Ozempic, Wegovy: Sabemos de onde vieram os novos remédios para emagrecer, mas não por que funcionam


Pesquisadores descobriram por acidente que expor o cérebro a um hormônio natural em níveis nunca vistos provocava perda de peso

Por Gina Kolata
Atualização:

THE NEW YORK TIMES – De vez em quando surge uma droga que tem o potencial de mudar o mundo. Especialistas médicos dizem que as mais recentes a oferecer essa possibilidade são os novos medicamentos que tratam a obesidade: Ozempic, Wegovy, Mounjaro e outros que podem chegar em breve ao mercado. É cedo, mas nada parecido com essas drogas existia antes. “São drogas que mudaram o jogo”, disse Jonathan Engel, historiador de medicina e política de saúde do Baruch College, em Nova York.

A obesidade afeta quase 42% dos adultos americanos e, no entanto, disse Engel, “estávamos sem defesa”. As pesquisas sobre possíveis tratamentos médicos para o problema trouxeram fracassos. As empresas farmacêuticas perderam o interesse, com muitos executivos pensando – como a maioria dos médicos e das pessoas – que a obesidade era uma falha moral, não uma doença crônica.

Enquanto outras drogas descobertas nas últimas décadas para doenças como câncer, problemas cardíacos e Alzheimer foram encontradas por meio de um processo lógico que apontou para alvos claros para os desenvolvedores de medicamentos, o caminho que levou às drogas para obesidade foi bem diferente. Na verdade, muitas coisas sobre as drogas continuam envoltas em mistério. Os pesquisadores descobriram por acidente que expor o cérebro a um hormônio natural em níveis nunca vistos na natureza provocava perda de peso. Eles realmente não sabem por quê.

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“Todos gostariam de dizer que deve haver alguma explicação ou ordem lógica que permita previsões sobre o que vai funcionar”, disse David D’Alessio, chefe de endocrinologia da Universidade Duke, que faz consultoria para a Eli Lilly, entre outras farmacêuticas. “Até agora não descobrimos”.

Embora os medicamentos pareçam seguros, os especialistas em medicina da obesidade pedem cautela porque – como drogas para níveis elevados de colesterol ou pressão alta – as drogas para obesidade precisam ser tomadas indefinidamente, senão os pacientes recuperariam o peso que perderam.

Susan Yanovski, codiretora do escritório de pesquisa sobre obesidade do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais, alertou que os pacientes teriam de ser monitorados quanto a efeitos colaterais raros, mas graves, especialmente porque os cientistas ainda não sabem por que as drogas funcionam.

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Mas, acrescentou ela, também a obesidade está associada a uma longa lista de problemas médicos graves, como diabetes, doenças hepáticas, doenças cardíacas, câncer, apneia do sono e dores nas articulações. “É preciso ter em mente as doenças graves e o aumento da mortalidade de que sofrem as pessoas com obesidade”, disse ela.

As drogas podem causar náuseas e diarreia transitórias em algumas pessoas. Mas seu efeito principal é o que importa. Os pacientes dizem que perdem o desejo constante por comida. Eles ficam satisfeitos com porções muito menores. Perdem peso porque naturalmente comem menos – não porque queimam mais calorias.

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E os resultados de um ensaio clínico relatado na semana passada indicam que o Wegovy pode fazer mais do que ajudar as pessoas a perder peso: também pode proteger contra complicações cardíacas, como infartos e derrames. Mas ainda não se sabe por que isso acontece.

“As empresas não gostam da expressão tentativa e erro”, disse Daniel Drucker, que estuda diabetes e obesidade no Lunenfeld-Tanenbaum Research Institute, em Toronto, e é consultor da Novo Nordisk e de outras empresas. “Eles gostam de dizer: ‘Fomos extremamente inteligentes na maneira como projetamos a molécula’, disse Drucker. Mas, ele disse, “eles deram sorte”.

Uma história de origem solitária

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Na década de 1970, os tratamentos para obesidade eram a última coisa na cabeça de Joel Habener. Ele era um endocrinologista acadêmico abrindo seu próprio laboratório na Harvard Medical School e procurando um projeto de pesquisa desafiador, mas factível.

Escolheu diabetes. A doença é causada por altos níveis de açúcar no sangue e geralmente é tratada com injeções de insulina, um hormônio secretado pelo pâncreas que ajuda as células a armazenar açúcar. Mas uma injeção de insulina faz o açúcar no sangue despencar, mesmo que os níveis já estejam baixos. Os pacientes devem planejar cuidadosamente as injeções, porque níveis muito baixos de açúcar no sangue podem resultar em confusão, tremores e até perda de consciência.

Dois outros hormônios também desempenham um papel na regulação do açúcar no sangue – somatostatina e glucagon – e pouco se sabia sobre como eles são produzidos. Habener decidiu estudar os genes que ordenam as células a produzir glucagon.

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Isso o levou a uma verdadeira surpresa. No início dos anos 1980, ele descobriu um hormônio, o GLP-1, que regula primorosamente o açúcar no sangue. Ele age apenas nas células produtoras de insulina do pâncreas e somente quando o açúcar no sangue sobe muito.

Em teoria, era perfeito como tratamento direcionado para substituir as desajeitadas injeções de insulina. Outro pesquisador, Jens Juul Holst, da Universidade de Copenhague, também chegou à mesma descoberta. Mas havia um problema: quando o GLP-1 era injetado, desaparecia antes de chegar ao pâncreas. Precisava durar mais.

Drucker, que liderou os esforços de descoberta do GLP-1 na equipe de Habener, trabalhou durante anos no desafio. Era, disse ele, “um campo bastante solitário”.

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O Monstro de Eng

Um injetor receitado para Byetta, um medicamento usado para tratar diabetes, em Felton, Califórnia, em 23 de fevereiro de 2006. John Eng, pesquisador do centro médico de Veterans Affairs no Bronx, descobriu produtos químicos na saliva do venenoso Monstro de Gila que acabou sendo usado na criação da droga.  Foto: Peter DaSilva/The New York Times

O sucesso veio de uma descoberta casual que não foi apreciada na época.

Em 1990, John Eng, pesquisador do Veterans Affairs Medical Center, no Bronx, na cidade de Nova York, estava procurando novos hormônios interessantes que pudessem ser úteis para fazer medicamentos.

Ele estava atraído pelo venenoso monstro-de-gila quando descobriu que, de alguma forma, o lagarto mantinha seus níveis de açúcar no sangue estáveis quando não tinha muito o que comer, de acordo com um relatório do Instituto Nacional de Saúde, que financiou seu trabalho. Então Eng decidiu procurar por produtos químicos na saliva dos lagartos. E encontrou uma variante do GLP-1 que durava mais.

Eng disse ao New York Times em 2002 que sua instituição se recusou a patentear o hormônio. Então Eng o patenteou e o licenciou para a Amylin Pharmaceuticals, que começou a testá-lo como um medicamento para diabetes. A droga, chamada exenatida ou Byetta, começou a ser vendida nos Estados Unidos em 2005.

Mas o Byetta precisava ser injetado duas vezes ao dia, um verdadeiro desestímulo ao seu uso. Os químicos das empresas farmacêuticas buscavam versões ainda mais duradouras do GLP-1.

Na Novo Nordisk, os químicos começaram usando um truque bem conhecido. Ligaram o GLP-1 a uma proteína do sangue que o mantinha estável o suficiente para permanecer em circulação por pelo menos 24 horas. Mas quando o GLP-1 escorrega da proteína, as enzimas no sangue a degradam rapidamente. Assim, os químicos tiveram de alterar os blocos de construção do hormônio – uma cadeia de aminoácidos – para encontrar uma variante mais durável.

Após tentativas e erros tediosos, a Novo Nordisk produziu a liraglutida, uma droga GLP-1 que durava o suficiente para injeções diárias. Eles a chamaram de Victoza, e a FDA, a agência sanitária americana, a aprovou como tratamento para diabetes em 2010. O medicamento teve um efeito colateral inesperado: leve perda de peso.

Ratos famintos

A Novo Nordisk, que hoje detém 45,7% do mercado global de insulina, se considerava uma empresa de diabetes. E ponto final. Mas uma cientista da empresa, Lotte Bjerre Knudsen, não conseguia parar de pensar em resultados tentadores de estudos com liraglutida, a droga GLP-1 que durava o suficiente para ser injetada apenas uma vez por dia.

No início dos anos 1990, pesquisadores da Novo, estudando ratos implantados com células de tumores do pâncreas que produziam grandes quantidades de glucagon e GLP-1, notaram que os animais quase paravam de comer. “Os ratos passavam fome”, disse Knudsen em uma série de vídeos divulgada pela Fundação Novo Nordisk. “Então, meio que sabíamos que havia algo em alguns desses peptídeos que era realmente importante para a regulação do apetite”.

Outros estudos de pesquisadores acadêmicos descobriram que os ratos perdiam o apetite se o GLP-1 fosse injetado em seus cérebros. Pacientes humanos que receberam GLP-1 por via intravenosa passaram a comer 12% menos em um buffet de almoço do que aqueles que receberam placebo. Então, por que não estudar a liraglutida como medicamento tanto para diabetes quanto para obesidade, perguntou Knudsen.

Ela enfrentou resistência em parte porque alguns executivos da empresa estavam convencidos de que a obesidade resultava da falta de força de vontade. Um dos defensores da pesquisa do GLP-1 para perda de peso, Mads Krogsgaard Thomsen, atual CEO da Fundação Novo Nordisk e ex-diretor científico da empresa, disse no vídeo postado pela fundação que “teve de gastar seis meses convencendo meu CEO de que a obesidade não era só um problema de estilo de vida”.

Knudsen também observou que a divisão de negócios da empresa não gostava da ideia de promover a liraglutida para dois propósitos diferentes. “Ou é diabetes ou é perda de peso”, lembrou ela na série de vídeos da fundação.

Finalmente, depois que a liraglutida foi aprovada para diabetes em 2010, a proposta de Knudsen de estudar o medicamento para perda de peso foi adiante. Após ensaios clínicos, a FDA o aprovou como Saxenda para obesidade, em 2014. A dose era cerca de duas vezes a dose para diabetes. Os pacientes perdiam cerca de 5% de seu peso, uma quantidade modesta.

Mas o Dr. Martin Holst Lange, vice-presidente executivo de desenvolvimento da Novo Nordisk, disse em entrevista por telefone que era pelo menos tão bom quanto outras drogas para perda de peso e não tinha efeitos colaterais como ataques cardíacos, derrames e morte. “Ficamos super empolgados”, disse ele.

Além do diabetes

A empresa Novo Nordisk em Copenhagen, na Dinamarca Foto: Jacob Gronholt-Pedersen/Reuters

Apesar do progresso na perda de peso, a Novo Nordisk continuou a se concentrar no diabetes, tentando encontrar maneiras de produzir um GLP-1 mais duradouro para que os pacientes não precisassem se injetar todos os dias. O resultado foi uma droga diferente do GLP-1, a semaglutida, que durava o suficiente para que os pacientes tivessem de se injetar apenas uma vez por semana. Foi aprovada em 2017 e agora é comercializada como Ozempic.

O medicamento também causou perda de peso: 15%, três vezes a perda com o Saxenda, a droga aplicada uma vez ao dia, embora não houvesse razão óbvia para isso. De repente, a empresa tinha o que parecia ser um tratamento revolucionário para a obesidade.

Mas a Novo Nordisk não poderia comercializar Ozempic para perda de peso sem a aprovação da FDA para esse uso específico.

Em 2018, um ano após a aprovação do Ozempic para diabetes, a empresa iniciou um ensaio clínico. Em 2021, a Novo Nordisk obteve aprovação da FDA para comercializar o mesmo medicamento para obesidade com uma injeção semanal em uma dose máxima mais alta. Chamou a droga de Wegovy.

Mas mesmo antes de o Wegovy ser aprovado, as pessoas começaram a tomar Ozempic para obesidade. A Novo Nordisk, em seus comerciais do Ozempic, mencionava que muitos que o tomavam emagreciam.

A insinuação acabou sendo mais do que suficiente. Pouco depois, disse Jeffrey Mechanick, endocrinologista da Escola de Medicina Icahn do Mount Sinai, os pacientes aderiram ao Ozempic. Os médicos o prescreviam off label para pessoas que não tinham diabetes. “Era uma espécie de artimanha”, disse Mechanick, com alguns médicos classificando pacientes como pré-diabéticos para ajudá-los a obter cobertura dos planos de saúde.

Em 2021, alimentada pelas redes sociais, por um frenesi geral para perda de peso e pelo marketing agressivo da Novo Nordisk, a notícia de que o Ozempic fazia as pessoas perderem peso atingiu um ponto crítico, disse Caroline Apovian, codiretora do Centro de Controle de Peso e Bem-Estar no Brigham and Women’s Hospital e consultora da Novo Nordisk e outras empresas. O Ozempic estava na boca de todo mundo, embora o Wegovy fosse o medicamento aprovado naquele ano para obesidade. Mas o Wegovy correu atrás e alcançou.

Em julho, os médicos nos Estados Unidos escreveram cerca de 94 mil prescrições por semana para o Wegovy, em comparação com cerca de 62 mil por semana para o Ozempic. Mas a demanda do Wegovy está tão alta que a empresa não consegue fazer o suficiente, disse sua porta-voz, Ambre James-Brown. Então, enquanto aumenta a produção, a empresa vende o medicamento apenas na Noruega, Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos. E nas farmácias desses países os desabastecimentos são frequentes.

Uma seleção de canetas injetoras para o medicamento Wegovy para perda de peso Foto: JIM VONDRUSKA

E Apovian, como muitos outros especialistas em medicina da obesidade, agora está com a agenda lotada de pacientes pelos próximos 12 meses.

Mais medicamentos, mais mistérios

A razão pela qual o Ozempic e o Wegovy são muito mais eficazes do que o Saxenda continua sendo um mistério. Por que uma injeção uma vez por semana produziria muito mais perda de peso do que uma injeção diária?

As drogas, disse Randy Seeley, pesquisador de obesidade da Universidade de Michigan, não estão corrigindo a falta de GLP-1 no corpo – as pessoas com obesidade produzem GLP-1 em abundância. Em vez disso, estão expondo o cérebro a níveis hormonais nunca vistos na natureza. Os pacientes que tomam Wegovy estão recebendo cinco vezes a quantidade de GLP-1 que produziriam em resposta a um jantar de Ação de Graças, disse Seeley.

E, acrescentou ele, no cérebro “as drogas vão para lugares inusitados”. Não vão apenas para áreas de controle do excesso de apetite. “Se você estivesse projetando um medicamento, diria que é uma má ideia”, disse Seeley, que prestou consultoria para a Novo Nordisk e a Eli Lilly, entre outros. Os desenvolvedores de medicamentos buscam precisão: um medicamento deve ir apenas para as células onde é necessário.

O GLP-1, por causa de sua estrutura química, não deveria nem mesmo entrar em algumas áreas do cérebro onde se infiltra. “Ninguém entende isso”, disse Seeley. O Wegovy, porém, é só o começo.

Espera-se que o medicamento para diabetes da Lilly, chamado tirzepatide ou Mounjaro, obtenha a aprovação da FDA para obesidade ainda este ano. Ele liga o GLP-1 a outro hormônio intestinal, o GIP.

O GIP, por si só, produz, na melhor das hipóteses, uma perda de peso modesta. Mas a combinação de dois hormônios pode permitir que as pessoas percam uma média de cerca de 20% de peso. “Ninguém entende completamente o porquê”, disse Drucker.

A Lilly tem outra droga, a retatrutide, que, embora ainda em estágios iniciais de teste, parece provocar uma perda de peso média de 24%.

A droga experimental da Amgen, AMG 133, talvez seja ainda melhor, mas é ainda um quebra-cabeça. Ela liga o GLP-1 a uma molécula que bloqueia o GIP.

Não há explicação lógica de por que abordagens aparentemente opostas funcionariam.

Os pesquisadores continuam a se maravilhar com esses mistérios bioquímicos. Mas médicos e pacientes têm sua própria conclusão: os remédios funcionam. As pessoas perdem peso. Aquele vozerio incessante no cérebro sobre comida e alimentação foi embora.

E, embora persista o estigma da obesidade e o estereótipo cultural de que as pessoas obesas não estão se esforçando o suficiente para perder peso, alguns especialistas estão otimistas. Agora, dizem eles, os pacientes não precisam mais se culpar nem se sentirem fracassados quando não conseguem perder peso.

“Aquela era de ‘só fazer dieta e exercícios’ acabou”, disse o Dr. Rudolph Leibel, professor de pesquisa sobre diabetes no Centro Médico Irving da Universidade de Columbia. “Agora os médicos têm ferramentas para lidar com a obesidade”.

Este artigo apareceu originalmente no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES – De vez em quando surge uma droga que tem o potencial de mudar o mundo. Especialistas médicos dizem que as mais recentes a oferecer essa possibilidade são os novos medicamentos que tratam a obesidade: Ozempic, Wegovy, Mounjaro e outros que podem chegar em breve ao mercado. É cedo, mas nada parecido com essas drogas existia antes. “São drogas que mudaram o jogo”, disse Jonathan Engel, historiador de medicina e política de saúde do Baruch College, em Nova York.

A obesidade afeta quase 42% dos adultos americanos e, no entanto, disse Engel, “estávamos sem defesa”. As pesquisas sobre possíveis tratamentos médicos para o problema trouxeram fracassos. As empresas farmacêuticas perderam o interesse, com muitos executivos pensando – como a maioria dos médicos e das pessoas – que a obesidade era uma falha moral, não uma doença crônica.

Enquanto outras drogas descobertas nas últimas décadas para doenças como câncer, problemas cardíacos e Alzheimer foram encontradas por meio de um processo lógico que apontou para alvos claros para os desenvolvedores de medicamentos, o caminho que levou às drogas para obesidade foi bem diferente. Na verdade, muitas coisas sobre as drogas continuam envoltas em mistério. Os pesquisadores descobriram por acidente que expor o cérebro a um hormônio natural em níveis nunca vistos na natureza provocava perda de peso. Eles realmente não sabem por quê.

“Todos gostariam de dizer que deve haver alguma explicação ou ordem lógica que permita previsões sobre o que vai funcionar”, disse David D’Alessio, chefe de endocrinologia da Universidade Duke, que faz consultoria para a Eli Lilly, entre outras farmacêuticas. “Até agora não descobrimos”.

Embora os medicamentos pareçam seguros, os especialistas em medicina da obesidade pedem cautela porque – como drogas para níveis elevados de colesterol ou pressão alta – as drogas para obesidade precisam ser tomadas indefinidamente, senão os pacientes recuperariam o peso que perderam.

Susan Yanovski, codiretora do escritório de pesquisa sobre obesidade do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais, alertou que os pacientes teriam de ser monitorados quanto a efeitos colaterais raros, mas graves, especialmente porque os cientistas ainda não sabem por que as drogas funcionam.

Mas, acrescentou ela, também a obesidade está associada a uma longa lista de problemas médicos graves, como diabetes, doenças hepáticas, doenças cardíacas, câncer, apneia do sono e dores nas articulações. “É preciso ter em mente as doenças graves e o aumento da mortalidade de que sofrem as pessoas com obesidade”, disse ela.

As drogas podem causar náuseas e diarreia transitórias em algumas pessoas. Mas seu efeito principal é o que importa. Os pacientes dizem que perdem o desejo constante por comida. Eles ficam satisfeitos com porções muito menores. Perdem peso porque naturalmente comem menos – não porque queimam mais calorias.

E os resultados de um ensaio clínico relatado na semana passada indicam que o Wegovy pode fazer mais do que ajudar as pessoas a perder peso: também pode proteger contra complicações cardíacas, como infartos e derrames. Mas ainda não se sabe por que isso acontece.

“As empresas não gostam da expressão tentativa e erro”, disse Daniel Drucker, que estuda diabetes e obesidade no Lunenfeld-Tanenbaum Research Institute, em Toronto, e é consultor da Novo Nordisk e de outras empresas. “Eles gostam de dizer: ‘Fomos extremamente inteligentes na maneira como projetamos a molécula’, disse Drucker. Mas, ele disse, “eles deram sorte”.

Uma história de origem solitária

Na década de 1970, os tratamentos para obesidade eram a última coisa na cabeça de Joel Habener. Ele era um endocrinologista acadêmico abrindo seu próprio laboratório na Harvard Medical School e procurando um projeto de pesquisa desafiador, mas factível.

Escolheu diabetes. A doença é causada por altos níveis de açúcar no sangue e geralmente é tratada com injeções de insulina, um hormônio secretado pelo pâncreas que ajuda as células a armazenar açúcar. Mas uma injeção de insulina faz o açúcar no sangue despencar, mesmo que os níveis já estejam baixos. Os pacientes devem planejar cuidadosamente as injeções, porque níveis muito baixos de açúcar no sangue podem resultar em confusão, tremores e até perda de consciência.

Dois outros hormônios também desempenham um papel na regulação do açúcar no sangue – somatostatina e glucagon – e pouco se sabia sobre como eles são produzidos. Habener decidiu estudar os genes que ordenam as células a produzir glucagon.

Isso o levou a uma verdadeira surpresa. No início dos anos 1980, ele descobriu um hormônio, o GLP-1, que regula primorosamente o açúcar no sangue. Ele age apenas nas células produtoras de insulina do pâncreas e somente quando o açúcar no sangue sobe muito.

Em teoria, era perfeito como tratamento direcionado para substituir as desajeitadas injeções de insulina. Outro pesquisador, Jens Juul Holst, da Universidade de Copenhague, também chegou à mesma descoberta. Mas havia um problema: quando o GLP-1 era injetado, desaparecia antes de chegar ao pâncreas. Precisava durar mais.

Drucker, que liderou os esforços de descoberta do GLP-1 na equipe de Habener, trabalhou durante anos no desafio. Era, disse ele, “um campo bastante solitário”.

O Monstro de Eng

Um injetor receitado para Byetta, um medicamento usado para tratar diabetes, em Felton, Califórnia, em 23 de fevereiro de 2006. John Eng, pesquisador do centro médico de Veterans Affairs no Bronx, descobriu produtos químicos na saliva do venenoso Monstro de Gila que acabou sendo usado na criação da droga.  Foto: Peter DaSilva/The New York Times

O sucesso veio de uma descoberta casual que não foi apreciada na época.

Em 1990, John Eng, pesquisador do Veterans Affairs Medical Center, no Bronx, na cidade de Nova York, estava procurando novos hormônios interessantes que pudessem ser úteis para fazer medicamentos.

Ele estava atraído pelo venenoso monstro-de-gila quando descobriu que, de alguma forma, o lagarto mantinha seus níveis de açúcar no sangue estáveis quando não tinha muito o que comer, de acordo com um relatório do Instituto Nacional de Saúde, que financiou seu trabalho. Então Eng decidiu procurar por produtos químicos na saliva dos lagartos. E encontrou uma variante do GLP-1 que durava mais.

Eng disse ao New York Times em 2002 que sua instituição se recusou a patentear o hormônio. Então Eng o patenteou e o licenciou para a Amylin Pharmaceuticals, que começou a testá-lo como um medicamento para diabetes. A droga, chamada exenatida ou Byetta, começou a ser vendida nos Estados Unidos em 2005.

Mas o Byetta precisava ser injetado duas vezes ao dia, um verdadeiro desestímulo ao seu uso. Os químicos das empresas farmacêuticas buscavam versões ainda mais duradouras do GLP-1.

Na Novo Nordisk, os químicos começaram usando um truque bem conhecido. Ligaram o GLP-1 a uma proteína do sangue que o mantinha estável o suficiente para permanecer em circulação por pelo menos 24 horas. Mas quando o GLP-1 escorrega da proteína, as enzimas no sangue a degradam rapidamente. Assim, os químicos tiveram de alterar os blocos de construção do hormônio – uma cadeia de aminoácidos – para encontrar uma variante mais durável.

Após tentativas e erros tediosos, a Novo Nordisk produziu a liraglutida, uma droga GLP-1 que durava o suficiente para injeções diárias. Eles a chamaram de Victoza, e a FDA, a agência sanitária americana, a aprovou como tratamento para diabetes em 2010. O medicamento teve um efeito colateral inesperado: leve perda de peso.

Ratos famintos

A Novo Nordisk, que hoje detém 45,7% do mercado global de insulina, se considerava uma empresa de diabetes. E ponto final. Mas uma cientista da empresa, Lotte Bjerre Knudsen, não conseguia parar de pensar em resultados tentadores de estudos com liraglutida, a droga GLP-1 que durava o suficiente para ser injetada apenas uma vez por dia.

No início dos anos 1990, pesquisadores da Novo, estudando ratos implantados com células de tumores do pâncreas que produziam grandes quantidades de glucagon e GLP-1, notaram que os animais quase paravam de comer. “Os ratos passavam fome”, disse Knudsen em uma série de vídeos divulgada pela Fundação Novo Nordisk. “Então, meio que sabíamos que havia algo em alguns desses peptídeos que era realmente importante para a regulação do apetite”.

Outros estudos de pesquisadores acadêmicos descobriram que os ratos perdiam o apetite se o GLP-1 fosse injetado em seus cérebros. Pacientes humanos que receberam GLP-1 por via intravenosa passaram a comer 12% menos em um buffet de almoço do que aqueles que receberam placebo. Então, por que não estudar a liraglutida como medicamento tanto para diabetes quanto para obesidade, perguntou Knudsen.

Ela enfrentou resistência em parte porque alguns executivos da empresa estavam convencidos de que a obesidade resultava da falta de força de vontade. Um dos defensores da pesquisa do GLP-1 para perda de peso, Mads Krogsgaard Thomsen, atual CEO da Fundação Novo Nordisk e ex-diretor científico da empresa, disse no vídeo postado pela fundação que “teve de gastar seis meses convencendo meu CEO de que a obesidade não era só um problema de estilo de vida”.

Knudsen também observou que a divisão de negócios da empresa não gostava da ideia de promover a liraglutida para dois propósitos diferentes. “Ou é diabetes ou é perda de peso”, lembrou ela na série de vídeos da fundação.

Finalmente, depois que a liraglutida foi aprovada para diabetes em 2010, a proposta de Knudsen de estudar o medicamento para perda de peso foi adiante. Após ensaios clínicos, a FDA o aprovou como Saxenda para obesidade, em 2014. A dose era cerca de duas vezes a dose para diabetes. Os pacientes perdiam cerca de 5% de seu peso, uma quantidade modesta.

Mas o Dr. Martin Holst Lange, vice-presidente executivo de desenvolvimento da Novo Nordisk, disse em entrevista por telefone que era pelo menos tão bom quanto outras drogas para perda de peso e não tinha efeitos colaterais como ataques cardíacos, derrames e morte. “Ficamos super empolgados”, disse ele.

Além do diabetes

A empresa Novo Nordisk em Copenhagen, na Dinamarca Foto: Jacob Gronholt-Pedersen/Reuters

Apesar do progresso na perda de peso, a Novo Nordisk continuou a se concentrar no diabetes, tentando encontrar maneiras de produzir um GLP-1 mais duradouro para que os pacientes não precisassem se injetar todos os dias. O resultado foi uma droga diferente do GLP-1, a semaglutida, que durava o suficiente para que os pacientes tivessem de se injetar apenas uma vez por semana. Foi aprovada em 2017 e agora é comercializada como Ozempic.

O medicamento também causou perda de peso: 15%, três vezes a perda com o Saxenda, a droga aplicada uma vez ao dia, embora não houvesse razão óbvia para isso. De repente, a empresa tinha o que parecia ser um tratamento revolucionário para a obesidade.

Mas a Novo Nordisk não poderia comercializar Ozempic para perda de peso sem a aprovação da FDA para esse uso específico.

Em 2018, um ano após a aprovação do Ozempic para diabetes, a empresa iniciou um ensaio clínico. Em 2021, a Novo Nordisk obteve aprovação da FDA para comercializar o mesmo medicamento para obesidade com uma injeção semanal em uma dose máxima mais alta. Chamou a droga de Wegovy.

Mas mesmo antes de o Wegovy ser aprovado, as pessoas começaram a tomar Ozempic para obesidade. A Novo Nordisk, em seus comerciais do Ozempic, mencionava que muitos que o tomavam emagreciam.

A insinuação acabou sendo mais do que suficiente. Pouco depois, disse Jeffrey Mechanick, endocrinologista da Escola de Medicina Icahn do Mount Sinai, os pacientes aderiram ao Ozempic. Os médicos o prescreviam off label para pessoas que não tinham diabetes. “Era uma espécie de artimanha”, disse Mechanick, com alguns médicos classificando pacientes como pré-diabéticos para ajudá-los a obter cobertura dos planos de saúde.

Em 2021, alimentada pelas redes sociais, por um frenesi geral para perda de peso e pelo marketing agressivo da Novo Nordisk, a notícia de que o Ozempic fazia as pessoas perderem peso atingiu um ponto crítico, disse Caroline Apovian, codiretora do Centro de Controle de Peso e Bem-Estar no Brigham and Women’s Hospital e consultora da Novo Nordisk e outras empresas. O Ozempic estava na boca de todo mundo, embora o Wegovy fosse o medicamento aprovado naquele ano para obesidade. Mas o Wegovy correu atrás e alcançou.

Em julho, os médicos nos Estados Unidos escreveram cerca de 94 mil prescrições por semana para o Wegovy, em comparação com cerca de 62 mil por semana para o Ozempic. Mas a demanda do Wegovy está tão alta que a empresa não consegue fazer o suficiente, disse sua porta-voz, Ambre James-Brown. Então, enquanto aumenta a produção, a empresa vende o medicamento apenas na Noruega, Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos. E nas farmácias desses países os desabastecimentos são frequentes.

Uma seleção de canetas injetoras para o medicamento Wegovy para perda de peso Foto: JIM VONDRUSKA

E Apovian, como muitos outros especialistas em medicina da obesidade, agora está com a agenda lotada de pacientes pelos próximos 12 meses.

Mais medicamentos, mais mistérios

A razão pela qual o Ozempic e o Wegovy são muito mais eficazes do que o Saxenda continua sendo um mistério. Por que uma injeção uma vez por semana produziria muito mais perda de peso do que uma injeção diária?

As drogas, disse Randy Seeley, pesquisador de obesidade da Universidade de Michigan, não estão corrigindo a falta de GLP-1 no corpo – as pessoas com obesidade produzem GLP-1 em abundância. Em vez disso, estão expondo o cérebro a níveis hormonais nunca vistos na natureza. Os pacientes que tomam Wegovy estão recebendo cinco vezes a quantidade de GLP-1 que produziriam em resposta a um jantar de Ação de Graças, disse Seeley.

E, acrescentou ele, no cérebro “as drogas vão para lugares inusitados”. Não vão apenas para áreas de controle do excesso de apetite. “Se você estivesse projetando um medicamento, diria que é uma má ideia”, disse Seeley, que prestou consultoria para a Novo Nordisk e a Eli Lilly, entre outros. Os desenvolvedores de medicamentos buscam precisão: um medicamento deve ir apenas para as células onde é necessário.

O GLP-1, por causa de sua estrutura química, não deveria nem mesmo entrar em algumas áreas do cérebro onde se infiltra. “Ninguém entende isso”, disse Seeley. O Wegovy, porém, é só o começo.

Espera-se que o medicamento para diabetes da Lilly, chamado tirzepatide ou Mounjaro, obtenha a aprovação da FDA para obesidade ainda este ano. Ele liga o GLP-1 a outro hormônio intestinal, o GIP.

O GIP, por si só, produz, na melhor das hipóteses, uma perda de peso modesta. Mas a combinação de dois hormônios pode permitir que as pessoas percam uma média de cerca de 20% de peso. “Ninguém entende completamente o porquê”, disse Drucker.

A Lilly tem outra droga, a retatrutide, que, embora ainda em estágios iniciais de teste, parece provocar uma perda de peso média de 24%.

A droga experimental da Amgen, AMG 133, talvez seja ainda melhor, mas é ainda um quebra-cabeça. Ela liga o GLP-1 a uma molécula que bloqueia o GIP.

Não há explicação lógica de por que abordagens aparentemente opostas funcionariam.

Os pesquisadores continuam a se maravilhar com esses mistérios bioquímicos. Mas médicos e pacientes têm sua própria conclusão: os remédios funcionam. As pessoas perdem peso. Aquele vozerio incessante no cérebro sobre comida e alimentação foi embora.

E, embora persista o estigma da obesidade e o estereótipo cultural de que as pessoas obesas não estão se esforçando o suficiente para perder peso, alguns especialistas estão otimistas. Agora, dizem eles, os pacientes não precisam mais se culpar nem se sentirem fracassados quando não conseguem perder peso.

“Aquela era de ‘só fazer dieta e exercícios’ acabou”, disse o Dr. Rudolph Leibel, professor de pesquisa sobre diabetes no Centro Médico Irving da Universidade de Columbia. “Agora os médicos têm ferramentas para lidar com a obesidade”.

Este artigo apareceu originalmente no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES – De vez em quando surge uma droga que tem o potencial de mudar o mundo. Especialistas médicos dizem que as mais recentes a oferecer essa possibilidade são os novos medicamentos que tratam a obesidade: Ozempic, Wegovy, Mounjaro e outros que podem chegar em breve ao mercado. É cedo, mas nada parecido com essas drogas existia antes. “São drogas que mudaram o jogo”, disse Jonathan Engel, historiador de medicina e política de saúde do Baruch College, em Nova York.

A obesidade afeta quase 42% dos adultos americanos e, no entanto, disse Engel, “estávamos sem defesa”. As pesquisas sobre possíveis tratamentos médicos para o problema trouxeram fracassos. As empresas farmacêuticas perderam o interesse, com muitos executivos pensando – como a maioria dos médicos e das pessoas – que a obesidade era uma falha moral, não uma doença crônica.

Enquanto outras drogas descobertas nas últimas décadas para doenças como câncer, problemas cardíacos e Alzheimer foram encontradas por meio de um processo lógico que apontou para alvos claros para os desenvolvedores de medicamentos, o caminho que levou às drogas para obesidade foi bem diferente. Na verdade, muitas coisas sobre as drogas continuam envoltas em mistério. Os pesquisadores descobriram por acidente que expor o cérebro a um hormônio natural em níveis nunca vistos na natureza provocava perda de peso. Eles realmente não sabem por quê.

“Todos gostariam de dizer que deve haver alguma explicação ou ordem lógica que permita previsões sobre o que vai funcionar”, disse David D’Alessio, chefe de endocrinologia da Universidade Duke, que faz consultoria para a Eli Lilly, entre outras farmacêuticas. “Até agora não descobrimos”.

Embora os medicamentos pareçam seguros, os especialistas em medicina da obesidade pedem cautela porque – como drogas para níveis elevados de colesterol ou pressão alta – as drogas para obesidade precisam ser tomadas indefinidamente, senão os pacientes recuperariam o peso que perderam.

Susan Yanovski, codiretora do escritório de pesquisa sobre obesidade do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais, alertou que os pacientes teriam de ser monitorados quanto a efeitos colaterais raros, mas graves, especialmente porque os cientistas ainda não sabem por que as drogas funcionam.

Mas, acrescentou ela, também a obesidade está associada a uma longa lista de problemas médicos graves, como diabetes, doenças hepáticas, doenças cardíacas, câncer, apneia do sono e dores nas articulações. “É preciso ter em mente as doenças graves e o aumento da mortalidade de que sofrem as pessoas com obesidade”, disse ela.

As drogas podem causar náuseas e diarreia transitórias em algumas pessoas. Mas seu efeito principal é o que importa. Os pacientes dizem que perdem o desejo constante por comida. Eles ficam satisfeitos com porções muito menores. Perdem peso porque naturalmente comem menos – não porque queimam mais calorias.

E os resultados de um ensaio clínico relatado na semana passada indicam que o Wegovy pode fazer mais do que ajudar as pessoas a perder peso: também pode proteger contra complicações cardíacas, como infartos e derrames. Mas ainda não se sabe por que isso acontece.

“As empresas não gostam da expressão tentativa e erro”, disse Daniel Drucker, que estuda diabetes e obesidade no Lunenfeld-Tanenbaum Research Institute, em Toronto, e é consultor da Novo Nordisk e de outras empresas. “Eles gostam de dizer: ‘Fomos extremamente inteligentes na maneira como projetamos a molécula’, disse Drucker. Mas, ele disse, “eles deram sorte”.

Uma história de origem solitária

Na década de 1970, os tratamentos para obesidade eram a última coisa na cabeça de Joel Habener. Ele era um endocrinologista acadêmico abrindo seu próprio laboratório na Harvard Medical School e procurando um projeto de pesquisa desafiador, mas factível.

Escolheu diabetes. A doença é causada por altos níveis de açúcar no sangue e geralmente é tratada com injeções de insulina, um hormônio secretado pelo pâncreas que ajuda as células a armazenar açúcar. Mas uma injeção de insulina faz o açúcar no sangue despencar, mesmo que os níveis já estejam baixos. Os pacientes devem planejar cuidadosamente as injeções, porque níveis muito baixos de açúcar no sangue podem resultar em confusão, tremores e até perda de consciência.

