Semanas atrás, na terceira noite sozinha depois que meu marido tinha viajado a trabalho, tirei uma foto de nossa filha absorta no iPad enquanto nosso filho se empanturrava de desenhos no laptop. Mandei a foto para o pai deles para mostrar como a situação tinha ficado terrível na sua ausência. Se você acredita em grande parte do hype em torno dos pais e mães distraídos – que prestam mais atenção aos seus dispositivos do que aos seus filhos – o uso de tela mais escandaloso ali era o meu. Mas será que a parentalidade distraída é realmente tão ruim assim?
A resposta é... às vezes. Segundo os especialistas, muito depende de como e por que estamos usando nossas telas. Assim como nos preocupamos com o efeito do tempo de tela na saúde mental de nossos filhos, devemos nos perguntar o que nosso próprio tempo de tela está fazendo com nosso senso de nós mesmos como pais e mães.
Veja o que os especialistas dizem.
Como definir a parentalidade distraída
Especialistas vêm estudando os efeitos dos smartphones nos pais e mães há quase tanto tempo quanto temos celulares para nos distrair de nossos filhos. E, de acordo com vários estudos ao longo de cerca de uma década, as evidências com certeza sugerem que os celulares realmente têm o potencial de nos piorar como pais e mães. Não só ficamos menos propensos a prestar atenção à segurança física de nossos filhos quando estamos digitando e rolando a tela, mas também deixamos passar seus sinais emocionais e perdemos aquelas interações de qualidade especialmente importantes para o desenvolvimento das crianças mais novas.
Antes de todos jogarmos os smartphones pela janela, é importante definir exatamente o que queremos dizer com parentalidade distraída. “O uso do celular na parentalidade tem muitas nuances”, diz o Dr. Brandon McDaniel, pesquisador do Centro de Pesquisa e Inovação Parkview Mirro, que estudou extensivamente o efeito da tecnologia em pais e filhos. De acordo com McDaniel, existem maneiras positivas e negativas de usar o celular quando você está com seus filhos. Algumas das formas positivas são pedir apoio moral a um amigo quando você está no limite ou obter informações úteis (“ei, Siri, por que o cocô do meu bebê está roxo?”).
Há também os momentos simplesmente inevitáveis em que precisamos atender uma ligação de trabalho ou responder a uma mensagem de texto da babá. McDaniel diz que esse tipo de parentalidade distraída provavelmente é benigno: “O uso ocasional do celular dificilmente causará efeitos negativos a longo prazo”, diz ele.
Um uso de tecnologia menos útil e mais problemático na paternidade é utilizar o telefone para fugir dos sentimentos desagradáveis, como estresse, tédio e solidão, que são essenciais na experiência da parentalidade, não importa quanto você ame seus filhos. O verdadeiro problema com esse tipo de parentalidade distraída voluntária é que muitas vezes sai pela culatra.
“Às vezes, os pais e mães dizem que jogar um jogo ou navegar nas redes sociais os distraía dos sentimentos negativos que eles estavam vivenciando e que, depois, eles conseguiam voltar a se envolver com seus filhos, mas isso é raro”, diz McDaniel. “Mais frequentemente, esses tipos de uso de ‘fuga’ resultam em sentimentos de culpa ou perda de tempo.”
“As pesquisas mostraram um possível ciclo em que o uso do celular perto de uma criança pode levar ao aumento do comportamento negativo da criança, o que gera um maior estresse dos pais, mesmo que eles esperassem aliviar algum estresse com o uso do celular”, diz McDaniel. Em outras palavras, pegamos o celular porque estamos infelizes, e nós (e nossos filhos) estamos infelizes porque ficamos toda hora no celular.
Feitos para distrair
Pais e mães não devem se culpar quando têm dificuldade de resistir a uma olhadinha rápida no Facebook, mesmo sabendo que não é bom para si mesmos, nem para seus filhos. Muitos aplicativos e plataformas de mídia social “incentivam os pais e mães a postar, reagir e consumir quantidades infinitas de conteúdo”, diz Jenny Radesky, professora assistente de pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, que estuda mídia e desenvolvimento infantil.
Paradoxalmente, muito desse envolvimento dos pais e mães com as redes sociais piora nosso estado, e não apenas porque nessa hora estamos ignorando nossos filhos. Os pais e mães podem ser tão vulneráveis aos aspectos de “comparar e se desesperar” de plataformas como Instagram e Facebook quanto qualquer outra pessoa. Radesky diz que os pais e mães que ela entrevistou disseram que “às vezes parece que outros pais estão postando ‘anúncios’ autopromocionais sobre si mesmos”. Mas eles têm dificuldade em separar a ficção das mídias sociais da realidade nada glamourosa da criação dos filhos.
Pense antes de ficar rolando a tela
Para reduzir o tempo de tela improdutivo quando você está com seus filhos – o tipo que faz você se sentir pior consigo mesmo – Radesky sugere criar alguns obstáculos no caminho para fazer você pausar antes de abrir o aplicativo. Por exemplo: ela diz que, se remover os aplicativos parecer um gesto muito extremo, você pode escondê-los em pastas para que não fiquem imediatamente visíveis quando você pega o telefone. Você pode alterar sua tela para uma imagem que o lembre dos limites que você definiu para si mesmo em relação ao uso de tecnologia.
Radesky também recomenda narrar o que você está fazendo quando está usando seu celular, tanto para envolver seus filhos (“vamos mandar uma mensagem para sua babá e dizer para ela nos encontrar no parquinho”) quanto para se responsabilizar por suas escolhas. Você não quer dizer aos seus filhos “A mamãe precisa de um segundo para ver aquela influencer que ela odeia mas segue pela décima vez nesta hora”, quer?
Desconectar para reconectar
Além de repensar seu relacionamento com o celular, você também pode repensar seu relacionamento com as pessoas que você está ignorando quando pega o celular: seus filhos. “Minha recomendação aos pais e mães é que estejam atentos ao uso da tecnologia e pensem cuidadosamente quando e por que estão pegando o telefone”, diz McDaniel. É tédio? Frustração? Dificuldade de se conectar? “Se você sente tédio quando está com seu filho, pergunte a si mesmo quais atividades você pode fazer para que ambos curtam o momento”, diz Roseann Capanna-Hodge, especialista em saúde mental infantil e pediátrica. “Eu adoro fazer pães e bolos, então meus meninos começaram a cozinhar antes mesmo de andar.”
Capanna-Hodge sugere pensar no tempo com seu filho com a mentalidade de que será uma coisa divertida para todo mundo. Se não for, mude as coisas. “Encontre uma estrutura que funcione para você”, diz ela. “Se você sabe que certas horas do dia fazem você sentir impaciência, frustração e vontade de pegar o celular, mude suas rotinas.”
Para mim, esta é a hora do jantar, quer meu marido esteja em casa ou não. Não posso dizer que alcançamos o objetivo de uma hora de jantar consistentemente livre de tecnologia (ou mesmo de um jantar com duração superior a vinte minutos), mas estou tentando abraçar o caos, a bagunça e a insanidade das refeições em vez de mergulhar meus filhos em telas para que eu possa escrever um texto sarcástico sobre como é difícil ser mãe. Não posso dizer com certeza, mas suspeito que envolver meus filhos na mesa de jantar está ajudando a facilitar a transição para a hora de dormir. E, se eu realmente precisar, meu telefone ainda estará lá quando eles estiverem dormindo.
TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU