Que novas pandemias virão é fato, segundo cientistas e profissionais de saúde. Mas como lidar com elas? Que lições a crise sanitária da covid-19 trouxe para o Brasil e o mundo nesse sentido? O tema encerrou o segundo dia de debates do Summit Saúde e Bem-Estar 2022, que está sendo realizado de forma online e gratuita pelo Estadão até a próxima sexta, dia 21 de outubro.
Os especialistas presentes foram unânimes em admitir que a saúde precisa de uma abordagem mais ampla para incluir pelo menos dois fatores que impactam diretamente a resposta a uma crise sanitária. Um deles, voltado para prevenção, é incorporar o quanto antes a preocupação com o meio ambiente à saúde. Outra urgência é garantir a autonomia dos órgãos e estruturas de pesquisa e acesso à saúde para evitar que as futuras crises tenham gestões ideológicas pelo poder público, “blindando” o sistema com autarquias independentes.
Para Ana Sara Levin, professora titular de infectologia da Faculdade de Medicina da USP, precisamos pensar em soluções mais “criativas e eficientes”. “Do ponto de vista da infectologia, o mundo se saiu bem, a vacina foi desenvolvida e começou a ser usada em menos de um ano. Mas algo que surgiu, especialmente no Brasil, e não estava previsto foi o uso político da pandemia”, afirma.
“O SUS (Sistema Único de Saúde) é um patrimônio do Brasil reconhecido internacionalmente. Fortalecê-lo e torná-lo mais independente nas ações de vigilância e controle de doenças, menos vulnerável a ações políticas e ideológicas, deve voltar a ser uma discussão prioritária”, defendeu Cristiana Toscano, médica epidemiologista, membro do Comitê de Experts de Vacinas da Organização Mundial da Saúde e representante da Sociedade Brasileira de Imunizações em São Paulo (SBIM) em Goiás.
O infectologista e professor da USP Marcos Boulos reforçou a importância de cuidado com o meio ambiente na prevenção de futuras pandemias. “Enquanto não tratarmos essa questão com uma relação entre animal, humano e meio ambiente, não haverá como enfrentar ou prevenir uma nova pandemia. Precisamos evitar destruir florestas, buscar uma alimentação saudável, uma agricultura sustentável.”
De acordo com os especialistas, o surgimento das pandemias se conecta com o meio ambiente em função de fatores como densidade populacional humana, mudanças antropogênicas, desmatamento e expansão de terras agrícolas, intensificação da produção animal, aumento da caça e comércio da vida selvagem, além da mobilidade humana numa sociedade cada vez mais globalizada.
A epidemiologista Cristiana Toscano acrescenta que esta relação se explica principalmente pela “gênese” das pandemias, que estão ligadas a zoonoses que, por sua vez, têm relação com desequilíbrios ambientais. Ela lembra que, na pandemia da peste negra, por exemplo, a causa foi uma bactéria, não havia antibióticos e nem se sabia da existência dos agentes infecciosos.
“Hoje, com antibióticos e saneamento, temos a perspectiva de que as pandemias serão causadas prioritariamente por vírus que causam zoonoses (transmitido entre animais e de animais para humanos). Pandemias permitem a combinação e o surgimento de novos tipos virais e vírus que estão circulando entre os animais, como o influenza e o coronavírus. Olhar não só em relação à saúde humana é fundamental”, completa.
Cidadão
Dois outros painéis promovidos no Summit 2022, nesta terça-feira, foram dedicados a debater as tendências para a formação de uma nova saúde, incluindo a valorização cada vez maior das chamadas “soft skills”, as habilidades emocionais, no dia a dia do setor. Essas competências se tornam ainda mais necessárias à medida em que há expectativa de maior longevidade da população brasileira.
Para Milton de Arruda Martins, professor titular de cínica médica da Faculdade de Medicina da USP, um profissional de saúde tem que ser, antes de tudo, um cidadão. “Ele tem que saber se comunicar, saber colaborar, trabalhar em equipe.” Martins acrescenta que ter pensamento crítico e criatividade fazem parte da formação do século 21.
Ana Carolina Bhering, coordenadora da área de enfermagem do Senac-SP, destacou que as competências emocionais não são natas, e as escolas são como uma “incubadora”. “É preciso colocar os alunos, inseri-los no ambiente simulado, promover a simulação realística clínica, simulação comportamental, porque eles trabalham em situações de crise, a comunicação precisa ser assertiva e a técnica muito apurada”, diz ela.
Os profissionais também abordaram essa necessidade de uma nova saúde especialmente diante do envelhecimento da população. Claudia de Lima Quintana Arantes, escritora, médica geriatra e especialista em cuidados paliativos, classificou de “ignorância” tratar o idoso como doente ou incapaz. “Todo o atendimento nesse sentido acaba sendo muito falho, porque são tratados como velhinhos, coitadinhos, infantilizados, como se fossem uma criança”. Ela acrescenta que, para os profissionais de saúde respeitarem mais os idosos, é preciso uma mudança, antes de tudo, na sociedade.
“A cidade não respeita o idoso, por mais que tenhamos consciência de que o mundo está envelhecendo. A forma como a sociedade trata o idoso interfere no atendimento do profissional de saúde para esse público. Ele só é mais frágil, mas tem uma sabedoria e consciência enormes”.
A médica Karina Pavão Patrício, professora da Faculdade de Medicina da Unesp Botucatu, também destaca ser fundamental para uma nova saúde incorporar e entender as mudanças climáticas.
“Estamos vivendo em uma nova era antropológica, o espaço geográfico, o meio ambiente, foi muito alterado pelas ações humanas”, afirma. “Primeiro precisamos tratar a questão das informações, hard skills, conhecer mais, e em cima disso trabalhar as soft skills, a resiliência, o autocontrole, a empatia, tudo isso vai ajudar a realizar essa cuidado com o paciente.” Segundo ela, os caminhos estão sendo construídos coletivamente, de uma forma colaborativa.
Acompanhe
Os desafios das rápidas transformações observadas na área da saúde, sobretudo impulsionadas pela pandemia da covid-19, são tema do Summit Saúde e Bem-Estar 2022, organizado pelo Estadão.
O evento ocorre online, entre 17 e 21 de outubro e contará com a participação de 30 palestrantes brasileiros e estrangeiros. O evento pode ser acompanhar pelas redes do Estadão e pela página oficial.