Pandemia do coronavírus faz sacoleiras voltarem repaginadas


Agora elas preparam ‘malinhas’ e querem ser uma espécie de ‘Rappi da moda’

Por Márcia De Chiara

A pandemia de coronavírus trouxe de volta as tradicionais sacoleiras, que levavam as mercadorias até a casa do consumidor muito antes da era do e-commerce. Essa velha maneira de comercializar mercadorias ganhou força nos últimos meses e está agora repaginada, numa espécie de “Rappi da moda”. Com a proibição da abertura de lojas físicas de itens não essenciais desde o final de março na cidade de São Paulo, comércios de artigos de vestuário e pequenas confecções começaram a preparar “malinhas” com produtos para entregar no endereço do cliente.

Nessas malas de viagem, várias de fibra rígida, são colocadas blusas, vestidos, sapatos e entre outros itens de vestuário. Há até quem incremente a bagagem com máscaras, álcool em gel, chocolates e mensagens para que o cliente doe as roupas antigas, tudo num ambiente perfumado. Com o produto certo e esses agrados, a expectativa é que o consumidor volte às compras e alivie um pouco o tombo registrado pelas lojas físicas. No mês passado, a queda de vendas no comércio tradicional da capital paulista beirou 70% comparado a maio de 2019, segundo a Associação Comercial de São Paulo.

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Ana Curan, sócia da Cia. Curan, entregando a encomenda a Alessandra Jazra Foto: Werther Santana/Estadão

“É a volta da sacoleira, como eu comecei vendendo roupas na época de faculdade”, relembra Ana Curan, sócia da Cia. Curan, loja multimarca de moda feminina. Há 23 anos instalada na Vila Madalena, zona oeste da capital, a empresária está com o ponto de venda fechado desde 19 de março. Para recuperar parte da receita, abriu um e-commerce e também consultou as clientes para saber se queriam receber “sacolinhas” com produtos. “Todo mundo quis: as nossas clientes gostam mais da velha ‘sacolinha’ do que da loja online.”

Há mais de dois meses em casa, sem ver e ser visto, qual seria o motivo para alguém querer comprar uma roupa nova?Cássia Isbener, dona do ateliê de moda para tamanhos grandes que leva o seu nome, argumenta que muitas das suas clientes estão trabalhando em casa neste momento e têm de participar de conferências de vídeo. “Elas precisam estar bem arrumadas.” Desde o início do isolamento, a microempresária já entregou 30 malinhas.

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“As pessoas não estão comprando vestido de festa nem sapato de salto. São roupas confortáveis, é uma espécie de auto-agrado”, explica a empresária Eva Bichucher. Sócia da plataforma de eventos ItBrands, com a pandemia ela se viu impedida de continuar promovendo as feiras que fazia para apresentar marcas exclusivas de pequenos confeccionistasa um seleto grupo de consumidores.

A saída encontrada por Eva e a sócia Luciana Gianella foi criar um evento alternativo. Reuniu produtos de 25 marcas, enviou fotos das coleções de moda para as clientes e, com ajuda de estilistas, fez malas com os itens escolhidos. As malas foram entregues nas casas de quem fez os pedidos. Batizado de “ItBrands at home”, o evento realizado na semana passada estava preparado para atender 200 clientes. Até quarta-feira, tinham sido enviadas 70 malas e, destas, em todas houve a aquisição de algum item. “A gente sempre quis oferecer o serviço de entrega rápida, ser o Rappi da moda”, revela Eva.

Com a paralisação nas vendas provocada pela pandemia, a empresária conta que as pequenas marcas de artigos de vestuário ficaram desesperadas. E com o novo serviço de malinhas foi possível desafogar parte da nova coleção. 

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Ao contrário da loja física, a venda em domicílio dá mais trabalho e traz menos resultados para o comerciante. O lojista tem de conhecer o gosto do cliente, fazer a seleção de peças adequadas e entregar a mercadoria. Tudo isso sem ter a garantia de compra.

Também há outro fator que joga contra avenda. É que dentro de casa a compra tende a ser mais racional do que no ambiente de loja, o consumo por impulso perde força e o volume comprado acaba sendo menor. “Mas, na atual conjuntura, é esse tipo de venda é que está salvando a gente”, admite Sérgio Tonus, dono da Tonus Moda Contemporânea, que está com a loja física fechada desde 24 de março. Com a entrega das “malinhas”, Sérgio e Ana, da Cia Curan,ambos voltados para um público de classe média alta, têm conseguido vender 30% do que fariam se a loja estivesse aberta.

“Ganha-se muito pouco com as malinhas perto da loja física, mas é mais para manter os canais de abertos”, diz Juliana Bicudo, dona da marca de calçados artesanais que levam o seu nome. Desde começo do isolamento social, ela fechou a loja e entregou 25 malinhas na casa das clientes. Destas, apenas duas não compraram nenhuma peça. O preço do par sapato da marca gira em torno de R$ 800.

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Contágio

Um ponto polêmico deste tipo de venda é o risco de contaminação do vírus. Como a roupa sai da loja, vai para a casa do cliente, pode voltar novamente para a loja e ir para casa de outra pessoa, a questão que fica é até que ponto esse vaivém de mercadoria, que é provada por várias pessoas, não ampliaria a disseminação da covid-19.

Cássia Isbener explica que a roupa é devolvida fica exposta numa arara, onde é pulverizada com um spray a base lysoform. Em algumas peças é passado um vaporizador. “Hoje em dia é o máximo que a gente pode fazer”, diz a empresária.

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Eva, da ItBrands, conta que, além do usar o vaporizador, pulveriza álcool com concentração 70% nas roupas devolvidas. “Estamos seguindo esse protocolo, mas como tudo é muito novo, não temos garantia de 100%, se funciona ou não”, pondera.

Higienização das malas na empresa ItBrands Foto: Werther Santana/Estadão

Também começam a aparecer soluções específicas para varejo de vestuário. Já há no mercado um produto desenvolvido por uma empresa brasileira de biotecnologia, a Visto.bio, que pulverizado na roupa evitaria a proliferação de microorganismos, dispensando a lavagem da peça. Depois da pandemia do novo coronavírus, o fabricante agregou álcool com concentração de 70% à fórmula e, segundo a empresa, essa nova formulação permitiria a eliminação do vírus sem danificar a roupa.

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O médico Alexandre Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Unesp, diz que existe o risco de contágio porque o vírus pode ficar no tecido por um espaço de tempo variável, a depender do tipo de material. Mas ele explica que, se a roupa ficar em quarentena por quatro dias depois de ter sido provada, após esse período o vírus estará morto. “Depois disso, é impossível que ele esteja ativo.”

Consumo

Manter a auto-estima, ser solidário em relação à sobrevivência de pequenos negócios, ser atraído pelos descontos e só ter vontade mesmo de comprar são alguns dos motivos apontados pelas consumidoras que foram às compras em tempos de pandemia.

Em dois meses e meio de isolamento social, a bancária Caroline Rocha, de 28 anos, já recebeu três “malinhas” em casa e nunca tinha adquirido produtos desta forma. “Comprei bastante”, admite a bancária, sem revelar a cifra. Entre saias, vestidos e calças, ela ficou com nove peças de roupa nova.

Trabalhando em home office e mesmo não tendo para onde ir, Caroline explica que o motivo da compra é auto-estima. “Apesar de eu não estar saindo, gosto de estar bem arrumada em casa.” Se tivesse a possibilidade de ir à loja, acredita que gastaria mais. “A compra em casa é mais racional, mas pensada”, observa.

Apesar de também querer estar arrumada nas reuniões de vídeo que faz com amigos, Alessandra Jazra, de 49 anos, diz que foi vontade mesmo de comprar que a fez consumir itens de vestuário durante a quarentena. “Fiquei mais de um mês sem comprar, me deu uma angústia, preciso consumir”, diz ela.

Na semana passada, ela recebeu uma “malinha” com 17 peças e comprou três: uma blusa de manga comprida, uma batinha e um vestido. Gastou R$ 300 e vai parcelar. Alessandra conta que não é apenas ela que é consumista na família. Desde que começou a pandemia, a mãe, a sobrinha e as amigas da sobrinha também pediram “malinha”. Além da simples vontade de comprar e de manter a auto-estima, a vendedora que está em casa acredita que os descontos oferecidos têm atraído compradores. “20% de abatimento faz a diferença.”

Solidariedade

A empresária Susana Koln, de 45 anos, dona de uma corretora de seguros, também aderiu às “malinhas”. Desde que começou o isolamento, comprou 12 peças de roupa, que compartilha com as duas filhas.

A empresária Susana Koln, que comprou produtos vendidos em domicílio, as "malinhas" de roupas no período de pandemia Foto: Alex Silva/Estadão

Ela diz que gosta de estar bem vestida nas reuniões de vídeo que faz de casa com os clientes e que também tem prazer de consumir. Reconhece que não precisava comprar um vestido sem mangas que vai usar só no verão, por exemplo. Ela ressalta que, neste momento, tem sido movida ao consumo também por uma por uma questão social. “Se quem tem condições não tiver algum comportamento de consumo, a economia vai parar de vez”, afirma.

Susana explica que, da verdura da feira à roupa nova, tem dado preferência para comprar de pequenos empreendedores, que são os mais afetados nesses tempos de pandemia. E, neste aspecto, a compra de itens de vestuário de pequenas marcas que vem nas“malinhas” casa com o seu propósito atual de ajudar os mais fragilizados.

A pandemia de coronavírus trouxe de volta as tradicionais sacoleiras, que levavam as mercadorias até a casa do consumidor muito antes da era do e-commerce. Essa velha maneira de comercializar mercadorias ganhou força nos últimos meses e está agora repaginada, numa espécie de “Rappi da moda”. Com a proibição da abertura de lojas físicas de itens não essenciais desde o final de março na cidade de São Paulo, comércios de artigos de vestuário e pequenas confecções começaram a preparar “malinhas” com produtos para entregar no endereço do cliente.

Nessas malas de viagem, várias de fibra rígida, são colocadas blusas, vestidos, sapatos e entre outros itens de vestuário. Há até quem incremente a bagagem com máscaras, álcool em gel, chocolates e mensagens para que o cliente doe as roupas antigas, tudo num ambiente perfumado. Com o produto certo e esses agrados, a expectativa é que o consumidor volte às compras e alivie um pouco o tombo registrado pelas lojas físicas. No mês passado, a queda de vendas no comércio tradicional da capital paulista beirou 70% comparado a maio de 2019, segundo a Associação Comercial de São Paulo.

Ana Curan, sócia da Cia. Curan, entregando a encomenda a Alessandra Jazra Foto: Werther Santana/Estadão

“É a volta da sacoleira, como eu comecei vendendo roupas na época de faculdade”, relembra Ana Curan, sócia da Cia. Curan, loja multimarca de moda feminina. Há 23 anos instalada na Vila Madalena, zona oeste da capital, a empresária está com o ponto de venda fechado desde 19 de março. Para recuperar parte da receita, abriu um e-commerce e também consultou as clientes para saber se queriam receber “sacolinhas” com produtos. “Todo mundo quis: as nossas clientes gostam mais da velha ‘sacolinha’ do que da loja online.”

Há mais de dois meses em casa, sem ver e ser visto, qual seria o motivo para alguém querer comprar uma roupa nova?Cássia Isbener, dona do ateliê de moda para tamanhos grandes que leva o seu nome, argumenta que muitas das suas clientes estão trabalhando em casa neste momento e têm de participar de conferências de vídeo. “Elas precisam estar bem arrumadas.” Desde o início do isolamento, a microempresária já entregou 30 malinhas.

“As pessoas não estão comprando vestido de festa nem sapato de salto. São roupas confortáveis, é uma espécie de auto-agrado”, explica a empresária Eva Bichucher. Sócia da plataforma de eventos ItBrands, com a pandemia ela se viu impedida de continuar promovendo as feiras que fazia para apresentar marcas exclusivas de pequenos confeccionistasa um seleto grupo de consumidores.

A saída encontrada por Eva e a sócia Luciana Gianella foi criar um evento alternativo. Reuniu produtos de 25 marcas, enviou fotos das coleções de moda para as clientes e, com ajuda de estilistas, fez malas com os itens escolhidos. As malas foram entregues nas casas de quem fez os pedidos. Batizado de “ItBrands at home”, o evento realizado na semana passada estava preparado para atender 200 clientes. Até quarta-feira, tinham sido enviadas 70 malas e, destas, em todas houve a aquisição de algum item. “A gente sempre quis oferecer o serviço de entrega rápida, ser o Rappi da moda”, revela Eva.

Com a paralisação nas vendas provocada pela pandemia, a empresária conta que as pequenas marcas de artigos de vestuário ficaram desesperadas. E com o novo serviço de malinhas foi possível desafogar parte da nova coleção. 

Ao contrário da loja física, a venda em domicílio dá mais trabalho e traz menos resultados para o comerciante. O lojista tem de conhecer o gosto do cliente, fazer a seleção de peças adequadas e entregar a mercadoria. Tudo isso sem ter a garantia de compra.

Também há outro fator que joga contra avenda. É que dentro de casa a compra tende a ser mais racional do que no ambiente de loja, o consumo por impulso perde força e o volume comprado acaba sendo menor. “Mas, na atual conjuntura, é esse tipo de venda é que está salvando a gente”, admite Sérgio Tonus, dono da Tonus Moda Contemporânea, que está com a loja física fechada desde 24 de março. Com a entrega das “malinhas”, Sérgio e Ana, da Cia Curan,ambos voltados para um público de classe média alta, têm conseguido vender 30% do que fariam se a loja estivesse aberta.

“Ganha-se muito pouco com as malinhas perto da loja física, mas é mais para manter os canais de abertos”, diz Juliana Bicudo, dona da marca de calçados artesanais que levam o seu nome. Desde começo do isolamento social, ela fechou a loja e entregou 25 malinhas na casa das clientes. Destas, apenas duas não compraram nenhuma peça. O preço do par sapato da marca gira em torno de R$ 800.

Contágio

Um ponto polêmico deste tipo de venda é o risco de contaminação do vírus. Como a roupa sai da loja, vai para a casa do cliente, pode voltar novamente para a loja e ir para casa de outra pessoa, a questão que fica é até que ponto esse vaivém de mercadoria, que é provada por várias pessoas, não ampliaria a disseminação da covid-19.

Cássia Isbener explica que a roupa é devolvida fica exposta numa arara, onde é pulverizada com um spray a base lysoform. Em algumas peças é passado um vaporizador. “Hoje em dia é o máximo que a gente pode fazer”, diz a empresária.

Eva, da ItBrands, conta que, além do usar o vaporizador, pulveriza álcool com concentração 70% nas roupas devolvidas. “Estamos seguindo esse protocolo, mas como tudo é muito novo, não temos garantia de 100%, se funciona ou não”, pondera.

Higienização das malas na empresa ItBrands Foto: Werther Santana/Estadão

Também começam a aparecer soluções específicas para varejo de vestuário. Já há no mercado um produto desenvolvido por uma empresa brasileira de biotecnologia, a Visto.bio, que pulverizado na roupa evitaria a proliferação de microorganismos, dispensando a lavagem da peça. Depois da pandemia do novo coronavírus, o fabricante agregou álcool com concentração de 70% à fórmula e, segundo a empresa, essa nova formulação permitiria a eliminação do vírus sem danificar a roupa.

O médico Alexandre Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Unesp, diz que existe o risco de contágio porque o vírus pode ficar no tecido por um espaço de tempo variável, a depender do tipo de material. Mas ele explica que, se a roupa ficar em quarentena por quatro dias depois de ter sido provada, após esse período o vírus estará morto. “Depois disso, é impossível que ele esteja ativo.”

Consumo

Manter a auto-estima, ser solidário em relação à sobrevivência de pequenos negócios, ser atraído pelos descontos e só ter vontade mesmo de comprar são alguns dos motivos apontados pelas consumidoras que foram às compras em tempos de pandemia.

Em dois meses e meio de isolamento social, a bancária Caroline Rocha, de 28 anos, já recebeu três “malinhas” em casa e nunca tinha adquirido produtos desta forma. “Comprei bastante”, admite a bancária, sem revelar a cifra. Entre saias, vestidos e calças, ela ficou com nove peças de roupa nova.

Trabalhando em home office e mesmo não tendo para onde ir, Caroline explica que o motivo da compra é auto-estima. “Apesar de eu não estar saindo, gosto de estar bem arrumada em casa.” Se tivesse a possibilidade de ir à loja, acredita que gastaria mais. “A compra em casa é mais racional, mas pensada”, observa.

Apesar de também querer estar arrumada nas reuniões de vídeo que faz com amigos, Alessandra Jazra, de 49 anos, diz que foi vontade mesmo de comprar que a fez consumir itens de vestuário durante a quarentena. “Fiquei mais de um mês sem comprar, me deu uma angústia, preciso consumir”, diz ela.

Na semana passada, ela recebeu uma “malinha” com 17 peças e comprou três: uma blusa de manga comprida, uma batinha e um vestido. Gastou R$ 300 e vai parcelar. Alessandra conta que não é apenas ela que é consumista na família. Desde que começou a pandemia, a mãe, a sobrinha e as amigas da sobrinha também pediram “malinha”. Além da simples vontade de comprar e de manter a auto-estima, a vendedora que está em casa acredita que os descontos oferecidos têm atraído compradores. “20% de abatimento faz a diferença.”

Solidariedade

A empresária Susana Koln, de 45 anos, dona de uma corretora de seguros, também aderiu às “malinhas”. Desde que começou o isolamento, comprou 12 peças de roupa, que compartilha com as duas filhas.

A empresária Susana Koln, que comprou produtos vendidos em domicílio, as "malinhas" de roupas no período de pandemia Foto: Alex Silva/Estadão

Ela diz que gosta de estar bem vestida nas reuniões de vídeo que faz de casa com os clientes e que também tem prazer de consumir. Reconhece que não precisava comprar um vestido sem mangas que vai usar só no verão, por exemplo. Ela ressalta que, neste momento, tem sido movida ao consumo também por uma por uma questão social. “Se quem tem condições não tiver algum comportamento de consumo, a economia vai parar de vez”, afirma.

Susana explica que, da verdura da feira à roupa nova, tem dado preferência para comprar de pequenos empreendedores, que são os mais afetados nesses tempos de pandemia. E, neste aspecto, a compra de itens de vestuário de pequenas marcas que vem nas“malinhas” casa com o seu propósito atual de ajudar os mais fragilizados.

A pandemia de coronavírus trouxe de volta as tradicionais sacoleiras, que levavam as mercadorias até a casa do consumidor muito antes da era do e-commerce. Essa velha maneira de comercializar mercadorias ganhou força nos últimos meses e está agora repaginada, numa espécie de “Rappi da moda”. Com a proibição da abertura de lojas físicas de itens não essenciais desde o final de março na cidade de São Paulo, comércios de artigos de vestuário e pequenas confecções começaram a preparar “malinhas” com produtos para entregar no endereço do cliente.

Nessas malas de viagem, várias de fibra rígida, são colocadas blusas, vestidos, sapatos e entre outros itens de vestuário. Há até quem incremente a bagagem com máscaras, álcool em gel, chocolates e mensagens para que o cliente doe as roupas antigas, tudo num ambiente perfumado. Com o produto certo e esses agrados, a expectativa é que o consumidor volte às compras e alivie um pouco o tombo registrado pelas lojas físicas. No mês passado, a queda de vendas no comércio tradicional da capital paulista beirou 70% comparado a maio de 2019, segundo a Associação Comercial de São Paulo.

Ana Curan, sócia da Cia. Curan, entregando a encomenda a Alessandra Jazra Foto: Werther Santana/Estadão

“É a volta da sacoleira, como eu comecei vendendo roupas na época de faculdade”, relembra Ana Curan, sócia da Cia. Curan, loja multimarca de moda feminina. Há 23 anos instalada na Vila Madalena, zona oeste da capital, a empresária está com o ponto de venda fechado desde 19 de março. Para recuperar parte da receita, abriu um e-commerce e também consultou as clientes para saber se queriam receber “sacolinhas” com produtos. “Todo mundo quis: as nossas clientes gostam mais da velha ‘sacolinha’ do que da loja online.”

Há mais de dois meses em casa, sem ver e ser visto, qual seria o motivo para alguém querer comprar uma roupa nova?Cássia Isbener, dona do ateliê de moda para tamanhos grandes que leva o seu nome, argumenta que muitas das suas clientes estão trabalhando em casa neste momento e têm de participar de conferências de vídeo. “Elas precisam estar bem arrumadas.” Desde o início do isolamento, a microempresária já entregou 30 malinhas.

“As pessoas não estão comprando vestido de festa nem sapato de salto. São roupas confortáveis, é uma espécie de auto-agrado”, explica a empresária Eva Bichucher. Sócia da plataforma de eventos ItBrands, com a pandemia ela se viu impedida de continuar promovendo as feiras que fazia para apresentar marcas exclusivas de pequenos confeccionistasa um seleto grupo de consumidores.

A saída encontrada por Eva e a sócia Luciana Gianella foi criar um evento alternativo. Reuniu produtos de 25 marcas, enviou fotos das coleções de moda para as clientes e, com ajuda de estilistas, fez malas com os itens escolhidos. As malas foram entregues nas casas de quem fez os pedidos. Batizado de “ItBrands at home”, o evento realizado na semana passada estava preparado para atender 200 clientes. Até quarta-feira, tinham sido enviadas 70 malas e, destas, em todas houve a aquisição de algum item. “A gente sempre quis oferecer o serviço de entrega rápida, ser o Rappi da moda”, revela Eva.

Com a paralisação nas vendas provocada pela pandemia, a empresária conta que as pequenas marcas de artigos de vestuário ficaram desesperadas. E com o novo serviço de malinhas foi possível desafogar parte da nova coleção. 

Ao contrário da loja física, a venda em domicílio dá mais trabalho e traz menos resultados para o comerciante. O lojista tem de conhecer o gosto do cliente, fazer a seleção de peças adequadas e entregar a mercadoria. Tudo isso sem ter a garantia de compra.

Também há outro fator que joga contra avenda. É que dentro de casa a compra tende a ser mais racional do que no ambiente de loja, o consumo por impulso perde força e o volume comprado acaba sendo menor. “Mas, na atual conjuntura, é esse tipo de venda é que está salvando a gente”, admite Sérgio Tonus, dono da Tonus Moda Contemporânea, que está com a loja física fechada desde 24 de março. Com a entrega das “malinhas”, Sérgio e Ana, da Cia Curan,ambos voltados para um público de classe média alta, têm conseguido vender 30% do que fariam se a loja estivesse aberta.

“Ganha-se muito pouco com as malinhas perto da loja física, mas é mais para manter os canais de abertos”, diz Juliana Bicudo, dona da marca de calçados artesanais que levam o seu nome. Desde começo do isolamento social, ela fechou a loja e entregou 25 malinhas na casa das clientes. Destas, apenas duas não compraram nenhuma peça. O preço do par sapato da marca gira em torno de R$ 800.

Contágio

Um ponto polêmico deste tipo de venda é o risco de contaminação do vírus. Como a roupa sai da loja, vai para a casa do cliente, pode voltar novamente para a loja e ir para casa de outra pessoa, a questão que fica é até que ponto esse vaivém de mercadoria, que é provada por várias pessoas, não ampliaria a disseminação da covid-19.

Cássia Isbener explica que a roupa é devolvida fica exposta numa arara, onde é pulverizada com um spray a base lysoform. Em algumas peças é passado um vaporizador. “Hoje em dia é o máximo que a gente pode fazer”, diz a empresária.

Eva, da ItBrands, conta que, além do usar o vaporizador, pulveriza álcool com concentração 70% nas roupas devolvidas. “Estamos seguindo esse protocolo, mas como tudo é muito novo, não temos garantia de 100%, se funciona ou não”, pondera.

Higienização das malas na empresa ItBrands Foto: Werther Santana/Estadão

Também começam a aparecer soluções específicas para varejo de vestuário. Já há no mercado um produto desenvolvido por uma empresa brasileira de biotecnologia, a Visto.bio, que pulverizado na roupa evitaria a proliferação de microorganismos, dispensando a lavagem da peça. Depois da pandemia do novo coronavírus, o fabricante agregou álcool com concentração de 70% à fórmula e, segundo a empresa, essa nova formulação permitiria a eliminação do vírus sem danificar a roupa.

O médico Alexandre Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Unesp, diz que existe o risco de contágio porque o vírus pode ficar no tecido por um espaço de tempo variável, a depender do tipo de material. Mas ele explica que, se a roupa ficar em quarentena por quatro dias depois de ter sido provada, após esse período o vírus estará morto. “Depois disso, é impossível que ele esteja ativo.”

Consumo

Manter a auto-estima, ser solidário em relação à sobrevivência de pequenos negócios, ser atraído pelos descontos e só ter vontade mesmo de comprar são alguns dos motivos apontados pelas consumidoras que foram às compras em tempos de pandemia.

Em dois meses e meio de isolamento social, a bancária Caroline Rocha, de 28 anos, já recebeu três “malinhas” em casa e nunca tinha adquirido produtos desta forma. “Comprei bastante”, admite a bancária, sem revelar a cifra. Entre saias, vestidos e calças, ela ficou com nove peças de roupa nova.

Trabalhando em home office e mesmo não tendo para onde ir, Caroline explica que o motivo da compra é auto-estima. “Apesar de eu não estar saindo, gosto de estar bem arrumada em casa.” Se tivesse a possibilidade de ir à loja, acredita que gastaria mais. “A compra em casa é mais racional, mas pensada”, observa.

Apesar de também querer estar arrumada nas reuniões de vídeo que faz com amigos, Alessandra Jazra, de 49 anos, diz que foi vontade mesmo de comprar que a fez consumir itens de vestuário durante a quarentena. “Fiquei mais de um mês sem comprar, me deu uma angústia, preciso consumir”, diz ela.

Na semana passada, ela recebeu uma “malinha” com 17 peças e comprou três: uma blusa de manga comprida, uma batinha e um vestido. Gastou R$ 300 e vai parcelar. Alessandra conta que não é apenas ela que é consumista na família. Desde que começou a pandemia, a mãe, a sobrinha e as amigas da sobrinha também pediram “malinha”. Além da simples vontade de comprar e de manter a auto-estima, a vendedora que está em casa acredita que os descontos oferecidos têm atraído compradores. “20% de abatimento faz a diferença.”

Solidariedade

A empresária Susana Koln, de 45 anos, dona de uma corretora de seguros, também aderiu às “malinhas”. Desde que começou o isolamento, comprou 12 peças de roupa, que compartilha com as duas filhas.

A empresária Susana Koln, que comprou produtos vendidos em domicílio, as "malinhas" de roupas no período de pandemia Foto: Alex Silva/Estadão

Ela diz que gosta de estar bem vestida nas reuniões de vídeo que faz de casa com os clientes e que também tem prazer de consumir. Reconhece que não precisava comprar um vestido sem mangas que vai usar só no verão, por exemplo. Ela ressalta que, neste momento, tem sido movida ao consumo também por uma por uma questão social. “Se quem tem condições não tiver algum comportamento de consumo, a economia vai parar de vez”, afirma.

Susana explica que, da verdura da feira à roupa nova, tem dado preferência para comprar de pequenos empreendedores, que são os mais afetados nesses tempos de pandemia. E, neste aspecto, a compra de itens de vestuário de pequenas marcas que vem nas“malinhas” casa com o seu propósito atual de ajudar os mais fragilizados.

A pandemia de coronavírus trouxe de volta as tradicionais sacoleiras, que levavam as mercadorias até a casa do consumidor muito antes da era do e-commerce. Essa velha maneira de comercializar mercadorias ganhou força nos últimos meses e está agora repaginada, numa espécie de “Rappi da moda”. Com a proibição da abertura de lojas físicas de itens não essenciais desde o final de março na cidade de São Paulo, comércios de artigos de vestuário e pequenas confecções começaram a preparar “malinhas” com produtos para entregar no endereço do cliente.

Nessas malas de viagem, várias de fibra rígida, são colocadas blusas, vestidos, sapatos e entre outros itens de vestuário. Há até quem incremente a bagagem com máscaras, álcool em gel, chocolates e mensagens para que o cliente doe as roupas antigas, tudo num ambiente perfumado. Com o produto certo e esses agrados, a expectativa é que o consumidor volte às compras e alivie um pouco o tombo registrado pelas lojas físicas. No mês passado, a queda de vendas no comércio tradicional da capital paulista beirou 70% comparado a maio de 2019, segundo a Associação Comercial de São Paulo.

Ana Curan, sócia da Cia. Curan, entregando a encomenda a Alessandra Jazra Foto: Werther Santana/Estadão

“É a volta da sacoleira, como eu comecei vendendo roupas na época de faculdade”, relembra Ana Curan, sócia da Cia. Curan, loja multimarca de moda feminina. Há 23 anos instalada na Vila Madalena, zona oeste da capital, a empresária está com o ponto de venda fechado desde 19 de março. Para recuperar parte da receita, abriu um e-commerce e também consultou as clientes para saber se queriam receber “sacolinhas” com produtos. “Todo mundo quis: as nossas clientes gostam mais da velha ‘sacolinha’ do que da loja online.”

Há mais de dois meses em casa, sem ver e ser visto, qual seria o motivo para alguém querer comprar uma roupa nova?Cássia Isbener, dona do ateliê de moda para tamanhos grandes que leva o seu nome, argumenta que muitas das suas clientes estão trabalhando em casa neste momento e têm de participar de conferências de vídeo. “Elas precisam estar bem arrumadas.” Desde o início do isolamento, a microempresária já entregou 30 malinhas.

“As pessoas não estão comprando vestido de festa nem sapato de salto. São roupas confortáveis, é uma espécie de auto-agrado”, explica a empresária Eva Bichucher. Sócia da plataforma de eventos ItBrands, com a pandemia ela se viu impedida de continuar promovendo as feiras que fazia para apresentar marcas exclusivas de pequenos confeccionistasa um seleto grupo de consumidores.

A saída encontrada por Eva e a sócia Luciana Gianella foi criar um evento alternativo. Reuniu produtos de 25 marcas, enviou fotos das coleções de moda para as clientes e, com ajuda de estilistas, fez malas com os itens escolhidos. As malas foram entregues nas casas de quem fez os pedidos. Batizado de “ItBrands at home”, o evento realizado na semana passada estava preparado para atender 200 clientes. Até quarta-feira, tinham sido enviadas 70 malas e, destas, em todas houve a aquisição de algum item. “A gente sempre quis oferecer o serviço de entrega rápida, ser o Rappi da moda”, revela Eva.

Com a paralisação nas vendas provocada pela pandemia, a empresária conta que as pequenas marcas de artigos de vestuário ficaram desesperadas. E com o novo serviço de malinhas foi possível desafogar parte da nova coleção. 

Ao contrário da loja física, a venda em domicílio dá mais trabalho e traz menos resultados para o comerciante. O lojista tem de conhecer o gosto do cliente, fazer a seleção de peças adequadas e entregar a mercadoria. Tudo isso sem ter a garantia de compra.

Também há outro fator que joga contra avenda. É que dentro de casa a compra tende a ser mais racional do que no ambiente de loja, o consumo por impulso perde força e o volume comprado acaba sendo menor. “Mas, na atual conjuntura, é esse tipo de venda é que está salvando a gente”, admite Sérgio Tonus, dono da Tonus Moda Contemporânea, que está com a loja física fechada desde 24 de março. Com a entrega das “malinhas”, Sérgio e Ana, da Cia Curan,ambos voltados para um público de classe média alta, têm conseguido vender 30% do que fariam se a loja estivesse aberta.

“Ganha-se muito pouco com as malinhas perto da loja física, mas é mais para manter os canais de abertos”, diz Juliana Bicudo, dona da marca de calçados artesanais que levam o seu nome. Desde começo do isolamento social, ela fechou a loja e entregou 25 malinhas na casa das clientes. Destas, apenas duas não compraram nenhuma peça. O preço do par sapato da marca gira em torno de R$ 800.

Contágio

Um ponto polêmico deste tipo de venda é o risco de contaminação do vírus. Como a roupa sai da loja, vai para a casa do cliente, pode voltar novamente para a loja e ir para casa de outra pessoa, a questão que fica é até que ponto esse vaivém de mercadoria, que é provada por várias pessoas, não ampliaria a disseminação da covid-19.

Cássia Isbener explica que a roupa é devolvida fica exposta numa arara, onde é pulverizada com um spray a base lysoform. Em algumas peças é passado um vaporizador. “Hoje em dia é o máximo que a gente pode fazer”, diz a empresária.

Eva, da ItBrands, conta que, além do usar o vaporizador, pulveriza álcool com concentração 70% nas roupas devolvidas. “Estamos seguindo esse protocolo, mas como tudo é muito novo, não temos garantia de 100%, se funciona ou não”, pondera.

Higienização das malas na empresa ItBrands Foto: Werther Santana/Estadão

Também começam a aparecer soluções específicas para varejo de vestuário. Já há no mercado um produto desenvolvido por uma empresa brasileira de biotecnologia, a Visto.bio, que pulverizado na roupa evitaria a proliferação de microorganismos, dispensando a lavagem da peça. Depois da pandemia do novo coronavírus, o fabricante agregou álcool com concentração de 70% à fórmula e, segundo a empresa, essa nova formulação permitiria a eliminação do vírus sem danificar a roupa.

O médico Alexandre Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Unesp, diz que existe o risco de contágio porque o vírus pode ficar no tecido por um espaço de tempo variável, a depender do tipo de material. Mas ele explica que, se a roupa ficar em quarentena por quatro dias depois de ter sido provada, após esse período o vírus estará morto. “Depois disso, é impossível que ele esteja ativo.”

Consumo

Manter a auto-estima, ser solidário em relação à sobrevivência de pequenos negócios, ser atraído pelos descontos e só ter vontade mesmo de comprar são alguns dos motivos apontados pelas consumidoras que foram às compras em tempos de pandemia.

Em dois meses e meio de isolamento social, a bancária Caroline Rocha, de 28 anos, já recebeu três “malinhas” em casa e nunca tinha adquirido produtos desta forma. “Comprei bastante”, admite a bancária, sem revelar a cifra. Entre saias, vestidos e calças, ela ficou com nove peças de roupa nova.

Trabalhando em home office e mesmo não tendo para onde ir, Caroline explica que o motivo da compra é auto-estima. “Apesar de eu não estar saindo, gosto de estar bem arrumada em casa.” Se tivesse a possibilidade de ir à loja, acredita que gastaria mais. “A compra em casa é mais racional, mas pensada”, observa.

Apesar de também querer estar arrumada nas reuniões de vídeo que faz com amigos, Alessandra Jazra, de 49 anos, diz que foi vontade mesmo de comprar que a fez consumir itens de vestuário durante a quarentena. “Fiquei mais de um mês sem comprar, me deu uma angústia, preciso consumir”, diz ela.

Na semana passada, ela recebeu uma “malinha” com 17 peças e comprou três: uma blusa de manga comprida, uma batinha e um vestido. Gastou R$ 300 e vai parcelar. Alessandra conta que não é apenas ela que é consumista na família. Desde que começou a pandemia, a mãe, a sobrinha e as amigas da sobrinha também pediram “malinha”. Além da simples vontade de comprar e de manter a auto-estima, a vendedora que está em casa acredita que os descontos oferecidos têm atraído compradores. “20% de abatimento faz a diferença.”

Solidariedade

A empresária Susana Koln, de 45 anos, dona de uma corretora de seguros, também aderiu às “malinhas”. Desde que começou o isolamento, comprou 12 peças de roupa, que compartilha com as duas filhas.

A empresária Susana Koln, que comprou produtos vendidos em domicílio, as "malinhas" de roupas no período de pandemia Foto: Alex Silva/Estadão

Ela diz que gosta de estar bem vestida nas reuniões de vídeo que faz de casa com os clientes e que também tem prazer de consumir. Reconhece que não precisava comprar um vestido sem mangas que vai usar só no verão, por exemplo. Ela ressalta que, neste momento, tem sido movida ao consumo também por uma por uma questão social. “Se quem tem condições não tiver algum comportamento de consumo, a economia vai parar de vez”, afirma.

Susana explica que, da verdura da feira à roupa nova, tem dado preferência para comprar de pequenos empreendedores, que são os mais afetados nesses tempos de pandemia. E, neste aspecto, a compra de itens de vestuário de pequenas marcas que vem nas“malinhas” casa com o seu propósito atual de ajudar os mais fragilizados.

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