Medo de efeitos colaterais e de agulha, crença em informações duvidosas de redes sociais e até conselhos de líderes religiosos são algumas das principais razões que fazem os brasileiros resistirem à vacinação, mostra estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o apoio do Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde (Conasems).
A pesquisa, divulgada nesta terça-feira, 24, para gestores municipais e obtida com exclusividade pelo Estadão, entrevistou 2.235 pessoas entre setembro e outubro de 2021 em todas as regiões do País. O objetivo era entender o nível de confiança nas vacinas e quais são os fatores que vêm causando a crescente hesitação vacinal no País. Nos três últimos anos, o País não atingiu as metas de imunização das principais vacinas do calendário infantil.
De acordo com o estudo, 72,8% dos entrevistados afirmaram se preocupar com os possíveis efeitos colaterais das vacinas. Esse foi o principal fator de hesitação vacinal encontrado pelos pesquisadores.
Cerca de 37,6% dos participantes disseram que também consideram a forma de aplicação do imunizante (via oral, injeção etc.) para decidir se tomam ou não um imunizante - de forma geral, o medo de agulhas faz com que algumas pessoas resistam aos imunizantes aplicados por meio de injeções.
Um em cada quatro entrevistados (24%) disse levar em consideração informações de redes sociais na decisão de se vacinar e um em cada quatro entrevistados (18,2%) afirmou que são influenciados também pela orientação de líderes religiosos.
Por outro lado, a pesquisa mostra que mais de 98% dos entrevistados reconhecem a importância das vacinas para a própria saúde e que 92% consideram todas as vacinas recomendadas pelo SUS benéficas.
De acordo com pesquisadores e gestores municipais, os dados mostram que não há um grande movimento de recusa vacinal no País, mas, sim, de hesitação. São poucos os que integram ativamente movimentos antivacina. Mas há um grupo em crescimento que, influenciado por informações enganosas ou por desconhecimento, têm dúvidas ou inseguranças sobre as vacinas, embora saibam de sua importância.
Para Hisham Hamida, diretor do Conasems e secretário municipal da Saúde de Pirenópolis (GO), o alto índice de pessoas com medo de efeitos colaterais deve-se principalmente à disseminação de informações falsas pelas redes sociais. “O índice de 72% surpreende porque é uma hesitação causada pela desinformação, pela desconstrução de uma confiança que tínhamos no programa de vacinação. E isso se explica por termos hoje, com as redes sociais, canais de informação em maior número e mais rápidos, mas com menos verificação e confiabilidade”, afirma.
Segundo Daisy Maria Xavier de Abreu, pesquisadora do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFMG e integrante da equipe responsável pelo estudo, apesar da crescente hesitação vacinal e desinformação, a percepção geral sobre vacinas ainda é positiva no Brasil, condição que, segundo ela, precisa ser aproveitada para que movimentos antivacina não prosperem no País.
“A pesquisa mostra que a gente não está num momento tão assustador porque os pontos de vista favoráveis às vacinas ainda estão muito presentes e o grau de confiança ainda é alto. A hesitação vacinal vem crescendo por causa das várias dúvidas e inseguranças disseminadas em redes sociais sobre as vacinas. Essas pessoas não são radicais, elas estão inseguras. Então precisamos acolher as dúvidas e dialogar para mostrar que as vacinas são seguras e eficazes”, afirma a especialista.
Dados preliminares da pesquisa mostra que a hesitação relacionada ao medo de efeitos colaterais é maior entre pessoas de menor renda e menor nível de instrução. “É a população que tem menos acesso a meios de comunicação confiáveis, que se informa por informações que chegam pelo Whatsapp e que têm menos condições de diferenciar se aquela informação é correta”, afirma Hamida.
