Quem pode fazer bariátrica? Médicos rediscutem critérios de indicação para cirurgia


Ampliar recomendação do procedimento para quem tem IMC a partir de 30 divide especialistas; veja as opiniões contrárias e a favor

Por Roberta Jansen
Atualização:

O Conselho Federal de Medicina (CFM) estuda alterações nas regras de indicação de cirurgia bariátrica, a operação para perda de peso. Propostas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, as novas diretrizes ampliam os critérios de indicação do procedimento para pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) a partir de 30 – considerado o limite inicial da obesidade.

As novas diretrizes foram adotadas em outubro pela Federação Internacional para a Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO), que representa 72 associações e sociedades nacionais em todo o mundo, e pela Sociedade Americana de Cirurgia Metabólica e Bariátrica. Mas a mudança divide opinião entre os médicos.

Especialistas que defendem a alteração argumentam que a cirurgia é o tratamento mais eficaz contra a obesidade e a síndrome metabólica. Dizem também que a tecnologia envolvida na intervenção avançou, enquanto os riscos caíram muito. Além disso, apontam que a operação previne outras complicações em médio e longo prazo.

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Já especialistas contrários à mudança dizem que redução de risco não é risco zero; argumentam que há uma nova geração de medicamentos muito eficazes e lembram que, hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada não dão conta nem sequer de operar todas as pessoas com IMC acima de 40, os obesos mórbidos. Então, questionam, por que ampliar os critérios se já não conseguimos tratar os casos mais graves?

Atualmente, as cirurgias bariátricas só podem ser feitas em pacientes com IMC de 30 a 34 apenas se todos os demais tratamentos disponíveis falharem. É recomendada para pessoas com IMC acima de 35, desde que apresentem doenças associadas ao excesso de peso como o diabete tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras. Já os pacientes com IMC acima de 40 podem ser operados mesmo que não tenham doenças relacionadas.

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“O consenso sobre cirurgia bariátrica de 1991 foi fundamental, mas após 30 anos e centenas de estudos publicados de alta qualidade, incluindo ensaios clínicos randomizados, não reflete mais as melhores práticas, especialmente com a evolução das tecnologias e avanço da obesidade”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Fábio Viegas.

Dados mais recentes da pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, indicam que 20% da população brasileira é obesa e pouco mais da metade tem sobrepeso. E esses números têm aumentado, sobretudo após a pandemia da covid-19. Um estudo americano recente, o Diet & Health Under Covid-19, apontou que os brasileiros foram os que mais ganharam peso na pandemia. Por aqui, 52% dos entrevistados disseram ter engordado. Em média, os brasileiros ganharam cerca de 6,5 quilos nesse período.

Antonio Oscar Constantino Ferreira, de 52 anos, fez a cirurgia há três meses, quando pesava 140 quilos. Desses, já perdeu 40. Foto: Pedro Kirilos/Estadão
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Fila para cirurgia

Paralelamente ao aumento da obesidade, houve também queda no número de cirurgias bariátricas no Brasil. Por causa da suspensão dos procedimentos, muitos Estados viram as filas de espera aumentarem.

Nos últimos cinco anos, foram realizadas 311.850 mil cirurgias bariátricas no País. Destas, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), 252.929 foram feitos por meio planos e 14.850, de forma particular. Só 44.093 procedimentos foram realizados pelo SUS. Para especialistas, os números são a ponta de um iceberg. Estima-se que apenas 1% dos obesos façam a cirurgia.

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“Há cerca de 600 milhões de obesos no mundo e são feitas aproximadamente 600 mil cirurgias bariátricas. Ou seja, apenas um em cada mil tem acesso ao procedimento. Não conseguimos atender os que realmente precisam e vamos ampliar os critérios? Para quê? Do ponto de vista da saúde pública isso é um absurdo”, argumenta o especialista Bruno Geloneze, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp.

Além disso, há toda uma nova linha de remédios chegando ao mercado que são muito eficientes, capazes de reduzir de 18% a 23% do peso, o que poderia atender bem a pessoas com IMC de 30 a 34, de acordo com Geloneze.

“O tratamento mais eficaz e potente contra a obesidade é a cirurgia. É também o único tratamento que provoca mortes”, afirma o especialista da Unicamp. “Ou seja, devo reservá-lo para as formas mais agressivas da doença, que são aquelas em que o paciente tem o IMC acima de 40.”

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A obesidade é considerada a doença que mais mata no mundo. É fator de risco para outras 25 doenças, a principal causa do câncer de mama e diretamente responsável por outros 13 tipos de câncer. As doenças relacionadas à obesidade são responsáveis por mais de 4,7 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano, metade das quais ocorrem entre pessoas com menos de 70 anos.

“Você se lembra de já ter visto algum obeso mórbido velhinho andando pela rua? Não, né? Sabe por quê? Porque 70% deles morrem muito cedo, antes dos 50 anos”, afirma Fábio Viegas. “Não é uma questão de ampliar os critérios para ganhar mais dinheiro, mas para salvar mais vidas.”

Coordenador do Serviço de Obesidade da UERJ, Luiz Guilherme Kraemer de Aguiar concorda com o colega. “A obesidade é uma doença pouco reconhecida por outros profissionais de saúde, que tendem a apenas mandar o paciente fazer dieta e exercício. Sabemos que as coisas não funcionam assim para a maioria”, diz.

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Quais são os próximos passos?

Após a deliberação pelo CFM, os novos parâmetros ainda precisam ser debatidos, posteriormente, pelo Ministério da Saúde e pela ANS. Os órgãos devem avaliar se eles serão incorporados ao SUS e aos planos de saúde.

“Precisamos agora conseguir colocar isso (a ampliação dos critérios) no rol da ANS”, defende o médico Fernando de Barros, do serviço de cirurgia bariátrica do Hospital São Francisco na Providência de Deus, que atende pacientes do SUS.

“Os planos deveriam entender que em médio e longo prazo é mais barato para eles ampliar os critérios para cirurgia. A obesidade é a maior responsável por casos de amputação, diálise, transplante de fígado, enfarte, AVC, trombose, todos esses problemas muito comuns que demandam procedimentos caros e internações prolongadas”, continua. “As pessoas acham que o obeso é um gordo safado e preguiçoso, que precisa fechar a boca e ir à academia. Há muito preconceito e uma visão muito errada dessa população.”

‘Dieta nunca dava certo’

Antonio Oscar Constantino Ferreira, de 52 anos, fez a cirurgia há três meses, quando pesava 140 quilos. Desses, já perdeu 40. Ainda está muito acima do peso para seu 1,70 metro de altura, mas muitos dos problemas de saúde já começam a regredir.

“A diabete não existe mais, estou conseguindo me locomover melhor, sinto menos cansaço e não tenho mais dores nos pés e nos joelhos”, conta. “Já tinha tentado fazer dieta várias vezes, mas é muito difícil, nunca dava certo. Desinchava, perdia líquido, mas não conseguia perder muito peso. Ficava aquele efeito sanfona.”

Vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Síndrome Metabólica e Obesidade (Abeso), Fábio Trujilho diz que a entidade ainda não fechou posição oficial sobre o tema. Ele acredita, no entanto, que, na prática, as alterações não terão um impacto muito grande.

“No caso das pessoas com IMC acima de 35, as comorbidades previstas hoje para permitir a cirurgia são tantas, são mais de cem, que, na prática, não vai fazer diferença”, afirma. “No caso de IMC de 30 a 35 já é um procedimento previsto também.”

Entenda as mudanças

O Índice de Massa Corporal (IMC) é calculado dividindo-se o peso do paciente pela sua altura ao quadrado.

Como é hoje:

  • IMC de 30 a 34 – obesidade tipo I. Só podem fazer cirurgia bariátrica pacientes com comorbidades graves e, mesmo assim, apenas se todos os demais tratamentos disponíveis tiverem falhado.
  • IMC de 35 a 39 – obesidade tipo II. Só podem fazer cirurgia bariátrica os pacientes que tiverem alguma comorbidade associada ao excesso de peso como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras.
  • IMC de 40 em diante – obesidade tipo III, também chamada de obesidade mórbida. Todas as pessoas com IMC igual ou acima de 40 podem se operar, mesmo que não tenham doenças relacionadas.

