Joanna Maranhão é ex-nadadora, dona de um dos maiores resultados da história da natação feminina brasileira em Olimpíada: um quinto lugar nos 400 m medley em Atenas-2004. Sobrevivente de abuso sexual na infância, cometido por um treinador, ela agora luta para que outros jovens atletas não passem pela mesma situação.
“Tive experiências em que não tive escolha, extremamente violentas, e resolvi ressignificar o esporte. Enfrentei as melhores e as piores experiências da minha vida no mesmo ambiente”, contou ao Estadão, por e-mail. Mesmo longe das competições, Joanna ainda vive o esporte no seu dia a dia. Atualmente, é assistente técnica e cursa um mestrado em Ética Esportiva e Integridade na cidade de Leuven, na Bélgica.
Nas piscinas, durante boa parte da sua carreira, pouca gente sabia das dificuldades que Joanna Maranhão enfrentava. A nadadora disputou olimpíadas e campeonatos mundiais de natação, quebrou recordes e conquistou oito medalhas em Jogos Pan-Americanos. Apesar de ter passado alguns dos momentos mais felizes de sua vida em piscinas, ela também viveu traumas com os quais lida até hoje.
Em 2008, Joanna revelou em uma entrevista que havia sofrido abuso sexual cometido por um treinador na infância. Um ano depois, sua luta conquistou um resultado importante: a Lei Joanna Maranhão, que estabelece que o prazo de prescrição de crimes de abuso sexual contra crianças e adolescentes seja contado a partir da data em que a vítima completa 18 anos. Em vigor desde 2012, a medida dá às vítimas mais tempo para denunciar e buscar justiça.
"Quanto mais eu faço, mais vejo que tem mais por fazer. Você ser uma militante de direitos humanos, por mais estigmatizado que o termo seja, é essa eterna luta mesmo”, diz, em entrevista ao Estadão. Joanna tem depressão e entende que sempre será afetada pela violência que sofreu na infância, mas usa a própria busca por justiça para trabalhar o tema no meio esportivo. “Isso não significa que eu superei, são ferramentas que me ajudam a lidar com isso, a fazer com que as coisas tenham algum tipo de sentido.”
Quando competia, Joanna já tinha de lidar com esses problemas. Apesar de ter conquistado grandes resultados, a depressão, acompanhada de crises de pânico e burnout, atrapalhou o desempenho da atleta em competições. “Hoje, acho que para alguém que tem a capacidade de subir no bloco e competir, mesmo passando por uma crise de depressão muito forte, o tempo (nas piscinas) não é parâmetro”, aponta.
ADAPTAÇÃO. Durante a pandemia, sua principal dificuldade foi adaptar a família a um novo país em uma época atípica para todos. Bacharel em Educação Física, Joanna se mudou para a Bélgica com o marido, o judoca Luciano Corrêa, e o filho, Caetano, para cursar um mestrado.
“A gente vive aqui com um salário mínimo, mas ao mesmo tempo há uma qualidade de vida que permite que se viva com bem mais conforto do que com um salário mínimo no Brasil”, compara. Agora, ela pretende focar na pesquisa e continuar a trabalhar com a área esportiva, de preferência no Brasil, além de dar uma estrutura de vida digna para o filho. “Tenho muitos sonhos ainda por realizar.”
Joanna diz ter buscado o curso para entender o que é feito em outros países com relação à governança esportiva e a antidoping. Agora, vai iniciar a pesquisa para aplicar o que aprendeu sobre prevenção de violência contra atletas. “No Brasil, a gente precisa coletar dados de incidência, de percepção do que os atletas entendem como violência. Entender a magnitude do problema, porque eu acho que a ciência pode ajudar a gente a ter essa compreensão e a criar diretrizes mais eficazes.”
A ex-nadadora, finalista olímpica, medalhista pan-americana, mestranda, assistente técnica e comentarista mantém a visão de que ainda aprende muito com o esporte. “Às vezes, a gente coloca o esporte nesse lugar de uma elevação moral que ele não tem, o esporte é uma expressão da sociedade e carrega mazelas. Mas ele tem potencial quando é vivido com plenitude e respeito à individualidade.