Quimioterapia pode prejudicar a concentração e a memória. Saiba como proteger o cérebro


Tratamento contra o câncer é associado à condição médica conhecida como “cérebro de quimio”. Mas há maneiras de evitar esse problema

Por Andrea Atkins
Atualização:

WASHINGTON POST - Quando terminou sua segunda rodada de quimioterapia para câncer de mama, Shannon Colleary diz que seu cérebro parecia enevoado.

“Eu não tinha memória de curto prazo”, diz Colleary, 57 anos, roteirista em Los Angeles que encerrou o tratamento em outubro de 2021. “Eu pensava: ‘Por que estou nesta sala? Quem é essa pessoa que acabou de me dar oi? De onde eu a conheço?’ Então fingia conhecer a pessoa, mas muitas vezes dizia tchau ainda sem saber quem ela era”.

“Vazio” é como Justin Schuster, 19 anos, de Rye Brook, Nova York, descreve seu cérebro desde que concluiu o tratamento para o linfoma de Hodgkin em abril. “Meus pensamentos não estão sendo processados”, diz Schuster, que deixou a Lehigh University em dezembro passado depois de descobrir um linfonodo inchado logo acima da clavícula. “Não consigo encontrar as palavras e esqueço o que estou tentando dizer”.

continua após a publicidade
"Cérebro de quimio" é uma condição médica caracterizada por problemas cognitivos, como perda de memória. Foto: Gerry Broome / AP

O que Colleary e Schuster descrevem muitas vezes é chamado de “cérebro de quimio” [chemo brain], nome de uma condição médica debilitante caracterizada pela incapacidade de concentração e pela perda das palavras, da memória e da função executiva. Os médicos chamam isso de comprometimento cognitivo relacionado ao câncer (CRCI, na sigla em inglês), e pesquisas indicam que afeta cerca de 75% dos pacientes com câncer durante o processo, com 35% relatando sintomas persistentes após o término do tratamento.

Ainda não se sabe por que algumas pessoas têm o problema e outras não, nem por que algumas apresentam sintomas que persistem por anos, enquanto outras se livram deles em poucos meses.

continua após a publicidade

Mas Arum Kim, diretora do Programa de Oncologia de Apoio no Perlmutter Cancer Center da NYU Langone, aconselha as pessoas a conversarem com sua equipe médica sobre mudanças cognitivas.

“É importante ter uma comunicação muito boa e calma com sua equipe de tratamento de oncologia, porque há coisas que podemos fazer a respeito – se soubermos o que está acontecendo”, diz ela.

O que causa o “cérebro de quimio”?

continua após a publicidade

Jeanne Mandelblatt, diretora do Instituto Lombardi para Pesquisa sobre Câncer e Envelhecimento, acredita que a causa pode ter a ver com inflamação.

“O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação, até mesmo a inflamação no cérebro. E isso pode afetar a cognição”, diz Mandelblatt, que lidera o Thinking and Living With Cancer [Pensando e Vivendo com o Câncer], um estudo longitudinal de quinze anos com foco em pacientes com câncer de mama e comprometimento cognitivo.

Mas o “cérebro de quimio” é um nome impróprio, acrescenta ela, porque os pacientes apresentam comprometimento cognitivo também devido à imunoterapia e à terapia hormonal, além da quimioterapia. “Não é tudo uma coisa só, mas é um fenômeno concreto e as pessoas têm problemas cognitivos que interferem em suas vidas”, diz ela.

continua após a publicidade

Também é provável que o cérebro de quimio aconteça simplesmente por causa do próprio câncer.

“Quando as pessoas estão passando por um câncer e se recuperando, elas enfrentam muitos outros problemas que podem afetar suas funções, mas não necessariamente impactam seu cérebro. A taxa de insônia é muito alta nessa população. Pode haver altas taxas de ansiedade e depressão, pode haver grandes mudanças no estilo de vida. E isso pode deixá-las menos funcionais do que antes”, diz Nicolette Gabel, diretora da divisão de psicologia de reabilitação e neuropsicologia do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Universidade de Michigan.

Colleary diz que a depressão esmagadora que ela sentiu durante o tratamento foi ainda pior do que sua perda de memória de curto prazo.

continua após a publicidade

“Para mim, ficou muito claro que as drogas quimioterápicas tinham matado todos os hormônios positivos do meu cérebro”, diz ela. “Dopamina, serotonina, oxitocina e endorfinas simplesmente não existiam. Fiquei meio niilista, pensando ‘Qual é o sentido da vida? É muito perigoso, solitário e triste’”.

Tratamentos que funcionam

Neuropsicólogos como Gabel e Eric Zhou, professor assistente da Escola de Medicina de Harvard especializado em recuperação de doenças, dizem que tratar o cérebro de quimio requer uma abordagem multifacetada.

continua após a publicidade
O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação no cérebro. Foto: Mike Blake/Reuters

“É uma combinação de retreinamento cognitivo, práticas de atenção plena para ajudar a reduzir o estresse (e) melhorar coisas como sono e relaxamento, além de eliminar o tipo de estresse de alto nível de cortisol que ocorre quando as pessoas estão passando por essas mudanças”, diz Gabel.

Zhou pede aos pacientes que falem com seus médicos sobre os sintomas cognitivos o mais rápido possível. Um estudo recente mostrou que os sintomas dos pacientes melhoraram com as seguintes intervenções:

Exercícios físicos: em um estudo com mais de 500 pacientes com câncer de mama, aquelas que se exercitaram por 150 minutos por semana mantiveram a função cognitiva semelhante à de um grupo de controle sem câncer, diz Michelle C. Janelsins-Benton, autora do estudo e professora associada da Universidade do Rochester Medical Center.

“Indivíduos que eram fisicamente ativos no momento do diagnóstico, mesmo que não se mantivessem assim durante o tratamento, tiveram melhor desempenho cognitivo, em comparação com aqueles que não eram fisicamente ativos antes do tratamento”, diz Janelsins-Benton.

Ela especula que o exercício combate a inflamação no corpo, que pode ser um fator contribuinte. Em outro estudo, Janelsins-Benton descobriu que o exercício moderado também ajuda os pacientes a manter a capacidade de atenção. “Precisamos de mais estudos, mas acho que os exercícios são muito promissores em termos de benefício”, diz ela.

Terapia cognitivo-comportamental (TCC): redefinir padrões de pensamento e comportamento pode melhorar os sintomas e deixar a vida mais fácil, diz Zhou.

“Se você está com a cabeça muito esquecida, é muito útil criar um ambiente doméstico muito estruturado para que você tenha um local específico para as coisas”, diz Zhou. “O uso de calendários, especialmente aqueles de celular e smartwatch que tocam alarmes, pode estimular o comportamento”.

Desde que foi tratada para o linfoma de Hodgkin quando tinha 19 anos, Diana Pernicano, 29, enfermeira em Yorktown Heights, Nova York, anota tudo. Sua distração já foi tão ruim que ela acabou sendo convidada a pedir demissão de seu primeiro emprego de enfermeira porque esquecia informações essenciais com certa frequência.

“Fiquei muito envergonhada”, diz ela. “Felizmente, consegui me reorientar e arranjar um emprego de enfermagem que adoro”.

Um tipo de TCC chamado treinamento de adaptação de memória e atenção é especialmente eficaz, diz Gabel, e é algo que pode ser facilmente praticado pelos pacientes em casa.

Sono: A falta de sono “amplifica as mudanças fisiológicas que ocorrem com quem tem cérebro de quimio”, diz Zhou. Se você está sofrendo com noites sem dormir, consulte seu médico sobre tentar a TCC, que é considerada o melhor método para lidar com a insônia. Zhou diz que entre as técnicas estão: ajustar os horários de dormir, deixar o quarto mais relaxante e “restrição do sono”, que envolve limitar seu tempo na cama apenas às horas passadas dormindo – não lendo, assistindo TV, nem jogando qualquer coisa no smartphone.

Práticas de atenção plena (mindfulness): meditação, respiração profunda e ioga podem melhorar as queixas cognitivas, de acordo com um pequeno estudo de pacientes com câncer de mama. “Não sabemos ao certo por que isso ajuda, talvez seja por uma conexão mente-corpo ou porque essas coisas são boas para nós no geral”, diz Zhou.

Profissional de saúde ajusta a bolsa de quimioterapia. Foto: Gretchen Ertl / NYT

Psicoestimulantes: embora ainda não haja evidências clínicas de sua eficácia, medicamentos como o Adderall podem ajudar. “Pessoas que estão com muitos problemas de atenção e fadiga cognitiva podem sentir um efeito significativo com essas drogas”, diz Gabel.

O medo do comprometimento cognitivo pode levar os pacientes com câncer a desistir dos tratamentos, mas não deveriam, diz Gabel.

“Tudo isso pode parecer muito assustador, e minha preocupação é que as pessoas recusem tratamentos que podem ser curativos”, diz ela. “Hoje as taxas de sobrevivência para o câncer chegaram a níveis que estariam fora de cogitação vinte anos atrás. Não é certeza que o cérebro de quimio vá acontecer e, se acontecer, há maneiras de lidar com o problema”.

Nenhuma solução aprovada pela FDA – ainda

Nenhum medicamento aprovado pela a agência sanitária americana, a FDA (sigla em inglês para Food and Drug Administration) está disponível para o cérebro de quimio, embora Mandelblatt preveja que não vai demorar muito para que os médicos possam oferecer soluções farmacêuticas a seus pacientes.

“Estamos fazendo algum progresso e espero que as drogas já aprovadas sejam reaproveitadas para o cérebro de quimio”, diz Mandelblatt, observando que os estudos em camundongos são promissores.

Um desses estudos mostrou que o Cisplatin, uma droga quimioterápica vastamente utilizada, altera o metabolismo dos esfingolipídeos no hipocampo (onde a memória é armazenada) do cérebro dos camundongos e desempenha um papel fundamental no cérebro de quimio, diz a autora do estudo, Daniela Salvemini, diretora do Instituto para Neurociência Translacional na Escola de Medicina da St. Louis University.

A equipe de Salvemini então administrou Fingolimod e Zeposia, drogas já aprovadas pela FDA para tratar a esclerose múltipla, e descobriu que elas poderiam bloquear o desenvolvimento do cérebro de quimio em camundongos.

Embora sejam necessários testes em humanos, Salvemini diz: “Acho que poderia ser uma abordagem revolucionária para o tratamento de pacientes com câncer e sobreviventes de câncer. Estamos muito entusiasmados com essa possiblidade. O cérebro de quimio é um problema de verdade. Embora não afete todo mundo, tem um impacto sério na vida das pessoas que afeta”./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

WASHINGTON POST - Quando terminou sua segunda rodada de quimioterapia para câncer de mama, Shannon Colleary diz que seu cérebro parecia enevoado.

“Eu não tinha memória de curto prazo”, diz Colleary, 57 anos, roteirista em Los Angeles que encerrou o tratamento em outubro de 2021. “Eu pensava: ‘Por que estou nesta sala? Quem é essa pessoa que acabou de me dar oi? De onde eu a conheço?’ Então fingia conhecer a pessoa, mas muitas vezes dizia tchau ainda sem saber quem ela era”.

“Vazio” é como Justin Schuster, 19 anos, de Rye Brook, Nova York, descreve seu cérebro desde que concluiu o tratamento para o linfoma de Hodgkin em abril. “Meus pensamentos não estão sendo processados”, diz Schuster, que deixou a Lehigh University em dezembro passado depois de descobrir um linfonodo inchado logo acima da clavícula. “Não consigo encontrar as palavras e esqueço o que estou tentando dizer”.

"Cérebro de quimio" é uma condição médica caracterizada por problemas cognitivos, como perda de memória. Foto: Gerry Broome / AP

O que Colleary e Schuster descrevem muitas vezes é chamado de “cérebro de quimio” [chemo brain], nome de uma condição médica debilitante caracterizada pela incapacidade de concentração e pela perda das palavras, da memória e da função executiva. Os médicos chamam isso de comprometimento cognitivo relacionado ao câncer (CRCI, na sigla em inglês), e pesquisas indicam que afeta cerca de 75% dos pacientes com câncer durante o processo, com 35% relatando sintomas persistentes após o término do tratamento.

Ainda não se sabe por que algumas pessoas têm o problema e outras não, nem por que algumas apresentam sintomas que persistem por anos, enquanto outras se livram deles em poucos meses.

Mas Arum Kim, diretora do Programa de Oncologia de Apoio no Perlmutter Cancer Center da NYU Langone, aconselha as pessoas a conversarem com sua equipe médica sobre mudanças cognitivas.

“É importante ter uma comunicação muito boa e calma com sua equipe de tratamento de oncologia, porque há coisas que podemos fazer a respeito – se soubermos o que está acontecendo”, diz ela.

O que causa o “cérebro de quimio”?

Jeanne Mandelblatt, diretora do Instituto Lombardi para Pesquisa sobre Câncer e Envelhecimento, acredita que a causa pode ter a ver com inflamação.

“O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação, até mesmo a inflamação no cérebro. E isso pode afetar a cognição”, diz Mandelblatt, que lidera o Thinking and Living With Cancer [Pensando e Vivendo com o Câncer], um estudo longitudinal de quinze anos com foco em pacientes com câncer de mama e comprometimento cognitivo.

Mas o “cérebro de quimio” é um nome impróprio, acrescenta ela, porque os pacientes apresentam comprometimento cognitivo também devido à imunoterapia e à terapia hormonal, além da quimioterapia. “Não é tudo uma coisa só, mas é um fenômeno concreto e as pessoas têm problemas cognitivos que interferem em suas vidas”, diz ela.

Também é provável que o cérebro de quimio aconteça simplesmente por causa do próprio câncer.

“Quando as pessoas estão passando por um câncer e se recuperando, elas enfrentam muitos outros problemas que podem afetar suas funções, mas não necessariamente impactam seu cérebro. A taxa de insônia é muito alta nessa população. Pode haver altas taxas de ansiedade e depressão, pode haver grandes mudanças no estilo de vida. E isso pode deixá-las menos funcionais do que antes”, diz Nicolette Gabel, diretora da divisão de psicologia de reabilitação e neuropsicologia do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Universidade de Michigan.

Colleary diz que a depressão esmagadora que ela sentiu durante o tratamento foi ainda pior do que sua perda de memória de curto prazo.

“Para mim, ficou muito claro que as drogas quimioterápicas tinham matado todos os hormônios positivos do meu cérebro”, diz ela. “Dopamina, serotonina, oxitocina e endorfinas simplesmente não existiam. Fiquei meio niilista, pensando ‘Qual é o sentido da vida? É muito perigoso, solitário e triste’”.

Tratamentos que funcionam

Neuropsicólogos como Gabel e Eric Zhou, professor assistente da Escola de Medicina de Harvard especializado em recuperação de doenças, dizem que tratar o cérebro de quimio requer uma abordagem multifacetada.

O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação no cérebro. Foto: Mike Blake/Reuters

“É uma combinação de retreinamento cognitivo, práticas de atenção plena para ajudar a reduzir o estresse (e) melhorar coisas como sono e relaxamento, além de eliminar o tipo de estresse de alto nível de cortisol que ocorre quando as pessoas estão passando por essas mudanças”, diz Gabel.

Zhou pede aos pacientes que falem com seus médicos sobre os sintomas cognitivos o mais rápido possível. Um estudo recente mostrou que os sintomas dos pacientes melhoraram com as seguintes intervenções:

Exercícios físicos: em um estudo com mais de 500 pacientes com câncer de mama, aquelas que se exercitaram por 150 minutos por semana mantiveram a função cognitiva semelhante à de um grupo de controle sem câncer, diz Michelle C. Janelsins-Benton, autora do estudo e professora associada da Universidade do Rochester Medical Center.

“Indivíduos que eram fisicamente ativos no momento do diagnóstico, mesmo que não se mantivessem assim durante o tratamento, tiveram melhor desempenho cognitivo, em comparação com aqueles que não eram fisicamente ativos antes do tratamento”, diz Janelsins-Benton.

Ela especula que o exercício combate a inflamação no corpo, que pode ser um fator contribuinte. Em outro estudo, Janelsins-Benton descobriu que o exercício moderado também ajuda os pacientes a manter a capacidade de atenção. “Precisamos de mais estudos, mas acho que os exercícios são muito promissores em termos de benefício”, diz ela.

Terapia cognitivo-comportamental (TCC): redefinir padrões de pensamento e comportamento pode melhorar os sintomas e deixar a vida mais fácil, diz Zhou.

“Se você está com a cabeça muito esquecida, é muito útil criar um ambiente doméstico muito estruturado para que você tenha um local específico para as coisas”, diz Zhou. “O uso de calendários, especialmente aqueles de celular e smartwatch que tocam alarmes, pode estimular o comportamento”.

Desde que foi tratada para o linfoma de Hodgkin quando tinha 19 anos, Diana Pernicano, 29, enfermeira em Yorktown Heights, Nova York, anota tudo. Sua distração já foi tão ruim que ela acabou sendo convidada a pedir demissão de seu primeiro emprego de enfermeira porque esquecia informações essenciais com certa frequência.

“Fiquei muito envergonhada”, diz ela. “Felizmente, consegui me reorientar e arranjar um emprego de enfermagem que adoro”.

Um tipo de TCC chamado treinamento de adaptação de memória e atenção é especialmente eficaz, diz Gabel, e é algo que pode ser facilmente praticado pelos pacientes em casa.

Sono: A falta de sono “amplifica as mudanças fisiológicas que ocorrem com quem tem cérebro de quimio”, diz Zhou. Se você está sofrendo com noites sem dormir, consulte seu médico sobre tentar a TCC, que é considerada o melhor método para lidar com a insônia. Zhou diz que entre as técnicas estão: ajustar os horários de dormir, deixar o quarto mais relaxante e “restrição do sono”, que envolve limitar seu tempo na cama apenas às horas passadas dormindo – não lendo, assistindo TV, nem jogando qualquer coisa no smartphone.

Práticas de atenção plena (mindfulness): meditação, respiração profunda e ioga podem melhorar as queixas cognitivas, de acordo com um pequeno estudo de pacientes com câncer de mama. “Não sabemos ao certo por que isso ajuda, talvez seja por uma conexão mente-corpo ou porque essas coisas são boas para nós no geral”, diz Zhou.

Profissional de saúde ajusta a bolsa de quimioterapia. Foto: Gretchen Ertl / NYT

Psicoestimulantes: embora ainda não haja evidências clínicas de sua eficácia, medicamentos como o Adderall podem ajudar. “Pessoas que estão com muitos problemas de atenção e fadiga cognitiva podem sentir um efeito significativo com essas drogas”, diz Gabel.

O medo do comprometimento cognitivo pode levar os pacientes com câncer a desistir dos tratamentos, mas não deveriam, diz Gabel.

“Tudo isso pode parecer muito assustador, e minha preocupação é que as pessoas recusem tratamentos que podem ser curativos”, diz ela. “Hoje as taxas de sobrevivência para o câncer chegaram a níveis que estariam fora de cogitação vinte anos atrás. Não é certeza que o cérebro de quimio vá acontecer e, se acontecer, há maneiras de lidar com o problema”.

Nenhuma solução aprovada pela FDA – ainda

Nenhum medicamento aprovado pela a agência sanitária americana, a FDA (sigla em inglês para Food and Drug Administration) está disponível para o cérebro de quimio, embora Mandelblatt preveja que não vai demorar muito para que os médicos possam oferecer soluções farmacêuticas a seus pacientes.

“Estamos fazendo algum progresso e espero que as drogas já aprovadas sejam reaproveitadas para o cérebro de quimio”, diz Mandelblatt, observando que os estudos em camundongos são promissores.

Um desses estudos mostrou que o Cisplatin, uma droga quimioterápica vastamente utilizada, altera o metabolismo dos esfingolipídeos no hipocampo (onde a memória é armazenada) do cérebro dos camundongos e desempenha um papel fundamental no cérebro de quimio, diz a autora do estudo, Daniela Salvemini, diretora do Instituto para Neurociência Translacional na Escola de Medicina da St. Louis University.

A equipe de Salvemini então administrou Fingolimod e Zeposia, drogas já aprovadas pela FDA para tratar a esclerose múltipla, e descobriu que elas poderiam bloquear o desenvolvimento do cérebro de quimio em camundongos.

Embora sejam necessários testes em humanos, Salvemini diz: “Acho que poderia ser uma abordagem revolucionária para o tratamento de pacientes com câncer e sobreviventes de câncer. Estamos muito entusiasmados com essa possiblidade. O cérebro de quimio é um problema de verdade. Embora não afete todo mundo, tem um impacto sério na vida das pessoas que afeta”./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

WASHINGTON POST - Quando terminou sua segunda rodada de quimioterapia para câncer de mama, Shannon Colleary diz que seu cérebro parecia enevoado.

“Eu não tinha memória de curto prazo”, diz Colleary, 57 anos, roteirista em Los Angeles que encerrou o tratamento em outubro de 2021. “Eu pensava: ‘Por que estou nesta sala? Quem é essa pessoa que acabou de me dar oi? De onde eu a conheço?’ Então fingia conhecer a pessoa, mas muitas vezes dizia tchau ainda sem saber quem ela era”.

“Vazio” é como Justin Schuster, 19 anos, de Rye Brook, Nova York, descreve seu cérebro desde que concluiu o tratamento para o linfoma de Hodgkin em abril. “Meus pensamentos não estão sendo processados”, diz Schuster, que deixou a Lehigh University em dezembro passado depois de descobrir um linfonodo inchado logo acima da clavícula. “Não consigo encontrar as palavras e esqueço o que estou tentando dizer”.

"Cérebro de quimio" é uma condição médica caracterizada por problemas cognitivos, como perda de memória. Foto: Gerry Broome / AP

O que Colleary e Schuster descrevem muitas vezes é chamado de “cérebro de quimio” [chemo brain], nome de uma condição médica debilitante caracterizada pela incapacidade de concentração e pela perda das palavras, da memória e da função executiva. Os médicos chamam isso de comprometimento cognitivo relacionado ao câncer (CRCI, na sigla em inglês), e pesquisas indicam que afeta cerca de 75% dos pacientes com câncer durante o processo, com 35% relatando sintomas persistentes após o término do tratamento.

Ainda não se sabe por que algumas pessoas têm o problema e outras não, nem por que algumas apresentam sintomas que persistem por anos, enquanto outras se livram deles em poucos meses.

Mas Arum Kim, diretora do Programa de Oncologia de Apoio no Perlmutter Cancer Center da NYU Langone, aconselha as pessoas a conversarem com sua equipe médica sobre mudanças cognitivas.

“É importante ter uma comunicação muito boa e calma com sua equipe de tratamento de oncologia, porque há coisas que podemos fazer a respeito – se soubermos o que está acontecendo”, diz ela.

O que causa o “cérebro de quimio”?

Jeanne Mandelblatt, diretora do Instituto Lombardi para Pesquisa sobre Câncer e Envelhecimento, acredita que a causa pode ter a ver com inflamação.

“O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação, até mesmo a inflamação no cérebro. E isso pode afetar a cognição”, diz Mandelblatt, que lidera o Thinking and Living With Cancer [Pensando e Vivendo com o Câncer], um estudo longitudinal de quinze anos com foco em pacientes com câncer de mama e comprometimento cognitivo.

Mas o “cérebro de quimio” é um nome impróprio, acrescenta ela, porque os pacientes apresentam comprometimento cognitivo também devido à imunoterapia e à terapia hormonal, além da quimioterapia. “Não é tudo uma coisa só, mas é um fenômeno concreto e as pessoas têm problemas cognitivos que interferem em suas vidas”, diz ela.

Também é provável que o cérebro de quimio aconteça simplesmente por causa do próprio câncer.

“Quando as pessoas estão passando por um câncer e se recuperando, elas enfrentam muitos outros problemas que podem afetar suas funções, mas não necessariamente impactam seu cérebro. A taxa de insônia é muito alta nessa população. Pode haver altas taxas de ansiedade e depressão, pode haver grandes mudanças no estilo de vida. E isso pode deixá-las menos funcionais do que antes”, diz Nicolette Gabel, diretora da divisão de psicologia de reabilitação e neuropsicologia do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Universidade de Michigan.

Colleary diz que a depressão esmagadora que ela sentiu durante o tratamento foi ainda pior do que sua perda de memória de curto prazo.

“Para mim, ficou muito claro que as drogas quimioterápicas tinham matado todos os hormônios positivos do meu cérebro”, diz ela. “Dopamina, serotonina, oxitocina e endorfinas simplesmente não existiam. Fiquei meio niilista, pensando ‘Qual é o sentido da vida? É muito perigoso, solitário e triste’”.

Tratamentos que funcionam

Neuropsicólogos como Gabel e Eric Zhou, professor assistente da Escola de Medicina de Harvard especializado em recuperação de doenças, dizem que tratar o cérebro de quimio requer uma abordagem multifacetada.

O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação no cérebro. Foto: Mike Blake/Reuters

“É uma combinação de retreinamento cognitivo, práticas de atenção plena para ajudar a reduzir o estresse (e) melhorar coisas como sono e relaxamento, além de eliminar o tipo de estresse de alto nível de cortisol que ocorre quando as pessoas estão passando por essas mudanças”, diz Gabel.

Zhou pede aos pacientes que falem com seus médicos sobre os sintomas cognitivos o mais rápido possível. Um estudo recente mostrou que os sintomas dos pacientes melhoraram com as seguintes intervenções:

Exercícios físicos: em um estudo com mais de 500 pacientes com câncer de mama, aquelas que se exercitaram por 150 minutos por semana mantiveram a função cognitiva semelhante à de um grupo de controle sem câncer, diz Michelle C. Janelsins-Benton, autora do estudo e professora associada da Universidade do Rochester Medical Center.

“Indivíduos que eram fisicamente ativos no momento do diagnóstico, mesmo que não se mantivessem assim durante o tratamento, tiveram melhor desempenho cognitivo, em comparação com aqueles que não eram fisicamente ativos antes do tratamento”, diz Janelsins-Benton.

Ela especula que o exercício combate a inflamação no corpo, que pode ser um fator contribuinte. Em outro estudo, Janelsins-Benton descobriu que o exercício moderado também ajuda os pacientes a manter a capacidade de atenção. “Precisamos de mais estudos, mas acho que os exercícios são muito promissores em termos de benefício”, diz ela.

Terapia cognitivo-comportamental (TCC): redefinir padrões de pensamento e comportamento pode melhorar os sintomas e deixar a vida mais fácil, diz Zhou.

“Se você está com a cabeça muito esquecida, é muito útil criar um ambiente doméstico muito estruturado para que você tenha um local específico para as coisas”, diz Zhou. “O uso de calendários, especialmente aqueles de celular e smartwatch que tocam alarmes, pode estimular o comportamento”.

Desde que foi tratada para o linfoma de Hodgkin quando tinha 19 anos, Diana Pernicano, 29, enfermeira em Yorktown Heights, Nova York, anota tudo. Sua distração já foi tão ruim que ela acabou sendo convidada a pedir demissão de seu primeiro emprego de enfermeira porque esquecia informações essenciais com certa frequência.

“Fiquei muito envergonhada”, diz ela. “Felizmente, consegui me reorientar e arranjar um emprego de enfermagem que adoro”.

Um tipo de TCC chamado treinamento de adaptação de memória e atenção é especialmente eficaz, diz Gabel, e é algo que pode ser facilmente praticado pelos pacientes em casa.

Sono: A falta de sono “amplifica as mudanças fisiológicas que ocorrem com quem tem cérebro de quimio”, diz Zhou. Se você está sofrendo com noites sem dormir, consulte seu médico sobre tentar a TCC, que é considerada o melhor método para lidar com a insônia. Zhou diz que entre as técnicas estão: ajustar os horários de dormir, deixar o quarto mais relaxante e “restrição do sono”, que envolve limitar seu tempo na cama apenas às horas passadas dormindo – não lendo, assistindo TV, nem jogando qualquer coisa no smartphone.

Práticas de atenção plena (mindfulness): meditação, respiração profunda e ioga podem melhorar as queixas cognitivas, de acordo com um pequeno estudo de pacientes com câncer de mama. “Não sabemos ao certo por que isso ajuda, talvez seja por uma conexão mente-corpo ou porque essas coisas são boas para nós no geral”, diz Zhou.

Profissional de saúde ajusta a bolsa de quimioterapia. Foto: Gretchen Ertl / NYT

Psicoestimulantes: embora ainda não haja evidências clínicas de sua eficácia, medicamentos como o Adderall podem ajudar. “Pessoas que estão com muitos problemas de atenção e fadiga cognitiva podem sentir um efeito significativo com essas drogas”, diz Gabel.

O medo do comprometimento cognitivo pode levar os pacientes com câncer a desistir dos tratamentos, mas não deveriam, diz Gabel.

“Tudo isso pode parecer muito assustador, e minha preocupação é que as pessoas recusem tratamentos que podem ser curativos”, diz ela. “Hoje as taxas de sobrevivência para o câncer chegaram a níveis que estariam fora de cogitação vinte anos atrás. Não é certeza que o cérebro de quimio vá acontecer e, se acontecer, há maneiras de lidar com o problema”.

Nenhuma solução aprovada pela FDA – ainda

Nenhum medicamento aprovado pela a agência sanitária americana, a FDA (sigla em inglês para Food and Drug Administration) está disponível para o cérebro de quimio, embora Mandelblatt preveja que não vai demorar muito para que os médicos possam oferecer soluções farmacêuticas a seus pacientes.

“Estamos fazendo algum progresso e espero que as drogas já aprovadas sejam reaproveitadas para o cérebro de quimio”, diz Mandelblatt, observando que os estudos em camundongos são promissores.

Um desses estudos mostrou que o Cisplatin, uma droga quimioterápica vastamente utilizada, altera o metabolismo dos esfingolipídeos no hipocampo (onde a memória é armazenada) do cérebro dos camundongos e desempenha um papel fundamental no cérebro de quimio, diz a autora do estudo, Daniela Salvemini, diretora do Instituto para Neurociência Translacional na Escola de Medicina da St. Louis University.

A equipe de Salvemini então administrou Fingolimod e Zeposia, drogas já aprovadas pela FDA para tratar a esclerose múltipla, e descobriu que elas poderiam bloquear o desenvolvimento do cérebro de quimio em camundongos.

Embora sejam necessários testes em humanos, Salvemini diz: “Acho que poderia ser uma abordagem revolucionária para o tratamento de pacientes com câncer e sobreviventes de câncer. Estamos muito entusiasmados com essa possiblidade. O cérebro de quimio é um problema de verdade. Embora não afete todo mundo, tem um impacto sério na vida das pessoas que afeta”./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

WASHINGTON POST - Quando terminou sua segunda rodada de quimioterapia para câncer de mama, Shannon Colleary diz que seu cérebro parecia enevoado.

“Eu não tinha memória de curto prazo”, diz Colleary, 57 anos, roteirista em Los Angeles que encerrou o tratamento em outubro de 2021. “Eu pensava: ‘Por que estou nesta sala? Quem é essa pessoa que acabou de me dar oi? De onde eu a conheço?’ Então fingia conhecer a pessoa, mas muitas vezes dizia tchau ainda sem saber quem ela era”.

“Vazio” é como Justin Schuster, 19 anos, de Rye Brook, Nova York, descreve seu cérebro desde que concluiu o tratamento para o linfoma de Hodgkin em abril. “Meus pensamentos não estão sendo processados”, diz Schuster, que deixou a Lehigh University em dezembro passado depois de descobrir um linfonodo inchado logo acima da clavícula. “Não consigo encontrar as palavras e esqueço o que estou tentando dizer”.

"Cérebro de quimio" é uma condição médica caracterizada por problemas cognitivos, como perda de memória. Foto: Gerry Broome / AP

O que Colleary e Schuster descrevem muitas vezes é chamado de “cérebro de quimio” [chemo brain], nome de uma condição médica debilitante caracterizada pela incapacidade de concentração e pela perda das palavras, da memória e da função executiva. Os médicos chamam isso de comprometimento cognitivo relacionado ao câncer (CRCI, na sigla em inglês), e pesquisas indicam que afeta cerca de 75% dos pacientes com câncer durante o processo, com 35% relatando sintomas persistentes após o término do tratamento.

Ainda não se sabe por que algumas pessoas têm o problema e outras não, nem por que algumas apresentam sintomas que persistem por anos, enquanto outras se livram deles em poucos meses.

Mas Arum Kim, diretora do Programa de Oncologia de Apoio no Perlmutter Cancer Center da NYU Langone, aconselha as pessoas a conversarem com sua equipe médica sobre mudanças cognitivas.

“É importante ter uma comunicação muito boa e calma com sua equipe de tratamento de oncologia, porque há coisas que podemos fazer a respeito – se soubermos o que está acontecendo”, diz ela.

O que causa o “cérebro de quimio”?

Jeanne Mandelblatt, diretora do Instituto Lombardi para Pesquisa sobre Câncer e Envelhecimento, acredita que a causa pode ter a ver com inflamação.

“O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação, até mesmo a inflamação no cérebro. E isso pode afetar a cognição”, diz Mandelblatt, que lidera o Thinking and Living With Cancer [Pensando e Vivendo com o Câncer], um estudo longitudinal de quinze anos com foco em pacientes com câncer de mama e comprometimento cognitivo.

Mas o “cérebro de quimio” é um nome impróprio, acrescenta ela, porque os pacientes apresentam comprometimento cognitivo também devido à imunoterapia e à terapia hormonal, além da quimioterapia. “Não é tudo uma coisa só, mas é um fenômeno concreto e as pessoas têm problemas cognitivos que interferem em suas vidas”, diz ela.

Também é provável que o cérebro de quimio aconteça simplesmente por causa do próprio câncer.

“Quando as pessoas estão passando por um câncer e se recuperando, elas enfrentam muitos outros problemas que podem afetar suas funções, mas não necessariamente impactam seu cérebro. A taxa de insônia é muito alta nessa população. Pode haver altas taxas de ansiedade e depressão, pode haver grandes mudanças no estilo de vida. E isso pode deixá-las menos funcionais do que antes”, diz Nicolette Gabel, diretora da divisão de psicologia de reabilitação e neuropsicologia do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Universidade de Michigan.

Colleary diz que a depressão esmagadora que ela sentiu durante o tratamento foi ainda pior do que sua perda de memória de curto prazo.

“Para mim, ficou muito claro que as drogas quimioterápicas tinham matado todos os hormônios positivos do meu cérebro”, diz ela. “Dopamina, serotonina, oxitocina e endorfinas simplesmente não existiam. Fiquei meio niilista, pensando ‘Qual é o sentido da vida? É muito perigoso, solitário e triste’”.

Tratamentos que funcionam

Neuropsicólogos como Gabel e Eric Zhou, professor assistente da Escola de Medicina de Harvard especializado em recuperação de doenças, dizem que tratar o cérebro de quimio requer uma abordagem multifacetada.

O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação no cérebro. Foto: Mike Blake/Reuters

“É uma combinação de retreinamento cognitivo, práticas de atenção plena para ajudar a reduzir o estresse (e) melhorar coisas como sono e relaxamento, além de eliminar o tipo de estresse de alto nível de cortisol que ocorre quando as pessoas estão passando por essas mudanças”, diz Gabel.

Zhou pede aos pacientes que falem com seus médicos sobre os sintomas cognitivos o mais rápido possível. Um estudo recente mostrou que os sintomas dos pacientes melhoraram com as seguintes intervenções:

Exercícios físicos: em um estudo com mais de 500 pacientes com câncer de mama, aquelas que se exercitaram por 150 minutos por semana mantiveram a função cognitiva semelhante à de um grupo de controle sem câncer, diz Michelle C. Janelsins-Benton, autora do estudo e professora associada da Universidade do Rochester Medical Center.

“Indivíduos que eram fisicamente ativos no momento do diagnóstico, mesmo que não se mantivessem assim durante o tratamento, tiveram melhor desempenho cognitivo, em comparação com aqueles que não eram fisicamente ativos antes do tratamento”, diz Janelsins-Benton.

Ela especula que o exercício combate a inflamação no corpo, que pode ser um fator contribuinte. Em outro estudo, Janelsins-Benton descobriu que o exercício moderado também ajuda os pacientes a manter a capacidade de atenção. “Precisamos de mais estudos, mas acho que os exercícios são muito promissores em termos de benefício”, diz ela.

Terapia cognitivo-comportamental (TCC): redefinir padrões de pensamento e comportamento pode melhorar os sintomas e deixar a vida mais fácil, diz Zhou.

“Se você está com a cabeça muito esquecida, é muito útil criar um ambiente doméstico muito estruturado para que você tenha um local específico para as coisas”, diz Zhou. “O uso de calendários, especialmente aqueles de celular e smartwatch que tocam alarmes, pode estimular o comportamento”.

Desde que foi tratada para o linfoma de Hodgkin quando tinha 19 anos, Diana Pernicano, 29, enfermeira em Yorktown Heights, Nova York, anota tudo. Sua distração já foi tão ruim que ela acabou sendo convidada a pedir demissão de seu primeiro emprego de enfermeira porque esquecia informações essenciais com certa frequência.

“Fiquei muito envergonhada”, diz ela. “Felizmente, consegui me reorientar e arranjar um emprego de enfermagem que adoro”.

Um tipo de TCC chamado treinamento de adaptação de memória e atenção é especialmente eficaz, diz Gabel, e é algo que pode ser facilmente praticado pelos pacientes em casa.

Sono: A falta de sono “amplifica as mudanças fisiológicas que ocorrem com quem tem cérebro de quimio”, diz Zhou. Se você está sofrendo com noites sem dormir, consulte seu médico sobre tentar a TCC, que é considerada o melhor método para lidar com a insônia. Zhou diz que entre as técnicas estão: ajustar os horários de dormir, deixar o quarto mais relaxante e “restrição do sono”, que envolve limitar seu tempo na cama apenas às horas passadas dormindo – não lendo, assistindo TV, nem jogando qualquer coisa no smartphone.

Práticas de atenção plena (mindfulness): meditação, respiração profunda e ioga podem melhorar as queixas cognitivas, de acordo com um pequeno estudo de pacientes com câncer de mama. “Não sabemos ao certo por que isso ajuda, talvez seja por uma conexão mente-corpo ou porque essas coisas são boas para nós no geral”, diz Zhou.

Profissional de saúde ajusta a bolsa de quimioterapia. Foto: Gretchen Ertl / NYT

Psicoestimulantes: embora ainda não haja evidências clínicas de sua eficácia, medicamentos como o Adderall podem ajudar. “Pessoas que estão com muitos problemas de atenção e fadiga cognitiva podem sentir um efeito significativo com essas drogas”, diz Gabel.

O medo do comprometimento cognitivo pode levar os pacientes com câncer a desistir dos tratamentos, mas não deveriam, diz Gabel.

“Tudo isso pode parecer muito assustador, e minha preocupação é que as pessoas recusem tratamentos que podem ser curativos”, diz ela. “Hoje as taxas de sobrevivência para o câncer chegaram a níveis que estariam fora de cogitação vinte anos atrás. Não é certeza que o cérebro de quimio vá acontecer e, se acontecer, há maneiras de lidar com o problema”.

Nenhuma solução aprovada pela FDA – ainda

Nenhum medicamento aprovado pela a agência sanitária americana, a FDA (sigla em inglês para Food and Drug Administration) está disponível para o cérebro de quimio, embora Mandelblatt preveja que não vai demorar muito para que os médicos possam oferecer soluções farmacêuticas a seus pacientes.

“Estamos fazendo algum progresso e espero que as drogas já aprovadas sejam reaproveitadas para o cérebro de quimio”, diz Mandelblatt, observando que os estudos em camundongos são promissores.

Um desses estudos mostrou que o Cisplatin, uma droga quimioterápica vastamente utilizada, altera o metabolismo dos esfingolipídeos no hipocampo (onde a memória é armazenada) do cérebro dos camundongos e desempenha um papel fundamental no cérebro de quimio, diz a autora do estudo, Daniela Salvemini, diretora do Instituto para Neurociência Translacional na Escola de Medicina da St. Louis University.

A equipe de Salvemini então administrou Fingolimod e Zeposia, drogas já aprovadas pela FDA para tratar a esclerose múltipla, e descobriu que elas poderiam bloquear o desenvolvimento do cérebro de quimio em camundongos.

Embora sejam necessários testes em humanos, Salvemini diz: “Acho que poderia ser uma abordagem revolucionária para o tratamento de pacientes com câncer e sobreviventes de câncer. Estamos muito entusiasmados com essa possiblidade. O cérebro de quimio é um problema de verdade. Embora não afete todo mundo, tem um impacto sério na vida das pessoas que afeta”./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

WASHINGTON POST - Quando terminou sua segunda rodada de quimioterapia para câncer de mama, Shannon Colleary diz que seu cérebro parecia enevoado.

“Eu não tinha memória de curto prazo”, diz Colleary, 57 anos, roteirista em Los Angeles que encerrou o tratamento em outubro de 2021. “Eu pensava: ‘Por que estou nesta sala? Quem é essa pessoa que acabou de me dar oi? De onde eu a conheço?’ Então fingia conhecer a pessoa, mas muitas vezes dizia tchau ainda sem saber quem ela era”.

“Vazio” é como Justin Schuster, 19 anos, de Rye Brook, Nova York, descreve seu cérebro desde que concluiu o tratamento para o linfoma de Hodgkin em abril. “Meus pensamentos não estão sendo processados”, diz Schuster, que deixou a Lehigh University em dezembro passado depois de descobrir um linfonodo inchado logo acima da clavícula. “Não consigo encontrar as palavras e esqueço o que estou tentando dizer”.

"Cérebro de quimio" é uma condição médica caracterizada por problemas cognitivos, como perda de memória. Foto: Gerry Broome / AP

O que Colleary e Schuster descrevem muitas vezes é chamado de “cérebro de quimio” [chemo brain], nome de uma condição médica debilitante caracterizada pela incapacidade de concentração e pela perda das palavras, da memória e da função executiva. Os médicos chamam isso de comprometimento cognitivo relacionado ao câncer (CRCI, na sigla em inglês), e pesquisas indicam que afeta cerca de 75% dos pacientes com câncer durante o processo, com 35% relatando sintomas persistentes após o término do tratamento.

Ainda não se sabe por que algumas pessoas têm o problema e outras não, nem por que algumas apresentam sintomas que persistem por anos, enquanto outras se livram deles em poucos meses.

Mas Arum Kim, diretora do Programa de Oncologia de Apoio no Perlmutter Cancer Center da NYU Langone, aconselha as pessoas a conversarem com sua equipe médica sobre mudanças cognitivas.

“É importante ter uma comunicação muito boa e calma com sua equipe de tratamento de oncologia, porque há coisas que podemos fazer a respeito – se soubermos o que está acontecendo”, diz ela.

O que causa o “cérebro de quimio”?

Jeanne Mandelblatt, diretora do Instituto Lombardi para Pesquisa sobre Câncer e Envelhecimento, acredita que a causa pode ter a ver com inflamação.

“O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação, até mesmo a inflamação no cérebro. E isso pode afetar a cognição”, diz Mandelblatt, que lidera o Thinking and Living With Cancer [Pensando e Vivendo com o Câncer], um estudo longitudinal de quinze anos com foco em pacientes com câncer de mama e comprometimento cognitivo.

Mas o “cérebro de quimio” é um nome impróprio, acrescenta ela, porque os pacientes apresentam comprometimento cognitivo também devido à imunoterapia e à terapia hormonal, além da quimioterapia. “Não é tudo uma coisa só, mas é um fenômeno concreto e as pessoas têm problemas cognitivos que interferem em suas vidas”, diz ela.

Também é provável que o cérebro de quimio aconteça simplesmente por causa do próprio câncer.

“Quando as pessoas estão passando por um câncer e se recuperando, elas enfrentam muitos outros problemas que podem afetar suas funções, mas não necessariamente impactam seu cérebro. A taxa de insônia é muito alta nessa população. Pode haver altas taxas de ansiedade e depressão, pode haver grandes mudanças no estilo de vida. E isso pode deixá-las menos funcionais do que antes”, diz Nicolette Gabel, diretora da divisão de psicologia de reabilitação e neuropsicologia do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Universidade de Michigan.

Colleary diz que a depressão esmagadora que ela sentiu durante o tratamento foi ainda pior do que sua perda de memória de curto prazo.

“Para mim, ficou muito claro que as drogas quimioterápicas tinham matado todos os hormônios positivos do meu cérebro”, diz ela. “Dopamina, serotonina, oxitocina e endorfinas simplesmente não existiam. Fiquei meio niilista, pensando ‘Qual é o sentido da vida? É muito perigoso, solitário e triste’”.

Tratamentos que funcionam

Neuropsicólogos como Gabel e Eric Zhou, professor assistente da Escola de Medicina de Harvard especializado em recuperação de doenças, dizem que tratar o cérebro de quimio requer uma abordagem multifacetada.

O tratamento do câncer mata as células cancerígenas, mas também causa danos que podem acelerar o envelhecimento e aumentar a inflamação no cérebro. Foto: Mike Blake/Reuters

“É uma combinação de retreinamento cognitivo, práticas de atenção plena para ajudar a reduzir o estresse (e) melhorar coisas como sono e relaxamento, além de eliminar o tipo de estresse de alto nível de cortisol que ocorre quando as pessoas estão passando por essas mudanças”, diz Gabel.

Zhou pede aos pacientes que falem com seus médicos sobre os sintomas cognitivos o mais rápido possível. Um estudo recente mostrou que os sintomas dos pacientes melhoraram com as seguintes intervenções:

Exercícios físicos: em um estudo com mais de 500 pacientes com câncer de mama, aquelas que se exercitaram por 150 minutos por semana mantiveram a função cognitiva semelhante à de um grupo de controle sem câncer, diz Michelle C. Janelsins-Benton, autora do estudo e professora associada da Universidade do Rochester Medical Center.

“Indivíduos que eram fisicamente ativos no momento do diagnóstico, mesmo que não se mantivessem assim durante o tratamento, tiveram melhor desempenho cognitivo, em comparação com aqueles que não eram fisicamente ativos antes do tratamento”, diz Janelsins-Benton.

Ela especula que o exercício combate a inflamação no corpo, que pode ser um fator contribuinte. Em outro estudo, Janelsins-Benton descobriu que o exercício moderado também ajuda os pacientes a manter a capacidade de atenção. “Precisamos de mais estudos, mas acho que os exercícios são muito promissores em termos de benefício”, diz ela.

Terapia cognitivo-comportamental (TCC): redefinir padrões de pensamento e comportamento pode melhorar os sintomas e deixar a vida mais fácil, diz Zhou.

“Se você está com a cabeça muito esquecida, é muito útil criar um ambiente doméstico muito estruturado para que você tenha um local específico para as coisas”, diz Zhou. “O uso de calendários, especialmente aqueles de celular e smartwatch que tocam alarmes, pode estimular o comportamento”.

Desde que foi tratada para o linfoma de Hodgkin quando tinha 19 anos, Diana Pernicano, 29, enfermeira em Yorktown Heights, Nova York, anota tudo. Sua distração já foi tão ruim que ela acabou sendo convidada a pedir demissão de seu primeiro emprego de enfermeira porque esquecia informações essenciais com certa frequência.

“Fiquei muito envergonhada”, diz ela. “Felizmente, consegui me reorientar e arranjar um emprego de enfermagem que adoro”.

Um tipo de TCC chamado treinamento de adaptação de memória e atenção é especialmente eficaz, diz Gabel, e é algo que pode ser facilmente praticado pelos pacientes em casa.

Sono: A falta de sono “amplifica as mudanças fisiológicas que ocorrem com quem tem cérebro de quimio”, diz Zhou. Se você está sofrendo com noites sem dormir, consulte seu médico sobre tentar a TCC, que é considerada o melhor método para lidar com a insônia. Zhou diz que entre as técnicas estão: ajustar os horários de dormir, deixar o quarto mais relaxante e “restrição do sono”, que envolve limitar seu tempo na cama apenas às horas passadas dormindo – não lendo, assistindo TV, nem jogando qualquer coisa no smartphone.

Práticas de atenção plena (mindfulness): meditação, respiração profunda e ioga podem melhorar as queixas cognitivas, de acordo com um pequeno estudo de pacientes com câncer de mama. “Não sabemos ao certo por que isso ajuda, talvez seja por uma conexão mente-corpo ou porque essas coisas são boas para nós no geral”, diz Zhou.

Profissional de saúde ajusta a bolsa de quimioterapia. Foto: Gretchen Ertl / NYT

Psicoestimulantes: embora ainda não haja evidências clínicas de sua eficácia, medicamentos como o Adderall podem ajudar. “Pessoas que estão com muitos problemas de atenção e fadiga cognitiva podem sentir um efeito significativo com essas drogas”, diz Gabel.

O medo do comprometimento cognitivo pode levar os pacientes com câncer a desistir dos tratamentos, mas não deveriam, diz Gabel.

“Tudo isso pode parecer muito assustador, e minha preocupação é que as pessoas recusem tratamentos que podem ser curativos”, diz ela. “Hoje as taxas de sobrevivência para o câncer chegaram a níveis que estariam fora de cogitação vinte anos atrás. Não é certeza que o cérebro de quimio vá acontecer e, se acontecer, há maneiras de lidar com o problema”.

Nenhuma solução aprovada pela FDA – ainda

Nenhum medicamento aprovado pela a agência sanitária americana, a FDA (sigla em inglês para Food and Drug Administration) está disponível para o cérebro de quimio, embora Mandelblatt preveja que não vai demorar muito para que os médicos possam oferecer soluções farmacêuticas a seus pacientes.

“Estamos fazendo algum progresso e espero que as drogas já aprovadas sejam reaproveitadas para o cérebro de quimio”, diz Mandelblatt, observando que os estudos em camundongos são promissores.

Um desses estudos mostrou que o Cisplatin, uma droga quimioterápica vastamente utilizada, altera o metabolismo dos esfingolipídeos no hipocampo (onde a memória é armazenada) do cérebro dos camundongos e desempenha um papel fundamental no cérebro de quimio, diz a autora do estudo, Daniela Salvemini, diretora do Instituto para Neurociência Translacional na Escola de Medicina da St. Louis University.

A equipe de Salvemini então administrou Fingolimod e Zeposia, drogas já aprovadas pela FDA para tratar a esclerose múltipla, e descobriu que elas poderiam bloquear o desenvolvimento do cérebro de quimio em camundongos.

Embora sejam necessários testes em humanos, Salvemini diz: “Acho que poderia ser uma abordagem revolucionária para o tratamento de pacientes com câncer e sobreviventes de câncer. Estamos muito entusiasmados com essa possiblidade. O cérebro de quimio é um problema de verdade. Embora não afete todo mundo, tem um impacto sério na vida das pessoas que afeta”./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.