‘Tento canalizar o estresse e os holofotes em prol da causa dos transplantes’, diz médico do Faustão


Cardiologista Fernando Bacal conta como lida com a repercussão do caso do apresentador e defende melhor estrutura para captação de órgãos no Brasil: menos de um terço dos procedimentos necessários são realizados

Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Em seus mais de 30 anos como cardiologista, Fernando Bacal já participou de cerca de mil transplantes de coração. Coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor), faz parte da sua rotina acompanhar a angustiante espera dos seus pacientes por um novo órgão junto e vibrar com cada doação que permite devolver a esperança e a funcionalidade a alguns deles.

No último dia 27, o médico experiente, reconhecido como um dos principais na sua especialidade, se viu numa situação atípica: foi um dos integrantes da equipe que participou de um dos transplantes com maior repercussão nas últimas décadas: o do apresentador Fausto Silva, o Faustão, realizado no Einstein.

Em entrevista ao Estadão, Bacal reconhece que a comoção em torno do caso do apresentador traz uma pressão extra ao seu trabalho, mas diz que ela não muda em nada sua conduta médica. Para ele, o que o episódio trouxe de diferente foi a oportunidade de ampliar o debate sobre a importância da doação de órgãos e do sistema de transplantes do País, o maior programa público do tipo no mundo.

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“Trato todos os pacientes como iguais, mas claro que (a repercussão do caso do Faustão) é um estresse a mais, um holofote a mais, mas vi aí uma oportunidade para que as pessoas pudessem falar mais sobre transplante. Todos os hospitais estão relatando um aumento de transplantes feitos nesse curto intervalo, eu acho que já pode ser um reflexo. Então eu canalizo esse estresse em prol da causa dos transplantes”, disse.

Ele afirma que o episódio também ajudou a população a entender os critérios de priorização para transplantes e a seriedade do programa coordenado pelo Ministério da Saúde. “É uma lista única e auditada, não se compra órgãos. O primeiro critério é o de identidade ABO (tipagem sanguínea)”, explica. Segundo a Central de Transplantes do Estado de São Paulo, Faustão tem tipo B, um sangue menos comum, que só 10% dos brasileiros têm. “O tipo B é mais raro, por outro lado, quando surge um doador do tipo B, a concorrência pelo órgão é menor”, explica Bacal.

Quando questionado sobre a reação de Faustão ao receber a notícia que tinham achado um coração compatível, ele diz que prefere não comentar por ser uma questão pessoal do paciente, mas afirma que, no geral, doentes que estão nessa situação, apesar da apreensão pela cirurgia, sentem “uma grande alegria” ao receber o chamado. “É um susto receber a notícia, mas é uma alegria porque isso é o que mais querem, é a grande expectativa”, diz.

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O cardiologista Fernando Bacal, coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor) Foto: Alessandra Muro/Divulgação Einstein

‘Resposta se aceitamos o coração precisa ser dada em uma hora’

O cardiologista conta que, a partir da oferta de um coração a um paciente da fila, começa uma corrida contra o tempo da equipe de transplantes para definir se o procedimento será feito e confirmar se o órgão é viável. “Quando a central de transplantes entra em contato, temos só uma hora para dar a resposta se aceitamos ou não”, conta o cardiologista. A decisão por aceitar ou não pode ser influenciada por razões logísticas e/ou condições clínicas do receptor.

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“Se um coração está na Bahia e eu tenho que trazê-lo para São Paulo, talvez não dê tempo de fazer todo o processo de retirada e transporte nas quatro horas máximas que temos, então recusamos para não correr o risco de perder aquele órgão”, exemplifica o médico.

A partir do aceite, é a equipe que fará o transplante que deverá providenciar toda a logística para a retirada do órgão do doador e transporte do mesmo até o local onde o receptor está internado. “É preciso verificar se vai ter avião da FAB, ambulância. Enquanto isso, o receptor é colocado em jejum absoluto e começa a ser preparado”, diz.

No caso do Faustão, uma parte da equipe do Einstein viajou para Santos, onde estava internado o receptor, para fazer as últimas avaliações da viabilidade do órgão. “Quando chegam ao local onde está o doador, a equipe de transplantes tem que fazer uma avaliação in loco, checar se o coração está batendo adequadamente. Se avaliam que o órgão tem algum problema, o procedimento pode ser suspenso”, explica.

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Foi essa mesma equipe que fez a cirurgia para retirar o coração que passaria a ser o do apresentador horas mais tarde. “Eu costumo que dizer que trabalhar com transplantes não é para superhomem ou supermulher, é um trabalho de time. É preciso muita gente capacitada para conseguirmos viabilizar. Só na nossa equipe de transplante de coração do Einstein, temos cerca de 25 pessoas”, conta Bacal, que também reverencia as famílias que “aceitam doar os órgãos de um parente mesmo em um momento de tragédia familiar”.

‘Só realizamos 1/3 dos transplantes de coração necessários no País’

Bacal, que decidiu seguir na especialidade logo após a residência em cardiologia, em 1992, lamenta que 30% dos pacientes que precisam de um transplante de coração ainda morram na fila e não possam ter a oportunidade que Faustão e outros pacientes tiveram.

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“Hoje, realizamos no Brasil cerca de 350 a 400 transplantes de coração por ano, mas a nossa demanda seria de 1.300. Parte desses morrem na fila sem conseguir um coração compatível. Outros nem chegam a entrar na fila porque não têm acesso ao diagnóstico e encaminhamento adequados”, diz.

A alta taxa de recusa de doação de órgãos por familiares (em torno de 45%) é uma das razões para a baixa captação de corações para doação no Brasil, mas a falta de estrutura para captação de órgãos em diferentes regiões do País também impede que possamos realizar mais desses procedimentos, segundo o médico.

“Muitos dos potenciais doadores estão em hospitais que não têm um simples equipamento de ecocardiograma para avaliar os batimentos cardíacos ou não têm equipes de neurologia para atestar morte encefálica. Hoje, do total de corações que as famílias aceitam doar, só 12% a 15% são viabilizados. Em países de referência, essa taxa pode chegar num patamar de 40% a 50%”, diz.

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Bacal acredita que, com maior sensibilização das famílias e melhora da estrutura de captação de órgãos, é possível triplicar o número de transplantes de coração realizados no País.

‘Maioria dos transplantes feitos no Einstein também são de pacientes do SUS’

O cardiologista, que atua no SUS pelo Incor, destaca que a maioria dos transplantes feitos no Einstein também são de pacientes do sistema público de saúde, atendidos no hospital privado graças ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), uma parceria do Ministério da Saúde com seis hospitais privados de excelência do País por meio do qual as unidades oferecem contrapartidas ao SUS por conta de sua imunidade tributária.

“O Einstein já fez mais 4,6 mil transplantes e 4,2 mil desses foram para pacientes do SUS. Considerando só os de coração, foram 260 no total, dos quais 205 pelo SUS”, diz. O médico explica que os pacientes da rede pública são encaminhados à unidade privada pelo Sistema Nacional de Transplantes ao Einstein e que, na maioria dos casos, são aqueles de maior gravidade com algumas condições que exigem que eles estejam em unidades com capacidade para procedimentos de maior complexidade.

“Geralmente são pacientes com hipertensão pulmonar ou hipersensibilizados, ou seja, com muitos anticorpos formados, o que torna o atendimento mais difícil tecnicamente”, explica.

‘Meu sonho é ver o Brasil campeão do mundo em transplantes de coração’

Apesar dos enormes desafios da sua área, Bacal diz ser um “apaixonado” pela área desde que finalizou sua formação como residente. “Você tem que ser muito apaixonado mesmo porque não é algo simples, você sempre trabalha com urgência, não dá para ter uma rotina pré-estabelecida. Ao mesmo tempo, acredito que o transplante é uma das intervenções médicas com maior impacto na vida de um paciente”, diz.

Ele lembra que, segundo dados do Ministério da Saúde, somente 30% dos pacientes que passam por transplante de coração no Brasil conseguem fazê-lo com menos de 30 dias na fila de espera, como foi o caso do Faustão, mas torce para que esse índice seja cada vez maior.

“Meu sonho é ver o Brasil campeão do mundo em transplantes de coração. E a gente pode chegar lá. Se estivermos melhor preparados, podemos fazer com que as filas se encurtem e tenhamos mais histórias de pacientes que esperaram menos de 30 dias para ter um novo coração.”

Em seus mais de 30 anos como cardiologista, Fernando Bacal já participou de cerca de mil transplantes de coração. Coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor), faz parte da sua rotina acompanhar a angustiante espera dos seus pacientes por um novo órgão junto e vibrar com cada doação que permite devolver a esperança e a funcionalidade a alguns deles.

No último dia 27, o médico experiente, reconhecido como um dos principais na sua especialidade, se viu numa situação atípica: foi um dos integrantes da equipe que participou de um dos transplantes com maior repercussão nas últimas décadas: o do apresentador Fausto Silva, o Faustão, realizado no Einstein.

Em entrevista ao Estadão, Bacal reconhece que a comoção em torno do caso do apresentador traz uma pressão extra ao seu trabalho, mas diz que ela não muda em nada sua conduta médica. Para ele, o que o episódio trouxe de diferente foi a oportunidade de ampliar o debate sobre a importância da doação de órgãos e do sistema de transplantes do País, o maior programa público do tipo no mundo.

“Trato todos os pacientes como iguais, mas claro que (a repercussão do caso do Faustão) é um estresse a mais, um holofote a mais, mas vi aí uma oportunidade para que as pessoas pudessem falar mais sobre transplante. Todos os hospitais estão relatando um aumento de transplantes feitos nesse curto intervalo, eu acho que já pode ser um reflexo. Então eu canalizo esse estresse em prol da causa dos transplantes”, disse.

Ele afirma que o episódio também ajudou a população a entender os critérios de priorização para transplantes e a seriedade do programa coordenado pelo Ministério da Saúde. “É uma lista única e auditada, não se compra órgãos. O primeiro critério é o de identidade ABO (tipagem sanguínea)”, explica. Segundo a Central de Transplantes do Estado de São Paulo, Faustão tem tipo B, um sangue menos comum, que só 10% dos brasileiros têm. “O tipo B é mais raro, por outro lado, quando surge um doador do tipo B, a concorrência pelo órgão é menor”, explica Bacal.

Quando questionado sobre a reação de Faustão ao receber a notícia que tinham achado um coração compatível, ele diz que prefere não comentar por ser uma questão pessoal do paciente, mas afirma que, no geral, doentes que estão nessa situação, apesar da apreensão pela cirurgia, sentem “uma grande alegria” ao receber o chamado. “É um susto receber a notícia, mas é uma alegria porque isso é o que mais querem, é a grande expectativa”, diz.

O cardiologista Fernando Bacal, coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor) Foto: Alessandra Muro/Divulgação Einstein

‘Resposta se aceitamos o coração precisa ser dada em uma hora’

O cardiologista conta que, a partir da oferta de um coração a um paciente da fila, começa uma corrida contra o tempo da equipe de transplantes para definir se o procedimento será feito e confirmar se o órgão é viável. “Quando a central de transplantes entra em contato, temos só uma hora para dar a resposta se aceitamos ou não”, conta o cardiologista. A decisão por aceitar ou não pode ser influenciada por razões logísticas e/ou condições clínicas do receptor.

“Se um coração está na Bahia e eu tenho que trazê-lo para São Paulo, talvez não dê tempo de fazer todo o processo de retirada e transporte nas quatro horas máximas que temos, então recusamos para não correr o risco de perder aquele órgão”, exemplifica o médico.

A partir do aceite, é a equipe que fará o transplante que deverá providenciar toda a logística para a retirada do órgão do doador e transporte do mesmo até o local onde o receptor está internado. “É preciso verificar se vai ter avião da FAB, ambulância. Enquanto isso, o receptor é colocado em jejum absoluto e começa a ser preparado”, diz.

No caso do Faustão, uma parte da equipe do Einstein viajou para Santos, onde estava internado o receptor, para fazer as últimas avaliações da viabilidade do órgão. “Quando chegam ao local onde está o doador, a equipe de transplantes tem que fazer uma avaliação in loco, checar se o coração está batendo adequadamente. Se avaliam que o órgão tem algum problema, o procedimento pode ser suspenso”, explica.

Foi essa mesma equipe que fez a cirurgia para retirar o coração que passaria a ser o do apresentador horas mais tarde. “Eu costumo que dizer que trabalhar com transplantes não é para superhomem ou supermulher, é um trabalho de time. É preciso muita gente capacitada para conseguirmos viabilizar. Só na nossa equipe de transplante de coração do Einstein, temos cerca de 25 pessoas”, conta Bacal, que também reverencia as famílias que “aceitam doar os órgãos de um parente mesmo em um momento de tragédia familiar”.

‘Só realizamos 1/3 dos transplantes de coração necessários no País’

Bacal, que decidiu seguir na especialidade logo após a residência em cardiologia, em 1992, lamenta que 30% dos pacientes que precisam de um transplante de coração ainda morram na fila e não possam ter a oportunidade que Faustão e outros pacientes tiveram.

“Hoje, realizamos no Brasil cerca de 350 a 400 transplantes de coração por ano, mas a nossa demanda seria de 1.300. Parte desses morrem na fila sem conseguir um coração compatível. Outros nem chegam a entrar na fila porque não têm acesso ao diagnóstico e encaminhamento adequados”, diz.

A alta taxa de recusa de doação de órgãos por familiares (em torno de 45%) é uma das razões para a baixa captação de corações para doação no Brasil, mas a falta de estrutura para captação de órgãos em diferentes regiões do País também impede que possamos realizar mais desses procedimentos, segundo o médico.

“Muitos dos potenciais doadores estão em hospitais que não têm um simples equipamento de ecocardiograma para avaliar os batimentos cardíacos ou não têm equipes de neurologia para atestar morte encefálica. Hoje, do total de corações que as famílias aceitam doar, só 12% a 15% são viabilizados. Em países de referência, essa taxa pode chegar num patamar de 40% a 50%”, diz.

Bacal acredita que, com maior sensibilização das famílias e melhora da estrutura de captação de órgãos, é possível triplicar o número de transplantes de coração realizados no País.

‘Maioria dos transplantes feitos no Einstein também são de pacientes do SUS’

O cardiologista, que atua no SUS pelo Incor, destaca que a maioria dos transplantes feitos no Einstein também são de pacientes do sistema público de saúde, atendidos no hospital privado graças ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), uma parceria do Ministério da Saúde com seis hospitais privados de excelência do País por meio do qual as unidades oferecem contrapartidas ao SUS por conta de sua imunidade tributária.

“O Einstein já fez mais 4,6 mil transplantes e 4,2 mil desses foram para pacientes do SUS. Considerando só os de coração, foram 260 no total, dos quais 205 pelo SUS”, diz. O médico explica que os pacientes da rede pública são encaminhados à unidade privada pelo Sistema Nacional de Transplantes ao Einstein e que, na maioria dos casos, são aqueles de maior gravidade com algumas condições que exigem que eles estejam em unidades com capacidade para procedimentos de maior complexidade.

“Geralmente são pacientes com hipertensão pulmonar ou hipersensibilizados, ou seja, com muitos anticorpos formados, o que torna o atendimento mais difícil tecnicamente”, explica.

‘Meu sonho é ver o Brasil campeão do mundo em transplantes de coração’

Apesar dos enormes desafios da sua área, Bacal diz ser um “apaixonado” pela área desde que finalizou sua formação como residente. “Você tem que ser muito apaixonado mesmo porque não é algo simples, você sempre trabalha com urgência, não dá para ter uma rotina pré-estabelecida. Ao mesmo tempo, acredito que o transplante é uma das intervenções médicas com maior impacto na vida de um paciente”, diz.

Ele lembra que, segundo dados do Ministério da Saúde, somente 30% dos pacientes que passam por transplante de coração no Brasil conseguem fazê-lo com menos de 30 dias na fila de espera, como foi o caso do Faustão, mas torce para que esse índice seja cada vez maior.

“Meu sonho é ver o Brasil campeão do mundo em transplantes de coração. E a gente pode chegar lá. Se estivermos melhor preparados, podemos fazer com que as filas se encurtem e tenhamos mais histórias de pacientes que esperaram menos de 30 dias para ter um novo coração.”

Em seus mais de 30 anos como cardiologista, Fernando Bacal já participou de cerca de mil transplantes de coração. Coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor), faz parte da sua rotina acompanhar a angustiante espera dos seus pacientes por um novo órgão junto e vibrar com cada doação que permite devolver a esperança e a funcionalidade a alguns deles.

No último dia 27, o médico experiente, reconhecido como um dos principais na sua especialidade, se viu numa situação atípica: foi um dos integrantes da equipe que participou de um dos transplantes com maior repercussão nas últimas décadas: o do apresentador Fausto Silva, o Faustão, realizado no Einstein.

Em entrevista ao Estadão, Bacal reconhece que a comoção em torno do caso do apresentador traz uma pressão extra ao seu trabalho, mas diz que ela não muda em nada sua conduta médica. Para ele, o que o episódio trouxe de diferente foi a oportunidade de ampliar o debate sobre a importância da doação de órgãos e do sistema de transplantes do País, o maior programa público do tipo no mundo.

“Trato todos os pacientes como iguais, mas claro que (a repercussão do caso do Faustão) é um estresse a mais, um holofote a mais, mas vi aí uma oportunidade para que as pessoas pudessem falar mais sobre transplante. Todos os hospitais estão relatando um aumento de transplantes feitos nesse curto intervalo, eu acho que já pode ser um reflexo. Então eu canalizo esse estresse em prol da causa dos transplantes”, disse.

Ele afirma que o episódio também ajudou a população a entender os critérios de priorização para transplantes e a seriedade do programa coordenado pelo Ministério da Saúde. “É uma lista única e auditada, não se compra órgãos. O primeiro critério é o de identidade ABO (tipagem sanguínea)”, explica. Segundo a Central de Transplantes do Estado de São Paulo, Faustão tem tipo B, um sangue menos comum, que só 10% dos brasileiros têm. “O tipo B é mais raro, por outro lado, quando surge um doador do tipo B, a concorrência pelo órgão é menor”, explica Bacal.

Quando questionado sobre a reação de Faustão ao receber a notícia que tinham achado um coração compatível, ele diz que prefere não comentar por ser uma questão pessoal do paciente, mas afirma que, no geral, doentes que estão nessa situação, apesar da apreensão pela cirurgia, sentem “uma grande alegria” ao receber o chamado. “É um susto receber a notícia, mas é uma alegria porque isso é o que mais querem, é a grande expectativa”, diz.

O cardiologista Fernando Bacal, coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor) Foto: Alessandra Muro/Divulgação Einstein

‘Resposta se aceitamos o coração precisa ser dada em uma hora’

O cardiologista conta que, a partir da oferta de um coração a um paciente da fila, começa uma corrida contra o tempo da equipe de transplantes para definir se o procedimento será feito e confirmar se o órgão é viável. “Quando a central de transplantes entra em contato, temos só uma hora para dar a resposta se aceitamos ou não”, conta o cardiologista. A decisão por aceitar ou não pode ser influenciada por razões logísticas e/ou condições clínicas do receptor.

“Se um coração está na Bahia e eu tenho que trazê-lo para São Paulo, talvez não dê tempo de fazer todo o processo de retirada e transporte nas quatro horas máximas que temos, então recusamos para não correr o risco de perder aquele órgão”, exemplifica o médico.

A partir do aceite, é a equipe que fará o transplante que deverá providenciar toda a logística para a retirada do órgão do doador e transporte do mesmo até o local onde o receptor está internado. “É preciso verificar se vai ter avião da FAB, ambulância. Enquanto isso, o receptor é colocado em jejum absoluto e começa a ser preparado”, diz.

No caso do Faustão, uma parte da equipe do Einstein viajou para Santos, onde estava internado o receptor, para fazer as últimas avaliações da viabilidade do órgão. “Quando chegam ao local onde está o doador, a equipe de transplantes tem que fazer uma avaliação in loco, checar se o coração está batendo adequadamente. Se avaliam que o órgão tem algum problema, o procedimento pode ser suspenso”, explica.

Foi essa mesma equipe que fez a cirurgia para retirar o coração que passaria a ser o do apresentador horas mais tarde. “Eu costumo que dizer que trabalhar com transplantes não é para superhomem ou supermulher, é um trabalho de time. É preciso muita gente capacitada para conseguirmos viabilizar. Só na nossa equipe de transplante de coração do Einstein, temos cerca de 25 pessoas”, conta Bacal, que também reverencia as famílias que “aceitam doar os órgãos de um parente mesmo em um momento de tragédia familiar”.

‘Só realizamos 1/3 dos transplantes de coração necessários no País’

Bacal, que decidiu seguir na especialidade logo após a residência em cardiologia, em 1992, lamenta que 30% dos pacientes que precisam de um transplante de coração ainda morram na fila e não possam ter a oportunidade que Faustão e outros pacientes tiveram.

“Hoje, realizamos no Brasil cerca de 350 a 400 transplantes de coração por ano, mas a nossa demanda seria de 1.300. Parte desses morrem na fila sem conseguir um coração compatível. Outros nem chegam a entrar na fila porque não têm acesso ao diagnóstico e encaminhamento adequados”, diz.

A alta taxa de recusa de doação de órgãos por familiares (em torno de 45%) é uma das razões para a baixa captação de corações para doação no Brasil, mas a falta de estrutura para captação de órgãos em diferentes regiões do País também impede que possamos realizar mais desses procedimentos, segundo o médico.

“Muitos dos potenciais doadores estão em hospitais que não têm um simples equipamento de ecocardiograma para avaliar os batimentos cardíacos ou não têm equipes de neurologia para atestar morte encefálica. Hoje, do total de corações que as famílias aceitam doar, só 12% a 15% são viabilizados. Em países de referência, essa taxa pode chegar num patamar de 40% a 50%”, diz.

Bacal acredita que, com maior sensibilização das famílias e melhora da estrutura de captação de órgãos, é possível triplicar o número de transplantes de coração realizados no País.

‘Maioria dos transplantes feitos no Einstein também são de pacientes do SUS’

O cardiologista, que atua no SUS pelo Incor, destaca que a maioria dos transplantes feitos no Einstein também são de pacientes do sistema público de saúde, atendidos no hospital privado graças ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), uma parceria do Ministério da Saúde com seis hospitais privados de excelência do País por meio do qual as unidades oferecem contrapartidas ao SUS por conta de sua imunidade tributária.

“O Einstein já fez mais 4,6 mil transplantes e 4,2 mil desses foram para pacientes do SUS. Considerando só os de coração, foram 260 no total, dos quais 205 pelo SUS”, diz. O médico explica que os pacientes da rede pública são encaminhados à unidade privada pelo Sistema Nacional de Transplantes ao Einstein e que, na maioria dos casos, são aqueles de maior gravidade com algumas condições que exigem que eles estejam em unidades com capacidade para procedimentos de maior complexidade.

“Geralmente são pacientes com hipertensão pulmonar ou hipersensibilizados, ou seja, com muitos anticorpos formados, o que torna o atendimento mais difícil tecnicamente”, explica.

‘Meu sonho é ver o Brasil campeão do mundo em transplantes de coração’

Apesar dos enormes desafios da sua área, Bacal diz ser um “apaixonado” pela área desde que finalizou sua formação como residente. “Você tem que ser muito apaixonado mesmo porque não é algo simples, você sempre trabalha com urgência, não dá para ter uma rotina pré-estabelecida. Ao mesmo tempo, acredito que o transplante é uma das intervenções médicas com maior impacto na vida de um paciente”, diz.

Ele lembra que, segundo dados do Ministério da Saúde, somente 30% dos pacientes que passam por transplante de coração no Brasil conseguem fazê-lo com menos de 30 dias na fila de espera, como foi o caso do Faustão, mas torce para que esse índice seja cada vez maior.

“Meu sonho é ver o Brasil campeão do mundo em transplantes de coração. E a gente pode chegar lá. Se estivermos melhor preparados, podemos fazer com que as filas se encurtem e tenhamos mais histórias de pacientes que esperaram menos de 30 dias para ter um novo coração.”

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