Recentemente, um relatório da respeitada revista científica The Lancet apontou que 45% dos casos de demência, incluindo o Alzheimer, poderiam ser evitados com a mudança de 14 hábitos ou condições de saúde. Entre eles, está o combate à inatividade física. Agora, um novo estudo reforça que os exercícios são importantes não apenas para a prevenção do quadro, mas também para reduzir o risco de mortalidade após o diagnóstico.
Mesmo quem só abandonou o sedentarismo após receber a confirmação da doença se beneficiou dos efeitos protetores proporcionados pelos exercícios. Para ter ideia, o risco de mortalidade entre essas pessoas foi 20% menor em comparação àquelas que permaneceram inativas. A pesquisa, feita na Coreia do Sul, foi publicada no British Journal of Sports Medicine.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram uma base de dados de 60.252 prontuários de pacientes com demência do Sistema Nacional de Saúde sul-coreano. A amostra considerou pessoas com mais de 40 anos que receberam o diagnóstico entre 2010 e 2016. O trabalho comparou os check-ups anuais dos pacientes dois anos antes e dois após a confirmação do quadro, separando-os, então, em grupos. Em quase quatro anos de acompanhamento, ocorreram 16.431 mortes.
A partir desses dados, os cientistas observaram, por exemplo, que quem já praticava exercício e manteve o hábito depois do diagnóstico apresentou o maior benefício – nesse caso, houve redução de 29% no risco de mortalidade em comparação a indivíduos inativos. Qualquer nível de atividade física – leve, moderado ou vigoroso – foi ligado à diminuição na probabilidade de morte.
“A prática regular de atividade física é associada à melhora da saúde física e da função cognitiva, possivelmente retardando o progresso da demência”, explica Kye-Yeung Park, autor principal da pesquisa, em entrevista ao Estadão.
Segundo o especialista, que é pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Hanyang, na Coreia do Sul, embora a investigação tenha analisado apenas o risco de mortalidade, os resultados sugerem outros benefícios, como melhorias na qualidade de vida.
Um resultado semelhante já havia sido observado em uma pesquisa da Universidade da Califórnia, em 2012. No trabalho, os autores notaram uma estabilidade na função cognitiva de pacientes com Alzheimer que praticavam atividade física, mesmo que apenas caminhadas.
Os pesquisadores sul-coreanos acreditam que, além da prática de atividade física, a adoção de uma alimentação balanceada e estímulos mentais podem contribuir para a melhora na qualidade de vida dos pacientes com demência – hipóteses que eles pretendem avaliar em pesquisas futuras.
“Queremos ver como a combinação dessas mudanças no estilo de vida pode impactar os resultados relacionados à demência. Nós também queremos investigar se programas estruturados de exercícios, pensados para indivíduos com diferentes graus de demência, poderiam melhorar os resultados e a qualidade de vida”, conta Kye-Yeung Park.
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Por que o exercício faz bem ao cérebro
Segundo Nei Lima, profissional de educação física e especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), diferentes partes do cérebro são recrutadas durante a prática de atividade física. Quanto mais complexa for a atividade realizada, mais estímulos o cérebro vai receber.
“Se eu caminho desviando de obstáculos, subindo degraus, e tendo que raciocinar durante esse caminho, significa que existe uma maior exigência cognitiva. Então, há ganhos cardiovascular, neuromuscular e cognitivo”, descreve.
Esses efeitos são positivos para quem já convive com um quadro de demência e também em termos de prevenção. Afinal, o envolvimento constante em atividades que estimulam o cérebro aumenta a reserva cognitiva, um fator que protege contra processos neurodegenerativos.
Embora o estudo não tenha avaliado diferenças entre os tipos de atividade física, Lima esclarece que tanto exercícios aeróbicos quanto treinamentos de força resistida (como musculação e pilates) oferecem vantagens ao cérebro. Mas, de acordo com ele, exercícios resistidos podem ser um pouco superiores, já que durante a contração muscular há aumento de produção de uma proteína chamada miocina, que favorece a comunicação entre os neurônios.
Por outro lado, o especialista acredita que seja mais fácil incentivar pacientes com demência a praticarem modalidades aeróbicas. É que atividades como correr, caminhar ou pedalar, consideradas cíclicas e repetitivas, acabam sendo feitas de maneira automática pelo cérebro.
“O treinamento resistido demanda aprendizagem, o que é um ponto positivo, porque à medida em que você aprende, há a melhora cognitiva. Ao mesmo tempo, é um desafio, já que precisamos que uma pessoa com a memória recente prejudicada consiga gravar o movimento”, justifica.
De acordo com Mychael Lourenço, neurocientista e pesquisador do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outro benefício da atividade física para o cérebro está relacionado à melhora do funcionamento metabólico no geral, o que pode reduzir o risco de problemas como diabetes, hipertensão e colesterol elevado. Indiretamente, isso preserva o cérebro.
Mas ele chama a atenção para a dificuldade de pacientes com demência manterem uma frequência adequada de exercícios, uma vez que, na maioria dos casos, falamos de indivíduos na terceira idade. “Não é raro encontrar idosos com alguma questão de mobilidade ou algum problema no sistema esquelético, por exemplo. Então, isso dificulta uma prática mais regular de exercício físico”, explica.
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Possível caminho para novos medicamentos
Lourenço considera que os resultados obtidos pelo estudo sul-coreano podem ainda abrir espaço para novas possibilidades de tratamento farmacológico para esse grupo.
Ele esclarece que não se trata de substituir a atividade física por um medicamento, mas utilizar formas combinadas de tratamento. “Eu acho que nunca vai existir uma pílula do exercício, ou seja, um comprimido que você vai tomar, ficar sentado no sofá e isso vai simular o efeito do exercício físico”, explica.
O que o especialista enxerga como possibilidade é o desenvolvimento de remédios que ofereçam os benefícios neuroquímicos proporcionados pela atividade física. “Pode ser que, para algum paciente, moléculas derivadas do exercício tenham um papel neuroprotetor, capaz de impedir que o cérebro se degenere ou de evitar que ele se degenere mais, além do que já aconteceu”, especula.