THE WASHINGTON POST – Kyra Pellant não gosta de silêncio. Então ela o baniu de sua vida. A jovem de 29 anos que vive em Los Angeles acorda às 6 da manhã, coloca seus AirPods e começa a escutar podcasts. Ouve programas sobre bem-estar ou crimes reais enquanto se desloca pela cidade e trabalha como profissional de marketing. Em seguida, entra no segundo emprego como instrutora de exercícios, com podcasts tocando o tempo todo. Ela também fica ouvindo enquanto cozinha, relaxa à noite e, finalmente, adormece – com um podcast tocando.
Pellant diz que as vozes a ajudam a se concentrar. E também atendem a uma necessidade social: desde a pandemia, ela passa menos tempo com outras pessoas. E trabalhar em vários empregos deixa pouco tempo para sair com os amigos.
“Sinto que com os podcasts estou compensando essa falta de socialização”, disse ela. “É meio triste, mas vejo meus podcasters favoritos como amigos”.
A propensão de Pellant para podcasts a coloca numa categoria especial de consumidores de mídia: aqueles que raramente param. Muitos de nós conhecemos a sensação de ligar a TV ou abrir o Instagram só para distrair ou acalmar os nervos. Algumas pessoas vão um passo além e usam o ruído de fundo – como podcasts, vídeos do YouTube ou a página For You do TikTok – para se concentrar ou gerenciar suas emoções o dia todo. Algumas dizem que, em meio ao que as autoridades chamam de crise nacional de solidão, os podcasts substituem a conversa casual com amigos, ou pelo menos imitam a sensação de conversa.
Leia Também:
Os maratonistas de mídia não são novidade: talvez você tenha uma tia que deixa o noticiário zumbindo ao fundo ou um vizinho que toca rock o dia todo na garagem. Mas os avanços tecnológicos, como fones de ouvido discretos e um fluxo interminável de conteúdo de áudio e vídeo, facilitam a tarefa de levar o ruído de fundo conosco para todos os lugares. Para quem está de fora, pode parecer um hábito rude ou perturbador. Mas, para quem fica ouvindo alguma coisa o dia inteiro, a prática pode ser uma dádiva para a concentração ou um bálsamo para o isolamento social.
“Gosto de ouvir humanos falando”, disse Pellant. “Me lembra que estamos todos conectados”.
Amigos de ouvido
O áudio constante ajuda algumas pessoas a ficarem concentradas nas tarefas. Para outras, o objetivo é se distrair mesmo.
Praise Tolbert, mãe em tempo integral na Flórida, usa podcasts para combater pensamentos intrusivos, um sintoma difícil de seu transtorno bipolar, disse a jovem de 26 anos. Ela deixa os AirPods no ouvido o dia todo – enquanto come, cuida do filho ou sai em grupo – e ouve um podcast chamado The Judgies, onde três amigos leem histórias escandalosas obtidas de fãs ou do Reddit. À noite, ela toca o podcast no celular enquanto dorme.
O conteúdo do podcast não pretende ser terapêutico. Mas o som da conversa alegre dos apresentadores ajuda Tolbert a manter os pés no chão quando seus pensamentos tentam levá-la a algum lugar assustador, disse ela.
“Sem meu podcast e os AirPods, minha vida provavelmente seria muito menos feliz”, disse Tolbert. “É difícil controlar a mente, e ter essa muleta de coisas positivas e pessoas engraçadas tocando no ouvido o tempo todo realmente ajuda muito”.
É algo que Erika Kleckner, uma das apresentadoras do podcast The Judgies, ouve o tempo todo. Kleckner, seu marido, Christian, e seu melhor amigo Josh interagem com ouvintes no YouTube, TikTok e Discord. As pessoas falam com eles menos como criadores de conteúdo e mais como amigos, disseram.
“É o maior feedback que recebemos: ajudamos pessoas que se sentem solitárias ou que simplesmente têm a sensação de que estão batendo papo com os amigos”, disse Kleckner.
Muitos criadores online têm problemas com as relações parassociais dos fãs ou com a dinâmica unilateral entre postadores e seguidores. Os Judgies disseram que a maioria das interações com os fãs são positivas, exceto por alguns momentos embaraçosos quando os ouvintes escrevem pedindo conselhos pessoais. Eles gostariam de ajudar, disseram, mas, no final das contas, são só pessoas desconhecidas falando na internet.
“Desde que as restrições da covid diminuíram, recebemos muito menos mensagens. Talvez tenha sido uma coisa da solidão mesmo”, disse Kleckner.
O ruído de fundo ajuda você a se concentrar – ou não
O mesmo ruído de fundo que uma pessoa considera perturbador pode ser a chave para a concentração de outra. A razão está no cérebro de cada pessoa.
“Algumas pessoas precisam de um estímulo extra”, disse Sahar Yousef, neurocientista da Universidade da Califórnia em Berkeley especializado em produtividade. “E cada pessoa tem de descobrir o que funciona no seu caso”.
Para prestar atenção e fazer um bom trabalho, nossos cérebros precisam encontrar o equilíbrio perfeito: se o estímulo é pouco, a mente se desvia da tarefa. Se é muito, a cabeça fica sobrecarregada. É como, antes de uma reunião, tomar uma xícara de café em vez de quatro.
Idealmente, a tarefa em questão é interessante ou desafiadora o bastante para estimular nosso cérebro a prestar atenção. Mas, muitas vezes, tarefas chatas ou repetitivas não conseguem animar o cérebro, e aí a cabeça viaja.
Alguns cérebros não liberam hormônios suficientes em resposta às tarefas, o que deixa seus donos distraídos ou desmotivados. É aí que algum estímulo extra – como um spinner, uma cadeira inflável ou um ruído de fundo – pode fazer a diferença.
Lindsay Fleming, terapeuta que trabalha com jovens com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), disse que muitas vezes recomenda ruído de fundo a clientes e suas famílias como uma forma de estimular a concentração quando ela não vem naturalmente. Os podcasts, disse ela, oferecem aos clientes algo em que prestar atenção em segundo plano quando precisam fazer tarefas que não os entusiasmam.
Diferentes fontes de ruído de fundo proporcionam diferentes níveis de estimulação. Escutar um podcast provavelmente requer mais esforço cognitivo do que ouvir música. Assistir a um programa de TV desconhecido é mais cansativo do que assistir novamente a um velho favorito. Fleming aconselha os clientes a experimentar diferentes fontes de ruído e ver o que funciona melhor.
“Não existe uma solução única e é preciso muita tentativa e erro para perceber quando você se sente bem, para conhecer seu corpo e cérebro e conseguir identificar o que você precisa e quando”, disse ela.
Quando Fleming sugere adicionar ruído durante os trabalhos de casa ou de escola, algumas famílias recuam. Diferenças cognitivas como o TDAH costumam passar de geração a geração, e às vezes é difícil para pais e mães verem os filhos tentando acomodações em vez de aprenderem a se misturar – especialmente se pai e mãe cresceram escondendo suas diferenças, disse Christina Crowe, terapeuta que trabalha com adultos com TDAH.
E nem todos os professores entendem. O ruído de fundo não impede o aluno de aprender a focar da maneira tradicional?, perguntam alguns. Fleming disse que os lembra de que o aluno provavelmente já vem tentando aprender em silêncio e com dificuldades.
As mesmas estratégias funcionam para adultos, inclusive os milhões que se estima terem TDAH ou outra diferença cognitiva não diagnosticados, disse Crowe.
“Pense em toda a atmosfera de ‘escritório aberto’”, disse ela. “Algumas pessoas gostam, mas para muitas outras é um pesadelo. Então, elas vão ao trabalho e colocam fones de ouvido”.
O ruído de fundo constante pode fazer mal?
O ruído de fundo de podcasts ou outros programas ajuda as pessoas a se concentrarem, a controlarem suas emoções ou a afastarem a solidão. Mas será que é má ideia ouvir essas coisas o tempo todo?
As preocupações com as crianças que usam iPhones e os adolescentes que navegam nas redes sociais podem nos levar a ver todas as mídias digitais como uma fonte de podridão cerebral. Mas é difícil avaliar estudos que associam o consumo de mídia digital à redução do tempo de atenção ou à saúde mental precária, disse Yousef, de Berkeley.
É quase impossível realizar um estudo que mostre uma ligação causal entre as mídias digitais e a atenção (as famílias teriam de oferecer seus filhos como voluntários por longos períodos de tempo, com restrições rígidas, observou Yousef).
Então, em vez disso, os cientistas fazem suposições fundamentadas, e essas suposições às vezes erram o alvo. Claro, dez minutos usando um smartphone podem fazer alguém se sentir pior, mas essa informação não nos ajuda – a menos que saibamos o que se estava fazendo no celular e por quê, disse ela.
Quanto ao ruído de fundo, a ciência está dividida. Alguns estudos o consideram útil para foco e desempenho. Outros o acham prejudicial. A falta de consenso provavelmente se deve à diversidade das tarefas nos estudos e dos cérebros dos participantes, disse Yousef.
O que importa é saber se o que você está fazendo funciona para você, dizem os especialistas. Se você estiver com dificuldade para se concentrar, tente adicionar um som de fundo. Comece com ruído branco ou música instrumental. Se precisar de mais, experimente músicas líricas, podcasts ou outros programas. Você pode usar áudios diferentes para situações diferentes, como um podcast de suspense enquanto responde e-mails e uma reprise de sitcom para adormecer.
O ideal é manter uma linha de comunicação com seus entes queridos sobre o som de fundo. Tolbert, que ouve podcasts para controlar pensamentos intrusivos, fala abertamente com seu filho de 3 anos sobre os onipresentes AirPods.
“Sempre digo a ele: ‘Isso aqui é útil para mim. É o meu podcast’”, disse ela. “Ele simplesmente aceita. Nunca questionou. Às vezes até escuta junto comigo”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU