteceu agora que toda vez vai ser assim”, complementou a professora. A perspectiva pessimista, por outro lado, afunila e suscita pensamentos como “fui eu quem causei isso” ou “eu deveria, eu poderia ter feito aquilo”.

Laura Estrada destacou que o otimismo não é apenas sobre pensar. Ele está associado a um traço de personalidade chamado pelos psicólogos de conscienciosidade ou realização. “O otimismo aprendido, que é sobre o que estamos falando, é totalmente prático. Ele vai funcionar como o filtro que permeia nossas escolhas diárias. Por exemplo, acredito que um futuro melhor é possível e eu mereço esse futuro, por isso vou fazer check-ups médicos, ter uma alimentação saudável e fazer atividade física.”

O otimismo atrelado à conscienciosidade é uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para tentar explicar a associação com a demência: pessoas que pensam assim tendem a ter comportamentos mais saudáveis.

Outra hipótese tem a ver com a chamada resiliência cognitiva, ou seja, com a capacidade de adaptação do cérebro – nesse caso, ao envelhecimento. “Entre idosos que envelhecem de forma mais positiva, o cérebro consegue compensar melhor perdas que são irreversíveis para a idade. Eles têm uma flexibilidade de comportamento mental melhor, conseguem tomar melhores decisões, principalmente com relação ao bem-estar”, explicou Estrada.

Três caminhos até o otimismo

Fernando Campos Gomes, professor de neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), não participou do trabalho, mas foi convidado pelo evento para explicar como treinar o cérebro para ser mais otimista.

“Independentemente de a doença ser de foro psíquico, neuropsíquico, como uma demência, ou física, pessoas otimistas têm uma tendência a ter uma evolução mais favorável porque o sistema imunológico e a parte cardiovascular funcionam melhor, e a própria interpretação do problema é diferente”, explicou. Além disso, o paciente com um traço de personalidade ou um comportamento mais otimista adere melhor ao tratamento, o que gera impacto no desfecho.

Ao Estadão, ele sugeriu três formas de treinar o otimismo: com a prática de esportes competitivos, pelo exercício da gratidão e a meditação.

A competição, explicou Gomes, não precisa necessariamente envolver outra pessoa. Pode ser uma corrida contra o relógio, por exemplo. O importante é definir uma meta, como correr tantos metros em determinado tempo.

Com isso, o indivíduo vivencia todo o processo de se preparar física e psicologicamente, aceita se colocar à prova e tem de lidar com o resultado. “Nenhuma pessoa, por mais pessimista ou desmotivada que seja, vai começar uma prova achando que nada vai dar certo”, comentou. “Ela vai ter a chance de exercitar a frustração.”

Em relação à gratidão, a sugestão é encontrar ao menos três coisas positivas no dia e, antes de ir dormir, escrever sobre elas – e é escrever mesmo, não teclar.

“Você começa a modular principalmente os lóbulos frontais, uma área relacionada com a nossa cognição, com pensamento abstrato, imaginação e tomada de decisão”, detalhou o professor. “Porque, em última análise, o que o pessimista e o otimista fazem é ler a situação e dar um veredicto, que muitas vezes vai conduzir a tomada de decisão e a atitude sequencial.”

A essas duas formas, Gomes somou uma terceira estratégia, a meditação. “A prática de meditação estimula o sistema nervoso parassimpático, reduz o estresse e deixa a pessoa mais autocentrada”, comentou. Isso incentiva um maior estado de pertencimento e afasta o indivíduo da tendência de interpretar tudo de maneira negativa.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O otimismo pode ser um fator de proteção contra a demência e é possível adotar estratégias para alcançar essa perspectiva, segundo discussões promovidas no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final de junho.

O evento contou com a apresentação de um estudo conduzido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que reforça o que outras pesquisas já apontaram: a existência de uma relação entre a maneira como a pessoa encara a realidade e seu desempenho cognitivo.

Para avaliar essa ligação, os cientistas utilizaram dados de mais de 9 mil pacientes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que tem uma bateria de questões como “tem sentimento de felicidade quando pensa no que já viveu?”, “gosta de fazer coisas novas?” e “sente-se otimista em relação ao futuro?”. Os participantes podiam responder com “nunca”, “às vezes” ou “sempre”.

O grupo percebeu que as respostas para a última pergunta tinham relação com o desempenho nos testes aplicados para avaliar declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o ELSI não faz uma avaliação clínica da demência, mas usa esses aspectos para monitorar o desenvolvimento de provável demência. Aqueles que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência em comparação com aqueles que nunca se sentiam assim, segundo a pesquisa.

Os resultados estão em sintonia com artigos anteriores que mostraram uma associação entre otimismo e melhores resultados cognitivos. Em um estudo com 4,6 mil pessoas publicado na revista científica Psychosomatic Medicine, o otimismo foi prospectivamente associado a uma probabilidade reduzida de declínio cognitivo. “À medida que o otimismo aumentava, o risco de comprometimento cognitivo diminuía”, escreveram os autores.

Participantes do estudo que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência Foto: fidaolga/Adobe Stock

O estudo

A demência é uma síndrome que pode se manifestar por meio de diferentes tipos de doenças – o Alzheimer é a principal delas – que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas em uma grande parcela dos casos isso ainda não é possível.

Fatores como alimentação saudável e uma vida socialmente ativa são apontados como protetores contra a síndrome, mas a psicóloga Laura Beatriz Dias Estrada queria saber se variáveis psicológicas e de personalidade também poderiam apresentar alguma ligação com esse processo.

Ela estudou o tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC) e foi orientada por Helen Berdinoto Durgante, professora da UFPel, e Wyllians Vendramini Borelli, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Parte dos resultados do estudo foi apresentada no congresso e o artigo completo será publicado na revista Dementia & Neuropsychologia.

O que é otimismo?

“O otimismo tem a ver com o processo cognitivo, com a forma mental de interpretar eventos. Se acontecesse algo neste momento, uma tragédia ou algo negativo, a pessoa com um processamento otimista levaria em conta o todo: ‘é algo que fugiu da minha vontade’ ou ‘é algo que não depende de mim’”, explicou Helen no congresso.

“Uma perspectiva otimista tende também a levar em conta o caráter mutável, ou seja, não é porque aconteceu agora que toda vez vai ser assim”, complementou a professora. A perspectiva pessimista, por outro lado, afunila e suscita pensamentos como “fui eu quem causei isso” ou “eu deveria, eu poderia ter feito aquilo”.

Laura Estrada destacou que o otimismo não é apenas sobre pensar. Ele está associado a um traço de personalidade chamado pelos psicólogos de conscienciosidade ou realização. “O otimismo aprendido, que é sobre o que estamos falando, é totalmente prático. Ele vai funcionar como o filtro que permeia nossas escolhas diárias. Por exemplo, acredito que um futuro melhor é possível e eu mereço esse futuro, por isso vou fazer check-ups médicos, ter uma alimentação saudável e fazer atividade física.”

O otimismo atrelado à conscienciosidade é uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para tentar explicar a associação com a demência: pessoas que pensam assim tendem a ter comportamentos mais saudáveis.

Outra hipótese tem a ver com a chamada resiliência cognitiva, ou seja, com a capacidade de adaptação do cérebro – nesse caso, ao envelhecimento. “Entre idosos que envelhecem de forma mais positiva, o cérebro consegue compensar melhor perdas que são irreversíveis para a idade. Eles têm uma flexibilidade de comportamento mental melhor, conseguem tomar melhores decisões, principalmente com relação ao bem-estar”, explicou Estrada.

Três caminhos até o otimismo

Fernando Campos Gomes, professor de neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), não participou do trabalho, mas foi convidado pelo evento para explicar como treinar o cérebro para ser mais otimista.

“Independentemente de a doença ser de foro psíquico, neuropsíquico, como uma demência, ou física, pessoas otimistas têm uma tendência a ter uma evolução mais favorável porque o sistema imunológico e a parte cardiovascular funcionam melhor, e a própria interpretação do problema é diferente”, explicou. Além disso, o paciente com um traço de personalidade ou um comportamento mais otimista adere melhor ao tratamento, o que gera impacto no desfecho.

Ao Estadão, ele sugeriu três formas de treinar o otimismo: com a prática de esportes competitivos, pelo exercício da gratidão e a meditação.

A competição, explicou Gomes, não precisa necessariamente envolver outra pessoa. Pode ser uma corrida contra o relógio, por exemplo. O importante é definir uma meta, como correr tantos metros em determinado tempo.

Com isso, o indivíduo vivencia todo o processo de se preparar física e psicologicamente, aceita se colocar à prova e tem de lidar com o resultado. “Nenhuma pessoa, por mais pessimista ou desmotivada que seja, vai começar uma prova achando que nada vai dar certo”, comentou. “Ela vai ter a chance de exercitar a frustração.”