Dois outros hormônios também desempenham um papel na regulação do açúcar no sangue – somatostatina e glucagon – e pouco se sabia sobre como eles são produzidos. Habener decidiu estudar os genes que ordenam as células a produzir glucagon.

Isso o levou a uma verdadeira surpresa. No início dos anos 1980, ele descobriu um hormônio, o GLP-1, que regula primorosamente o açúcar no sangue. Ele age apenas nas células produtoras de insulina do pâncreas e somente quando o açúcar no sangue sobe muito.

Em teoria, era perfeito como tratamento direcionado para substituir as desajeitadas injeções de insulina. Outro pesquisador, Jens Juul Holst, da Universidade de Copenhague, também chegou à mesma descoberta. Mas havia um problema: quando o GLP-1 era injetado, desaparecia antes de chegar ao pâncreas. Precisava durar mais.

Drucker, que liderou os esforços de descoberta do GLP-1 na equipe de Habener, trabalhou durante anos no desafio. Era, disse ele, “um campo bastante solitário”.

O Monstro de Eng

Um injetor receitado para Byetta, um medicamento usado para tratar diabetes, em Felton, Califórnia, em 23 de fevereiro de 2006. John Eng, pesquisador do centro médico de Veterans Affairs no Bronx, descobriu produtos químicos na saliva do venenoso Monstro de Gila que acabou sendo usado na criação da droga.  Foto: Peter DaSilva/The New York Times

O sucesso veio de uma descoberta casual que não foi apreciada na época.

Em 1990, John Eng, pesquisador do Veterans Affairs Medical Center, no Bronx, na cidade de Nova York, estava procurando novos hormônios interessantes que pudessem ser úteis para fazer medicamentos.

Ele estava atraído pelo venenoso monstro-de-gila quando descobriu que, de alguma forma, o lagarto mantinha seus níveis de açúcar no sangue estáveis quando não tinha muito o que comer, de acordo com um relatório do Instituto Nacional de Saúde, que financiou seu trabalho. Então Eng decidiu procurar por produtos químicos na saliva dos lagartos. E encontrou uma variante do GLP-1 que durava mais.

Eng disse ao New York Times em 2002 que sua instituição se recusou a patentear o hormônio. Então Eng o patenteou e o licenciou para a Amylin Pharmaceuticals, que começou a testá-lo como um medicamento para diabetes. A droga, chamada exenatida ou Byetta, começou a ser vendida nos Estados Unidos em 2005.

Mas o Byetta precisava ser injetado duas vezes ao dia, um verdadeiro desestímulo ao seu uso. Os químicos das empresas farmacêuticas buscavam versões ainda mais duradouras do GLP-1.

Na Novo Nordisk, os químicos começaram usando um truque bem conhecido. Ligaram o GLP-1 a uma proteína do sangue que o mantinha estável o suficiente para permanecer em circulação por pelo menos 24 horas. Mas quando o GLP-1 escorrega da proteína, as enzimas no sangue a degradam rapidamente. Assim, os químicos tiveram de alterar os blocos de construção do hormônio – uma cadeia de aminoácidos – para encontrar uma variante mais durável.

Após tentativas e erros tediosos, a Novo Nordisk produziu a liraglutida, uma droga GLP-1 que durava o suficiente para injeções diárias. Eles a chamaram de Victoza, e a FDA, a agência sanitária americana, a aprovou como tratamento para diabetes em 2010. O medicamento teve um efeito colateral inesperado: leve perda de peso.

Ratos famintos

A Novo Nordisk, que hoje detém 45,7% do mercado global de insulina, se considerava uma empresa de diabetes. E ponto final. Mas uma cientista da empresa, Lotte Bjerre Knudsen, não conseguia parar de pensar em resultados tentadores de estudos com liraglutida, a droga GLP-1 que durava o suficiente para ser injetada apenas uma vez por dia.

No início dos anos 1990, pesquisadores da Novo, estudando ratos implantados com células de tumores do pâncreas que produziam grandes quantidades de glucagon e GLP-1, notaram que os animais quase paravam de comer. “Os ratos passavam fome”, disse Knudsen em uma série de vídeos divulgada pela Fundação Novo Nordisk. “Então, meio que sabíamos que havia algo em alguns desses peptídeos que era realmente importante para a regulação do apetite”.

Outros estudos de pesquisadores acadêmicos descobriram que os ratos perdiam o apetite se o GLP-1 fosse injetado em seus cérebros. Pacientes humanos que receberam GLP-1 por via intravenosa passaram a comer 12% menos em um buffet de almoço do que aqueles que receberam placebo. Então, por que não estudar a liraglutida como medicamento tanto para diabetes quanto para obesidade, perguntou Knudsen.

Ela enfrentou resistência em parte porque alguns executivos da empresa estavam convencidos de que a obesidade resultava da falta de força de vontade. Um dos defensores da pesquisa do GLP-1 para perda de peso, Mads Krogsgaard Thomsen, atual CEO da Fundação Novo Nordisk e ex-diretor científico da empresa, disse no vídeo postado pela fundação que “teve de gastar seis meses convencendo meu CEO de que a obesidade não era só um problema de estilo de vida”.

Knudsen também observou que a divisão de negócios da empresa não gostava da ideia de promover a liraglutida para dois propósitos diferentes. “Ou é diabetes ou é perda de peso”, lembrou ela na série de vídeos da fundação.

Finalmente, depois que a liraglutida foi aprovada para diabetes em 2010, a proposta de Knudsen de estudar o medicamento para perda de peso foi adiante. Após ensaios clínicos, a FDA o aprovou como Saxenda para obesidade, em 2014. A dose era cerca de duas vezes a dose para diabetes. Os pacientes perdiam cerca de 5% de seu peso, uma quantidade modesta.

Mas o Dr. Martin Holst Lange, vice-presidente executivo de desenvolvimento da Novo Nordisk, disse em entrevista por telefone que era pelo menos tão bom quanto outras drogas para perda de peso e não tinha efeitos colaterais como ataques cardíacos, derrames e morte. “Ficamos super empolgados”, disse ele.

Além do diabetes

A empresa Novo Nordisk em Copenhagen, na Dinamarca Foto: Jacob Gronholt-Pedersen/Reuters

Apesar do progresso na perda de peso, a Novo Nordisk continuou a se concentrar no diabetes, tentando encontrar maneiras de produzir um GLP-1 mais duradouro para que os pacientes não precisassem se injetar todos os dias. O resultado foi uma droga diferente do GLP-1, a semaglutida, que durava o suficiente para que os pacientes tivessem de se injetar apenas uma vez por semana. Foi aprovada em 2017 e agora é comercializada como Ozempic.

O medicamento também causou perda de peso: 15%, três vezes a perda com o Saxenda, a droga aplicada uma vez ao dia, embora não houvesse razão óbvia para isso. De repente, a empresa tinha o que parecia ser um tratamento revolucionário para a obesidade.

Mas a Novo Nordisk não poderia comercializar Ozempic para perda de peso sem a aprovação da FDA para esse uso específico.

Em 2018, um ano após a aprovação do Ozempic para diabetes, a empresa iniciou um ensaio clínico. Em 2021, a Novo Nordisk obteve aprovação da FDA para comercializar o mesmo medicamento para obesidade com uma injeção semanal em uma dose máxima mais alta. Chamou a droga de Wegovy.

Mas mesmo antes de o Wegovy ser aprovado, as pessoas começaram a tomar Ozempic para obesidade. A Novo Nordisk, em seus comerciais do Ozempic, mencionava que muitos que o tomavam emagreciam.

A insinuação acabou sendo mais do que suficiente. Pouco depois, disse Jeffrey Mechanick, endocrinologista da Escola de Medicina Icahn do Mount Sinai, os pacientes aderiram ao Ozempic. Os médicos o prescreviam off label para pessoas que não tinham diabetes. “Era uma espécie de artimanha”, disse Mechanick, com alguns médicos classificando pacientes como pré-diabéticos para ajudá-los a obter cobertura dos planos de saúde.

Em 2021, alimentada pelas redes sociais, por um frenesi geral para perda de peso e pelo marketing agressivo da Novo Nordisk, a notícia de que o Ozempic fazia as pessoas perderem peso atingiu um ponto crítico, disse Caroline Apovian, codiretora do Centro de Controle de Peso e Bem-Estar no Brigham and Women’s Hospital e consultora da Novo Nordisk e outras empresas. O Ozempic estava na boca de todo mundo, embora o Wegovy fosse o medicamento aprovado naquele ano para obesidade. Mas o Wegovy correu atrás e alcançou.

Em julho, os médicos nos Estados Unidos escreveram cerca de 94 mil prescrições por semana para o Wegovy, em comparação com cerca de 62 mil por semana para o Ozempic. Mas a demanda do Wegovy está tão alta que a empresa não consegue fazer o suficiente, disse sua porta-voz, Ambre James-Brown. Então, enquanto aumenta a produção, a empresa vende o medicamento apenas na Noruega, Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos. E nas farmácias desses países os desabastecimentos são frequentes.

Uma seleção de canetas injetoras para o medicamento Wegovy para perda de peso Foto: JIM VONDRUSKA

E Apovian, como muitos outros especialistas em medicina da obesidade, agora está com a agenda lotada de pacientes pelos próximos 12 meses.

Mais medicamentos, mais mistérios

A razão pela qual o Ozempic e o Wegovy são muito mais eficazes do que o Saxenda continua sendo um mistério. Por que uma injeção uma vez por semana produziria muito mais perda de peso do que uma injeção diária?

As drogas, disse Randy Seeley, pesquisador de obesidade da Universidade de Michigan, não estão corrigindo a falta de GLP-1 no corpo – as pessoas com obesidade produzem GLP-1 em abundância. Em vez disso, estão expondo o cérebro a níveis hormonais nunca vistos na natureza. Os pacientes que tomam Wegovy estão recebendo cinco vezes a quantidade de GLP-1 que produziriam em resposta a um jantar de Ação de Graças, disse Seeley.

E, acrescentou ele, no cérebro “as drogas vão para lugares inusitados”. Não vão apenas para áreas de controle do excesso de apetite. “Se você estivesse projetando um medicamento, diria que é uma má ideia”, disse Seeley, que prestou consultoria para a Novo Nordisk e a Eli Lilly, entre outros. Os desenvolvedores de medicamentos buscam precisão: um medicamento deve ir apenas para as células onde é necessário.

O GLP-1, por causa de sua estrutura química, não deveria nem mesmo entrar em algumas áreas do cérebro onde se infiltra. “Ninguém entende isso”, disse Seeley. O Wegovy, porém, é só o começo.

Espera-se que o medicamento para diabetes da Lilly, chamado tirzepatide ou Mounjaro, obtenha a aprovação da FDA para obesidade ainda este ano. Ele liga o GLP-1 a outro hormônio intestinal, o GIP.

O GIP, por si só, produz, na melhor das hipóteses, uma perda de peso modesta. Mas a combinação de dois hormônios pode permitir que as pessoas percam uma média de cerca de 20% de peso. “Ninguém entende completamente o porquê”, disse Drucker.

A Lilly tem outra droga, a retatrutide, que, embora ainda em estágios iniciais de teste, parece provocar uma perda de peso média de 24%.

A droga experimental da Amgen, AMG 133, talvez seja ainda melhor, mas é ainda um quebra-cabeça. Ela liga o GLP-1 a uma molécula que bloqueia o GIP.

Não há explicação lógica de por que abordagens aparentemente opostas funcionariam.

Os pesquisadores continuam a se maravilhar com esses mistérios bioquímicos. Mas médicos e pacientes têm sua própria conclusão: os remédios funcionam. As pessoas perdem peso. Aquele vozerio incessante no cérebro sobre comida e alimentação foi embora.

E, embora persista o estigma da obesidade e o estereótipo cultural de que as pessoas obesas não estão se esforçando o suficiente para perder peso, alguns especialistas estão otimistas. Agora, dizem eles, os pacientes não precisam mais se culpar nem se sentirem fracassados quando não conseguem perder peso.

“Aquela era de ‘só fazer dieta e exercícios’ acabou”, disse o Dr. Rudolph Leibel, professor de pesquisa sobre diabetes no Centro Médico Irving da Universidade de Columbia. “Agora os médicos têm ferramentas para lidar com a obesidade”.

Este artigo apareceu originalmente no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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