A saúde suplementar brasileira tem enfrentado algumas grandes dificuldades, que comprometem o equilíbrio do sistema. Uma das mais graves é a judicialização dos contratos dos planos e seguros de saúde, problema que gerou custos de R$ 4 bilhões em 2022, um salto de 58,2% em relação aos do ano anterior. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram iniciados 159,7 mil processos no ano. Em 2023, até o momento, foram registrados 125,4 mil novos processosNesse mesmo período, o tempo médio de tramitação saltou de 372 dias para 437 dias.
Os custos de judicialização corresponderam a quase 40% do déficit apresentado pelo mercado brasileiro de saúde suplementar em 2022, que chegou a R$ 10,7 bilhões (trata-se da diferença entre as receitas e as despesas operacionais). O quadro continua semelhante em 2023, com déficit acumulado de R$ 6,3 bilhões até o fim do terceiro trimestre. O último ano de balanço positivo foi 2020, quando as receitas superaram as despesas em 8,2%. Depois, houve déficit de 0,4% em 2021, 4,3% em 2022 e de 3% até o fim do terceiro trimestre de 2023.
“Em relação à judicialização, a nossa preocupação se dá na medida em que as demandas individuais prejudicam todo um coletivo. Recorrer ao Judiciário é um direito de todos nós, mas é importante garantir que essa demanda individual tenha previsão legal, regulatória e contratual”, afirma Ana Amélia Bertani, superintendente jurídica da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
“Nem toda judicialização é inadequada, mas é preciso que a judicialização se torne mais qualificada”, diz Arnaldo Hossepian Jr., procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, ex-conselheiro nacional de Justiça por dois mandatos e responsável por supervisionar o Fórum Nacional de Saúde do CNJ por quatro anos. Para qualificar a judicialização e contribuir para reduzir a pressão sobre o sistema – sem, no entanto, privar as pessoas do direito constitucional de acesso à Justiça –, o CNJ criou em 2017 a plataforma e-NatJus, que vem sendo constantemente abastecida de novos dados.
Para alcançar decisões mais uniformes e técnicas, a Abramge entende ser fundamental a ampliação dos serviços oferecidos pelos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), em que os magistrados podem solicitar apoio a um corpo técnico capacitado em questões envolvendo a saúde.
A ideia é oferecer aos magistrados fundamentos científicos para auxiliar nas decisões em demandas de saúde. Já são quase 160 mil notas técnicas oriundas do e-NatJus nacional e das versões estaduais, além de 84 pareceres técnico-científicos, acervo à disposição dos juízes que se veem diante da missão de tomar decisões relacionadas à área da saúde. “O sistema disponibiliza informação técnica em Medicina, o que contribui para demonstrar que nem sempre o que é pleiteado deve se tornar mandatório à luz da evidência científica”, avalia Hossepian Jr., que atualmente preside a Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Informações confiáveis
Somam-se à judicialização outros ingredientes que levam ao déficit do sistema de saúde suplementar. Um deles é a pressão causada pela chamada inflação médica, que é superior à inflação geral, por causa dos custos em inovações e tecnologias de saúde (procedimentos, exames, medicamentos) – investimentos que proporcionam benefícios, a exemplo de melhor qualidade de vida e aumento da longevidade. Pode-se afirmar, portanto, que é justificado, porém precisa ser bem administrado para não prejudicar o acesso ao sistema privado de saúde.
Outros têm de ser combatidos, no entanto. Além da judicialização, há o aumento exponencial dos custos decorrente de fraudes com reembolsos, que saltaram de R$ 6 bilhões em 2019 para R$ 11,4 bilhões em 2022, aumento de 90%, sendo que no mesmo período os custos assistenciais aumentaram 19,5%.
Em 2019 foi realizado um total de 1,47 bilhão de procedimentos médico-hospitalares. Já em 2022, saltou para 1,62 bilhão. Em média, por dia, são autorizados e realizados cerca de 3 milhões de exames laboratoriais, dá-se entrada a 25 mil internações, 10 mil cirurgias e mais de 4 mil sessões de terapias.
Como os planos de saúde funcionam na lógica de cooperativas, em um grande sistema de financiamento coletivo que assegura o atendimento a quem está precisando, os custos provocados por judicialização, uso abusivo e fraudes acabam sendo compartilhados entre todos os demais beneficiários, já que influenciam os valores dos contratos e reajustes aplicados.
Para conscientizar a população e disseminar informações confiáveis sobre o funcionamento dos planos e a importância da saúde financeira do sistema, a Abramge, que reúne 138 operadoras de saúde suplementar e 34,7% dos beneficiários de planos médicos no País, criou uma campanha, #TodosporTodos Com Muita Saúde. Use o QR code para acessar o site da campanha.