Como pode ficar:

  • IMC de 30 a 34 – obesidade tipo I. Podem fazer cirurgia bariátrica pacientes com comorbidades ligadas ao excesso de peso, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras.
  • IMC de 35 em diante – obesidade tipo II e tipo III. Todas as pessoas com IMC igual ou acima de 35 podem se operar, mesmo que não tenham doenças relacionadas.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) estuda alterações nas regras de indicação de cirurgia bariátrica, a operação para perda de peso. Propostas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, as novas diretrizes ampliam os critérios de indicação do procedimento para pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) a partir de 30 – considerado o limite inicial da obesidade.

As novas diretrizes foram adotadas em outubro pela Federação Internacional para a Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO), que representa 72 associações e sociedades nacionais em todo o mundo, e pela Sociedade Americana de Cirurgia Metabólica e Bariátrica. Mas a mudança divide opinião entre os médicos.

Especialistas que defendem a alteração argumentam que a cirurgia é o tratamento mais eficaz contra a obesidade e a síndrome metabólica. Dizem também que a tecnologia envolvida na intervenção avançou, enquanto os riscos caíram muito. Além disso, apontam que a operação previne outras complicações em médio e longo prazo.

Já especialistas contrários à mudança dizem que redução de risco não é risco zero; argumentam que há uma nova geração de medicamentos muito eficazes e lembram que, hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada não dão conta nem sequer de operar todas as pessoas com IMC acima de 40, os obesos mórbidos. Então, questionam, por que ampliar os critérios se já não conseguimos tratar os casos mais graves?

Atualmente, as cirurgias bariátricas só podem ser feitas em pacientes com IMC de 30 a 34 apenas se todos os demais tratamentos disponíveis falharem. É recomendada para pessoas com IMC acima de 35, desde que apresentem doenças associadas ao excesso de peso como o diabete tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras. Já os pacientes com IMC acima de 40 podem ser operados mesmo que não tenham doenças relacionadas.

“O consenso sobre cirurgia bariátrica de 1991 foi fundamental, mas após 30 anos e centenas de estudos publicados de alta qualidade, incluindo ensaios clínicos randomizados, não reflete mais as melhores práticas, especialmente com a evolução das tecnologias e avanço da obesidade”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Fábio Viegas.

Dados mais recentes da pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, indicam que 20% da população brasileira é obesa e pouco mais da metade tem sobrepeso. E esses números têm aumentado, sobretudo após a pandemia da covid-19. Um estudo americano recente, o Diet & Health Under Covid-19, apontou que os brasileiros foram os que mais ganharam peso na pandemia. Por aqui, 52% dos entrevistados disseram ter engordado. Em média, os brasileiros ganharam cerca de 6,5 quilos nesse período.

Antonio Oscar Constantino Ferreira, de 52 anos, fez a cirurgia há três meses, quando pesava 140 quilos. Desses, já perdeu 40. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Fila para cirurgia

Paralelamente ao aumento da obesidade, houve também queda no número de cirurgias bariátricas no Brasil. Por causa da suspensão dos procedimentos, muitos Estados viram as filas de espera aumentarem.

Nos últimos cinco anos, foram realizadas 311.850 mil cirurgias bariátricas no País. Destas, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), 252.929 foram feitos por meio planos e 14.850, de forma particular. Só 44.093 procedimentos foram realizados pelo SUS. Para especialistas, os números são a ponta de um iceberg. Estima-se que apenas 1% dos obesos façam a cirurgia.

“Há cerca de 600 milhões de obesos no mundo e são feitas aproximadamente 600 mil cirurgias bariátricas. Ou seja, apenas um em cada mil tem acesso ao procedimento. Não conseguimos atender os que realmente precisam e vamos ampliar os critérios? Para quê? Do ponto de vista da saúde pública isso é um absurdo”, argumenta o especialista Bruno Geloneze, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp.

Além disso, há toda uma nova linha de remédios chegando ao mercado que são muito eficientes, capazes de reduzir de 18% a 23% do peso, o que poderia atender bem a pessoas com IMC de 30 a 34, de acordo com Geloneze.

“O tratamento mais eficaz e potente contra a obesidade é a cirurgia. É também o único tratamento que provoca mortes”, afirma o especialista da Unicamp. “Ou seja, devo reservá-lo para as formas mais agressivas da doença, que são aquelas em que o paciente tem o IMC acima de 40.”

