Parece até usina nuclear: visitamos na Ásia um centro de radioterapia turbinada contra o câncer


‘Estadão’ foi a uma das únicas unidades médicas no mundo, em Taiwan, com tratamento focado nas células tumorais e que tem menos danos aos tecidos saudáveis. Veja vídeo

Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A TAIPEI, TAIWAN - Enquanto o Brasil sofre para oferecer radioterapia tradicional a todos os pacientes com câncer que precisam, alguns poucos centros médicos no mundo já tratam seus doentes com um novo tipo de tratamento radioterápico, mais potente contra as células tumorais e menos tóxico para os tecidos saudáveis.

O mais recente país a oferecer a chamada radioterapia com íons de carbono (também conhecida como terapia de íons pesados ou hadronterapia), é Taiwan, cujo novo centro médico, inaugurado no dia 15, foi visitado pelo Estadão. Além de Taiwan, apenas cinco países contam com a tecnologia no mundo: Alemanha, Áustria, Itália, China e Japão.

O centro de terapia com íons pesados de Taiwan está no Taipei Veterans General Hospital, unidade pública na capital do país. O tratamento utiliza íons de carbono, partículas mais pesadas, para produzir o feixe de radiação que é aplicado no paciente. Na radioterapia tradicional, são utilizados geralmente fótons, partículas mais leves, como as de raios X.

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Com o uso de íon de carbono, a radiação que chega até as células tumorais é até três vezes mais potente do que a da radioterapia tradicional, o que aumenta a chance de destruir o DNA do tumor, impedindo, assim, que ele continue se multiplicando.

Para que isso seja possível, os centros de tratamento precisam de um síncrotron, equipamento gigante que tem como função usar energia para acelerar partículas em altas velocidades. “Conseguimos acelerar a partícula a 70% da velocidade da luz (200 mil km/s) e isso faz com que o feixe chegue com muito mais energia e potência no tumor”, diz Wei-Ming Chen, superintendente do Taipei Veterans General Hospital.

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A tecnologia também permite que a energia dos íons gerada no acelerador seja canalizada no local específico do tumor, sem que haja grande dispersão de radiação para os tecidos saudáveis ao redor. Essa dispersão indesejada ocorre na radioterapia tradicional e pode causar danos a órgãos próximos e aumentar o risco de aparecimento de outros tumores no longo prazo.

”Tratamos o paciente de modo preciso, com acurácia de 0,05 milímetros”, afirma Yu-Ming Liu, diretor do departamento de radio-oncologia do hospital. A espessura do feixe de radiação é inferior à de um fio de cabelo (0,1 milímetro).

Paciente recebe feixe de radiação com precisão de 0,05 milímetros, espessura inferior a um fio de cabelo Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão
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Paredes de 6,5 metros de espessura protegem da radiação

O síncrotron do centro taiwanês tem 17 metros de diâmetro e uma estrutura circular composta por “túneis” por onde a energia passa. Por causa dos avisos de perigo em todo o prédio e do tamanho do equipamento, visitar o local dá a impressão de estar entrando em espaços de uma usina nuclear.

Mas todo o prédio é pensado para garantir a segurança dos que trabalham e se tratam no local. A visita da reportagem só foi possível porque, naquele momento, o equipamento não estava em operação. Para proteger profissionais e pacientes de eventual vazamento indevido de radiação quando a máquina estiver funcionando, as paredes das salas de tratamento têm 6,5 metros de espessura. O custo para a construção do centro de tratamento em Taipei foi de U$ 147 milhões (R$ 735 milhões).

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O síncrotron fica em um espaço vizinho às duas salas de tratamento no centro. As partículas que são aceleradas por meio da máquina são transportadas por meio do “sistema de túneis” até o local onde o paciente recebe o feixe de radiação.

De acordo com os especialistas taiwaneses, a radioterapia com íons de carbono pode ser usada em diferentes tipos de tumores sólidos, mas é especialmente benéfica em cânceres localizados em áreas de difícil acesso e tratamento, como os de cabeça, pescoço e pulmão.

Síncrotron é capaz de acelerar partículas a 200 mil quilômetros por segundo, ampliando o poder da radiação no tratamento de tumores Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão
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Segundo especialistas brasileiros ouvidos pelo Estadão, tratamentos radioterápicos com íons pesados podem trazer grande benefício também para cânceres infantis. “Com a radiação mais precisa nas células tumorais, é possível proteger os tecidos normais ao redor que estão em crescimento e, assim, diminuir uma eventual dosagem carcinogênica que poderia causar outro tumor naquele paciente décadas depois”, explica Eduardo Weltman, professor doutor de radioterapia da Faculdade de Medicina da USP e coordenador médico do serviço de radioterapia do Hospital Israelita Albert Einstein.