Sobre a influência de líderes religiosos, Daisy afirma que a pesquisa não permite afirmar se essa influência é majoritariamente contrária ou favorável à vacinação, mas destaca a importância de capacitar e conscientizar essas lideranças sobre o tema. “Não sabemos de que forma se dá essa influência, mas sabemos que ela existe porque eles são formadores de opinião em suas comunidades. Então é preciso que haja diálogo e capacitação dessas pessoas também”, defende a pesquisadora.
A percepção de baixo risco de doenças controladas ou eliminadas também foi um dos fatores encontrados pelos pesquisadores para a hesitação vacinal. Quase 20% dos participantes disseram acreditar que não precisam de vacinas para doenças que não são mais comuns.
Isso é particularmente preocupante no caso das vacinas infantis que protegem contra doenças como poliomielite e sarampo, controladas justamente graças às campanhas de vacinação, mas que têm alto risco de ressurgimento se as coberturas vacinais seguirem baixas.
“As gerações mais jovens não viram as sequelas de uma poliomielite ou pessoas com quadros graves de sarampo. Então elas focam mais no medo de possíveis efeitos colaterais das vacinas do que nas consequências dessas doenças. As campanhas de educação têm que mostrar essas sequelas para mudar essa percepção de risco”, afirma Daisy.
Falta de vacinas e dificuldade de acesso ao posto também reduzem adesão
A pesquisa mostra ainda que não são apenas fatores relacionados à desinformação que levam o brasileiro à hesitação vacinal. Dificuldade no acesso ao serviço de vacinação também atrasam a aplicação das doses. Pouco mais de 22% dos entrevistados relataram ter deixado de se vacinar ou atrasado a vacinação devido a dificuldades de deslocamento para chegar até os locais de imunização.
Gestores municipais dizem que o desabastecimento de algumas vacinas e as embalagens multidose também prejudicam a adesão. De acordo com Hamida, a maioria das vacinas hoje é entregue aos municípios em frascos com 20 doses. Depois de aberto, o frasco precisa ser utilizado em poucas horas. “Nem sempre isso é possível, principalmente em cidades pequenas. Daí o gestor precisa decidir se abre um frasco novo todos os dias e aumenta a disponibilidade para o cidadão, com o risco de desperdiçar doses e ser questionado pelos órgãos de controle, ou se define dias específicos para cada vacina, mas com o prejuízo de reduzir as janelas de oportunidade para vacinação”, diz o secretário.
Ele afirma que, para enfrentar a hesitação vacinal, é necessário, além de campanhas contra a desinformação, discutir com o Ministério da Saúde e os fabricantes dos imunizantes alternativas para a questão dos frascos, além de estratégias que ampliem o acesso aos postos, como horários estendidos.
Hamida cita que é importante ações conjuntas com escolas para ampliar a cobertura das vacinas infantis. “Em Pirenópolis, estávamos com baixas coberturas vacinais e determinamos que, para a matrícula escolar, os pais precisavam apresentar um certificado dado no posto de saúde de que as vacinas estavam em dia. A busca por esse documento e pela atualização da carteira de vacinação saltou de 20 para mais de 600″, conta.
A pesquisa da UFMG também entrevistou profissionais da saúde e gestores públicos para avaliar outros pontos da hesitação vacinal. Foram ouvidos 1.005 profissionais de salas de vacina, 100 pediatras que atuam na rede privada e gestores de 4.690 municípios brasileiros.
Cerca de 85% dos gestores entrevistados afirmaram que o atraso ou recusa da população em receber as vacinas do Programa Nacional de Imunização (PNI) já é um problema frequente em seu município.
Na percepção dos profissionais das salas de vacina, as principais razões para recusa ou hesitação vacinal são a preocupação com efeitos colaterais imediatos (69,6%) e medo de agulhas (53,5%). Segundo os profissionais, as vacinas com maior resistência são a da covid-19, gripe e HPV.
No caso da última, o principal fator para hesitação é a crença de que o uso do imunizante estimularia os adolescentes a iniciarem mais precocemente a vida sexual. Quase 30% dos cidadãos entrevistados que são responsáveis por menores de idade disseram acreditar nisso.