A obesidade é considerada a doença que mais mata no mundo. É fator de risco para outras 25 doenças, a principal causa do câncer de mama e diretamente responsável por outros 13 tipos de câncer. As doenças relacionadas à obesidade são responsáveis por mais de 4,7 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano, metade das quais ocorrem entre pessoas com menos de 70 anos.

“Você se lembra de já ter visto algum obeso mórbido velhinho andando pela rua? Não, né? Sabe por quê? Porque 70% deles morrem muito cedo, antes dos 50 anos”, afirma Fábio Viegas. “Não é uma questão de ampliar os critérios para ganhar mais dinheiro, mas para salvar mais vidas.”

Coordenador do Serviço de Obesidade da UERJ, Luiz Guilherme Kraemer de Aguiar concorda com o colega. “A obesidade é uma doença pouco reconhecida por outros profissionais de saúde, que tendem a apenas mandar o paciente fazer dieta e exercício. Sabemos que as coisas não funcionam assim para a maioria”, diz.

Quais são os próximos passos?

Após a deliberação pelo CFM, os novos parâmetros ainda precisam ser debatidos, posteriormente, pelo Ministério da Saúde e pela ANS. Os órgãos devem avaliar se eles serão incorporados ao SUS e aos planos de saúde.

“Precisamos agora conseguir colocar isso (a ampliação dos critérios) no rol da ANS”, defende o médico Fernando de Barros, do serviço de cirurgia bariátrica do Hospital São Francisco na Providência de Deus, que atende pacientes do SUS.

“Os planos deveriam entender que em médio e longo prazo é mais barato para eles ampliar os critérios para cirurgia. A obesidade é a maior responsável por casos de amputação, diálise, transplante de fígado, enfarte, AVC, trombose, todos esses problemas muito comuns que demandam procedimentos caros e internações prolongadas”, continua. “As pessoas acham que o obeso é um gordo safado e preguiçoso, que precisa fechar a boca e ir à academia. Há muito preconceito e uma visão muito errada dessa população.”

‘Dieta nunca dava certo’

Antonio Oscar Constantino Ferreira, de 52 anos, fez a cirurgia há três meses, quando pesava 140 quilos. Desses, já perdeu 40. Ainda está muito acima do peso para seu 1,70 metro de altura, mas muitos dos problemas de saúde já começam a regredir.

“A diabete não existe mais, estou conseguindo me locomover melhor, sinto menos cansaço e não tenho mais dores nos pés e nos joelhos”, conta. “Já tinha tentado fazer dieta várias vezes, mas é muito difícil, nunca dava certo. Desinchava, perdia líquido, mas não conseguia perder muito peso. Ficava aquele efeito sanfona.”

Vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Síndrome Metabólica e Obesidade (Abeso), Fábio Trujilho diz que a entidade ainda não fechou posição oficial sobre o tema. Ele acredita, no entanto, que, na prática, as alterações não terão um impacto muito grande.

“No caso das pessoas com IMC acima de 35, as comorbidades previstas hoje para permitir a cirurgia são tantas, são mais de cem, que, na prática, não vai fazer diferença”, afirma. “No caso de IMC de 30 a 35 já é um procedimento previsto também.”

Entenda as mudanças

O Índice de Massa Corporal (IMC) é calculado dividindo-se o peso do paciente pela sua altura ao quadrado.

Como é hoje:

  • IMC de 30 a 34 – obesidade tipo I. Só podem fazer cirurgia bariátrica pacientes com comorbidades graves e, mesmo assim, apenas se todos os demais tratamentos disponíveis tiverem falhado.
  • IMC de 35 a 39 – obesidade tipo II. Só podem fazer cirurgia bariátrica os pacientes que tiverem alguma comorbidade associada ao excesso de peso como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras.
  • IMC de 40 em diante – obesidade tipo III, também chamada de obesidade mórbida. Todas as pessoas com IMC igual ou acima de 40 podem se operar, mesmo que não tenham doenças relacionadas.

Como pode ficar:

  • IMC de 30 a 34 – obesidade tipo I. Podem fazer cirurgia bariátrica pacientes com comorbidades ligadas ao excesso de peso, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras.
  • IMC de 35 em diante – obesidade tipo II e tipo III. Todas as pessoas com IMC igual ou acima de 35 podem se operar, mesmo que não tenham doenças relacionadas.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) estuda alterações nas regras de indicação de cirurgia bariátrica, a operação para perda de peso. Propostas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, as novas diretrizes ampliam os critérios de indicação do procedimento para pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) a partir de 30 – considerado o limite inicial da obesidade.

As novas diretrizes foram adotadas em outubro pela Federação Internacional para a Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO), que representa 72 associações e sociedades nacionais em todo o mundo, e pela Sociedade Americana de Cirurgia Metabólica e Bariátrica. Mas a mudança divide opinião entre os médicos.

Especialistas que defendem a alteração argumentam que a cirurgia é o tratamento mais eficaz contra a obesidade e a síndrome metabólica. Dizem também que a tecnologia envolvida na intervenção avançou, enquanto os riscos caíram muito. Além disso, apontam que a operação previne outras complicações em médio e longo prazo.

Já especialistas contrários à mudança dizem que redução de risco não é risco zero; argumentam que há uma nova geração de medicamentos muito eficazes e lembram que, hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada não dão conta nem sequer de operar todas as pessoas com IMC acima de 40, os obesos mórbidos. Então, questionam, por que ampliar os critérios se já não conseguimos tratar os casos mais graves?

Atualmente, as cirurgias bariátricas só podem ser feitas em pacientes com IMC de 30 a 34 apenas se todos os demais tratamentos disponíveis falharem. É recomendada para pessoas com IMC acima de 35, desde que apresentem doenças associadas ao excesso de peso como o diabete tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras. Já os pacientes com IMC acima de 40 podem ser operados mesmo que não tenham doenças relacionadas.

“O consenso sobre cirurgia bariátrica de 1991 foi fundamental, mas após 30 anos e centenas de estudos publicados de alta qualidade, incluindo ensaios clínicos randomizados, não reflete mais as melhores práticas, especialmente com a evolução das tecnologias e avanço da obesidade”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Fábio Viegas.

Dados mais recentes da pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, indicam que 20% da população brasileira é obesa e pouco mais da metade tem sobrepeso. E esses números têm aumentado, sobretudo após a pandemia da covid-19. Um estudo americano recente, o Diet & Health Under Covid-19, apontou que os brasileiros foram os que mais ganharam peso na pandemia. Por aqui, 52% dos entrevistados disseram ter engordado. Em média, os brasileiros ganharam cerca de 6,5 quilos nesse período.

Antonio Oscar Constantino Ferreira, de 52 anos, fez a cirurgia há três meses, quando pesava 140 quilos. Desses, já perdeu 40. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Fila para cirurgia

Paralelamente ao aumento da obesidade, houve também queda no número de cirurgias bariátricas no Brasil. Por causa da suspensão dos procedimentos, muitos Estados viram as filas de espera aumentarem.

Nos últimos cinco anos, foram realizadas 311.850 mil cirurgias bariátricas no País. Destas, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), 252.929 foram feitos por meio planos e 14.850, de forma particular. Só 44.093 procedimentos foram realizados pelo SUS. Para especialistas, os números são a ponta de um iceberg. Estima-se que apenas 1% dos obesos façam a cirurgia.

“Há cerca de 600 milhões de obesos no mundo e são feitas aproximadamente 600 mil cirurgias bariátricas. Ou seja, apenas um em cada mil tem acesso ao procedimento. Não conseguimos atender os que realmente precisam e vamos ampliar os critérios? Para quê? Do ponto de vista da saúde pública isso é um absurdo”, argumenta o especialista Bruno Geloneze, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp.

Além disso, há toda uma nova linha de remédios chegando ao mercado que são muito eficientes, capazes de reduzir de 18% a 23% do peso, o que poderia atender bem a pessoas com IMC de 30 a 34, de acordo com Geloneze.

“O tratamento mais eficaz e potente contra a obesidade é a cirurgia. É também o único tratamento que provoca mortes”, afirma o especialista da Unicamp. “Ou seja, devo reservá-lo para as formas mais agressivas da doença, que são aquelas em que o paciente tem o IMC acima de 40.”

A obesidade é considerada a doença que mais mata no mundo. É fator de risco para outras 25 doenças, a principal causa do câncer de mama e diretamente responsável por outros 13 tipos de câncer. As doenças relacionadas à obesidade são responsáveis por mais de 4,7 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano, metade das quais ocorrem entre pessoas com menos de 70 anos.

“Você se lembra de já ter visto algum obeso mórbido velhinho andando pela rua? Não, né? Sabe por quê? Porque 70% deles morrem muito cedo, antes dos 50 anos”, afirma Fábio Viegas. “Não é uma questão de ampliar os critérios para ganhar mais dinheiro, mas para salvar mais vidas.”

Coordenador do Serviço de Obesidade da UERJ, Luiz Guilherme Kraemer de Aguiar concorda com o colega. “A obesidade é uma doença pouco reconhecida por outros profissionais de saúde, que tendem a apenas mandar o paciente fazer dieta e exercício. Sabemos que as coisas não funcionam assim para a maioria”, diz.

Quais são os próximos passos?

Após a deliberação pelo CFM, os novos parâmetros ainda precisam ser debatidos, posteriormente, pelo Ministério da Saúde e pela ANS. Os órgãos devem avaliar se eles serão incorporados ao SUS e aos planos de saúde.

“Precisamos agora conseguir colocar isso (a ampliação dos critérios) no rol da ANS”, defende o médico Fernando de Barros, do serviço de cirurgia bariátrica do Hospital São Francisco na Providência de Deus, que atende pacientes do SUS.

“Os planos deveriam entender que em médio e longo prazo é mais barato para eles ampliar os critérios para cirurgia. A obesidade é a maior responsável por casos de amputação, diálise, transplante de fígado, enfarte, AVC, trombose, todos esses problemas muito comuns que demandam procedimentos caros e internações prolongadas”, continua. “As pessoas acham que o obeso é um gordo safado e preguiçoso, que precisa fechar a boca e ir à academia. Há muito preconceito e uma visão muito errada dessa população.”

‘Dieta nunca dava certo’

Antonio Oscar Constantino Ferreira, de 52 anos, fez a cirurgia há três meses, quando pesava 140 quilos. Desses, já perdeu 40. Ainda está muito acima do peso para seu 1,70 metro de altura, mas muitos dos problemas de saúde já começam a regredir.

“A diabete não existe mais, estou conseguindo me locomover melhor, sinto menos cansaço e não tenho mais dores nos pés e nos joelhos”, conta. “Já tinha tentado fazer dieta várias vezes, mas é muito difícil, nunca dava certo. Desinchava, perdia líquido, mas não conseguia perder muito peso. Ficava aquele efeito sanfona.”

Vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Síndrome Metabólica e Obesidade (Abeso), Fábio Trujilho diz que a entidade ainda não fechou posição oficial sobre o tema. Ele acredita, no entanto, que, na prática, as alterações não terão um impacto muito grande.

“No caso das pessoas com IMC acima de 35, as comorbidades previstas hoje para permitir a cirurgia são tantas, são mais de cem, que, na prática, não vai fazer diferença”, afirma. “No caso de IMC de 30 a 35 já é um procedimento previsto também.”

Entenda as mudanças

O Índice de Massa Corporal (IMC) é calculado dividindo-se o peso do paciente pela sua altura ao quadrado.

Como é hoje:

  • IMC de 30 a 34 – obesidade tipo I. Só podem fazer cirurgia bariátrica pacientes com comorbidades graves e, mesmo assim, apenas se todos os demais tratamentos disponíveis tiverem falhado.
  • IMC de 35 a 39 – obesidade tipo II. Só podem fazer cirurgia bariátrica os pacientes que tiverem alguma comorbidade associada ao excesso de peso como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras.
  • IMC de 40 em diante – obesidade tipo III, também chamada de obesidade mórbida. Todas as pessoas com IMC igual ou acima de 40 podem se operar, mesmo que não tenham doenças relacionadas.

Como pode ficar:

  • IMC de 30 a 34 – obesidade tipo I. Podem fazer cirurgia bariátrica pacientes com comorbidades ligadas ao excesso de peso, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, esteatose hepática (gordura no fígado), entre outras.
  • IMC de 35 em diante – obesidade tipo II e tipo III. Todas as pessoas com IMC igual ou acima de 35 podem se operar, mesmo que não tenham doenças relacionadas.
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