Por que parece que agora todo mundo tem doença autoimune?


Esse tipo de quadro está em ascensão no mundo todo, e a genética não é o único fator capaz de explicar a situação

Por Trisha Pasricha
Atualização:

Parece que todo mundo com quem converso tem diagnóstico de alguma nova doença autoimune. O que está acontecendo?

Sua observação está correta. As doenças autoimunes vêm aumentando no mundo todo, e a genética por si só não consegue explicar esse fenômeno.

As doenças autoimunes são problemas que ocorrem quando o sistema imunológico ataca o corpo.

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Existem mais de 100 doenças consideradas autoimunes, desde as mais conhecidas, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla, até as menos conhecidas, como esclerodermia e hepatite autoimune.

Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 habitantes tem alguma doença autoimune. Essas doenças afetam mais as mulheres do que os homens e, muitas vezes, passam de geração em geração, embora a genética seja apenas um dos fatores de risco. As doenças autoimunes estão aumentando de uma forma que não é explicada apenas pelos nossos genes: por exemplo, entre 1950 e 2000 as taxas de incidência da doença de Crohn, da esclerose múltipla e do diabetes tipo 1 aumentaram em mais de 300%.

E, se nos aprofundarmos no que está mudando, a história fica ainda mais complexa. Não só as doenças autoimunes estão aumentando, como também estão ocorrendo com mais frequência entre os mais jovens. As doenças autoimunes de início precoce apresentam desafios específicos: a doença crônica que começa na infância pode alterar seriamente a vida do indivíduo e de sua família. E a doença de início precoce pode aumentar o risco de outras doenças autoimunes.

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Doenças autoimunes estão mais frequentes entre a população. Além disso, têm acometido indivíduos mais jovens. Foto: Dmytro/Adobe Stock

Além disso, as doenças autoimunes estão aumentando onde antes eram menos comuns. Um exemplo bem estudado é a doença inflamatória intestinal, que durante a maior parte do século 20 era muito mais comum na América do Norte e na Europa, mas nas últimas décadas tem aumentado na América do Sul, na Ásia e na África.

E estamos observando um padrão intrigante em muitas doenças autoimunes: quando as pessoas se mudam para outros países, o risco de doença de seus filhos se assemelha ao da população local – e não ao do país de nascimento dos pais. Por exemplo, a incidência de diabetes tipo I no Paquistão é de cerca de 1 caso por 100 mil pessoas, enquanto no Reino Unido é mais de 10 vezes maior. Mas a taxa de desenvolvimento de diabetes tipo I entre os filhos de paquistaneses que se mudaram para o Reino Unido é semelhante à da população geral do Reino Unido.

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Por que as doenças autoimunes estão aumentando?

Uma teoria mais antiga sobre a origem das doenças autoimunes e alérgicas é a chamada “teoria da higiene”, que diz que o excesso de limpeza – ou, mais especificamente, o declínio das doenças infecciosas e o aumento do uso de antibióticos – enfraqueceu nosso sistema imunológico.

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Nosso ambiente, que interage intimamente com nosso genoma, provavelmente tem um papel importante nessa história. No entanto, ficou claro que a teoria da higiene não capta muito bem o que está acontecendo: nosso risco de desenvolver essas doenças parece estar mais ligado à nossa exposição aos micróbios do dia a dia, em oposição aos verdadeiros patógenos infecciosos. Isso inclui os micróbios que encontramos pelo canal de parto quando bebês e os que vivem em nosso intestino (muito influenciados pela dieta), além das interações com outras crianças, como em creches, e com animais em casa ou em fazendas.

Embora alguns aspectos de nosso ambiente moderno sejam “mais limpos” hoje do que no passado, as mudanças prejudiciais à saúde que aumentam nosso risco de doenças autoimunes estão por toda parte: nossa comida está cada vez mais ultraprocessada, estamos sempre estressados e dormindo mal, e a poluição do ar saiu do controle em grande parte do mundo. Já se demonstrou que todos esses fatores têm um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes (portanto, minimizar sua “higiene” pessoal, como evitar lavar as mãos, provavelmente não é uma maneira útil de reduzir o risco).

E há outra peça nesse quebra-cabeça. Mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer. Esses dois fenômenos – câncer e doença autoimune – são o yin e o yang da imunologia. Nosso sistema imunológico está sempre procurando e eliminando os cânceres de nosso organismo. Muitos fatores de risco ambientais que talvez ajudem esses cânceres a não serem detectados hoje são diferentes daqueles das gerações passadas – e estão nos atingindo em idades mais jovens.

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Por exemplo, nosso estilo de vida cada vez mais sedentário, o consumo de bebidas açucaradas e a epidemia de obesidade, que foi particularmente impactante para as crianças durante a pandemia. Por sua vez, à medida que nosso sistema imunológico fica cada vez mais preparado por mais e mais perigos, ele pode se voltar erroneamente contra si mesmo.

Assim como o risco de câncer aumenta com a idade, o mesmo acontece com os anticorpos direcionados contra nós mesmos: adultos com mais de 50 anos tendem a ter uma prevalência maior desses anticorpos do que pessoas entre 20 e 40 anos.

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Ainda mais preocupante é o fato de esses anticorpos terem se tornado mais comuns nas últimas décadas: entre 1988 e 1991, cerca de 15% das pessoas com mais de 50 anos tinham um desses anticorpos, conhecido como anticorpo antinuclear. Quando um grupo comparável foi examinado entre 2011 e 2012, esse número havia aumentado para mais de 20%.

Estamos só começando a aprender como esses anticorpos podem afetar vários aspectos da nossa saúde. Pacientes com doenças autoimunes conhecidas muitas vezes apresentam sintomas intestinais graves que ainda não compreendemos totalmente. Um subconjunto desses pacientes também apresenta hipermobilidade articular e problemas de pressão arterial e frequência cardíaca (como a síndrome da taquicardia postural ortostática), que, segundo a hipótese dos cientistas, podem ter uma base imunológica comum.

Conforme demonstrado por esses fatores – pois temos muito menos controle sobre alguns deles –, as doenças autoimunes não são necessariamente evitáveis. Mas sempre vale a pena tomar medidas que possam reduzir o risco, como comer alimentos integrais e reduzir o estresse, especialmente se houver um forte histórico de doenças autoimunes na sua família.

Gravidez causa doença autoimune?

Um grande estudo com mais de 1 milhão de mulheres dinamarquesas descobriu que a gravidez estava associada a um risco 15% maior de doenças autoimunes após um parto vaginal e a um risco 30% maior após um parto cesárea, mas há muitas perguntas sem resposta.

Sabemos que as mulheres, independentemente da gravidez, apresentam taxas mais altas de doenças autoimunes do que os homens. No início deste ano, um importante estudo da Cell identificou uma molécula expressa somente em mulheres que inativa o segundo cromossomo X, considerado o possível culpado.

Uma hipótese específica da gravidez envolve o microquimerismo fetal. O termo se refere ao fenômeno no qual, à medida que o bebê cresce dentro do útero da mãe, pequenas quantidades de células fetais são liberadas na corrente sanguínea da mãe e podem continuar no corpo materno por anos. Alguns estudos, mas não todos, sugerem uma ligação entre o microquimerismo fetal e as doenças autoimunes. Os cientistas ainda estão trabalhando para elucidar melhor essas possíveis relações.

O que quero que meus pacientes saibam

Muitos de meus pacientes perguntaram sobre a ligação entre o coronavírus e as doenças autoimunes.

A infecção por SARS-CoV-2 pode causar uma grande pane no sistema imunológico: nós que tratamos pacientes em 2020 nunca vamos nos esquecer das tempestades de citocinas, uma onda de inflamação rápida e potencialmente mortal causada pelo sistema imunológico, que afetou muitos dos que morreram. Mas, para muitos sobreviventes da covid-19, as mudanças no sistema imunológico possivelmente desencadeadas pelo vírus parecem se estender por muito tempo depois do fim da infecção aguda.

Não está totalmente claro quanto do conjunto mais amplo de sintomas que se enquadram na covid longa tem origem autoimune. Sabemos que, em um estudo realizado em 2023 com mais de 1 milhão de pacientes de covid-19 em Hong Kong, houve um risco significativamente maior de diagnósticos posteriores de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e psoríase, em comparação com pessoas que não foram infectadas. Entre os pacientes de covid-19, o estudo também descobriu que completar duas doses de vacina contra o coronavírus atenuou esse risco. Vários outros vírus, como o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes simples, também aumentam o risco de doenças autoimunes.

Aconselho meus pacientes a tomarem precauções contra o coronavírus, como usar máscara e tomar vacina, porque os pesquisadores ainda estão investigando as consequências de longo prazo da covid, inclusive o risco de doença autoimune.

*Trisha Pasricha é instrutora de medicina na Harvard Medical School / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Parece que todo mundo com quem converso tem diagnóstico de alguma nova doença autoimune. O que está acontecendo?

Sua observação está correta. As doenças autoimunes vêm aumentando no mundo todo, e a genética por si só não consegue explicar esse fenômeno.

As doenças autoimunes são problemas que ocorrem quando o sistema imunológico ataca o corpo.

Existem mais de 100 doenças consideradas autoimunes, desde as mais conhecidas, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla, até as menos conhecidas, como esclerodermia e hepatite autoimune.

Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 habitantes tem alguma doença autoimune. Essas doenças afetam mais as mulheres do que os homens e, muitas vezes, passam de geração em geração, embora a genética seja apenas um dos fatores de risco. As doenças autoimunes estão aumentando de uma forma que não é explicada apenas pelos nossos genes: por exemplo, entre 1950 e 2000 as taxas de incidência da doença de Crohn, da esclerose múltipla e do diabetes tipo 1 aumentaram em mais de 300%.

E, se nos aprofundarmos no que está mudando, a história fica ainda mais complexa. Não só as doenças autoimunes estão aumentando, como também estão ocorrendo com mais frequência entre os mais jovens. As doenças autoimunes de início precoce apresentam desafios específicos: a doença crônica que começa na infância pode alterar seriamente a vida do indivíduo e de sua família. E a doença de início precoce pode aumentar o risco de outras doenças autoimunes.

Doenças autoimunes estão mais frequentes entre a população. Além disso, têm acometido indivíduos mais jovens. Foto: Dmytro/Adobe Stock

Além disso, as doenças autoimunes estão aumentando onde antes eram menos comuns. Um exemplo bem estudado é a doença inflamatória intestinal, que durante a maior parte do século 20 era muito mais comum na América do Norte e na Europa, mas nas últimas décadas tem aumentado na América do Sul, na Ásia e na África.

E estamos observando um padrão intrigante em muitas doenças autoimunes: quando as pessoas se mudam para outros países, o risco de doença de seus filhos se assemelha ao da população local – e não ao do país de nascimento dos pais. Por exemplo, a incidência de diabetes tipo I no Paquistão é de cerca de 1 caso por 100 mil pessoas, enquanto no Reino Unido é mais de 10 vezes maior. Mas a taxa de desenvolvimento de diabetes tipo I entre os filhos de paquistaneses que se mudaram para o Reino Unido é semelhante à da população geral do Reino Unido.

Por que as doenças autoimunes estão aumentando?

Uma teoria mais antiga sobre a origem das doenças autoimunes e alérgicas é a chamada “teoria da higiene”, que diz que o excesso de limpeza – ou, mais especificamente, o declínio das doenças infecciosas e o aumento do uso de antibióticos – enfraqueceu nosso sistema imunológico.

Nosso ambiente, que interage intimamente com nosso genoma, provavelmente tem um papel importante nessa história. No entanto, ficou claro que a teoria da higiene não capta muito bem o que está acontecendo: nosso risco de desenvolver essas doenças parece estar mais ligado à nossa exposição aos micróbios do dia a dia, em oposição aos verdadeiros patógenos infecciosos. Isso inclui os micróbios que encontramos pelo canal de parto quando bebês e os que vivem em nosso intestino (muito influenciados pela dieta), além das interações com outras crianças, como em creches, e com animais em casa ou em fazendas.

Embora alguns aspectos de nosso ambiente moderno sejam “mais limpos” hoje do que no passado, as mudanças prejudiciais à saúde que aumentam nosso risco de doenças autoimunes estão por toda parte: nossa comida está cada vez mais ultraprocessada, estamos sempre estressados e dormindo mal, e a poluição do ar saiu do controle em grande parte do mundo. Já se demonstrou que todos esses fatores têm um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes (portanto, minimizar sua “higiene” pessoal, como evitar lavar as mãos, provavelmente não é uma maneira útil de reduzir o risco).

E há outra peça nesse quebra-cabeça. Mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer. Esses dois fenômenos – câncer e doença autoimune – são o yin e o yang da imunologia. Nosso sistema imunológico está sempre procurando e eliminando os cânceres de nosso organismo. Muitos fatores de risco ambientais que talvez ajudem esses cânceres a não serem detectados hoje são diferentes daqueles das gerações passadas – e estão nos atingindo em idades mais jovens.

Por exemplo, nosso estilo de vida cada vez mais sedentário, o consumo de bebidas açucaradas e a epidemia de obesidade, que foi particularmente impactante para as crianças durante a pandemia. Por sua vez, à medida que nosso sistema imunológico fica cada vez mais preparado por mais e mais perigos, ele pode se voltar erroneamente contra si mesmo.

Assim como o risco de câncer aumenta com a idade, o mesmo acontece com os anticorpos direcionados contra nós mesmos: adultos com mais de 50 anos tendem a ter uma prevalência maior desses anticorpos do que pessoas entre 20 e 40 anos.

Ainda mais preocupante é o fato de esses anticorpos terem se tornado mais comuns nas últimas décadas: entre 1988 e 1991, cerca de 15% das pessoas com mais de 50 anos tinham um desses anticorpos, conhecido como anticorpo antinuclear. Quando um grupo comparável foi examinado entre 2011 e 2012, esse número havia aumentado para mais de 20%.

Estamos só começando a aprender como esses anticorpos podem afetar vários aspectos da nossa saúde. Pacientes com doenças autoimunes conhecidas muitas vezes apresentam sintomas intestinais graves que ainda não compreendemos totalmente. Um subconjunto desses pacientes também apresenta hipermobilidade articular e problemas de pressão arterial e frequência cardíaca (como a síndrome da taquicardia postural ortostática), que, segundo a hipótese dos cientistas, podem ter uma base imunológica comum.

Conforme demonstrado por esses fatores – pois temos muito menos controle sobre alguns deles –, as doenças autoimunes não são necessariamente evitáveis. Mas sempre vale a pena tomar medidas que possam reduzir o risco, como comer alimentos integrais e reduzir o estresse, especialmente se houver um forte histórico de doenças autoimunes na sua família.

Gravidez causa doença autoimune?

Um grande estudo com mais de 1 milhão de mulheres dinamarquesas descobriu que a gravidez estava associada a um risco 15% maior de doenças autoimunes após um parto vaginal e a um risco 30% maior após um parto cesárea, mas há muitas perguntas sem resposta.

Sabemos que as mulheres, independentemente da gravidez, apresentam taxas mais altas de doenças autoimunes do que os homens. No início deste ano, um importante estudo da Cell identificou uma molécula expressa somente em mulheres que inativa o segundo cromossomo X, considerado o possível culpado.

Uma hipótese específica da gravidez envolve o microquimerismo fetal. O termo se refere ao fenômeno no qual, à medida que o bebê cresce dentro do útero da mãe, pequenas quantidades de células fetais são liberadas na corrente sanguínea da mãe e podem continuar no corpo materno por anos. Alguns estudos, mas não todos, sugerem uma ligação entre o microquimerismo fetal e as doenças autoimunes. Os cientistas ainda estão trabalhando para elucidar melhor essas possíveis relações.

O que quero que meus pacientes saibam

Muitos de meus pacientes perguntaram sobre a ligação entre o coronavírus e as doenças autoimunes.

A infecção por SARS-CoV-2 pode causar uma grande pane no sistema imunológico: nós que tratamos pacientes em 2020 nunca vamos nos esquecer das tempestades de citocinas, uma onda de inflamação rápida e potencialmente mortal causada pelo sistema imunológico, que afetou muitos dos que morreram. Mas, para muitos sobreviventes da covid-19, as mudanças no sistema imunológico possivelmente desencadeadas pelo vírus parecem se estender por muito tempo depois do fim da infecção aguda.

Não está totalmente claro quanto do conjunto mais amplo de sintomas que se enquadram na covid longa tem origem autoimune. Sabemos que, em um estudo realizado em 2023 com mais de 1 milhão de pacientes de covid-19 em Hong Kong, houve um risco significativamente maior de diagnósticos posteriores de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e psoríase, em comparação com pessoas que não foram infectadas. Entre os pacientes de covid-19, o estudo também descobriu que completar duas doses de vacina contra o coronavírus atenuou esse risco. Vários outros vírus, como o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes simples, também aumentam o risco de doenças autoimunes.

Aconselho meus pacientes a tomarem precauções contra o coronavírus, como usar máscara e tomar vacina, porque os pesquisadores ainda estão investigando as consequências de longo prazo da covid, inclusive o risco de doença autoimune.

*Trisha Pasricha é instrutora de medicina na Harvard Medical School / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Parece que todo mundo com quem converso tem diagnóstico de alguma nova doença autoimune. O que está acontecendo?

Sua observação está correta. As doenças autoimunes vêm aumentando no mundo todo, e a genética por si só não consegue explicar esse fenômeno.

As doenças autoimunes são problemas que ocorrem quando o sistema imunológico ataca o corpo.

Existem mais de 100 doenças consideradas autoimunes, desde as mais conhecidas, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla, até as menos conhecidas, como esclerodermia e hepatite autoimune.

Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 habitantes tem alguma doença autoimune. Essas doenças afetam mais as mulheres do que os homens e, muitas vezes, passam de geração em geração, embora a genética seja apenas um dos fatores de risco. As doenças autoimunes estão aumentando de uma forma que não é explicada apenas pelos nossos genes: por exemplo, entre 1950 e 2000 as taxas de incidência da doença de Crohn, da esclerose múltipla e do diabetes tipo 1 aumentaram em mais de 300%.

E, se nos aprofundarmos no que está mudando, a história fica ainda mais complexa. Não só as doenças autoimunes estão aumentando, como também estão ocorrendo com mais frequência entre os mais jovens. As doenças autoimunes de início precoce apresentam desafios específicos: a doença crônica que começa na infância pode alterar seriamente a vida do indivíduo e de sua família. E a doença de início precoce pode aumentar o risco de outras doenças autoimunes.

Doenças autoimunes estão mais frequentes entre a população. Além disso, têm acometido indivíduos mais jovens. Foto: Dmytro/Adobe Stock

Além disso, as doenças autoimunes estão aumentando onde antes eram menos comuns. Um exemplo bem estudado é a doença inflamatória intestinal, que durante a maior parte do século 20 era muito mais comum na América do Norte e na Europa, mas nas últimas décadas tem aumentado na América do Sul, na Ásia e na África.

E estamos observando um padrão intrigante em muitas doenças autoimunes: quando as pessoas se mudam para outros países, o risco de doença de seus filhos se assemelha ao da população local – e não ao do país de nascimento dos pais. Por exemplo, a incidência de diabetes tipo I no Paquistão é de cerca de 1 caso por 100 mil pessoas, enquanto no Reino Unido é mais de 10 vezes maior. Mas a taxa de desenvolvimento de diabetes tipo I entre os filhos de paquistaneses que se mudaram para o Reino Unido é semelhante à da população geral do Reino Unido.

Por que as doenças autoimunes estão aumentando?

Uma teoria mais antiga sobre a origem das doenças autoimunes e alérgicas é a chamada “teoria da higiene”, que diz que o excesso de limpeza – ou, mais especificamente, o declínio das doenças infecciosas e o aumento do uso de antibióticos – enfraqueceu nosso sistema imunológico.

Nosso ambiente, que interage intimamente com nosso genoma, provavelmente tem um papel importante nessa história. No entanto, ficou claro que a teoria da higiene não capta muito bem o que está acontecendo: nosso risco de desenvolver essas doenças parece estar mais ligado à nossa exposição aos micróbios do dia a dia, em oposição aos verdadeiros patógenos infecciosos. Isso inclui os micróbios que encontramos pelo canal de parto quando bebês e os que vivem em nosso intestino (muito influenciados pela dieta), além das interações com outras crianças, como em creches, e com animais em casa ou em fazendas.

Embora alguns aspectos de nosso ambiente moderno sejam “mais limpos” hoje do que no passado, as mudanças prejudiciais à saúde que aumentam nosso risco de doenças autoimunes estão por toda parte: nossa comida está cada vez mais ultraprocessada, estamos sempre estressados e dormindo mal, e a poluição do ar saiu do controle em grande parte do mundo. Já se demonstrou que todos esses fatores têm um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes (portanto, minimizar sua “higiene” pessoal, como evitar lavar as mãos, provavelmente não é uma maneira útil de reduzir o risco).

E há outra peça nesse quebra-cabeça. Mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer. Esses dois fenômenos – câncer e doença autoimune – são o yin e o yang da imunologia. Nosso sistema imunológico está sempre procurando e eliminando os cânceres de nosso organismo. Muitos fatores de risco ambientais que talvez ajudem esses cânceres a não serem detectados hoje são diferentes daqueles das gerações passadas – e estão nos atingindo em idades mais jovens.