No caso de tumores de adultos, o cordoma é um dos que poderia ser melhor tratado com a tecnologia. “Esse é um tumor no cérebro muito resistente à radioterapia tradicional e, por isso, teria indicação da terapia com íons pesados”, diz Arthur Accioly Rosa, presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e líder de especialidade de radioterapia do Grupo Oncoclínicas.

Realidade brasileira

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Os médicos explicam que nem a radioterapia com íon de carbono nem uma técnica similar, a terapia com prótons, estão disponíveis no Brasil. A segunda é uma precursora da terapia com íon de carbono e também tem mais precisão e potência que o tratamento convencional. Ela está disponível em mais centros do mundo, em países da América do Norte, Europa e Ásia. “Infelizmente, é um investimento alto, mas que beneficiaria muitas crianças”, diz Rosa.

“Para comprar o aparelho e construir um centro de terapia de prótons, custaria algo em torno de U$ 35 milhões (R$ 175 milhões), além do valor de manutenção anual de U$ 2,5 milhões (R$ 12,5 milhões). No caso do centro com íon de carbono, seria ainda mais caro”, afirma Weltman.

O especialista da USP diz que aproximadamente 50% a 60% dos pacientes pediátricos diagnosticados com câncer teriam benefício se tivessem acesso à terapia. Já entre os adultos, ele estima que 5% a 10% poderiam ter desfecho melhor com a técnica. Ele conta que o Hospital das Clínicas da USP e o Einstein estudam há anos a possibilidade de trazer a tecnologia para o Brasil, mas o alto custo é um entrave.

Centro de terapia com íons pesados no Taipei Veterans General Hospital, em Taiwan, teve custo de U$ 147 milhões Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Os especialistas destacam ainda que, pelo fato de a tecnologia estar presente em apenas alguns centros no mundo e ter sido aplicada em poucos pacientes, ainda são necessários mais estudos científicos para mostrar quais tumores, além dos já conhecidos, seriam impactados de forma significativa pela terapia. “Em alguns casos, não vai fazer tanta diferença usar a radioterapia tradicional ou a de próton ou íon de carbono”, afirma Weltman, da USP.

Rosa lembra que, no Brasil, mesmo a mais básica radioterapia tridimensional, tipo de tecnologia que permite algum nível de precisão, está presente em poucos serviços do SUS. A radioterapia de intensidade modulada (IMRT), por exemplo, está disponível somente em 21% das unidades públicas que oferecem tratamento radioterápico. Na saúde suplementar, 77% dos serviços contam com a tecnologia.

“Quando falamos da realidade brasileira, ainda estamos muito imaturos nas tecnologias existentes no mundo. Além disso, há milhares de pessoas com câncer que sequer têm acesso à radioterapia mais básica”, diz. Segundo estimativa feita pela Sociedade Brasileira de Radioterapia, nos últimos 15 anos, cerca de 1 milhão de pacientes que teriam indicação de radioterapia não fizeram esse tratamento no sistema público, o que teria levado a mais de 110 mil mortes.

* A repórter viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores de Taiwan

ENVIADA ESPECIAL A TAIPEI, TAIWAN - Enquanto o Brasil sofre para oferecer radioterapia tradicional a todos os pacientes com câncer que precisam, alguns poucos centros médicos no mundo já tratam seus doentes com um novo tipo de tratamento radioterápico, mais potente contra as células tumorais e menos tóxico para os tecidos saudáveis.

O mais recente país a oferecer a chamada radioterapia com íons de carbono (também conhecida como terapia de íons pesados ou hadronterapia), é Taiwan, cujo novo centro médico, inaugurado no dia 15, foi visitado pelo Estadão. Além de Taiwan, apenas cinco países contam com a tecnologia no mundo: Alemanha, Áustria, Itália, China e Japão.

O centro de terapia com íons pesados de Taiwan está no Taipei Veterans General Hospital, unidade pública na capital do país. O tratamento utiliza íons de carbono, partículas mais pesadas, para produzir o feixe de radiação que é aplicado no paciente. Na radioterapia tradicional, são utilizados geralmente fótons, partículas mais leves, como as de raios X.

Com o uso de íon de carbono, a radiação que chega até as células tumorais é até três vezes mais potente do que a da radioterapia tradicional, o que aumenta a chance de destruir o DNA do tumor, impedindo, assim, que ele continue se multiplicando.

Para que isso seja possível, os centros de tratamento precisam de um síncrotron, equipamento gigante que tem como função usar energia para acelerar partículas em altas velocidades. “Conseguimos acelerar a partícula a 70% da velocidade da luz (200 mil km/s) e isso faz com que o feixe chegue com muito mais energia e potência no tumor”, diz Wei-Ming Chen, superintendente do Taipei Veterans General Hospital.

A tecnologia também permite que a energia dos íons gerada no acelerador seja canalizada no local específico do tumor, sem que haja grande dispersão de radiação para os tecidos saudáveis ao redor. Essa dispersão indesejada ocorre na radioterapia tradicional e pode causar danos a órgãos próximos e aumentar o risco de aparecimento de outros tumores no longo prazo.

”Tratamos o paciente de modo preciso, com acurácia de 0,05 milímetros”, afirma Yu-Ming Liu, diretor do departamento de radio-oncologia do hospital. A espessura do feixe de radiação é inferior à de um fio de cabelo (0,1 milímetro).

Paciente recebe feixe de radiação com precisão de 0,05 milímetros, espessura inferior a um fio de cabelo Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Paredes de 6,5 metros de espessura protegem da radiação

O síncrotron do centro taiwanês tem 17 metros de diâmetro e uma estrutura circular composta por “túneis” por onde a energia passa. Por causa dos avisos de perigo em todo o prédio e do tamanho do equipamento, visitar o local dá a impressão de estar entrando em espaços de uma usina nuclear.

Mas todo o prédio é pensado para garantir a segurança dos que trabalham e se tratam no local. A visita da reportagem só foi possível porque, naquele momento, o equipamento não estava em operação. Para proteger profissionais e pacientes de eventual vazamento indevido de radiação quando a máquina estiver funcionando, as paredes das salas de tratamento têm 6,5 metros de espessura. O custo para a construção do centro de tratamento em Taipei foi de U$ 147 milhões (R$ 735 milhões).

O síncrotron fica em um espaço vizinho às duas salas de tratamento no centro. As partículas que são aceleradas por meio da máquina são transportadas por meio do “sistema de túneis” até o local onde o paciente recebe o feixe de radiação.

De acordo com os especialistas taiwaneses, a radioterapia com íons de carbono pode ser usada em diferentes tipos de tumores sólidos, mas é especialmente benéfica em cânceres localizados em áreas de difícil acesso e tratamento, como os de cabeça, pescoço e pulmão.

Síncrotron é capaz de acelerar partículas a 200 mil quilômetros por segundo, ampliando o poder da radiação no tratamento de tumores Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Segundo especialistas brasileiros ouvidos pelo Estadão, tratamentos radioterápicos com íons pesados podem trazer grande benefício também para cânceres infantis. “Com a radiação mais precisa nas células tumorais, é possível proteger os tecidos normais ao redor que estão em crescimento e, assim, diminuir uma eventual dosagem carcinogênica que poderia causar outro tumor naquele paciente décadas depois”, explica Eduardo Weltman, professor doutor de radioterapia da Faculdade de Medicina da USP e coordenador médico do serviço de radioterapia do Hospital Israelita Albert Einstein.

No caso de tumores de adultos, o cordoma é um dos que poderia ser melhor tratado com a tecnologia. “Esse é um tumor no cérebro muito resistente à radioterapia tradicional e, por isso, teria indicação da terapia com íons pesados”, diz Arthur Accioly Rosa, presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e líder de especialidade de radioterapia do Grupo Oncoclínicas.

Realidade brasileira

Os médicos explicam que nem a radioterapia com íon de carbono nem uma técnica similar, a terapia com prótons, estão disponíveis no Brasil. A segunda é uma precursora da terapia com íon de carbono e também tem mais precisão e potência que o tratamento convencional. Ela está disponível em mais centros do mundo, em países da América do Norte, Europa e Ásia. “Infelizmente, é um investimento alto, mas que beneficiaria muitas crianças”, diz Rosa.

“Para comprar o aparelho e construir um centro de terapia de prótons, custaria algo em torno de U$ 35 milhões (R$ 175 milhões), além do valor de manutenção anual de U$ 2,5 milhões (R$ 12,5 milhões). No caso do centro com íon de carbono, seria ainda mais caro”, afirma Weltman.

O especialista da USP diz que aproximadamente 50% a 60% dos pacientes pediátricos diagnosticados com câncer teriam benefício se tivessem acesso à terapia. Já entre os adultos, ele estima que 5% a 10% poderiam ter desfecho melhor com a técnica. Ele conta que o Hospital das Clínicas da USP e o Einstein estudam há anos a possibilidade de trazer a tecnologia para o Brasil, mas o alto custo é um entrave.

Centro de terapia com íons pesados no Taipei Veterans General Hospital, em Taiwan, teve custo de U$ 147 milhões Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Os especialistas destacam ainda que, pelo fato de a tecnologia estar presente em apenas alguns centros no mundo e ter sido aplicada em poucos pacientes, ainda são necessários mais estudos científicos para mostrar quais tumores, além dos já conhecidos, seriam impactados de forma significativa pela terapia. “Em alguns casos, não vai fazer tanta diferença usar a radioterapia tradicional ou a de próton ou íon de carbono”, afirma Weltman, da USP.

Rosa lembra que, no Brasil, mesmo a mais básica radioterapia tridimensional, tipo de tecnologia que permite algum nível de precisão, está presente em poucos serviços do SUS. A radioterapia de intensidade modulada (IMRT), por exemplo, está disponível somente em 21% das unidades públicas que oferecem tratamento radioterápico. Na saúde suplementar, 77% dos serviços contam com a tecnologia.

“Quando falamos da realidade brasileira, ainda estamos muito imaturos nas tecnologias existentes no mundo. Além disso, há milhares de pessoas com câncer que sequer têm acesso à radioterapia mais básica”, diz. Segundo estimativa feita pela Sociedade Brasileira de Radioterapia, nos últimos 15 anos, cerca de 1 milhão de pacientes que teriam indicação de radioterapia não fizeram esse tratamento no sistema público, o que teria levado a mais de 110 mil mortes.

* A repórter viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores de Taiwan

ENVIADA ESPECIAL A TAIPEI, TAIWAN - Enquanto o Brasil sofre para oferecer radioterapia tradicional a todos os pacientes com câncer que precisam, alguns poucos centros médicos no mundo já tratam seus doentes com um novo tipo de tratamento radioterápico, mais potente contra as células tumorais e menos tóxico para os tecidos saudáveis.

O mais recente país a oferecer a chamada radioterapia com íons de carbono (também conhecida como terapia de íons pesados ou hadronterapia), é Taiwan, cujo novo centro médico, inaugurado no dia 15, foi visitado pelo Estadão. Além de Taiwan, apenas cinco países contam com a tecnologia no mundo: Alemanha, Áustria, Itália, China e Japão.

O centro de terapia com íons pesados de Taiwan está no Taipei Veterans General Hospital, unidade pública na capital do país. O tratamento utiliza íons de carbono, partículas mais pesadas, para produzir o feixe de radiação que é aplicado no paciente. Na radioterapia tradicional, são utilizados geralmente fótons, partículas mais leves, como as de raios X.

Com o uso de íon de carbono, a radiação que chega até as células tumorais é até três vezes mais potente do que a da radioterapia tradicional, o que aumenta a chance de destruir o DNA do tumor, impedindo, assim, que ele continue se multiplicando.

Para que isso seja possível, os centros de tratamento precisam de um síncrotron, equipamento gigante que tem como função usar energia para acelerar partículas em altas velocidades. “Conseguimos acelerar a partícula a 70% da velocidade da luz (200 mil km/s) e isso faz com que o feixe chegue com muito mais energia e potência no tumor”, diz Wei-Ming Chen, superintendente do Taipei Veterans General Hospital.

A tecnologia também permite que a energia dos íons gerada no acelerador seja canalizada no local específico do tumor, sem que haja grande dispersão de radiação para os tecidos saudáveis ao redor. Essa dispersão indesejada ocorre na radioterapia tradicional e pode causar danos a órgãos próximos e aumentar o risco de aparecimento de outros tumores no longo prazo.

”Tratamos o paciente de modo preciso, com acurácia de 0,05 milímetros”, afirma Yu-Ming Liu, diretor do departamento de radio-oncologia do hospital. A espessura do feixe de radiação é inferior à de um fio de cabelo (0,1 milímetro).

Paciente recebe feixe de radiação com precisão de 0,05 milímetros, espessura inferior a um fio de cabelo Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Paredes de 6,5 metros de espessura protegem da radiação

O síncrotron do centro taiwanês tem 17 metros de diâmetro e uma estrutura circular composta por “túneis” por onde a energia passa. Por causa dos avisos de perigo em todo o prédio e do tamanho do equipamento, visitar o local dá a impressão de estar entrando em espaços de uma usina nuclear.