Em relação à gratidão, a sugestão é encontrar ao menos três coisas positivas no dia e, antes de ir dormir, escrever sobre elas – e é escrever mesmo, não teclar.

“Você começa a modular principalmente os lóbulos frontais, uma área relacionada com a nossa cognição, com pensamento abstrato, imaginação e tomada de decisão”, detalhou o professor. “Porque, em última análise, o que o pessimista e o otimista fazem é ler a situação e dar um veredicto, que muitas vezes vai conduzir a tomada de decisão e a atitude sequencial.”

A essas duas formas, Gomes somou uma terceira estratégia, a meditação. “A prática de meditação estimula o sistema nervoso parassimpático, reduz o estresse e deixa a pessoa mais autocentrada”, comentou. Isso incentiva um maior estado de pertencimento e afasta o indivíduo da tendência de interpretar tudo de maneira negativa.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O otimismo pode ser um fator de proteção contra a demência e é possível adotar estratégias para alcançar essa perspectiva, segundo discussões promovidas no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final de junho.

O evento contou com a apresentação de um estudo conduzido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que reforça o que outras pesquisas já apontaram: a existência de uma relação entre a maneira como a pessoa encara a realidade e seu desempenho cognitivo.

Para avaliar essa ligação, os cientistas utilizaram dados de mais de 9 mil pacientes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que tem uma bateria de questões como “tem sentimento de felicidade quando pensa no que já viveu?”, “gosta de fazer coisas novas?” e “sente-se otimista em relação ao futuro?”. Os participantes podiam responder com “nunca”, “às vezes” ou “sempre”.

O grupo percebeu que as respostas para a última pergunta tinham relação com o desempenho nos testes aplicados para avaliar declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o ELSI não faz uma avaliação clínica da demência, mas usa esses aspectos para monitorar o desenvolvimento de provável demência. Aqueles que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência em comparação com aqueles que nunca se sentiam assim, segundo a pesquisa.

Os resultados estão em sintonia com artigos anteriores que mostraram uma associação entre otimismo e melhores resultados cognitivos. Em um estudo com 4,6 mil pessoas publicado na revista científica Psychosomatic Medicine, o otimismo foi prospectivamente associado a uma probabilidade reduzida de declínio cognitivo. “À medida que o otimismo aumentava, o risco de comprometimento cognitivo diminuía”, escreveram os autores.

Participantes do estudo que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência Foto: fidaolga/Adobe Stock

O estudo

A demência é uma síndrome que pode se manifestar por meio de diferentes tipos de doenças – o Alzheimer é a principal delas – que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas em uma grande parcela dos casos isso ainda não é possível.

Fatores como alimentação saudável e uma vida socialmente ativa são apontados como protetores contra a síndrome, mas a psicóloga Laura Beatriz Dias Estrada queria saber se variáveis psicológicas e de personalidade também poderiam apresentar alguma ligação com esse processo.

Ela estudou o tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC) e foi orientada por Helen Berdinoto Durgante, professora da UFPel, e Wyllians Vendramini Borelli, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Parte dos resultados do estudo foi apresentada no congresso e o artigo completo será publicado na revista Dementia & Neuropsychologia.

O que é otimismo?

“O otimismo tem a ver com o processo cognitivo, com a forma mental de interpretar eventos. Se acontecesse algo neste momento, uma tragédia ou algo negativo, a pessoa com um processamento otimista levaria em conta o todo: ‘é algo que fugiu da minha vontade’ ou ‘é algo que não depende de mim’”, explicou Helen no congresso.

“Uma perspectiva otimista tende também a levar em conta o caráter mutável, ou seja, não é porque aconteceu agora que toda vez vai ser assim”, complementou a professora. A perspectiva pessimista, por outro lado, afunila e suscita pensamentos como “fui eu quem causei isso” ou “eu deveria, eu poderia ter feito aquilo”.

Laura Estrada destacou que o otimismo não é apenas sobre pensar. Ele está associado a um traço de personalidade chamado pelos psicólogos de conscienciosidade ou realização. “O otimismo aprendido, que é sobre o que estamos falando, é totalmente prático. Ele vai funcionar como o filtro que permeia nossas escolhas diárias. Por exemplo, acredito que um futuro melhor é possível e eu mereço esse futuro, por isso vou fazer check-ups médicos, ter uma alimentação saudável e fazer atividade física.”

O otimismo atrelado à conscienciosidade é uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para tentar explicar a associação com a demência: pessoas que pensam assim tendem a ter comportamentos mais saudáveis.

Outra hipótese tem a ver com a chamada resiliência cognitiva, ou seja, com a capacidade de adaptação do cérebro – nesse caso, ao envelhecimento. “Entre idosos que envelhecem de forma mais positiva, o cérebro consegue compensar melhor perdas que são irreversíveis para a idade. Eles têm uma flexibilidade de comportamento mental melhor, conseguem tomar melhores decisões, principalmente com relação ao bem-estar”, explicou Estrada.

Três caminhos até o otimismo

Fernando Campos Gomes, professor de neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), não participou do trabalho, mas foi convidado pelo evento para explicar como treinar o cérebro para ser mais otimista.

“Independentemente de a doença ser de foro psíquico, neuropsíquico, como uma demência, ou física, pessoas otimistas têm uma tendência a ter uma evolução mais favorável porque o sistema imunológico e a parte cardiovascular funcionam melhor, e a própria interpretação do problema é diferente”, explicou. Além disso, o paciente com um traço de personalidade ou um comportamento mais otimista adere melhor ao tratamento, o que gera impacto no desfecho.

Ao Estadão, ele sugeriu três formas de treinar o otimismo: com a prática de esportes competitivos, pelo exercício da gratidão e a meditação.

A competição, explicou Gomes, não precisa necessariamente envolver outra pessoa. Pode ser uma corrida contra o relógio, por exemplo. O importante é definir uma meta, como correr tantos metros em determinado tempo.

Com isso, o indivíduo vivencia todo o processo de se preparar física e psicologicamente, aceita se colocar à prova e tem de lidar com o resultado. “Nenhuma pessoa, por mais pessimista ou desmotivada que seja, vai começar uma prova achando que nada vai dar certo”, comentou. “Ela vai ter a chance de exercitar a frustração.”

Em relação à gratidão, a sugestão é encontrar ao menos três coisas positivas no dia e, antes de ir dormir, escrever sobre elas – e é escrever mesmo, não teclar.

“Você começa a modular principalmente os lóbulos frontais, uma área relacionada com a nossa cognição, com pensamento abstrato, imaginação e tomada de decisão”, detalhou o professor. “Porque, em última análise, o que o pessimista e o otimista fazem é ler a situação e dar um veredicto, que muitas vezes vai conduzir a tomada de decisão e a atitude sequencial.”

A essas duas formas, Gomes somou uma terceira estratégia, a meditação. “A prática de meditação estimula o sistema nervoso parassimpático, reduz o estresse e deixa a pessoa mais autocentrada”, comentou. Isso incentiva um maior estado de pertencimento e afasta o indivíduo da tendência de interpretar tudo de maneira negativa.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O otimismo pode ser um fator de proteção contra a demência e é possível adotar estratégias para alcançar essa perspectiva, segundo discussões promovidas no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final de junho.

O evento contou com a apresentação de um estudo conduzido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que reforça o que outras pesquisas já apontaram: a existência de uma relação entre a maneira como a pessoa encara a realidade e seu desempenho cognitivo.

Para avaliar essa ligação, os cientistas utilizaram dados de mais de 9 mil pacientes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que tem uma bateria de questões como “tem sentimento de felicidade quando pensa no que já viveu?”, “gosta de fazer coisas novas?” e “sente-se otimista em relação ao futuro?”. Os participantes podiam responder com “nunca”, “às vezes” ou “sempre”.

O grupo percebeu que as respostas para a última pergunta tinham relação com o desempenho nos testes aplicados para avaliar declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o ELSI não faz uma avaliação clínica da demência, mas usa esses aspectos para monitorar o desenvolvimento de provável demência. Aqueles que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência em comparação com aqueles que nunca se sentiam assim, segundo a pesquisa.

Os resultados estão em sintonia com artigos anteriores que mostraram uma associação entre otimismo e melhores resultados cognitivos. Em um estudo com 4,6 mil pessoas publicado na revista científica Psychosomatic Medicine, o otimismo foi prospectivamente associado a uma probabilidade reduzida de declínio cognitivo. “À medida que o otimismo aumentava, o risco de comprometimento cognitivo diminuía”, escreveram os autores.

Participantes do estudo que diziam se sentir otimistas em relação ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência Foto: fidaolga/Adobe Stock

O estudo

A demência é uma síndrome que pode se manifestar por meio de diferentes tipos de doenças – o Alzheimer é a principal delas – que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas em uma grande parcela dos casos isso ainda não é possível.