Por exemplo, nosso estilo de vida cada vez mais sedentário, o consumo de bebidas açucaradas e a epidemia de obesidade, que foi particularmente impactante para as crianças durante a pandemia. Por sua vez, à medida que nosso sistema imunológico fica cada vez mais preparado por mais e mais perigos, ele pode se voltar erroneamente contra si mesmo.

Assim como o risco de câncer aumenta com a idade, o mesmo acontece com os anticorpos direcionados contra nós mesmos: adultos com mais de 50 anos tendem a ter uma prevalência maior desses anticorpos do que pessoas entre 20 e 40 anos.

Ainda mais preocupante é o fato de esses anticorpos terem se tornado mais comuns nas últimas décadas: entre 1988 e 1991, cerca de 15% das pessoas com mais de 50 anos tinham um desses anticorpos, conhecido como anticorpo antinuclear. Quando um grupo comparável foi examinado entre 2011 e 2012, esse número havia aumentado para mais de 20%.

Estamos só começando a aprender como esses anticorpos podem afetar vários aspectos da nossa saúde. Pacientes com doenças autoimunes conhecidas muitas vezes apresentam sintomas intestinais graves que ainda não compreendemos totalmente. Um subconjunto desses pacientes também apresenta hipermobilidade articular e problemas de pressão arterial e frequência cardíaca (como a síndrome da taquicardia postural ortostática), que, segundo a hipótese dos cientistas, podem ter uma base imunológica comum.

Conforme demonstrado por esses fatores – pois temos muito menos controle sobre alguns deles –, as doenças autoimunes não são necessariamente evitáveis. Mas sempre vale a pena tomar medidas que possam reduzir o risco, como comer alimentos integrais e reduzir o estresse, especialmente se houver um forte histórico de doenças autoimunes na sua família.

Gravidez causa doença autoimune?

Um grande estudo com mais de 1 milhão de mulheres dinamarquesas descobriu que a gravidez estava associada a um risco 15% maior de doenças autoimunes após um parto vaginal e a um risco 30% maior após um parto cesárea, mas há muitas perguntas sem resposta.

Sabemos que as mulheres, independentemente da gravidez, apresentam taxas mais altas de doenças autoimunes do que os homens. No início deste ano, um importante estudo da Cell identificou uma molécula expressa somente em mulheres que inativa o segundo cromossomo X, considerado o possível culpado.

Uma hipótese específica da gravidez envolve o microquimerismo fetal. O termo se refere ao fenômeno no qual, à medida que o bebê cresce dentro do útero da mãe, pequenas quantidades de células fetais são liberadas na corrente sanguínea da mãe e podem continuar no corpo materno por anos. Alguns estudos, mas não todos, sugerem uma ligação entre o microquimerismo fetal e as doenças autoimunes. Os cientistas ainda estão trabalhando para elucidar melhor essas possíveis relações.

O que quero que meus pacientes saibam

Muitos de meus pacientes perguntaram sobre a ligação entre o coronavírus e as doenças autoimunes.

A infecção por SARS-CoV-2 pode causar uma grande pane no sistema imunológico: nós que tratamos pacientes em 2020 nunca vamos nos esquecer das tempestades de citocinas, uma onda de inflamação rápida e potencialmente mortal causada pelo sistema imunológico, que afetou muitos dos que morreram. Mas, para muitos sobreviventes da covid-19, as mudanças no sistema imunológico possivelmente desencadeadas pelo vírus parecem se estender por muito tempo depois do fim da infecção aguda.

Não está totalmente claro quanto do conjunto mais amplo de sintomas que se enquadram na covid longa tem origem autoimune. Sabemos que, em um estudo realizado em 2023 com mais de 1 milhão de pacientes de covid-19 em Hong Kong, houve um risco significativamente maior de diagnósticos posteriores de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e psoríase, em comparação com pessoas que não foram infectadas. Entre os pacientes de covid-19, o estudo também descobriu que completar duas doses de vacina contra o coronavírus atenuou esse risco. Vários outros vírus, como o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes simples, também aumentam o risco de doenças autoimunes.

Aconselho meus pacientes a tomarem precauções contra o coronavírus, como usar máscara e tomar vacina, porque os pesquisadores ainda estão investigando as consequências de longo prazo da covid, inclusive o risco de doença autoimune.

*Trisha Pasricha é instrutora de medicina na Harvard Medical School / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Parece que todo mundo com quem converso tem diagnóstico de alguma nova doença autoimune. O que está acontecendo?

Sua observação está correta. As doenças autoimunes vêm aumentando no mundo todo, e a genética por si só não consegue explicar esse fenômeno.

As doenças autoimunes são problemas que ocorrem quando o sistema imunológico ataca o corpo.

Existem mais de 100 doenças consideradas autoimunes, desde as mais conhecidas, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla, até as menos conhecidas, como esclerodermia e hepatite autoimune.

Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 habitantes tem alguma doença autoimune. Essas doenças afetam mais as mulheres do que os homens e, muitas vezes, passam de geração em geração, embora a genética seja apenas um dos fatores de risco. As doenças autoimunes estão aumentando de uma forma que não é explicada apenas pelos nossos genes: por exemplo, entre 1950 e 2000 as taxas de incidência da doença de Crohn, da esclerose múltipla e do diabetes tipo 1 aumentaram em mais de 300%.

E, se nos aprofundarmos no que está mudando, a história fica ainda mais complexa. Não só as doenças autoimunes estão aumentando, como também estão ocorrendo com mais frequência entre os mais jovens. As doenças autoimunes de início precoce apresentam desafios específicos: a doença crônica que começa na infância pode alterar seriamente a vida do indivíduo e de sua família. E a doença de início precoce pode aumentar o risco de outras doenças autoimunes.

Doenças autoimunes estão mais frequentes entre a população. Além disso, têm acometido indivíduos mais jovens. Foto: Dmytro/Adobe Stock

Além disso, as doenças autoimunes estão aumentando onde antes eram menos comuns. Um exemplo bem estudado é a doença inflamatória intestinal, que durante a maior parte do século 20 era muito mais comum na América do Norte e na Europa, mas nas últimas décadas tem aumentado na América do Sul, na Ásia e na África.

E estamos observando um padrão intrigante em muitas doenças autoimunes: quando as pessoas se mudam para outros países, o risco de doença de seus filhos se assemelha ao da população local – e não ao do país de nascimento dos pais. Por exemplo, a incidência de diabetes tipo I no Paquistão é de cerca de 1 caso por 100 mil pessoas, enquanto no Reino Unido é mais de 10 vezes maior. Mas a taxa de desenvolvimento de diabetes tipo I entre os filhos de paquistaneses que se mudaram para o Reino Unido é semelhante à da população geral do Reino Unido.

Por que as doenças autoimunes estão aumentando?

Uma teoria mais antiga sobre a origem das doenças autoimunes e alérgicas é a chamada “teoria da higiene”, que diz que o excesso de limpeza – ou, mais especificamente, o declínio das doenças infecciosas e o aumento do uso de antibióticos – enfraqueceu nosso sistema imunológico.

Nosso ambiente, que interage intimamente com nosso genoma, provavelmente tem um papel importante nessa história. No entanto, ficou claro que a teoria da higiene não capta muito bem o que está acontecendo: nosso risco de desenvolver essas doenças parece estar mais ligado à nossa exposição aos micróbios do dia a dia, em oposição aos verdadeiros patógenos infecciosos. Isso inclui os micróbios que encontramos pelo canal de parto quando bebês e os que vivem em nosso intestino (muito influenciados pela dieta), além das interações com outras crianças, como em creches, e com animais em casa ou em fazendas.

Embora alguns aspectos de nosso ambiente moderno sejam “mais limpos” hoje do que no passado, as mudanças prejudiciais à saúde que aumentam nosso risco de doenças autoimunes estão por toda parte: nossa comida está cada vez mais ultraprocessada, estamos sempre estressados e dormindo mal, e a poluição do ar saiu do controle em grande parte do mundo. Já se demonstrou que todos esses fatores têm um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes (portanto, minimizar sua “higiene” pessoal, como evitar lavar as mãos, provavelmente não é uma maneira útil de reduzir o risco).

E há outra peça nesse quebra-cabeça. Mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer. Esses dois fenômenos – câncer e doença autoimune – são o yin e o yang da imunologia. Nosso sistema imunológico está sempre procurando e eliminando os cânceres de nosso organismo. Muitos fatores de risco ambientais que talvez ajudem esses cânceres a não serem detectados hoje são diferentes daqueles das gerações passadas – e estão nos atingindo em idades mais jovens.

Por exemplo, nosso estilo de vida cada vez mais sedentário, o consumo de bebidas açucaradas e a epidemia de obesidade, que foi particularmente impactante para as crianças durante a pandemia. Por sua vez, à medida que nosso sistema imunológico fica cada vez mais preparado por mais e mais perigos, ele pode se voltar erroneamente contra si mesmo.

Assim como o risco de câncer aumenta com a idade, o mesmo acontece com os anticorpos direcionados contra nós mesmos: adultos com mais de 50 anos tendem a ter uma prevalência maior desses anticorpos do que pessoas entre 20 e 40 anos.

Ainda mais preocupante é o fato de esses anticorpos terem se tornado mais comuns nas últimas décadas: entre 1988 e 1991, cerca de 15% das pessoas com mais de 50 anos tinham um desses anticorpos, conhecido como anticorpo antinuclear. Quando um grupo comparável foi examinado entre 2011 e 2012, esse número havia aumentado para mais de 20%.

Estamos só começando a aprender como esses anticorpos podem afetar vários aspectos da nossa saúde. Pacientes com doenças autoimunes conhecidas muitas vezes apresentam sintomas intestinais graves que ainda não compreendemos totalmente. Um subconjunto desses pacientes também apresenta hipermobilidade articular e problemas de pressão arterial e frequência cardíaca (como a síndrome da taquicardia postural ortostática), que, segundo a hipótese dos cientistas, podem ter uma base imunológica comum.

Conforme demonstrado por esses fatores – pois temos muito menos controle sobre alguns deles –, as doenças autoimunes não são necessariamente evitáveis. Mas sempre vale a pena tomar medidas que possam reduzir o risco, como comer alimentos integrais e reduzir o estresse, especialmente se houver um forte histórico de doenças autoimunes na sua família.

Gravidez causa doença autoimune?

Um grande estudo com mais de 1 milhão de mulheres dinamarquesas descobriu que a gravidez estava associada a um risco 15% maior de doenças autoimunes após um parto vaginal e a um risco 30% maior após um parto cesárea, mas há muitas perguntas sem resposta.

Sabemos que as mulheres, independentemente da gravidez, apresentam taxas mais altas de doenças autoimunes do que os homens. No início deste ano, um importante estudo da Cell identificou uma molécula expressa somente em mulheres que inativa o segundo cromossomo X, considerado o possível culpado.

Uma hipótese específica da gravidez envolve o microquimerismo fetal. O termo se refere ao fenômeno no qual, à medida que o bebê cresce dentro do útero da mãe, pequenas quantidades de células fetais são liberadas na corrente sanguínea da mãe e podem continuar no corpo materno por anos. Alguns estudos, mas não todos, sugerem uma ligação entre o microquimerismo fetal e as doenças autoimunes. Os cientistas ainda estão trabalhando para elucidar melhor essas possíveis relações.

O que quero que meus pacientes saibam

Muitos de meus pacientes perguntaram sobre a ligação entre o coronavírus e as doenças autoimunes.

A infecção por SARS-CoV-2 pode causar uma grande pane no sistema imunológico: nós que tratamos pacientes em 2020 nunca vamos nos esquecer das tempestades de citocinas, uma onda de inflamação rápida e potencialmente mortal causada pelo sistema imunológico, que afetou muitos dos que morreram. Mas, para muitos sobreviventes da covid-19, as mudanças no sistema imunológico possivelmente desencadeadas pelo vírus parecem se estender por muito tempo depois do fim da infecção aguda.

Não está totalmente claro quanto do conjunto mais amplo de sintomas que se enquadram na covid longa tem origem autoimune. Sabemos que, em um estudo realizado em 2023 com mais de 1 milhão de pacientes de covid-19 em Hong Kong, houve um risco significativamente maior de diagnósticos posteriores de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e psoríase, em comparação com pessoas que não foram infectadas. Entre os pacientes de covid-19, o estudo também descobriu que completar duas doses de vacina contra o coronavírus atenuou esse risco. Vários outros vírus, como o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes simples, também aumentam o risco de doenças autoimunes.

Aconselho meus pacientes a tomarem precauções contra o coronavírus, como usar máscara e tomar vacina, porque os pesquisadores ainda estão investigando as consequências de longo prazo da covid, inclusive o risco de doença autoimune.

*Trisha Pasricha é instrutora de medicina na Harvard Medical School / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Parece que todo mundo com quem converso tem diagnóstico de alguma nova doença autoimune. O que está acontecendo?

Sua observação está correta. As doenças autoimunes vêm aumentando no mundo todo, e a genética por si só não consegue explicar esse fenômeno.

As doenças autoimunes são problemas que ocorrem quando o sistema imunológico ataca o corpo.

Existem mais de 100 doenças consideradas autoimunes, desde as mais conhecidas, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla, até as menos conhecidas, como esclerodermia e hepatite autoimune.

Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 habitantes tem alguma doença autoimune. Essas doenças afetam mais as mulheres do que os homens e, muitas vezes, passam de geração em geração, embora a genética seja apenas um dos fatores de risco. As doenças autoimunes estão aumentando de uma forma que não é explicada apenas pelos nossos genes: por exemplo, entre 1950 e 2000 as taxas de incidência da doença de Crohn, da esclerose múltipla e do diabetes tipo 1 aumentaram em mais de 300%.

E, se nos aprofundarmos no que está mudando, a história fica ainda mais complexa. Não só as doenças autoimunes estão aumentando, como também estão ocorrendo com mais frequência entre os mais jovens. As doenças autoimunes de início precoce apresentam desafios específicos: a doença crônica que começa na infância pode alterar seriamente a vida do indivíduo e de sua família. E a doença de início precoce pode aumentar o risco de outras doenças autoimunes.

Doenças autoimunes estão mais frequentes entre a população. Além disso, têm acometido indivíduos mais jovens. Foto: Dmytro/Adobe Stock

Além disso, as doenças autoimunes estão aumentando onde antes eram menos comuns. Um exemplo bem estudado é a doença inflamatória intestinal, que durante a maior parte do século 20 era muito mais comum na América do Norte e na Europa, mas nas últimas décadas tem aumentado na América do Sul, na Ásia e na África.

E estamos observando um padrão intrigante em muitas doenças autoimunes: quando as pessoas se mudam para outros países, o risco de doença de seus filhos se assemelha ao da população local – e não ao do país de nascimento dos pais. Por exemplo, a incidência de diabetes tipo I no Paquistão é de cerca de 1 caso por 100 mil pessoas, enquanto no Reino Unido é mais de 10 vezes maior. Mas a taxa de desenvolvimento de diabetes tipo I entre os filhos de paquistaneses que se mudaram para o Reino Unido é semelhante à da população geral do Reino Unido.

Por que as doenças autoimunes estão aumentando?

Uma teoria mais antiga sobre a origem das doenças autoimunes e alérgicas é a chamada “teoria da higiene”, que diz que o excesso de limpeza – ou, mais especificamente, o declínio das doenças infecciosas e o aumento do uso de antibióticos – enfraqueceu nosso sistema imunológico.

Nosso ambiente, que interage intimamente com nosso genoma, provavelmente tem um papel importante nessa história. No entanto, ficou claro que a teoria da higiene não capta muito bem o que está acontecendo: nosso risco de desenvolver essas doenças parece estar mais ligado à nossa exposição aos micróbios do dia a dia, em oposição aos verdadeiros patógenos infecciosos. Isso inclui os micróbios que encontramos pelo canal de parto quando bebês e os que vivem em nosso intestino (muito influenciados pela dieta), além das interações com outras crianças, como em creches, e com animais em casa ou em fazendas.

Embora alguns aspectos de nosso ambiente moderno sejam “mais limpos” hoje do que no passado, as mudanças prejudiciais à saúde que aumentam nosso risco de doenças autoimunes estão por toda parte: nossa comida está cada vez mais ultraprocessada, estamos sempre estressados e dormindo mal, e a poluição do ar saiu do controle em grande parte do mundo. Já se demonstrou que todos esses fatores têm um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes (portanto, minimizar sua “higiene” pessoal, como evitar lavar as mãos, provavelmente não é uma maneira útil de reduzir o risco).

E há outra peça nesse quebra-cabeça. Mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer. Esses dois fenômenos – câncer e doença autoimune – são o yin e o yang da imunologia. Nosso sistema imunológico está sempre procurando e eliminando os cânceres de nosso organismo. Muitos fatores de risco ambientais que talvez ajudem esses cânceres a não serem detectados hoje são diferentes daqueles das gerações passadas – e estão nos atingindo em idades mais jovens.

Por exemplo, nosso estilo de vida cada vez mais sedentário, o consumo de bebidas açucaradas e a epidemia de obesidade, que foi particularmente impactante para as crianças durante a pandemia. Por sua vez, à medida que nosso sistema imunológico fica cada vez mais preparado por mais e mais perigos, ele pode se voltar erroneamente contra si mesmo.

Assim como o risco de câncer aumenta com a idade, o mesmo acontece com os anticorpos direcionados contra nós mesmos: adultos com mais de 50 anos tendem a ter uma prevalência maior desses anticorpos do que pessoas entre 20 e 40 anos.

Ainda mais preocupante é o fato de esses anticorpos terem se tornado mais comuns nas últimas décadas: entre 1988 e 1991, cerca de 15% das pessoas com mais de 50 anos tinham um desses anticorpos, conhecido como anticorpo antinuclear. Quando um grupo comparável foi examinado entre 2011 e 2012, esse número havia aumentado para mais de 20%.

Estamos só começando a aprender como esses anticorpos podem afetar vários aspectos da nossa saúde. Pacientes com doenças autoimunes conhecidas muitas vezes apresentam sintomas intestinais graves que ainda não compreendemos totalmente. Um subconjunto desses pacientes também apresenta hipermobilidade articular e problemas de pressão arterial e frequência cardíaca (como a síndrome da taquicardia postural ortostática), que, segundo a hipótese dos cientistas, podem ter uma base imunológica comum.

Conforme demonstrado por esses fatores – pois temos muito menos controle sobre alguns deles –, as doenças autoimunes não são necessariamente evitáveis. Mas sempre vale a pena tomar medidas que possam reduzir o risco, como comer alimentos integrais e reduzir o estresse, especialmente se houver um forte histórico de doenças autoimunes na sua família.

Gravidez causa doença autoimune?

Um grande estudo com mais de 1 milhão de mulheres dinamarquesas descobriu que a gravidez estava associada a um risco 15% maior de doenças autoimunes após um parto vaginal e a um risco 30% maior após um parto cesárea, mas há muitas perguntas sem resposta.

Sabemos que as mulheres, independentemente da gravidez, apresentam taxas mais altas de doenças autoimunes do que os homens. No início deste ano, um importante estudo da Cell identificou uma molécula expressa somente em mulheres que inativa o segundo cromossomo X, considerado o possível culpado.

Uma hipótese específica da gravidez envolve o microquimerismo fetal. O termo se refere ao fenômeno no qual, à medida que o bebê cresce dentro do útero da mãe, pequenas quantidades de células fetais são liberadas na corrente sanguínea da mãe e podem continuar no corpo materno por anos. Alguns estudos, mas não todos, sugerem uma ligação entre o microquimerismo fetal e as doenças autoimunes. Os cientistas ainda estão trabalhando para elucidar melhor essas possíveis relações.

O que quero que meus pacientes saibam

Muitos de meus pacientes perguntaram sobre a ligação entre o coronavírus e as doenças autoimunes.

A infecção por SARS-CoV-2 pode causar uma grande pane no sistema imunológico: nós que tratamos pacientes em 2020 nunca vamos nos esquecer das tempestades de citocinas, uma onda de inflamação rápida e potencialmente mortal causada pelo sistema imunológico, que afetou muitos dos que morreram. Mas, para muitos sobreviventes da covid-19, as mudanças no sistema imunológico possivelmente desencadeadas pelo vírus parecem se estender por muito tempo depois do fim da infecção aguda.

Não está totalmente claro quanto do conjunto mais amplo de sintomas que se enquadram na covid longa tem origem autoimune. Sabemos que, em um estudo realizado em 2023 com mais de 1 milhão de pacientes de covid-19 em Hong Kong, houve um risco significativamente maior de diagnósticos posteriores de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e psoríase, em comparação com pessoas que não foram infectadas. Entre os pacientes de covid-19, o estudo também descobriu que completar duas doses de vacina contra o coronavírus atenuou esse risco. Vários outros vírus, como o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes simples, também aumentam o risco de doenças autoimunes.

Aconselho meus pacientes a tomarem precauções contra o coronavírus, como usar máscara e tomar vacina, porque os pesquisadores ainda estão investigando as consequências de longo prazo da covid, inclusive o risco de doença autoimune.

*Trisha Pasricha é instrutora de medicina na Harvard Medical School / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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