SOROCABA - Seis em cada dez jovens relatam ter sentido ansiedade nos últimos seis meses devido ao impacto da pandemia de covid-19 em suas vidas. Um em cada dois (50%) sente cansaço e exaustão frequentes, enquanto 18% relataram depressão e 9%, automutilação ou pensamento suicida. Na educação, 55% sentem que ficaram para trás na aprendizagem e 34% já pensaram em não querer mais estudar –11% ainda pensam em largar os estudos.
Os dados, considerados preocupantes, são da pesquisa Juventudes e a Pandemia: E agora?, que ouviu mais de 16 mil jovens de 15 a 29 anos em todo o Brasil. A sondagem, coordenada pelo Atlas das Juventudes, abordou temas como saúde, educação, trabalho, democracia e redução de desigualdades.
O impacto da pandemia na saúde mental dos jovens é o que mais chama a atenção. Para 82% deles a pandemia ainda não acabou e quase 5 em 10 ainda temem perder familiares ou amigos. Quase 4 a cada 10 jovens se preocupam com a possibilidade de outras pandemias e têm receio de passar por dificuldades financeiras. Mais da metade relatou ter feito uso exagerado de redes sociais e 44% vivem a falta de motivação para atividades cotidianas.
“Vivenciei tudo isso. Tive ansiedade, fiquei com o psicológico abalado e tive depressão, como muitos outros jovens que conheço. Só consegui superar com o apoio da minha família”, contou o estudante de Direito Matheus Henrique Souza de Oliveira, de 21 anos, morador de Sorocaba, interior de São Paulo. Além de ter contraído a covid-19, o estudante viu o vírus infectar toda a família – o pai, a mãe e seu irmão. “Pensar que um vírus invisível estava causando tanta dor e aflição me deixava, sim, com medo, com o psicológico abatido.”
Apoio psicológico
O agravamento da saúde mental levou 30% dos jovens (3 em 10) a usarem aplicativos de auxílio psicológico nos últimos três meses. Muitos recorreram à psicoterapia e um quarto a atividades de socialização, como encontrar amigos, enquanto 4 em 10 citaram atividades físicas. Quase metade dos jovens defendeu o acompanhamento psicológico especializado nessa faixa etária, na saúde pública e nas escolas.
Para 74%, um dos aprendizados da pandemia é a importância da saúde mental, mas 64% se disseram pessimistas em relação à saúde pública. Um quarto dos jovens manifestou preocupação com a fome e pediu ações para garantir uma alimentação segura para os mais vulneráveis. Mais da metade desse público vai manter os bons hábitos adquiridos na pandemia, como usar máscaras quando doentes, usar álcool gel ou lavar as mãos com mais frequência e manter as vacinas em dia.
Na educação, em função do período de ensino remoto, 52% sentem que desenvolveram ou intensificaram a dificuldade de manter o foco, 43% de se organizar para os estudos e 32% para falar em público. Em relação aos aprendizados, 9 a cada 10 concordam que as pessoas entenderam que há várias formas de aprender, que a tecnologia está sendo mais bem utilizada no ensino e que surgiram novas dinâmicas de aula e de avaliação.
Matheus Oliveira lembra que teve muita dificuldade para se adaptar ao ensino remoto. “Eu era de uma geração presencial e tive de migrar para um meio tecnológico que eu não conhecia. Para piorar, o ensino remoto não oferecia a mesma qualidade, então houve dificuldade para lidar com as aulas e perda na aprendizagem”, afirma. Ele afirma que na época trabalhava como estagiário e a empresa o colocou em home office com os outros funcionários. “Mas a empresa oferecia mais recursos do que a escola, então a gente fazia videoconferências semanais ou quinzenais sem problema.”
Embora parte dos jovens tenha interrompido os estudos em algum momento da pandemia – 28% em 2020, 16% em 2021 e 3% este ano –, mais de 7 a cada dez estão otimistas em relação ao desenvolvimento nos estudos. Para 6 em 10, o otimismo prevalece em relação à qualidade do ensino e a conexão da educação com o trabalho. A maioria defende bolsa de estudo, auxílio estudantil e ampliação das oportunidades para a educação profissionalizante.
Para a professora Maria Rosa Rodrigues, da Universidade de Araraquara (Uniara), doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), os dados apresentados pela pesquisa são bastante preocupantes, mostrando o quanto os jovens foram afetados pela pandemia. “O que a gente percebe muito claramente no retorno (à normalidade) é o quanto foi difícil para eles suportar o afastamento social, o medo, a perda dos espaços de socialização, resultando no aumento nos casos de ansiedade e depressão que se refletem na busca deles por atendimento psicológico”, afirma. “Os psicólogos estão com os consultórios bastante cheios, embora não só dessa faixa etária, mas são pessoas que estão tentando elaborar todo o sofrimento que a gente viveu.”
Participação política
A pesquisa abordou também as expectativas dos jovens em relação aos governantes, diante dos efeitos da pandemia e às vésperas das eleições. Para 63% dos participantes, educação deve ser prioridade dos governos, enquanto 56% preferem a saúde, incluindo o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), como foco do governante. Já 49% apontaram a recuperação da economia, renda e trabalho como prioridades. Para 30%, são necessárias ações de combate à fome.
Se é possível ver um lado bom em todo o drama da pandemia, segundo a professora Maria Rosa, foi a valorização dos cuidados com a saúde, especialmente a saúde mental, que passou a ter mais visibilidade, após ter ficado em um plano secundário durante muito tempo.
“Vale muito ressaltar a percepção dos jovens em relação às questões de políticas e de políticas públicas. O quanto que eles estão antenados e ligados no que está acontecendo no País. A gente espera que eles possam realmente se engajar nessas lutas, pois afinal de contas o nosso futuro e da sociedade dependem deles”, afirma. “É uma preocupação que tem de ser coletiva mesmo, ressaltando a importância dos espaços de acolhimento e de apoio a esses jovens para que eles consigam superar as barreiras que já eram naturais, agora somadas às dificuldades advindas da vivência da pandemia. Nós, que somos profissionais da saúde mental, psicólogos e psiquiatras, devemos estar atentos a isso.”
A imensa maioria – 9 em cada 10 – defendem a democracia e 80% concordam que a pandemia deixou as pessoas mais atentas à política. Dos jovens ouvidos, 82% irão votar nas próximas eleições, mas quase 70% estão pessimistas em relação ao compromisso dos políticos com a sociedade. Apesar de bastante politizados, poucos – apenas 4% – pensam em seguir carreira política.
Matheus Oliveira afirma que vai votar no próximo domingo e tem certeza de que as experiências durante a pandemia irão refletir nas suas escolhas. “Não gosto de me envolver com política, mas me preocupo com o futuro e tudo isso está no horizonte e será ponderado na hora do voto.”
Para o coordenador geral do Atlas das Juventudes, Marcus Barão, que também preside o Conselho Nacional da Juventude, a atual geração de jovens, a maior da história do País, demanda propostas concretas e um compromisso real de governantes e candidaturas em 2022. “A pesquisa revela alguns dos seus principais anseios e aspirações, além dos impactos da pandemia em suas vidas. Esse é um processo que temos conduzido ao longo de três anos com mais de 100 mil jovens e poderá contribuir para a definição de prioridades na escolha de que projeto de desenvolvimento e políticas públicas que as juventudes querem para o nosso País.”
Segundo ele, a pesquisa deste ano teve um significado especial por ser realizada praticamente no período de pós-pandemia e em ano eleitoral. “Ficou evidente que os jovens vão em massa para as urnas – 82% vão votar – e vão levar visões de futuro que serão decisivas para seus votos, como o fortalecimento da educação, da saúde, de ações de combate à fome e redução da desigualdade. O que causa espanto é que a gente não vê esses temas colocados como prioridades nos programas de quem se propõe a governar o País”, afirmou.
O estudo mostrou que os jovens estão preocupados e, ao mesmo tempo, otimistas com o futuro, embora muitos tenham pensado em deixar de estudar durante a pandemia. Para Diogo Jamra Tsukumo, gerente de articulação do Itaú Educação e Trabalho, a pesquisa aponta para uma reflexão de como a escola deve ser para dialogar com esse jovem. Ele chama a atenção para outro dado da pesquisa, em que a maioria revela interesse pela conexão do estudo com o mundo do trabalho.
“Vivemos hoje um momento muito promissor para a educação profissional no Brasil, pois ela está inserida no ensino médio – a partir deste ano – e pode oferecer opções de formação profissional aos estudantes. Além disso, o Brasil vive ainda um bônus demográfico com cerca de 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos. Porém, essa linha pode começar a se reverter já a partir de 2030″, apontou.
O Brasil, afirma ele, precisa olhar com carinho para as juventudes hoje, aproveitar esse momento e oferecer oportunidades de qualificação educacional e profissional. “Esses jovens são os adultos de amanhã, que irão cuidar do País, e somente se olharmos para eles agora, podemos sonhar com um futuro com menos desigualdade e mais prosperidade para o Brasil.”
A pesquisa é a terceira da série Juventude e a Pandemia do Coronavírus, que teve edições em 2020 e 2021. A edição 2022 foi realizada em parceria com o Conselho Nacional da Juventude, Em Movimento, Fundação Roberto Marinho, Rede Conhecimento Social, Mapa Educação, Porvir, Unesco e Visão Mundial, com apoio de Itaú Educação e Trabalho, Goyn-SP e Unicef. Foram ouvidos 16.326 jovens de 15 a 29 anos, entre os dias 18 de julho a 21 de agosto de 2022.