Novas variantes do coronavírus estão surgindo com facilidade e pesquisadores apontam que elas serão o próximo desafio da ciência. A primeira mutação significativa foi a B.1.1.7, identificada no Reino Unido no fim de 2020. No Brasil, Manaus foi o primeiro local a registrar uma variante própria, a P1. Outra cepa, originária da África do Sul, a B.1351, já se mostrou resistente a vacinas e anticorpos.
O Estadão compilou o que já se sabe sobre as novas cepas e respondeu perguntas comuns sobre o tema. As dúvidas foram sanadas com base em reportagens feitas pelo Estadão e com a ajuda de Gabriel Maisonnave Arisi, professor na Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e doutor em Fisiologia.
Manaus foi tomada pela nova variante?
Uma análise preliminar feita por pesquisadores brasileiros e britânicos mostra que a nova variante do coronavírus originária do Amazonas deve ter se tornado predominante em Manaus. O avanço da cepa é apontado como uma das razões para a explosão de casos na cidade e o consequente colapso no sistema de saúde local.
A partir do sequenciamento genético do vírus coletado em exames de pacientes infectados na capital amazonense, os cientistas verificaram que, até novembro, não havia registro da cepa P.1 entre as amostras analisadas. Já no mês de dezembro, 52,2% dos genomas sequenciados eram da nova variante. Em janeiro, esse índice passou para 85,4%.
Casos da variante brasileira, a P.1, já foram confirmados em quantos Estados?
O Ministério da Saúde informou na sexta-feira, 12, que a variante P.1 foi identificada no Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina e São Paulo.
Quantos casos da variante P.1 foram confirmados no Estado de SP?
O Estado de São Paulo já registrou 25 casos da variante P.1 do novo coronavírus, dos quais 16 são de transmissão local (autóctone). A maior parte dos casos (12) foi detectada em Araraquara, que decretou lockdown para conter a propagação da doença. Conforme a secretaria estadual de Saúde, outros casos foram confirmados em São Paulo (9), Jaú (3) e Águas de Lindoia (1). Uma ocorrência é investigada em Campinas. Há ainda outros sete casos, confirmados em janeiro, da variante britânica: cinco na capital paulista e dois em Sorocaba - nesse caso, as pessoas tiveram contato com alguém de Londres, o que descarta, por ora, a transmissão comunitária.
A variante brasileira chegou a quais países?
Japão, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Alemanha, Coreia do Sul, Irlanda, Índia, Canadá, Catar, Argentina, Colômbia, Peru, Portugal, França, Espanha, Holanda já confirmaram ou investigam casos da variante brasileira.
O que é uma mutação e por que ela acontece?
Gabriel Maisonnave Arisi, professor na Escola Paulista de Medicina (Unifesp), explica que as mutações surgem no momento em que o vírus está se replicando em outro organismo. Nesse momento, pode haver erros e alterações no material genético do vírus. Muitas mutações deixam-no inviável, mas algumas conferem vantagem a eles. Quando isso acontece o vírus passa a ser muito mais viável. As mutações são mais comuns em locais com alta taxa de circulação do vírus.
As vacinas são capazes de prevenir contra todas as cepas do coronavírus que conhecemos hoje?
A Johnson & Johnson e a Novavax disseram que suas vacinas foram menos eficazes contra a variante sul-africana em testes clínicos realizados no país. Um estudo também mostrou que a vacina produzida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca não parece oferecer proteção contra doenças leves e moderadas causadas pela mesma variante.
A Pfizer e a BioNTech disseram que um estudo feito em laboratório sugere que a variante sul-africana pode reduzir a proteção de anticorpos de sua vacina em dois terços. Como ainda não há um parâmetro de referência estabelecido para determinar o nível de anticorpos necessários para proteger contra o vírus, não está claro se essa redução de dois terços tornará a vacina ineficaz contra a variante.
Por outro lado, todas as vacinas aparentam oferecer proteção contra doenças graves e morte em relação à covid-19.
Vamos precisar de outras vacinas para combater as novas mutações?
Arisi fala que as vacinas de RNA, tecnologia usada nos imunizantes contra o coronavírus, são revolucionárias porque são adaptáveis. Se for necessária uma nova vacina para combater novas mutações, o processo de fabricação será muito mais rápido. Ele acredita que no futuro as vacinas contra o coronavírus irão proteger contra mais de uma cepa.
Ele explica também que os imunizantes de vírus completo inativado, como a Coronavac, provavelmente são menos vulneráveis às variantes. Já as de adenovírus, como é o caso da vacina de Oxford/AstraZeneca e da Sputnik V, podem ser mais vulneráveis às mutações.
As variantes são mais perigosas?
No final de janeiro, o primeiro-ministro da Inglaterra, Boris Johnson, disse que havia evidências de que a variante britânica pode estar associada a um maior grau de mortalidade, além de ser mais transmissível. Gabriel Arisi fala que as mutações de Manaus e da África do Sul também são mais transmissíveis e, por consequência, se tornam potencialmente mais letais.
Como identificar uma nova cepa do vírus?
É preciso fazer o sequenciamento do genoma completo do vírus.
Como é realizado o sequenciamento para identificar as novas cepas no Brasil?
A escassez de centros especializados e as dificuldades na aquisição de insumos são entraves para a ampliação do monitoramento genômico no Brasil.
A rede Coronaômica, instalada em outubro pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), foi criada com o objetivo de ampliar essa vigilância. Há também laboratórios de referência definidos pelo Ministério da Saúde que recebem rotineiramente amostras de todo o Brasil - a média de exames enviados por Estado é de 12 por mês.
Em janeiro, a pasta montou uma rede de quatro laboratórios para ampliar o número de genomas sequenciados diante do surgimento de novas cepas, mas os números ainda são baixos. O projeto prevê sequenciar 1.200 amostras em 16 semanas.
A média de sequenciamentos no Brasil é similar a de outros países?
O Brasil depositou cerca de 2,6 mil genomas, equivalente a 0,02% dos casos de covid, no banco online de sequenciamentos com dados do mundo inteiro, o Gisaid. O Reino Unido já sequenciou 215 mil genomas, o equivalente a 5,3% das suas infecções. Já a África do Sul fez 3,3 mil sequenciamentos (0,22% do total).
Por que a variante da África do Sul é mais perigosa? Ela já chegou ao Brasil?
Esta cepa ainda não provou ser mais letal do que outras, mas é muito mais transmissível e já é a variante dominante da África do Sul. Ela também se mostra mais resistente a anticorpos e a vacinas e pode infectar novamente pessoas que já tiveram o vírus.
As máscaras que usamos são eficazes para as novas variantes?
O ideal é usar máscaras N95. Arisi fala que esse equipamento pode ser reutilizado muitas vezes, por até um ano. Se optar por usar máscara de pano, dê preferência àquelas que têm três camadas de tecido e não possuem costura no nariz. Para aumentar a eficácia, coloque um filtro de papel entre as camadas de tecido. Também é recomendado usar duas máscaras sobrepostas.
As mutações vão continuar surgindo?
Para diminuir o número de mutações é necessário parar a epidemia. Arisi diz que isso só vai acontecer se as medidas de higiene e distanciamento forem levadas a sério pelas pessoas. Caso contrário, mutações mais resistentes e transmissíveis tendem a surgir.