Perder a motivação com atividades que antes despertavam o interesse. Ficar com a sensação de que não se reconhece mais. Sentir dificuldade em controlar algumas emoções. Se você já sentiu algum desses sintomas, é provável que as exigências do mercado de trabalho estejam te sobrecarregando. Essa é uma realidade comum para muitos profissionais, que precisam lidar com jornadas exaustivas, entregas cada vez mais rápidas e metas bastante rigorosas.
Um levantamento conduzido por Paul Ferreira, vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com as empresas Talenses e Gympass, mostrou que 43% dos entrevistados estão com sobrecarga de trabalho. “A gente percebe que o quadro com relação à saúde mental está ficando cada vez pior”, conta Paul.
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O estudo revelou que pressão por resultados é o motivo com mais efeito negativo na saúde mental dos trabalhadores, seguido do sentimento de precisar estar disponível o tempo todo. Dessa forma, saber como lidar com as exigências do mercado de trabalho sem abrir mão do bem-estar, que já era uma tarefa complicada antes da pandemia, é indispensável.
O levantamento foi realizado em janeiro deste ano, com 572 brasileiros, sendo que 90% deles estão trabalhando atualmente. Dos participantes, 55% são do sexo masculino, 44% feminino e 1% outros. No recorte de gerações, 49% são Millennials, 34% da geração Y, 10% da geração Z e 7% são Baby Boomers. Em relação ao regime atual de trabalho, 50% estão trabalhando de forma híbrida, 28% estão exclusivamente de forma remota e 22% estão totalmente de forma presencial.
Reconheça os sinais que seu corpo dá
Reconhecer os alertas do nosso corpo é o primeiro passo. Especialistas alertam que alguns sinais físicos, como diminuição da imunidade, aumento ou diminuição do apetite e dores musculares, podem ser pontos de atenção para a saúde mental. “Qualquer mudança brusca é um sinal para investigar o que pode estar acontecendo”, recomenda Clarissa Freitas, psicóloga e coordenadora do Núcleo de Estudos em Psicologia Positiva Organizacional.
É importante ficar atento às dificuldades de controle emocional, como uma crise de choro. “Não que isso não possa acontecer eventualmente, mas às vezes a pessoa tem uma reação exagerada para uma situação que não cabe aquela reação”, aponta Clarissa. Além disso, a perda de motivação por atividades que antes eram interessantes também pode ser um sinal.
Às vezes os sinais são mais difíceis de serem percebidos, como no caso do burnout, que começa com uma dedicação intensa na qual o trabalhador vê sentido no que ele está fazendo, mas acaba desencadeando um esgotamento mental. “Por qualquer que seja o motivo desse engajamento, ninguém aguenta dar tudo de si o tempo inteiro. Dessa forma, esse engajamento vai sendo sucedido por uma desistência”, diz Renata Paparelli, psicóloga e coordenadora do Núcleo de Ações em Saúde do Trabalhador (Nast).
Aprenda a organizar seu tempo
Saber organizar as tarefas pode ser um passo importante para uma produtividade mais saudável. A recomendação dos especialistas é começar o dia definindo suas tarefas, os prazos de entrega, a relevância de cada uma e o tempo necessário para que elas sejam concluídas.
Existem até técnicas para esse processo, como a Smart. “É uma forma de fazer as tarefas a partir da importância delas”, indica Clarissa. São cinco pontos principais: especifique o que precisa ser feito, mensure o progresso da tarefa, garanta que seja uma tarefa possível de ser realizada, tenha claro a relevância dela e defina prazos.
Além disso, outra recomendação fundamental é saber equilibrar sua rotina entre trabalho e outras atividades, como prática de esportes, meditação e leitura. “A gente percebe baixos níveis de ansiedade e estresse em pessoas que investem um tempo para o trabalho, mas também um tempo para outras atividades relevantes”, diz Clarissa.
Aprenda a separar o pessoal do profissional
Com a pandemia, vida pessoal e profissional se misturaram. O trabalho remoto – ou home office – tornou a separação entre esses dois universos um desafio. E a tendência é que esse modelo continue. Uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA) mostrou que 29% das empresas planejam manter o trabalho remoto para pelo menos 50% do quadro ou até todos os funcionários.
“A falta de equilíbrio entre as demandas da vida pessoal e da vida do profissional pode ter duas consequências principais: em um cenário, a pessoa pode ficar esgotada, estressada e acabar desenvolvendo um burnout; e em outro, a pessoa desenvolve uma adição ao trabalho e começa a trabalhar compulsivamente”, afirma Clarissa.
Ter objetos que te remetem ao trabalho, como uma xícara de café, pode ser uma estratégia útil para que seu cérebro entenda onde começa a vida pessoal e termina o trabalho. “O ideal para separar atividades profissionais das pessoais é aplicar estratégias comportamentais em que fique fácil de perceber essas diferenças”, diz Clarissa, que também recomenda ter uma mesa só para o trabalho e trocar o pijama por outras roupas.
No entanto, Renata acredita que outras ações precisam ser tomadas. “É necessário que a legislação alcance essa nova configuração de trabalho”, defende a psicóloga, que propõe que empresas forneçam um celular corporativo e evitem mensagens fora do horário de trabalho.
Cobranças por resultados podem afetar saúde mental
Com o objetivo de motivar os colaboradores, muitas empresas adotam o sistema de metas. Porém, em muitos casos, essa prática tem um efeito negativo na saúde mental e bem-estar dos funcionários – seja pela sobrecarga de trabalho ou por adotar jornadas de trabalho exaustivas.
O que o trabalhador pode fazer para lidar melhor com a cobrança por resultados, de acordo com a psicóloga Renata, é “tentar não equiparar seu valor pessoal ao fato dele bater metas”. Por isso, a recomendação dos especialistas é que as metas sejam definidas em acordo entre colaboradores e a liderança.
“As pessoas não têm problema em ter metas e responsabilidades. Elas têm problemas em não ter autonomia para definir a forma de atingir esses resultados. O ponto não é ter ou não ter metas, mas como elas são conversadas”, explica Paul.
Priorize o sono
Dormir bem é importante para várias coisas, porém, após uma rotina estressante, ele é indispensável. Isso porque, após uma situação que cause algum tipo de prejuízo, é necessário ter tempo e oportunidade para se recuperar do desgaste sofrido. “Ter um sono não reparador abre espaço para outras fragilidades e para um maior nível de esgotamento”, afirma Renata.
“Isso é o que a gente chama de espiral de perda”, diz Clarissa, que explica que um sono não restaurador pode desencadear problemas como ansiedade e baixo rendimento no trabalho. Por isso, os especialistas recomendam algumas atividades para melhorar a qualidade do sono, como encaixar a prática meditativa e de exercícios físicos em algum momento do seu dia.
Se necessário, peça ajuda
É possível encontrar suporte no Sistema Único de Saúde (SUS). Procure a Unidade Básica de Saúde mais próxima da sua residência e fale sobre os sintomas e como está se sentindo. Caso prefira, você também pode procurar um médico ou psicólogo ou um serviço especializado, como Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest).