Mesmo sendo motivo de incômodo e muitas vezes atrapalhar o sono da companheira ou companheiro, o ronco nem sempre é levado a sério. Muitos pensam que roncar é algo natural. Contudo, especialistas ressaltam que é preciso prestar mais atenção quando o ronco é frequente, e que a reclamação das pessoas que dormem junto pode ser um sinal de alerta.
O ronco e a apneia obstrutiva do sono representam 94% das queixas de brasileiros nos consultórios de otorrinolaringologia – a má qualidade do sono é uma reclamação de 25% dos pacientes. Os dados são de levantamento da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), divulgado em março, que consultou mais de 430 médicos de todo o País.
“Se for algo pontual, em ocasiões em que a pessoa bebeu muito, por exemplo, não deve ser motivo de preocupação. Mas quando o ronco é frequentemente reportado pela parceira ou parceiro, pode ser um sinal de apneia do sono”, explica a neurologista Dalva Poyares, pesquisadora do Instituto do Sono e professora da Universidade Federal de São Paulo.
Por que roncamos?
O ronco ocorre durante o sono, quando o ar chega nas vias aéreas superiores, passando pelo nariz e pela garganta, ou seja, pela faringe, onde existe um estreitamento, que pode ser maior ou menor. Quando dormimos, nota-se um relaxamento dos músculos cervicais, o que aumenta essa obstrução das vias. A passagem do ar por esse espaço reduzido provoca esse som alto, que chamamos de ronco. Quanto maior a dificuldade para passar o ar, a pessoa tem mais chances de roncar.
Quando o ar tenta vencer a obstrução e não consegue passar para chegar à traqueia, a pessoa tende a ter falta de ar. Com isso, o organismo faz a pessoa acordar, para garantir que ela volte a respirar normalmente. Trata-se da apneia, principal doença associada ao ronco e que pode estar por trás do problema, muitas vezes.
Segundo o otorrinolaringologista Danilo Sguillar, que é coordenador do Departamento de Medicina do Sono da ABORL-CCF, a apneia provoca uma sobrecarga no coração, que trabalha mais intensamente para manter o mecanismo respiratório funcionando. Com isso, ocorre essa fragmentação do sono e a queda de oxigênio no sangue. Consequentemente, isso leva ao aumento do cortisol no corpo, hormônio liberado pelo organismo quando ele identifica que estamos em situação de estresse ou perigo.
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“Essa ativação do cortisol aumenta as chances de termos inflamações no corpo, e até mesmo de desenvolver ansiedade e depressão. Além disso, há maior risco de o paciente desenvolver doenças cardiovasculares a longo prazo, como arritmia, pressão alta e enfarte agudo do miocárdio”, explica Sguillar. O médico destaca que, com o tempo, a apneia também diminui a proteção contra AVC e diabete.
Ronco em crianças: o que fazer
De acordo com Dalva Poyares, o ronco é ainda mais preocupante em crianças. Nessa faixa etária, roncar nunca é normal, e os pais devem levar os filhos para serem avaliados por profissionais, caso isso aconteça. Foi o caso de Gabriel Alves, 29 anos, que começou a roncar ainda na infância, quando tinha 3 anos. Na época, ele chegou a passar por uma intervenção cirúrgica não invasiva, que resolveu o problema temporariamente.
Anos depois, ele voltou a roncar, e isso foi se agravando, com o passar do tempo, levando à apneia do sono. “Todo mundo que dormia perto de mim se sentia incomodado. Depois, comecei a ter falta de ar durante a noite. Chegou em um ponto que ficou insuportável. Eu acordava sem disposição e com muita ansiedade. Quando fui fazer os exames, eu não tinha a menor dimensão de que a situação estava tão grave”, relata o analista de suporte ao cliente. No ano passado, Gabriel fez a cirurgia para corrigir desvio no septo, que foi bem sucedida. Ele não teve mais problemas com ronco e nem apneias durante a noite.
Conforme explica Sguillar, algumas questões genéticas podem contribuir para o ronco excessivo e desenvolvimento da apneia. O médico afirma que o desvio no septo, excesso de carne esponjosa nas vias nasais, ter o queixo mais para trás ou amígdalas aumentadas são alguns fatores de risco. Obesidade, estar acima do peso e excesso de álcool também são condições que favorecem esses problemas.
Como evitar roncar?
Mesmo quando o barulho não está associado à apneia, roncar pode desencadear má qualidade de sono e diminuição da capacidade cognitiva, levando a problemas de memória e sonolência durante o dia. Dalva Poyares explica que a melhor posição para dormir é de lado, para evitar o ronco. Também é importante não beber em excesso, já que o álcool faz com que a pessoa tenha um sono mais agitado, mais propício para ocorrer a falta de ar.
Danilo Sguillar destaca que os medicamentos benzodiazepínicos, que servem para tratamento da ansiedade, também devem ser usados com moderação. Segundo o otorrinolaringologista, eles provocam maior relaxamento dos músculos, o que aumenta a obstrução da passagem de ar pelas vias respiratórias. A fonoterapia também pode ser uma opção para ajudar quem sofre com o ronco, com exercícios que ajudam a diminuir esse problema.
Já quando há apneia existem diversos tipos de tratamento, como o uso do CPAP, o aparelho mais conhecido para tratar a doença. Esse instrumento é muito eficiente para evitar o ronco e impedir a obstrução das vias aéreas durante o sono. Mas isso varia conforme as necessidades do paciente e o grau da doença, que pode ser leve, moderada ou grave. No caso de Eugênio Urbani Neto, 63 anos, a apneia era severa.
Mesmo com a cirurgia para correção do desvio de septo e remoção das amígdalas, que fez em 2008, ele continuou roncando muito e tendo apneias fortes. “Eu chegava a ficar por um minuto sem respirar no meio do sono. Parecia que eu ia morrer”, conta o comunicador aposentado.
Nos últimos anos, após ganhar mais peso, o problema piorou e ele foi em busca de alternativas. A solução foi o uso do aparelho intraoral, que provoca avanço da mandíbula. Ele passou a fazer o tratamento após ter se consultado com uma dentista focada na qualidade do sono. Após alguns meses de uso, a apneia parou, e ele ronca com menos frequência. O aparelho, que o paciente usa somente para dormir, também tem sido grande aliado no tratamento de apneia e para combater o ronco excessivo.
Cuidados e tratamentos
- Na infância, não é normal roncar, mesmo que com pouca frequência. Caso as crianças apresentem esse problema, é preciso verificar o que está por trás.
- Evite beber em excesso. O álcool é vilão do sono, ele provoca uma noite agitada e sono fragmentado, favorecendo o ronco e a apneia.
- Dormir de lado é a posição ideal para evitar o ronco e ter uma respiração mais adequada durante o sono.
- A fonoterapia é uma opção para ajudar quem sofre com o ronco. Caso desconfie de apneia, é necessário buscar um tratamento adequado com acompanhamento de profissionais da saúde.
- Ter uma rotina de sono adequada, com pelo menos 7 horas, contribui para que a pessoa durma de forma mais tranquila.