Opinião|‘Sentíamo-nos numa imensa escuridão’: Natália Jereissati fala da descoberta de doença rara do filho


Empresária conta a trajetória da família após seu terceiro filho receber o diagnóstico de síndrome de Apert, uma condição que causa a fusão dos ossos do crânio e das extremidades do corpo

Por Natália Jereissati
Atualização:

Após uma gravidez sem sobressaltos, nascia o nosso terceiro filho, com os dedos dos pés e das mãos grudados. Perplexidade na sala de parto. Ao vermos as enfermeiras o levarem para a UTI, fazíamos perguntas sem repostas. O silêncio foi quebrado no terceiro dia, com o diagnóstico de Síndrome de Apert, condição genética rara na qual os ossos do crânio e das extremidades se fundem ainda na gravidez.

A empresária Natália Jereissati descobriu que o filho tinha síndrome de Apert logo após o parto. Nesse momento, ela percebeu como a experiência dos profissionais de saúde em relação à condição eram escassas. Foto: Arquivo pessoal

Entre problemas cardíacos, digestivos, visuais, auditivos, cognitivos e outros possíveis desdobramentos, e diante da nossa ignorância e confusão, a primeira semana foi de paralisia. Nos dez dias de UTI, me dividi entre amamentar e manter minha estabilidade mental. Vindos de vários lugares, pais, irmãos e amigos chegavam a São Paulo aos poucos para nos apoiar.

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Segundo os médicos, nosso filho passaria por várias cirurgias, a primeira delas já nos próximos meses, para liberar os ossos do crânio. Pela magnitude da intervenção, ele teria que atingir um peso mínimo e passar alguns dias na UTI, além de necessitar de transfusão de sangue.

Eu e meu marido conversamos com cada especialista separadamente. Apesar de todo o cuidado que tiveram conosco, a experiência dos médicos era escassa, do contato com poucos casos ou da leitura de livros de medicina. As informações chegavam fragmentadas e desalinhadas.

Sentíamo-nos numa imensa escuridão.

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Enquanto isso, nossa dedicada rede de apoio buscava informações. Foi assim que encontramos o Hospital da Criança de Boston, nos Estados Unidos, um centro de pesquisa com abordagem multidisciplinar. Após conversas e exames enviados, nos sugeriram uma primeira intervenção bem menos invasiva até o terceiro mês de vida. Na sequência, meu filho teria de usar um capacete para moldar a cabeça durante nove meses, o que nos obrigaria a mudar de país.

Foi o que fizemos. A ilustração do quadro que escolhemos para decorar o quarto, na maternidade, era uma casa sendo levada ao vento por um grande balão em que estava amarrada uma bandeira esvoaçante com o nome: João. Parecia uma premonição.

Ilustração do quarto de João na maternidade. Foto: Ilustração: Arquivo pessoal
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Marcamos a cirurgia, jogamos algumas roupas nas malas e partimos para Boston sem planejamento, com nossos três filhos. O primeiro ano foi de muitas incertezas. Só depois de seis meses tivemos a confirmação de que o João iria enxergar e persistiam muitas dúvidas sobre o processo de desenvolvimento dele. Foi um exercício de fé e esperança.

Passados seis anos, vemos hoje a personalidade forte e resiliente do João. Mas já aos 4 anos, ele negociava como queria receber a anestesia, sempre consciente e sereno antes das cirurgias. Numa delas, para corrigir a posição da testa, ficou alguns dias dormindo no hospital. Ao sair, as enfermeiras o auxiliaram para levantar-se com cautela. Brincou com elas, rebolou, bateu palmas, olhou para mim e disse: “Tô vivo!”

Outra vez, depois de quatro meses com os braços e mãos imobilizados para corrigir os polegares, disse que desejava voltar a estudar. Era novembro, final do primeiro semestre escolar do hemisfério norte. O colégio não dera certeza em aceitá-lo, mas concedeu um dia para avaliar. O irmão com 7 anos deu dicas: não bater em ninguém, emprestar os brinquedos e abraçar os novos amigos. Na volta para buscá-lo, estávamos ansiosos. Ao entrar no carro foi categórico: “Fiz tudo certinho.” Deve ter feito mesmo, pois foi aprovado.

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João, Natália Jereissati e seu marido, Igor Cunha. Foto: Arquivo pessoal

Seguimos, assim, admirando a naturalidade com que o João encara e supera cada etapa. Ainda temos muitos desafios, mas também muitas conquistas a celebrar, o que nos motivou a idealizar um simpósio médico sobre a síndrome.

Hoje, esse sonho torna-se realidade em Bauru, onde médicos brasileiros, americanos e franceses se encontrarão em um simpósio, a partir desta quinta, 14, para dividir e trocar experiências sobre os protocolos de tratamento, bem como pesquisas em torno da craniossinostose – Apert é apenas umas das síndromes no espectro dessa malformação congênita. É preciso falar sobre esse tema, ainda tão pouco conhecido no Brasil. Fazer com que a informação chegue às famílias afetadas e dar a elas um futuro de mais esperança.

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No nosso caso, sim, o destino nos surpreendeu. Mas hoje quando olhamos para trás é impossível não pensar: maktub! João, você estava escrito para ser nosso!

Após uma gravidez sem sobressaltos, nascia o nosso terceiro filho, com os dedos dos pés e das mãos grudados. Perplexidade na sala de parto. Ao vermos as enfermeiras o levarem para a UTI, fazíamos perguntas sem repostas. O silêncio foi quebrado no terceiro dia, com o diagnóstico de Síndrome de Apert, condição genética rara na qual os ossos do crânio e das extremidades se fundem ainda na gravidez.

A empresária Natália Jereissati descobriu que o filho tinha síndrome de Apert logo após o parto. Nesse momento, ela percebeu como a experiência dos profissionais de saúde em relação à condição eram escassas. Foto: Arquivo pessoal

Entre problemas cardíacos, digestivos, visuais, auditivos, cognitivos e outros possíveis desdobramentos, e diante da nossa ignorância e confusão, a primeira semana foi de paralisia. Nos dez dias de UTI, me dividi entre amamentar e manter minha estabilidade mental. Vindos de vários lugares, pais, irmãos e amigos chegavam a São Paulo aos poucos para nos apoiar.

Segundo os médicos, nosso filho passaria por várias cirurgias, a primeira delas já nos próximos meses, para liberar os ossos do crânio. Pela magnitude da intervenção, ele teria que atingir um peso mínimo e passar alguns dias na UTI, além de necessitar de transfusão de sangue.

Eu e meu marido conversamos com cada especialista separadamente. Apesar de todo o cuidado que tiveram conosco, a experiência dos médicos era escassa, do contato com poucos casos ou da leitura de livros de medicina. As informações chegavam fragmentadas e desalinhadas.

Sentíamo-nos numa imensa escuridão.

Enquanto isso, nossa dedicada rede de apoio buscava informações. Foi assim que encontramos o Hospital da Criança de Boston, nos Estados Unidos, um centro de pesquisa com abordagem multidisciplinar. Após conversas e exames enviados, nos sugeriram uma primeira intervenção bem menos invasiva até o terceiro mês de vida. Na sequência, meu filho teria de usar um capacete para moldar a cabeça durante nove meses, o que nos obrigaria a mudar de país.

Foi o que fizemos. A ilustração do quadro que escolhemos para decorar o quarto, na maternidade, era uma casa sendo levada ao vento por um grande balão em que estava amarrada uma bandeira esvoaçante com o nome: João. Parecia uma premonição.

Ilustração do quarto de João na maternidade. Foto: Ilustração: Arquivo pessoal

Marcamos a cirurgia, jogamos algumas roupas nas malas e partimos para Boston sem planejamento, com nossos três filhos. O primeiro ano foi de muitas incertezas. Só depois de seis meses tivemos a confirmação de que o João iria enxergar e persistiam muitas dúvidas sobre o processo de desenvolvimento dele. Foi um exercício de fé e esperança.

Passados seis anos, vemos hoje a personalidade forte e resiliente do João. Mas já aos 4 anos, ele negociava como queria receber a anestesia, sempre consciente e sereno antes das cirurgias. Numa delas, para corrigir a posição da testa, ficou alguns dias dormindo no hospital. Ao sair, as enfermeiras o auxiliaram para levantar-se com cautela. Brincou com elas, rebolou, bateu palmas, olhou para mim e disse: “Tô vivo!”

Outra vez, depois de quatro meses com os braços e mãos imobilizados para corrigir os polegares, disse que desejava voltar a estudar. Era novembro, final do primeiro semestre escolar do hemisfério norte. O colégio não dera certeza em aceitá-lo, mas concedeu um dia para avaliar. O irmão com 7 anos deu dicas: não bater em ninguém, emprestar os brinquedos e abraçar os novos amigos. Na volta para buscá-lo, estávamos ansiosos. Ao entrar no carro foi categórico: “Fiz tudo certinho.” Deve ter feito mesmo, pois foi aprovado.

João, Natália Jereissati e seu marido, Igor Cunha. Foto: Arquivo pessoal

Seguimos, assim, admirando a naturalidade com que o João encara e supera cada etapa. Ainda temos muitos desafios, mas também muitas conquistas a celebrar, o que nos motivou a idealizar um simpósio médico sobre a síndrome.

Hoje, esse sonho torna-se realidade em Bauru, onde médicos brasileiros, americanos e franceses se encontrarão em um simpósio, a partir desta quinta, 14, para dividir e trocar experiências sobre os protocolos de tratamento, bem como pesquisas em torno da craniossinostose – Apert é apenas umas das síndromes no espectro dessa malformação congênita. É preciso falar sobre esse tema, ainda tão pouco conhecido no Brasil. Fazer com que a informação chegue às famílias afetadas e dar a elas um futuro de mais esperança.

No nosso caso, sim, o destino nos surpreendeu. Mas hoje quando olhamos para trás é impossível não pensar: maktub! João, você estava escrito para ser nosso!

Após uma gravidez sem sobressaltos, nascia o nosso terceiro filho, com os dedos dos pés e das mãos grudados. Perplexidade na sala de parto. Ao vermos as enfermeiras o levarem para a UTI, fazíamos perguntas sem repostas. O silêncio foi quebrado no terceiro dia, com o diagnóstico de Síndrome de Apert, condição genética rara na qual os ossos do crânio e das extremidades se fundem ainda na gravidez.

A empresária Natália Jereissati descobriu que o filho tinha síndrome de Apert logo após o parto. Nesse momento, ela percebeu como a experiência dos profissionais de saúde em relação à condição eram escassas. Foto: Arquivo pessoal

Entre problemas cardíacos, digestivos, visuais, auditivos, cognitivos e outros possíveis desdobramentos, e diante da nossa ignorância e confusão, a primeira semana foi de paralisia. Nos dez dias de UTI, me dividi entre amamentar e manter minha estabilidade mental. Vindos de vários lugares, pais, irmãos e amigos chegavam a São Paulo aos poucos para nos apoiar.

Segundo os médicos, nosso filho passaria por várias cirurgias, a primeira delas já nos próximos meses, para liberar os ossos do crânio. Pela magnitude da intervenção, ele teria que atingir um peso mínimo e passar alguns dias na UTI, além de necessitar de transfusão de sangue.

Eu e meu marido conversamos com cada especialista separadamente. Apesar de todo o cuidado que tiveram conosco, a experiência dos médicos era escassa, do contato com poucos casos ou da leitura de livros de medicina. As informações chegavam fragmentadas e desalinhadas.

Sentíamo-nos numa imensa escuridão.

Enquanto isso, nossa dedicada rede de apoio buscava informações. Foi assim que encontramos o Hospital da Criança de Boston, nos Estados Unidos, um centro de pesquisa com abordagem multidisciplinar. Após conversas e exames enviados, nos sugeriram uma primeira intervenção bem menos invasiva até o terceiro mês de vida. Na sequência, meu filho teria de usar um capacete para moldar a cabeça durante nove meses, o que nos obrigaria a mudar de país.

Foi o que fizemos. A ilustração do quadro que escolhemos para decorar o quarto, na maternidade, era uma casa sendo levada ao vento por um grande balão em que estava amarrada uma bandeira esvoaçante com o nome: João. Parecia uma premonição.

Ilustração do quarto de João na maternidade. Foto: Ilustração: Arquivo pessoal

Marcamos a cirurgia, jogamos algumas roupas nas malas e partimos para Boston sem planejamento, com nossos três filhos. O primeiro ano foi de muitas incertezas. Só depois de seis meses tivemos a confirmação de que o João iria enxergar e persistiam muitas dúvidas sobre o processo de desenvolvimento dele. Foi um exercício de fé e esperança.

Passados seis anos, vemos hoje a personalidade forte e resiliente do João. Mas já aos 4 anos, ele negociava como queria receber a anestesia, sempre consciente e sereno antes das cirurgias. Numa delas, para corrigir a posição da testa, ficou alguns dias dormindo no hospital. Ao sair, as enfermeiras o auxiliaram para levantar-se com cautela. Brincou com elas, rebolou, bateu palmas, olhou para mim e disse: “Tô vivo!”

Outra vez, depois de quatro meses com os braços e mãos imobilizados para corrigir os polegares, disse que desejava voltar a estudar. Era novembro, final do primeiro semestre escolar do hemisfério norte. O colégio não dera certeza em aceitá-lo, mas concedeu um dia para avaliar. O irmão com 7 anos deu dicas: não bater em ninguém, emprestar os brinquedos e abraçar os novos amigos. Na volta para buscá-lo, estávamos ansiosos. Ao entrar no carro foi categórico: “Fiz tudo certinho.” Deve ter feito mesmo, pois foi aprovado.

João, Natália Jereissati e seu marido, Igor Cunha. Foto: Arquivo pessoal

Seguimos, assim, admirando a naturalidade com que o João encara e supera cada etapa. Ainda temos muitos desafios, mas também muitas conquistas a celebrar, o que nos motivou a idealizar um simpósio médico sobre a síndrome.

Hoje, esse sonho torna-se realidade em Bauru, onde médicos brasileiros, americanos e franceses se encontrarão em um simpósio, a partir desta quinta, 14, para dividir e trocar experiências sobre os protocolos de tratamento, bem como pesquisas em torno da craniossinostose – Apert é apenas umas das síndromes no espectro dessa malformação congênita. É preciso falar sobre esse tema, ainda tão pouco conhecido no Brasil. Fazer com que a informação chegue às famílias afetadas e dar a elas um futuro de mais esperança.

No nosso caso, sim, o destino nos surpreendeu. Mas hoje quando olhamos para trás é impossível não pensar: maktub! João, você estava escrito para ser nosso!

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