Mas todo o prédio é pensado para garantir a segurança dos que trabalham e se tratam no local. A visita da reportagem só foi possível porque, naquele momento, o equipamento não estava em operação. Para proteger profissionais e pacientes de eventual vazamento indevido de radiação quando a máquina estiver funcionando, as paredes das salas de tratamento têm 6,5 metros de espessura. O custo para a construção do centro de tratamento em Taipei foi de U$ 147 milhões (R$ 735 milhões).

O síncrotron fica em um espaço vizinho às duas salas de tratamento no centro. As partículas que são aceleradas por meio da máquina são transportadas por meio do “sistema de túneis” até o local onde o paciente recebe o feixe de radiação.

De acordo com os especialistas taiwaneses, a radioterapia com íons de carbono pode ser usada em diferentes tipos de tumores sólidos, mas é especialmente benéfica em cânceres localizados em áreas de difícil acesso e tratamento, como os de cabeça, pescoço e pulmão.

Síncrotron é capaz de acelerar partículas a 200 mil quilômetros por segundo, ampliando o poder da radiação no tratamento de tumores Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Segundo especialistas brasileiros ouvidos pelo Estadão, tratamentos radioterápicos com íons pesados podem trazer grande benefício também para cânceres infantis. “Com a radiação mais precisa nas células tumorais, é possível proteger os tecidos normais ao redor que estão em crescimento e, assim, diminuir uma eventual dosagem carcinogênica que poderia causar outro tumor naquele paciente décadas depois”, explica Eduardo Weltman, professor doutor de radioterapia da Faculdade de Medicina da USP e coordenador médico do serviço de radioterapia do Hospital Israelita Albert Einstein.

No caso de tumores de adultos, o cordoma é um dos que poderia ser melhor tratado com a tecnologia. “Esse é um tumor no cérebro muito resistente à radioterapia tradicional e, por isso, teria indicação da terapia com íons pesados”, diz Arthur Accioly Rosa, presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e líder de especialidade de radioterapia do Grupo Oncoclínicas.

Realidade brasileira

Os médicos explicam que nem a radioterapia com íon de carbono nem uma técnica similar, a terapia com prótons, estão disponíveis no Brasil. A segunda é uma precursora da terapia com íon de carbono e também tem mais precisão e potência que o tratamento convencional. Ela está disponível em mais centros do mundo, em países da América do Norte, Europa e Ásia. “Infelizmente, é um investimento alto, mas que beneficiaria muitas crianças”, diz Rosa.

“Para comprar o aparelho e construir um centro de terapia de prótons, custaria algo em torno de U$ 35 milhões (R$ 175 milhões), além do valor de manutenção anual de U$ 2,5 milhões (R$ 12,5 milhões). No caso do centro com íon de carbono, seria ainda mais caro”, afirma Weltman.

O especialista da USP diz que aproximadamente 50% a 60% dos pacientes pediátricos diagnosticados com câncer teriam benefício se tivessem acesso à terapia. Já entre os adultos, ele estima que 5% a 10% poderiam ter desfecho melhor com a técnica. Ele conta que o Hospital das Clínicas da USP e o Einstein estudam há anos a possibilidade de trazer a tecnologia para o Brasil, mas o alto custo é um entrave.

Centro de terapia com íons pesados no Taipei Veterans General Hospital, em Taiwan, teve custo de U$ 147 milhões Foto: Fabiana Cambricoli/Estadão

Os especialistas destacam ainda que, pelo fato de a tecnologia estar presente em apenas alguns centros no mundo e ter sido aplicada em poucos pacientes, ainda são necessários mais estudos científicos para mostrar quais tumores, além dos já conhecidos, seriam impactados de forma significativa pela terapia. “Em alguns casos, não vai fazer tanta diferença usar a radioterapia tradicional ou a de próton ou íon de carbono”, afirma Weltman, da USP.

Rosa lembra que, no Brasil, mesmo a mais básica radioterapia tridimensional, tipo de tecnologia que permite algum nível de precisão, está presente em poucos serviços do SUS. A radioterapia de intensidade modulada (IMRT), por exemplo, está disponível somente em 21% das unidades públicas que oferecem tratamento radioterápico. Na saúde suplementar, 77% dos serviços contam com a tecnologia.

“Quando falamos da realidade brasileira, ainda estamos muito imaturos nas tecnologias existentes no mundo. Além disso, há milhares de pessoas com câncer que sequer têm acesso à radioterapia mais básica”, diz. Segundo estimativa feita pela Sociedade Brasileira de Radioterapia, nos últimos 15 anos, cerca de 1 milhão de pacientes que teriam indicação de radioterapia não fizeram esse tratamento no sistema público, o que teria levado a mais de 110 mil mortes.

* A repórter viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores de Taiwan

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