A primeira morte em 22 anos por sarampo na cidade de São Paulo era uma questão de tempo, considerando o número de infectados pela doença na cidade de São Paulo. A análise é do infectologista Celso Granato, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Fleury Medicina e Saúde. Ele atribui o surto à baixa taxa de vacinação no País que, ele lembra, também ocorre em países da Europa e nos Estados Unidos.
Confira abaixo o vídeo e os principais trechos da entrevista.
A que o senhor atribui os números altos de sarampo em São Paulo e a primeira morte em 22 anos?
É muito triste, mas infelizmente é uma possibilidade com a qual nós tínhamos de contar. Quando começamos a ter um número de casos como há na cidade de São Paulo, invariavelmente em algum momento vai morrer alguma pessoa. Felizmente, esse número não é tão grande, mas isso (morte) poderia acontecer.
As pessoas deixaram de ver o sarampo e começaram a achar que não é uma doença tão grave assim. Mas é muito grave, especialmente para pessoas que têm algumas doenças prévias.
Por que há uma concentração tão grande de casos na cidade de São Paulo?
A vacinação estava bem aquém daquilo que deveria ser. O sarampo é muito transmissível. Uma pessoa contamina, mais ou menos, de 12 a 18 pessoas. Não há nenhuma doença que contamine tanto assim – para se ter uma ideia, a gripe contamina três e é uma doença que consideramos muito infecciosa.
Quando há menos do que 90% da população vacinada, que é o que estamos vivendo aqui, a possibilidade de um surto é real.
O senhor atribui isso só à falta de vacinação? Ou há outros fatores?
Sim, principalmente à vacinação. Esse vírus não é exatamente igual ao que estava circulando 22 anos atrás. Quando olhamos o RNA, a gente vê que ele é um pouco diferente do vírus anterior. São dados bastante precoces e não temos uma análise científica muito bem estabelecidade (que comprove a relação da mutação com o surto).
É possível que quem não tivesse um nível muito alto de produção de anticorpos, já estivesse suscetível de novo.
Quem deve se vacinar?
É mais fácil dizer quem não deve: mulheres grávidas não devem se vacinar (pois é uma vacina de vírus vivo) e pessoas que têm deficiência de imunidade: pessoas que estejam em meio a um tratamento de câncer, por exemplo, podem estar com baixa imunidade; ou pessoas que convivem com o HIV que estão com quantidade de células protetoras muito baixa. Isso é exceção.
Se considera também que pessoas com mais de 60 anos nasceram numa época em que não havia vacina. Nessa época, a doença era muito disseminada. Mais de 90% das pessoas tinham sarampo. Quem teve sarampo bem documentado no passado, a rigor, não precisa se vacinar.
Quem não tem certeza disso, ou só tomou a primeira dose, tem de tomar a segunda. É importantíssimo para garantir um nível suficiente de anticorpos.
Porque houve um público-alvo nessa campanha? Porque o foco nas idades entre 15 e 29 anos, e depois a recomendação para bebês a partir de 6 meses, e não o público em geral?
É uma vacina com uma produção complexa e limitada. Não se consegue aumentar muito a produção da vacina em intervalo de tempo muito curto.
Algumas das firmas que a fabricam tiveram que desviar a produção de outras vacinas para a de sarampo. Não se conseguia ter um número de vacinas suficiente para atender toda a população.
Outro aspecto é que não estamos tendo surto de sarampo só no Brasil. Os Estados Unidos e a Europa estão tendo surtos muito grandes.
Isso se atribui aos mesmos fatores do Brasil?
Muito provavelmente, sim. Eles também estão com uma taxa de vacinação bem abaixo do que deveria ser, e também estão com vírus diferentes. A gente não sabe exatamente a relação entre e uma coisa e outra, mas aparentemente há uma relação.
O fato é que um consumo de vacinas de sarampo muito grande no mundo inteiro, e não se consegue aumentar muito a produção em pouco tempo. A Secretaria de Saúde foi obrigada a adotar uma estratégia para vacinar as pessoas que tinham mais necessidade.
A vacina é eficaz, segura? Há alguma contraindicação?
É uma vacina muito segura. Eventualmente, uma pessoa pode ter uma reação local – mas é algo bem raro e (a reação é) discreta. Com uma compressa de água fria no local da vacina, isso já se resolve.
Para a chance de a pessoa ter alergia, existe um antibiótico em quantidades mínimas para essa vacina. É sempre uma reação muito discreta. Realmente não há razão para alguém que não tenha contraindicações muito específicas deixe de se vacinar.
Qual é o tratamento?
Não há uma droga antiviral para o sarampo. Em crianças, especialmente as desnutridas, é muito importante fazer suplementação com vitamina A – para tratar esse processo de vermelhidão, que deixa os olhos muito lacrimejados e secreção escorrendo no nariz. Sempre que possível, se faz isso, porque há a pssibilidade da doença ter consequências para a conjuntiva (no olho).
Isso, na verdade, é para evitar complicações. Não existe um remédio propriamente dito para o sarampo.
O sarampo pode causar sequelas? Quais?
O sarampo pode causar, por exemplo, pneumonia, otite ou uma sinusite – uma série de doenças normalmente causadas por bactérias com as quais convivemos normalmente e estão equilibradas com o nosso organismo. Como o vírus mexe com a nossa resposta imuológica, a pessoa pode ter uma infecção bacteriana depois do sarampo.
Aí sim, a pessoa precisa tomar antibiótico e pode ter consequências mais complicadas. Quando isso acontecer, é muito importante procurar um pediatra ou qualquer médico, um posto de saúde, etc. Nessa hora, a pessoa terá de ser internada e é muito importante o atendimento médico presencial.
Existe uma outra possibilidade, que é muito mais rara: uma encefalite. O sarampo pode acometer o sistema nervoso central, e pode ter complicações para o sistema auditivo, o sistema visual.
Normalmente, o sarampo não deve durar muito mais de uma semana. Se a febre não baixa, se a doença está durando mais, ou a pessoa começa a ter convulsóes, é muito importante procurar atendimento médico.