Requerimentos apresentados ao Conselho Federal de Medicina (CFM) pedem que os resultados da eleição realizada na última semana sejam impugnados e o pleito, suspenso. Entre as razões para os pedidos, os documentos listam propaganda irregular, desrespeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e inconsistência entre o número de votos e o de médicos aptos a votar. Parte das denúncias está sendo investigada pela Polícia Federal.
“Temos a absoluta confiança no resultado final da eleição. Infelizmente, alguns não leem toda a resolução, todas as normas da eleição, e aí o perdedor sai correndo para achar motivo para entrar com um pedido de impugnação, de anulação de eleição. Mas isso não vai prosperar porque a gente tem todos os dados para mostrar que foi tudo certo”, diz Aldemir Humberto Soares, presidente da Comissão Eleitoral do CFM.
A eleição foi realizada de forma online nos dias 6 e 7 de agosto. Cada Estado e o Distrito Federal elegeram dois conselheiros federais (um titular e um suplente), totalizando 54 representantes que, ao lado de dois profissionais indicados pela Associação Médica Brasileira (AMB), serão responsáveis pela gestão do conselho a partir de 1º de outubro.
O resultado, porém, foi contestado pela médica Melissa Palmieri, que concorria pela chapa 03, “ConsCiência CFM”, em São Paulo. No Estado, quatro chapas participaram da disputa, conquistando as seguintes parcelas do eleitorado:
- Chapa 2: Força Médica – 39.620 votos (37,98% dos votos válidos)
- Chapa 3: ConsCiência CFM – 35.601 votos (34,13% dos votos válidos)
- Chapa 1: Juntos por uma categoria médica mais forte – 15.912 votos (15,25% dos votos válidos)
- Chapa 4: Experiência e inovação – 13.182 votos (12,64% dos votos válidos)
Segundo Melissa, o CFM ainda não se posicionou sobre parte das denúncias apresentadas. O órgão, por sua vez, avalia que o processo de votação transcorreu “de uma maneira muito transparente, muito segura”, mas admite que houve dificuldades durante o período de campanha.
“Durante a campanha, houve alguns exageros. Chegamos inclusive a suspender chapa e por um período ela teve de parar de fazer campanha, mas sabemos que esse tipo de punição não é efetiva o suficiente porque ele pede para um amigo postar e aí não podemos fazer nada, porque o amigo não é candidato. Então consegue-se furar, às vezes, o processo nesse sentido”, afirma Soares.
Propaganda eleitoral
Como mostrou o Estadão, o teor ideológico prevaleceu nas campanhas para a eleição, e até a disputa presidencial americana contaminou as discussões. Em um dos requerimentos, protocolado no dia 3 de agosto, a chapa 3 questionou o uso do X (antigo Twitter) por outra chapa, em um post que dizia que o Partido dos Trabalhadores (PT) estava unido “para botar os esquerdistas no controle da medicina” e queria “aparelhar” a medicina.
O pedido alega que a postagem infringiu o artigo 47 da Resolução CFM nº 2.335/2023, que dispõe sobre as normas para a eleição e estipula que “não será tolerada propaganda que divulgue informações falsas”. O requerimento indica ainda que a infração já havia sido apontada e advertida anteriormente, configurando reincidência.
O requerimento também aponta a realização de propaganda nos dias de votação, um período proibido pela resolução, inclusive com uso de mensagem impulsionada.
“(As inconsistências) Foram principalmente em relação à propaganda eleitoral, faltou uma fiscalização e uma punição mais exemplar por parte das comissões regional e nacional”, diz Melissa. “Houve muita divulgação de partidarismo político, com muita calúnia e difamação, e isso prejudica a análise do eleitor”.
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LGPD
“Os problemas durante a campanha foram denunciados previamente, houve várias representações. Creio que a mais grave foi o crime contra a LGPD que aconteceu duas semanas antes das eleições e também na data das eleições”, afirma Melissa.
De acordo com a médica e com imagem anexada em um dos requerimentos, profissionais receberam mensagens em seus celulares de uma empresa que pedia votos para determinada chapa, inclusive em um dos dias da eleição. “Continuem votando! Hoje é o último dia. Não deixe a esquerda ter chance”, diz parte da mensagem.
Além de mensagens assim serem proibidas em dia de votação, pela LGPD, tal empresa não poderia ter acesso aos contatos dos médicos. Como possivelmente houve infração da lei, o CFM acionou a Polícia Federal e aguarda a conclusão das investigações (leia mais abaixo).
Mais votos do que candidatos
A chapa 3 também questiona a divergência entre o número de votos válidos computados e o de médicos aptos a votar, sendo o total de votos superior ao de eleitores.
Melissa protocolou um pedido de impugnação do resultado devido à inconsistência, e o mesmo foi negado pelo CFM em um primeiro momento.
De acordo com o conselho, “o médico com mais de uma inscrição poderá votar em diferentes unidades da federação onde tenha inscrição secundária”. Em outas palavras, um profissional cadastrado em conselhos regionais de três Estados, por exemplo, pode gerar três votos, cada um referente à disputa em uma UF.
Diante da resposta, a médica fez uma nova solicitação. Sua chapa pede o número de eleitores que declararam possuir inscrição em CRMs distintos, a fim de viabilizar a verificação dos números.
Segundo Humberto Soares, trata-se de uma solicitação possível de ser atendida.
O que diz o CFM
- Sobre a propaganda irregular: “Não conseguimos comprovar (que foram candidatos que realizaram a propaganda irregular), quem é o autor das mensagens. Todos os casos foram para a Polícia Federal, para ver se conseguem descobrir essa origem, porque todos eles negam a autoria. Nós tentamos investigar o máximo possível, tem muitos candidatos muito chateados. Mas nós não temos como comprovar que realmente foi a chapa que fez. Por mais que se acredite que possa ter sido, não temos prova, e sem prova fica difícil de tomar uma decisão”.
- Sobre o candidato que postou no próprio perfil que as chapas da oposição eram “de esquerda” e estavam “a serviço do PT”: “Ele pode falar isso. Teoricamente ele pode, né? Quer dizer, ele fica jogando que os outros são outras coisas. Foi pedida uma explicação. O problema é que, primeiro, quem tem que julgar é a Comissão Regional de São Paulo, e ela não encontrou nenhum dado que vinculasse. No dia da eleição, o candidato disse que não fez propaganda, e já estava lá, né? Lamentamos esse tipo de postura, mas não é dado suficiente para que eu cancele a chapa”.
- Sobre a investigação da Polícia Federal: “O CFM acionou a Polícia Federal. Tive informações de que alguma chapa, em algum Estado, também reclamou para a polícia, mas não acompanhamos o que poderia estar acontecendo com ela. (O que levamos à PF foi) O possível vazamento do banco de dados, e precisávamos saber quem é o autor das notas, porque mesmo o candidato em si não poderia falar do jeito que foi falado sobre outros sem documentar isso, sem provar o fato. Inclusive, até distorcendo verdades. Porque a gente sabe que, às vezes, não é aquilo que a pessoa pensa. Como é que eu jogo que todo mundo é do outro lado e só eu estou do lado certo, né?”
- Sobre os desfechos da investigação da PF: “Não temos ainda (uma resposta da Polícia Federal). Mas esse processo continua em andamento até a gente poder ter uma decisão. Eu espero que a gente consiga isso até setembro, porque a posse é só em 1º de outubro, então ainda dá tempo da gente buscar uma solução para isso.”
- O que acontecerá se a PF concluir que há candidatos envolvidos nas irregularidades: “Aí, volta o assunto para a comissão nacional para avaliar o que foi conseguido de dados e se isso caracteriza uma infração grave o suficiente para que a chapa seja retirada do processo.”