Terapias avançadas, como as gênicas e as celulares, que no início do século eram promessas, têm dado frutos nos últimos anos. Médicos falam em um momento de “revolução” ou em uma “nova era” de tratamentos que se delineia. Por ora, um grande impeditivo para que elas se tornem mais acessíveis é, sobretudo, o preço. Tratar um único paciente pode custar milhões.
Durante o Summit Saúde e Bem-Estar 2023, evento organizado pelo Estadão que ocorre nesta quinta-feira, 5, entre 9h e 18h, especialistas apontaram que é preciso investir em tecnologia - mais especificamente biotecnologia - para que mais pacientes brasileiros sejam beneficiados por elas. Eles também destacam que ainda são poucas as doenças que podem ser endereçadas com essas terapias de maneira ampla, ou seja, cujo tratamento já está disponível comercialmente. No entanto, elas são estudadas e se mostram promissoras para várias disfunções genéticas, oncológicas e neurodegenerativas.
“No início do século 21, (isso) era uma promessa e, agora, está se tornando realidade. E uma realidade que traz muita esperança para muitos tipos de doenças que hoje são consideradas incuráveis ou graves”, aponta Dimas Tadeu Covas, diretor científico da Fundação Hemocentro da USP de Ribeirão Preto e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Células-Tronco e Terapia Celular (INCTC).
O que são terapias gênicas e celulares?
Covas explica que a terapia gênica tem o objetivo de modificar um gene que está doente. “A pessoa tem uma doença, dependente de um determinado gene, uma determinada sequência de DNA, e (hoje) já é possível modificar esse DNA e corrigir esse defeito genético.”
“Para doenças que são causadas só por falta de um gene, consigo, através de uma injeção na veia do paciente, introduzir um vírus que vai levar esse código genético e fazer a célula, que não sabia produzir aquela proteína, produzi-la”, explica Lenio Alvarenga, diretor médico da Novartis Brasil.
Já na terapia com células CAR-T é um pouco diferente. O que os médicos querem é ensinar o sistema imune do paciente a se livrar da doença, como detalha Alvarenga. “Tiramos uma célula do paciente e ‘falamos’: ‘Você não percebeu essa célula que precisava destruir. Vou colocar um código genético dentro de você, que vai te ensinar a produzir uma proteína. De volta ao corpo, você vai achar onde tem esse componente e destrui-lo’.”
Esse componente pode ser um célula cancerosa, por exemplo. No Brasil, em maio, pesquisadores comemoraram a remissão completa de um linfoma não-Hodgkin – tipo de câncer que se origina no sistema linfático – em apenas um mês. A evolução foi celebrada por pesquisadores, pois se tratava de um paciente de estudo com a terapia CAR-T Cell, desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, em parceria com o Hemocentro da cidade do interior paulista, e também pelo Instituto Butantan. Dos 14 participantes desse estudo, nove tiveram remissão completa.
Como tornar essas terapias mais acessíveis?
Explicar a teoria por trás dessas terapias pode até ser fácil, mas colocá-la em prática não, por isso o alto custo do tratamento. Para tratar um único paciente podem ser necessários milhões de reais. E tornar esses tratamentos acessíveis requer a resolução de uma equação complexa, de acordo com os especialistas.
Covas diz que a primeira coisa a se fazer é investir “maciçamente” em tecnologia, mais especificamente em biotecnologia. “A indústria farmacêutica, de uma forma geral, e a indústria biotecnológica do Brasil são totalmente dependentes de importações.” Segundo ele, embora tenhamos a base industrial completa, importamos 95% da matéria-prima para fabricar medicamentos, conhecida como ingrediente farmacêutico ativo (IFA).
“Essa equação precisa ser invertida; precisamos começar a produção local. Às vezes, a pesquisa (feita no Brasil) chega a um ponto muito interessante de desenvolver patentes, desenvolver o conceito, mas não dá o passo seguinte, que é a industrialização, e não dá por uma questão da dimensão de valores que são necessários”, observa.
José Mauro Kutner, gerente médico de Hemoterapia e Terapia Celular do Hospital Israelita Albert Einstein, avalia que o País tem avançado nesse investimento. “Talvez não na velocidade que gostaríamos”, pondera. Ele acrescenta que um fator preponderante para mais acessibilidade será o tempo. “Ao longo do tempo, com o maior uso disso, a queda de patentes e outros recursos que vão aparecer, somados à indústria de biotecnologia nacional em crescimento, haverá uma diminuição significativa de custo.”
Alvarenga destaca a importância do diálogo. “Não é impossível desde que a gente queira sentar e conversar. São doenças em que a sociedade precisa decidir investir. É superdifícil você arcar com esses custos individualmente, mas, como sociedade, temos que priorizar e saber o que vamos oferecer para população como um todo.”
Brasil versus mundo
Os especialistas também discutiram a posição do Brasil no desenvolvimento dessas terapias avançadas frente a outros países.
Para Covas, o Brasil está “mais ou menos na mesma onda” que outros países. “O primeiro registro comercial de um CAR-T foi feito em 2016 nos Estados Unidos. Nós fizemos aqui no Brasil um desenvolvimento nacional do primeiro tratamento em 2019.”
“Nós dominamos o ciclo tecnológico, sabemos fazer, (mas) não temos escalonamento”, diz. Nesse sentido, Covas questiona se o País vai ser capaz de continuar na onda.
Kutner, por outro lado, avalia que o País tem grandes centros de pesquisa, mas eles são poucos. “Quando vemos o que estão fazendo nos Estados Unidos e na Europa, é só as ver publicações... Enquanto estamos tentando chegar no vírus que ataca o linfoma, vemos gente (de outros países) fazendo misturas de múltiplos vírus com múltiplos alvos”, diz. “Estamos conseguindo lançar alguns satélites, mas não chegamos em Marte ainda”, compara.