Pimenta-preta, jalapeño, caiena, biquinho, dedo-de-moça, há séculos essa turma ardida desfila cores, cheiros e sabores em preparações pelos quatro cantos do mundo. Reza a lenda que europeus desbravavam oceanos para colocar tais temperos nas suas panelas. De uns tempos para cá, as pimentas também têm se destacado nos laboratórios de pesquisa. Um dos estudos mais quentes, que acaba de sair no periódico científico International Journal for Vitamin and Nutrition Research, aponta a relação entre o consumo regular da malagueta com a redução risco de problemas cardiovasculares, entre outros benefícios.
Diversos trabalhos já mostravam essa atuação das pimentas vermelhas, isso porque reúnem uma porção de ingredientes de ação antioxidante, caso dos carotenoides, dos flavonoides e da vitamina C. E não faltam evidências de que juntos, em sinergia, blindam o endotélio, isto é, o tapete celular que recobre as artérias, resguardando-as de machucados.
Também há indícios de que o fruto da pimenteira favoreça a vasodilatação, melhorando a circulação sanguínea, num mecanismo que defende o coração.
Outra pesquisa recente, de cientistas sul-africanos e publicada na revista técnica Molecules, atesta a proteção contra a síndrome metabólica – quadro que envolve obesidade abdominal e alterações nas taxas de açúcar e de colesterol no sangue – e que coloca também o peito em perigo.
Nesse trabalho, os estudiosos destacam o poder de fogo de duas substâncias: a piperina, vinda da pimenta-preta, e a capsaicina, encontrada no time das vermelhas.
“Estudos anteriores apontam a ação anti-inflamatória e antioxidante desses compostos”, comenta a nutróloga Isolda Prado, da Associação Brasileira de Nutrologia, a ABRAN, e professora da Universidade do Estado do Amazonas.
Para além da coleção de benefícios, essa dupla também responde pela sensação picante, aquela que provoca as chamas na boca.
Segredos ardidos
Embora tenham essa característica especial em comum, elas são de famílias bem diferentes.
As espécies do gênero botânico chamado Capsicum são frutos que, apesar de tamanhos, coloração e formatos variados, têm a mesma origem: são americanas. Inclusive, relatos indicam que Colombo descobriu essas pimentas em sua segunda visita ao nosso continente.
A quantidade de moléculas capsaicinoides pode variar. Fatores como a constituição genética da pimenteira e até mesmo as condições de cultivo, a temperatura e a umidade durante o crescimento dessas plantas, interferem com a concentração.
“Existe uma medida, chamada Scoville, para o teor picante de cada uma e que considera justamente a quantidade dessa substância”, diz a nutricionista Andrea Esquivel, presidente da Associação Paulista de Fitoterapia (APFIT).
Só para comparar, a primeira colocada é a Carolina Reaper, com ardência que chega a 2 milhões de pontos na escala, já a malagueta alcança 100 mil, enquanto a biquinho atinge a marca de mil.
“E a sensibilidade para a picância varia de acordo com a frequência no consumo. Cada um sabe dos seus limites”, comenta a nutricionista.
Andrea conta que, em alguns países asiáticos, o tempero aparece desde cedo, já na infância. “Tem criança que leva até pão com pimenta na merenda escolar”, brinca.
As moléculas por trás do sabor pungente provocam efeitos irritantes e prazerosos quase ao mesmo tempo. Ao entrar em contato com as membranas da boca, do nariz e da garganta, desencadeiam um sinal de dor. Então, de célula em célula, a mensagem chega ao cérebro, que reage produzindo endorfinas relacionadas ao alívio e bem-estar.
Pessoas acostumadas e resistentes pedem mais, mas tem quem prefira distância. “Também não é indicada para indivíduos com gastrite e hemorroidas”, sinaliza Isolda.
Não significa que provoque esses males, mas sim que é capaz de desencadear sintomas em pacientes que já apresentam tais distúrbios.
E, para atenuar a ardência, Andrea, que também é professora de culinária, ensina a retirar as sementes e aquela parte mais branquinha, no meio do fruto. É ali que se concentra a capsaicina.
Confira algumas das representantes mais populares dessa família:
- Biquinho
É uma das variedades mais suaves, por isso é apreciada como tira-gosto. Graças ao formato de pingo e a coloração vermelha também assume a função de planta ornamental.
- Malagueta
Sinônimo de ardência, ela está entre as mais consumidas no Brasil. É uma boa pedida para acompanhar feijoada e iguarias da culinária nordestina. Está cheia de licopeno, um poderoso antioxidante.
- Dedo-de-moça
Outra bastante requisitada nos quatro cantos do país, acompanha carnes e molhos, mas combina perfeitamente com preparações adocicadas, caso do chutney de frutas.
- Jalapeño
Suculenta, de coloração verde e tamanho médio, ela ocupa lugar de destaque no ranking de ardência. Seu berço é o México, daí ser presença forte em receitas de molhos para nachos, entre outros pratos.
- Cumari
Nativa da região amazônica, a pequenina é bem picante. Estudos mostram que trata-se de uma das mais ricas em antioxidantes. Vai bem em molhos e marinadas. Também faz sucesso em conservas.
Outros tipos picantes
A já mencionada pimenta-preta, que aqui chamamos de pimenta-do-reino, é considerada a especiaria mais utilizada no planeta. Vem de uma baga nativa do litoral sul da Índia. A versão preta, mais ardida, é o frutinho inteiro seco e maduro, já a branca resulta de um processo em que a casca escura é removida. Há ainda a verde, oriunda da mesma espécie.
“A sugestão é moer quando for adicionar à receita”, ensina Andrea. Assim, os compostos guardados no grão, inclusive a aclamada piperina, são liberados e enchem as preparações de aroma e sabor. Combina com tudo: de saladas cruas aos assados, passando por molhos.
Vale mencionar ainda a pimenta-rosa, que não tem parentesco com a pimenta-do-reino. Ela vem da aroeira-vermelha, uma árvore que, inclusive, cresce naturalmente em diversos locais do Brasil e é rica em antioxidantes. As sementes adornam pratos e perfumam peixes, carnes, saladas, sopas e massas.
E, por fim, fica um aviso importante para quem quer apimentar o dia a dia: jamais caia na cilada de exagerar. Excessos não são bem-vindos, até porque a especiaria vai roubar a cena e ofuscar outros ingredientes do cardápio. Não se deixe seduzir com “um bocadinho mais”, como ditou Caymmi na canção Vatapá.