Fatores como alimentação saudável e uma vida socialmente ativa são apontados como protetores contra a síndrome, mas a psicóloga Laura Beatriz Dias Estrada queria saber se variáveis psicológicas e de personalidade também poderiam apresentar alguma ligação com esse processo.

Ela estudou o tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC) e foi orientada por Helen Berdinoto Durgante, professora da UFPel, e Wyllians Vendramini Borelli, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Parte dos resultados do estudo foi apresentada no congresso e o artigo completo será publicado na revista Dementia & Neuropsychologia.

O que é otimismo?

“O otimismo tem a ver com o processo cognitivo, com a forma mental de interpretar eventos. Se acontecesse algo neste momento, uma tragédia ou algo negativo, a pessoa com um processamento otimista levaria em conta o todo: ‘é algo que fugiu da minha vontade’ ou ‘é algo que não depende de mim’”, explicou Helen no congresso.

“Uma perspectiva otimista tende também a levar em conta o caráter mutável, ou seja, não é porque aconteceu agora que toda vez vai ser assim”, complementou a professora. A perspectiva pessimista, por outro lado, afunila e suscita pensamentos como “fui eu quem causei isso” ou “eu deveria, eu poderia ter feito aquilo”.

Laura Estrada destacou que o otimismo não é apenas sobre pensar. Ele está associado a um traço de personalidade chamado pelos psicólogos de conscienciosidade ou realização. “O otimismo aprendido, que é sobre o que estamos falando, é totalmente prático. Ele vai funcionar como o filtro que permeia nossas escolhas diárias. Por exemplo, acredito que um futuro melhor é possível e eu mereço esse futuro, por isso vou fazer check-ups médicos, ter uma alimentação saudável e fazer atividade física.”

O otimismo atrelado à conscienciosidade é uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para tentar explicar a associação com a demência: pessoas que pensam assim tendem a ter comportamentos mais saudáveis.

Outra hipótese tem a ver com a chamada resiliência cognitiva, ou seja, com a capacidade de adaptação do cérebro – nesse caso, ao envelhecimento. “Entre idosos que envelhecem de forma mais positiva, o cérebro consegue compensar melhor perdas que são irreversíveis para a idade. Eles têm uma flexibilidade de comportamento mental melhor, conseguem tomar melhores decisões, principalmente com relação ao bem-estar”, explicou Estrada.

Três caminhos até o otimismo

Fernando Campos Gomes, professor de neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), não participou do trabalho, mas foi convidado pelo evento para explicar como treinar o cérebro para ser mais otimista.

“Independentemente de a doença ser de foro psíquico, neuropsíquico, como uma demência, ou física, pessoas otimistas têm uma tendência a ter uma evolução mais favorável porque o sistema imunológico e a parte cardiovascular funcionam melhor, e a própria interpretação do problema é diferente”, explicou. Além disso, o paciente com um traço de personalidade ou um comportamento mais otimista adere melhor ao tratamento, o que gera impacto no desfecho.

Ao Estadão, ele sugeriu três formas de treinar o otimismo: com a prática de esportes competitivos, pelo exercício da gratidão e a meditação.

A competição, explicou Gomes, não precisa necessariamente envolver outra pessoa. Pode ser uma corrida contra o relógio, por exemplo. O importante é definir uma meta, como correr tantos metros em determinado tempo.

Com isso, o indivíduo vivencia todo o processo de se preparar física e psicologicamente, aceita se colocar à prova e tem de lidar com o resultado. “Nenhuma pessoa, por mais pessimista ou desmotivada que seja, vai começar uma prova achando que nada vai dar certo”, comentou. “Ela vai ter a chance de exercitar a frustração.”

Em relação à gratidão, a sugestão é encontrar ao menos três coisas positivas no dia e, antes de ir dormir, escrever sobre elas – e é escrever mesmo, não teclar.

“Você começa a modular principalmente os lóbulos frontais, uma área relacionada com a nossa cognição, com pensamento abstrato, imaginação e tomada de decisão”, detalhou o professor. “Porque, em última análise, o que o pessimista e o otimista fazem é ler a situação e dar um veredicto, que muitas vezes vai conduzir a tomada de decisão e a atitude sequencial.”

A essas duas formas, Gomes somou uma terceira estratégia, a meditação. “A prática de meditação estimula o sistema nervoso parassimpático, reduz o estresse e deixa a pessoa mais autocentrada”, comentou. Isso incentiva um maior estado de pertencimento e afasta o indivíduo da tendência de interpretar tudo de maneira negativa.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

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