O Brasil identificou nesta quinta-feira, 20, o primeiro caso de coronavírus pela variante B.1.617, identificada originalmente na Índia. A cepa foi detectada inicialmente em um passageiro indiano de 54 anos que embarcou na África do Sul, e mais tarde confirmada em outras 13 pessoas a bordo do navio MV Shandong da Zhi.
Além disso, o governo do Maranhão está monitorando cem pessoas que trabalham no hospital onde um dos pacientes infectados com a variante indiana B.1.617 do coronavírus está internado.
Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como "de preocupação global", a "variante indiana" contribuiu para o último colapso de covid na Índia, associada ao relaxamento das medidas de contenção do vírus e a festivais religiosos. Mas seu comportamento no Brasil pode depender de fatores que vão do aumento de testagens ao isolamento da população.
Abaixo, o Estadão tira as principais dúvidas sobre o que já se sabe da variante indiana do novo coronavírus.
Que medidas de vigilância são necessárias para conter a nova variante?
Testar mais, sequenciar mais e controlar a entrada de viajantes no Brasil, independentemente do país de origem. De acordo com Lorena Barberia, professora do departamento de Ciência Política da Universidade São Paulo (USP) e membro do Observatório Covid-BR, esses são os três eixos principais de combate às novas cepas.
"Não é que seja muito simples isolar e proibir as viagens da Índia, porque isso não vai resolver. A cepa já está em vários países", aponta. "A gente pode estar com essa variante já circulando, porque não temos uma amostra representativa de casos no território brasileiro. O que temos são iniciativas nos Estados, mas estratégias diferentes de pesquisa."
Lorena cita que alguns países, como a Argentina, têm testado todos os viajantes que apresentam sintomas e sequenciado o vírus quando o teste retorna positivo. Já na Inglaterra, turistas são obrigados a fazerem uma quarentena compulsória de 14 dias antes de terem permissão para circular pelo País.
O Maranhão está monitorando profissionais de hospital onde está paciente infectado com variante indiana?
O governo do Maranhão está monitorando cem pessoas que trabalham no hospital onde um dos pacientes infectados com a variante indiana B.1.617 do coronavírus está internado. O homem, que está na UTI, chegou ao País a bordo do navio MV Shandong da ZHI, procedente da África do Sul.
O Estado informou que esses trabalhadores já tinham sido vacinados contra a covid-19. Até o momento, nenhum apresentou sintomas da doença. Eles estão sendo testados e, se algum resultado der positivo, será feito o sequenciamento genômico da amostra. Nenhum desses profissionais está em isolamento.
Além do paciente internado, outras 14 pessoas que estão a bordo do navio foram diagnosticadas com covid-19.
O que o caso identificado no Maranhão significa para o resto do Brasil?
Lorena frisa que o caso do Maranhão foi registrado em um passageiro que veio da África do Sul, não da Índia, e que a identificação da cepa foi uma questão de "sorte ou azar", já que o Brasil não tem controle sobre viajantes que entram ou saem do País. "Isso é importante porque essa variante específica foi detectada em 51 países", explica.
Para a pesquisadora, a variante em si não é o único ou maior problema do País no momento, mas ela também pode se alastrar com rapidez caso não haja uma forma eficaz e abrangente de testar, sequenciar e isolar o vírus. "A gente pode estar com essa variante circulando. Essas informações precisam chegar rápido à população. Daqui a três semanas já será muito tarde. Quando você detecta a tempo, consegue evitar um colapso."
A variante oferece mais risco à população brasileira?
De acordo com Lorena, o problema da pandemia no Brasil não está apenas nessa variante, mas na falta de uma estratégia coordenada nacionalmente para a testagem, sequenciamento e identificação do vírus. "É como estar em uma casa escura, cheia de buracos, e estarmos convencidos que só existe um, mas o problema é pior. O foco não pode ser achar o buraco, mas sim ligar a luz", explica.
"A variante é preocupante, mas o nível de vidas que estamos perdendo sem mudar a estratégia é mais ainda", aponta. Para Rodrigo Stabeli, diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em São Paulo, o que determina o risco da variante é o comportamento da população.
"Não é exatamente a cepa que é devastadora e sim o comportamento humano. Se ela é mais adaptável, então o ser humano vai ser mais suscetível. Mas ainda não podemos dizer que que vai matar ou transmitir mais", afirma Stabeli.
Quais ações a Prefeitura de São Paulo pretende adotar contra a propagação de novas variantes do coronavírus?
A Prefeitura de São Paulo quer acompanhar o trânsito de pessoas nos aeroportos, rodoviárias e rodovias da cidade com objetivo de monitorar a circulação das novas variantes do coronavírus. A confirmação de casos no Maranhão fez a Secretaria Municipal de Saúde paulistana se mobilizar para atuar em conjunto com o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A estratégia de monitoramento será nos moldes de outras ações realizadas no início da pandemia e incluiria a identificação de pessoas sintomáticas. “Já fizemos esse trabalho ano passado, com as pessoas que vinham da Europa. É um conjunto de ações que constroem uma estratégia de monitoramento, não é uma ação só”, afirmou Aparecido. O principal objetivo das ações, segundo o secretário, “é ganhar tempo para prepararmos o sistema de saúde para um eventual enfrentamento de uma nova variante”.
Questionado se a estratégia seria um tipo de barreira sanitária, o secretário disse: “A barreira sanitária você tem que fazer com uma complexidade e um controle muito maior, numa cidade como São Paulo não é fácil pela dimensão e escala da população, o que pretendemos fazer é um processo de monitoramento.”
Por que a variante matou tantas pessoas na Índia?
Apesar de a Organização Mundial da Saúde ter afirmado que algumas informações indicam "uma transmissibilidade acentuada" da cepa e classificado-a como "variante preocupante em nível global", o próprio comportamento dos indianos contribuiu para sua transmissão. No início de abril, cerca de 2 milhões de pessoas se aglomeraram para o Kumbh Mela, tradicional festival hindu às beiras do rio Ganges.
"Estamos acompanhando a Índia pela OMS e percebemos que o grande surto lá foi depois dessa grande movimentação de festas religiosas que aconteceram lá", aponta Stabeli.
A população deve alterar hábitos ou medidas de proteção?
"O que aprendemos nesse tempo é que independentemente da variante, o vírus é transmitido principalmente pela inalação de pequenas partículas no ar. Então, a prevenção não muda", explica Vitor Mori, membro do Observatório Covid-19 BR.
Ele elenca as três principais medidas de proteção contra o coronavírus para serem adotadas também para a prevenção da nova variante: preferência por espaços ao ar livre e bem ventilados, com ventilação cruzada e sem muita gente; uso de máscara, garantindo que ela esteja bem ajustada ao rosto, sem vazamento nas laterais; e distanciamento físico.
Como surgem as variantes do coronavírus?
Gabriel Maisonnave Arisi, professor na Escola Paulista de Medicina (Unifesp), explicou aqui que as mutações surgem no momento em que o vírus está se replicando em outro organismo. Nesse momento, pode haver erros e alterações no material genético do vírus. Muitas mutações deixam-no inviável, mas algumas conferem vantagem a eles. Quando isso acontece, o vírus passa a ser muito mais viável. As mutações são mais comuns em locais com alta taxa de circulação do vírus.
Como identificar uma nova cepa do vírus?
É preciso fazer o sequenciamento do genoma completo do vírus.
As variantes são mais perigosas?
Rodrigo Stabeli explica que a "variante indiana" pode ser "mais adaptada ao ser humano, mas não podemos dizer que ela é mais letal". "Não sabemos qual será o comportamento dela. O que determina a transmissão por aqui é a população, que tem se movimentado mais", afirma.
O que é uma variante de preocupação?
De acordo com a OMS, "variantes de preocupação" têm mudanças fenotípicas ou um genoma com mutações que causam alterações nos aminoácidos. Elas também precisam causar aumento na transmissão local do vírus ou serem identificadas em vários países, além de estarem associadas a uma "mudança prejudicial" da epidemia; à "piora ou mudança na apresentação de um quadro clínico; e à diminuição na efetividade da "saúde pública, das medidas sociais ou dos tratamentos, testes e vacinas disponíveis".
Quais são as outras variantes de preocupação?
Até o momento, a OMS já classificou como "variantes de preocupação" outras três cepas além da indiana: a B.1.1.7, identificada inicialmente no Reino Unido; a B.1.351, da África do Sul; e a P1, de Manaus.