No Japão a hashtag #ChineseDon'tComeToJapan (Chineses não venham ao Japão, em tradução livre) está na moda no Twitter. Em Cingapura dezenas de milhares de pessoas assinaram petição para o governo proibir a entrada de cidadãos chineses no país.
Em Hong Kong, Coreia do Sul e Vietnã, empresas postaram cartazes alertando que clientes chineses do continente não são bem-vindos. Na França, chamada de capa de um jornal regional faz um “Alerta Amarelo”. E num subúrbio em Toronto, famílias exigiram que uma escola não recebesse crianças de famílias que retornaram recentemente da China nas salas de aula durante 17 dias.
Na China, a rápida propagação do misterioso coronavírus que já matou 213 pessoas e deixou mais de 10 mil infectadas, desencadeou uma onda de pânico e, em alguns casos, um sentimento anti-chinês por todo o globo.
Embora as autoridades de saúde pública na China venham lutando para conter a crise, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde global, os temores da perigosa epidemia alimentam a xenofobia. E a onda de pânico que se espalha às vezes vai muito além das preocupações de caráter prático.
Num momento em que a ascensão da China como potência militar e econômica global inquieta seus vizinhos na Ásia e seu rivais no Ocidente, o coronavírus contribui para exacerbar a intolerância contra os chineses.
“Parte dessa xenofobia provavelmente tem por base tensões econômicas e políticas mais amplas com relação à China e que vêm interagindo com os recentes temores de contágio”, disse Kristi Govella, professora assistente de estudos asiáticos na Universidade do Havaí, em Manoa.
Parte da reação à epidemia pode ser vista como um cálculo racional baseado no risco de infecção: empresas aéreas vêm cancelando voos para Wuhan, centro da epidemia, e para outras cidades chinesas; organizadores de conferências pedem que delegações chinesas não participem dos eventos.
Na quinta-feira o primeiro ministro da Itália afirmou que o país bloqueou todos os voos de vinda ou de partida para a China. E países como Malásia, Filipinas, Rússia e Vietnã suspenderam temporariamente a emissão de vistos para viajantes oriundos da província de Hubei, da qual Wuhan é a capital, ou da China como um todo.
Não é fácil determinar o limite entre o temor compreensível e a óbvia discriminação. Mas algumas medidas de proteção de fato têm contornos étnico ou racial.
No restaurante Bread Box, no bairro central Hoi Ana, local turístico popular no Vietnã, os proprietários colocaram um cartaz na entrada com os dizeres: “Não podemos atender chineses, desculpem!”. Na costa, o Danang Riverside Hotel anunciou no sábado que não aceitará clientes chineses por causa do vírus.
A Kwong Wing Catering, pequena cadeia de restaurantes em Hong Kong, anunciou no Facebook que passará a atender somente clientes que falem inglês ou cantonês, língua nativa da cidade, distinta do mandarim que é falado no continente. A empresa tem sido uma defensora feroz do movimento em favor da democracia em Hong Kong que tem desafiado Pequim.
Especialistas em saúde pública dizem que compreendem alguns desses impulsos. “De um certo modo é uma reação natural que você tem para se distanciar de uma causa potencial de enfermidade, particularmente quando não há nenhuma cura para ela”, afirmou Karen Eggleston, diretora do programa de políticas de saúde no Shorenstein Asia-Pacific Research Center da universidade de Stanford.
Mas exemplos em mídia social e de massa claramente passaram dos limites. Na Austrália, o Herald Sun, jornal de Murdoch, publicou a foto de uma máscara vermelha com a seguinte legenda abaixo:“China Virus Panda-monium” . Mais de 46 mil pessoas da comunidade chinesa no país assinaram petição qualificando o título como “discriminação racial inaceitável".
O jornal regional francês Le Courrier Picard causou uma onda de indignação com sua manchete "Alerta Amarelo", este mês. O jornal depois se desculpou.
No Twitter, no Japão, onde sempre existiu um incômodo com a conduta dos turistas chineses, que os comentadores rotulam de “sujos”, “antipáticos”, eles agora foram chamados de “bioterroristas”.
A desinformação também é grande. Um vídeo no YouTube muito visualizado na Coreia do Sul afirma que foi uma fábrica de bombas bioquímicas na China que espalhou o coronavírus, uma teoria que se disseminou para outros locais do globo. Na Austrália, uma postagem falsa que circulou no Instagram alertou que lojas em Sydney estavam vendendo biscoitos da sorte, arroz e Red Bull chineses contaminados.
Os chineses - e os asiáticos em geral - enfrentaram reações xenofóbicas durante a epidemia da SARS em 2003. Mas agora um número muito maior deles viaja para o exterior. Segundo o ministério da Cultura e Turismo, os chineses realizaram 150 milhões de viagens para o exterior em 2018, 14% mais do que no ano anterior.
O isolamento pela China de milhões de pessoas para conter a propagação do vírus, pode estar levando outros governos a reagir de modo exagerado, disse Koichi Nakano, cientista político na universidade Sophia em Tóquio.
“O fato de o governo chinês estar tratando as pessoas dessa maneira deveria permitir ou incentivar outras pessoas ou governos a adotarem medidas igualmente draconianas”, disse Nakano.
Alguns governos vêm agindo para diminuir o pânico. Em Toronto, políticos, diretores de escolas e alguns grupos comunitários emitiram apelos para se evitar uma repetição do racismo que tomou conta da cidade quando a SARS provocou a morte de 44 pessoas na cidade.
“Embora o vírus tenha sido identificado numa província da China, temos de ser cautelosos no sentido de que ele não pode ser visto como um vírus chinês”, declarou em comunicado a direção das escolas na região de York, subúrbio com muitos moradores asiáticos. “Às vezes, em casos como este, temos de nos unir como canadenses e evitar qualquer indício de xenofobia, que neste caso vai vitimizar nossa comunidade chinesa e do Leste Asiático”.
Embora a Indonésia tenha suspenso voos de Wuhan, o governador de Sumatra Ocidental, Irwan Prayitno ignorou apelo de um grupo de cidadãos para impedir a entrada de todos os turistas chineses. No domingo, ele foi pessoalmente ao aeroporto para receber 174 visitantes chineses vindos da cidade de Kumming, que fica no sudoeste da China. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINOS